Maurice Ravel foi um compositor francês, de grande relevo em toda a Europa, na transição do século XIX para o século XX. Com Claude Debussy, costuma ser designado um dos «impressionistas musicais» mais célebres. Porém, esta classificação de «impressionista» é incorrecta.
É verdade que a música destes compositores se espaireceu na época em que a pintura impressionista triunfava. Mas, isto não significa que as composições musicais destes compositores fossem análogas dos efeitos de cor, do lusco-fusco, das manchas coloridas que adquiriam forma e sentido a certa distância do quadro, etc., caraterísticas dos quadros impressionistas seus contemporâneos...
A colaboração estreita de Maurice Ravel com os «Ballets Russes» do empresário Sergei Diaghilev foi frutuosa e está na origem da versão para orquestra pelo próprio Maurice Ravel, da peça «Alborada del Gracioso», originalmente para piano.
Aqui, pode ouvir a versão para orquestra, com a Orquestra Sinfónica de Galicia, dirigida por Dima Slobodeniouk.
Estes «retratos musicais» são, porventura, a forma musical mais característica de Ravel. Porém, são peças cujo conteúdo não está definido de antemão, contrariamente ao que os títulos parecem indicar. Quanto muito, os títulos dão uma referência sobre a origem musical ou literária da inspiração do compositor. Prova disso, a mesma peça «Alborada del Gracioso» foi rebaptizada «Os Jardins de Aranjuez», por ocasião da tournée em 1919 em Londres, pelos Ballets de Diaghilev.
A música, composta antes ou de propósito para o ballet, fornece o ímpeto para a dança. Esta última, é criação de movimento, sobre uma criação sonora.
ALBORADA DEL GRACIOSO pelo Ballet Nacional de España
Inspirada no Livro do Apocalipse, a Sequência do Dies Irae* faz parte do ofício de Requiem, a missa celebrada perante o corpo do falecido antes deste ser sepultado.
Em várias épocas da História da Música foi usado o tema do Dies Irae. Foi o caso de Mozart, Liszt, Berlioz e incontáveis outros. Em suas composições, foi utilizado como tema em sonatas ou sinfonias, além da Sequência ser parte integrante do Requiem. Os compositores - ao comporem missas de Requiem - respeitaram, geralmente, a tradição católica.
Pode-se argumentar que toda a música ocidental se baseia no Canto Gregoriano, em última análise: Isto não é falso, em termos de desenvolvimento histórico. Mas, a polifonia medieval e renascentista, a música sacra e profana barroca, clássica, romântica, etc. nem sempre mostram a origem sacra da sua inspiração, que está efetivamente presente em muitas composições.
Por outro lado, os modos gregorianos (8 modos, inicialmente) foram deturpados a partir do Renascimento, sendo transformados em 12 modos, para assim forçadamente os fazer corresponder aos modos gregos antigos ou melhor, ao que se julgava serem os modos gregos, na antiguidade.
Após isto, os modos acabaram por ser reduzidos somente a dois, o modo Maior, e o modo menor. Costuma designar-se por 'modulação' a transposição de um tom para outro, mantendo as relações entre notas: não se pode considerar uma verdadeira modulação, pois se manterá o mesmo modo e o mesmo relacionamento entre as notas. Elas serão mais agudas, ou mais graves na escala, porém sem quaisquer diferenças nas relações entre elas. As mudanças de tom tornaram-se frequentes nas composições, desde o fim do Renascimento ao Romantismo: Elas são meras transposições, afinal. O paradigma tonal dominou toda a música, erudita ou popular, até aos finais do século XIX.
Foi por essa altura (segunda metade do séc. XIX) que a música litúrgica (gregoriana) experimentou um renovo. O Renascimento Gregoriano foi iniciado em França, na Abadia de Solesmes. Esta restauração do Canto Litúrgico, levou a que muitos músicos eruditos (entre outros, Ravel, Debussy, Stravinsky e compositores mais recentes), se inspirassem nos modos gregorianos e compusessem peças com estruturas modais, pentatónicas ou outras, em vez das tonais clássicas.
Paradoxalmente, o retorno ao passado, o conhecimento e o rigor interpretativo do canto litúrgico gregoriano, contribuiu para despoletar a revolução na música dos finais do século XIX, inícios do século XX.
Foi assim que a música erudita contemporânea se pôde emancipar da "ditadura tonal".
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* Sequência Dies Irae
(parte da Missa de Requiem)
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1- Dies iræ! Dies illa
Solvet sæclum in favilla:
Teste David cum Sibylla!
2.- Quantus tremor est futurus,
Quando iudex est venturus,
Cuncta stricte discussurus!
3.- Tuba mirum spargens sonum
Per sepulchra regionum,
Coget omnes ante thronum.
4.- Mors stupebit, et natura,
Cum resurget creatura,
Iudicanti responsura.
5.- Liber scriptus proferetur,
In quo totum continetur,
Unde mundus iudicetur.
6.- Iudex ergo cum sedebit,
Quidquid latet, apparebit:
Nil inultum remanebit.
7.- O tu, Deus maiestatis,
alme candor Trinitatis
nos coniunge cum beatis.
Amen.
Habanera*, excerto do The French Album, por Jorge Federico Osorio
O álbum vale pela seleção criteriosa das peças de compositores franceses do virar do século XIX, para o século XX (Gabriel Fauré, Claude Debussy, Emmanuel Chabrier, Maurice Ravel) com uma incursão no século XVIII (obras de Rameau); e vale também pela interpretação límpida, sem concessões, pondo em relevo a poesia encerrada nestas partituras.
Paul Verlaine (1844 -1896) tem sido considerado um dos chefes de fila do movimento Simbolista.
Tal era a sua potência poética que - apesar da sua «má vida» e dos amores proibidos com Artur Rimbaud - o elegeram o «Príncipe dos Poetas», do Parnasso Contemporâneo.
A sua arte é talvez a forma mais acabada de síntese entre o clássico e o moderno.
Quando nos debruçamos sobre a sua obra, valorizando os aspetos estéticos, ficamos extasiados pela musicalidade, subtileza e pela utilização de audácias de estilo que seriam lembradas pelos seus sucessores.
Afinal de contas, é certo que ele seja o Príncipe: Porque, que mais pode uma alma literária desejar para sua posteridade, do que ser admirada, plagiada, estudada, posta em música e isto, em sucessivas gerações!?
A peça Clair de Lune (Luar) de Debussy, integrada na suite «Bergamasque», não sendo um «poema musicado» é uma peça que banha na atmosfera simbolista e possui óbvias referências à poesia de Verlaine. Não apenas o nome «Clair de Lune» é idêntico a um dos poemas da recolha das «Fêtes Galantes» mas, no poema de Verlaine, este menciona «masques et bergamasques»: Trata-se de uma ironia saborosa, pois «masques» (máscaras) estão unidas, pela rima interna, com «bergamasque» a dança renascentista, originária de Bergamo, Itália.
Estou convencido que Debussy escolheu este título da suite «Bergamasque», como forma de homenagear o poeta simbolista.