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Habanera*, excerto do The French Album, por Jorge Federico Osorio
O álbum vale pela seleção criteriosa das peças de compositores franceses do virar do século XIX, para o século XX (Gabriel Fauré, Claude Debussy, Emmanuel Chabrier, Maurice Ravel) com uma incursão no século XVIII (obras de Rameau); e vale também pela interpretação límpida, sem concessões, pondo em relevo a poesia encerrada nestas partituras.
Paul Verlaine (1844 -1896) tem sido considerado um dos chefes de fila do movimento Simbolista.
Tal era a sua potência poética que - apesar da sua «má vida» e dos amores proibidos com Artur Rimbaud - o elegeram o «Príncipe dos Poetas», do Parnasso Contemporâneo.
A sua arte é talvez a forma mais acabada de síntese entre o clássico e o moderno.
Quando nos debruçamos sobre a sua obra, valorizando os aspetos estéticos, ficamos extasiados pela musicalidade, subtileza e pela utilização de audácias de estilo que seriam lembradas pelos seus sucessores.
Afinal de contas, é certo que ele seja o Príncipe: Porque, que mais pode uma alma literária desejar para sua posteridade, do que ser admirada, plagiada, estudada, posta em música e isto, em sucessivas gerações!?
A peça Clair de Lune (Luar) de Debussy, integrada na suite «Bergamasque», não sendo um «poema musicado» é uma peça que banha na atmosfera simbolista e possui óbvias referências à poesia de Verlaine. Não apenas o nome «Clair de Lune» é idêntico a um dos poemas da recolha das «Fêtes Galantes» mas, no poema de Verlaine, este menciona «masques et bergamasques»: Trata-se de uma ironia saborosa, pois «masques» (máscaras) estão unidas, pela rima interna, com «bergamasque» a dança renascentista, originária de Bergamo, Itália.
Estou convencido que Debussy escolheu este título da suite «Bergamasque», como forma de homenagear o poeta simbolista.
Esta canção, a mais conhecida de Fauré, é uma obra de juventude do compositor (Op. 7, No. 1, 1865).
O poema de Romain Bussine é a adaptação para francês do texto anónimo italiano "Levati sol que luna è levata". Gabriel Fauré é um dos expoentes do impressionismo musical. Este estilo foi cultivado pelo português António Fragoso, cedo falecido, devido à pandemia de gripe de 1918.
Dans un sommeil que charmait ton image
Je rêvais le bonheur, ardent mirage;
Tes yeux étaient plus doux, ta voix pure et sonore,
Tu rayonnais comme un ciel éclairé par l'aurore.
Tu m'appelais et je quittais la terre
Pour m'enfuir avec toi vers la lumière;
Les cieux pour nous, entr'ouvraient leurs nues,
Splendeurs inconnues, lueurs divines entrevues...
Hélas! Hélas, triste réveil des songes!
Je t'appelle, ô nuit, rends-moi tes mensonges;
Reviens, reviens radieuse,
Reviens, ô nuit mystérieuse!
Translation:
After a dream
In a sleep which your image charmed
I dreamed of happiness, ardent mirage;
your eyes were sweeter, your voice pure and ringing,
you shone like a sky lit up by the dawn.
You were calling me and I was leaving the earth
to flee with you towards the light;
the skies parted their clouds for us,
unknown splendours, divine half-seen gleams...
Alas! Alas! Sad awakening from dreams!
I call on you, O night, give me back your deceits;
come back, come back resplendent,
come back, O mysterious night!
Peça escrita inicialmente para piano, depois adaptada pelo autor para pequena orquestra, esta jóia musical é merecidamente uma das peças mais conhecidas de Gabriel Fauré.
A pavana é uma dança de origem italiana, muito popular no século XVI e mais tarde. O baixo obstinado indica o ritmo básico da dança. As variações sobre o tema são frequentemente retomadas em diversas vozes.
Nesta pavana, sobressai o tema cortesão e nostálgico, que nos faz imaginar um baile na corte real ou de algum grande nobre. O tema é tratado de forma criativa, em variações que mostram bem que estamos perante uma peça pós-romântica, em particular, pela sua estrutura harmónica.
Gabriel Fauré é importante como «charneira» entre o segundo romantismo (Tchaikovsky) e o modernismo (Debussy, Ravel...). A sua obra continua a ser muito apreciada e executada em concertos, nomeadamente, o Requiem, a música de câmara e a música para piano.
Elegia é um tipo de composição que, geralmente, está relacionada com a saudade, com a memória de alguém que já não é deste mundo.
Esta elegia composta por Fauré exprime um complexo de sentimentos, traduzidos pela expressiva arcada de Julian Lloyd Webber.
A peça possui uma complexidade maior do que aparenta, com a sua estrutura multi-temática, os momentos mais agitados e outros mais serenos e as frases que se desenvolvem, quer nas cordas mais graves, quer nas mais agudas.
António Fragoso é um quase desconhecido em Portugal, fora dos círculos de melómanos. Embora tenha sido um jovem talentoso e reconhecido como tal, a sua morte precoce (aos 21 anos), impediu que o seu talento desse fruto mais abundante.
Ele morreu da grande epidemia de gripe de 1918, ao mesmo tempo que vários membros da sua família.
Esta gripe pandémica de 1918 causou cerca de 20 milhões de mortes. O vírus responsável foi originado por uma mutação virulenta a partir de estirpe(s) pré-existente(s). As pessoas não estavam imunizadas para esta estirpe nova e morreram em maior número que os mortos directos da 1ª Guerra Mundial.
Ficou esta gripe conhecida como «pneumónica» porque atacava os pulmões com particular virulência, ou como «espanhola», não por ter vindo de Espanha, mas porque em Espanha, pais neutral, ela foi noticiada pela primeira vez; em Espanha a censura das notícias não existia, ao contrário da França e de outros países em guerra. Talvez esta estirpe (H1N1) se tenha tornado mais virulenta nas trincheiras da primeira guerra mundial.
De qualquer maneira, o seu efeito foi tão devastador, especialmente nas camadas mais jovens das populações, que o défice demográfico, causado tanto pela 1ª Guerra como pela gripe «espanhola», se fez sentir durante várias décadas.
O jovem Fragoso esteve, desde cedo, envolvido com o que havia de melhor na música da época, quando frequentou com brilhantismo o Conservatório Nacional.
Em várias peças, nomeadamente nalguns Prelúdios aqui reproduzidos, compreendemos que o jovem músico tinha conhecimento da produção de Debussy, Ravel, Fauré e doutros contemporâneos.
Pessoalmente, agradam-me especialmente estes Sete Prelúdios; mas, as restantes obras que deixou são igualmente valiosas e interessantes. Nelas, ele explora as harmonias vagas e indefinidas do que, mais tarde, se viria a designar por «impressionismo musical».
Ambos (o compositor e o poeta) pertencem à mesma cultura, que viu nascer o Movimento Modernista português, com Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá Carneiro e outros.
É verdade que Verlaine foi buscar o título «Romances sans Paroles» a uma célebre recolha de peças de Mendelssohn para piano.
Porém, não me parece que haja muito mais do que uma importação de título, neste caso.
Pelo contrário, já a atmosfera das três peças de Gabriel Fauré, intituladas do mesmo modo e publicadas posteriormente à recolha de poemas de Paul Verlaine (recolha de poemas agrupados em três partes), se coaduna com a atmosfera de poesias de Verlaine, não apenas de «Romances Sans Paroles», como de outras recolhas.
O impressionismo musical foi buscar tanto ao impressionismo pictórico quanto aos poetas «parnassianos», do qual Verlaine foi o expoente.
A musicalidade dos versos de Verlaine inspirou muitos músicos a musicarem os mesmos.
Se a poesia é toda ela música, não existe, a meu ver, poeta mais musical, em língua francesa.
Romances sans paroles de G. Fauré
Green
Voici des fruits, des fleurs, des feuilles et des branches Et puis voici mon coeur qui ne bat que pour vous. Ne le déchirez pas avec vos deux mains blanches Et qu'à vos yeux si beaux l'humble présent soit doux.
J'arrive tout couvert encore de rosée Que le vent du matin vient glacer à mon front. Souffrez que ma fatigue à vos pieds reposée Rêve des chers instants qui la délasseront.
Sur votre jeune sein laissez rouler ma tête Toute sonore encore de vos derniers baisers ; Laissez-la s'apaiser de la bonne tempête, Et que je dorme un peu puisque vous reposez.
Soleils couchants
Une aube affaiblie Verse par les champs La mélancolie Des soleils couchants. La mélancolie Berce de doux chants Mon coeur qui s'oublie Aux soleils couchants. Et d'étranges rêves, Comme des soleils Couchants, sur les grèves, Fantômes vermeils, Défilent sans trêves, Défilent, pareils A de grands soleils Couchants sur les grèves.
Art poétique
De la musique avant toute chose, Et pour cela préfère l’Impair Plus vague et plus soluble dans l’air, Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.
Il faut aussi que tu n’ailles point Choisir tes mots sans quelque méprise : Rien de plus cher que la chanson grise Ou l’Indécis au Précis se joint.
C’est de beaux yeux derrière des voiles, C’est le grand jour tremblant de midi ; C’est par un ciel d’automne attiédi, Le bleu fouillis des claires étoiles !
Car nous voulons la Nuance encor, Pas la couleur, rien que la Nuance ! Oh ! la nuance seule fiance Le rêve au rêve et la flûte au cor !
Fuis du plus loin la Pointe assassine, L’Esprit cruel et le Rire impur, Qui font pleurer les yeux de l’Azur, Et tout cet ail de basse cuisine !
Prend l’éloquence et tords-lui son cou ! Tu feras bien, en train d’énergie, De rendre un peu la Rime assagie. Si l’on y veille, elle ira jusqu’où ?
Ô qui dira les torts de la Rime ! Quel enfant sourd ou quel nègre fou Nous a forgé ce bijou d’un sou Qui sonne creux et faux sous la lime ?
De la musique encore et toujours ! Que ton vers soit la chose envolée Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée Vers d’autres cieux à d’autres amours.
Que ton vers soit la bonne aventure Éparse au vent crispé du matin Qui va fleurant la menthe et le thym… Et tout le reste est littérature.