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domingo, 1 de abril de 2018

ESPIRITUALIDADE E RELIGIÃO

Numa ocasião, falando com um teólogo protestante, disse-lhe no decorrer da conversa, que afinal só podia haver um entendimento do monoteísmo, a meu ver: sob as mais diversas formas, o Deus a que todas as pessoas prestam culto, é único e sempre o mesmo... mesmo nas religiões politeístas. De outra forma, seria absurdo:  um Deus Cristão, outro Muçulmano, outro Budista, etc.

Eu sei que ele não gostou nada do que eu lhe disse, porque é muito difícil de o contestar, tendo em conta a própria doutrina cristã. Mas, no fundo, ele devia ter uma grande repugnância em aceitar aquela tese, porque imaginava que iria «abrir as portas para o sincretismo».
Ora, de facto, o sincretismo existe, em todas as grandes religiões monoteístas, a judaica, a cristã e a muçulmana. Existe... na sua própria origem. 
Por mais que os teólogos debatam, qualquer das religiões supra-citadas se organizou, surgiu no tempo, a partir de formas de pensamento religioso precedentes. 
Isto parece-me incontroverso, a menos de se aceite acriticamente que o Alcorão foi directamente ditado a Maomé, por Alá; tal como os escritos dos Profetas do Antigo Testamento (directamente inspirados por Deus) ou do Novo Testamento (os apóstolos e os evangelistas recolheram directamente a palavra de Deus em Jesus, ou foram inspirados por Deus nos seus relatos, epístolas...). 
Podem-se constatar numerosos elementos, presentes em muitos textos sagrados das supra-citadas religiões, que fazem referência ou são plágio de textos anteriores. São conhecidas -por exemplo - as descrições, sumérias e babilónicas, do Jardim do Éden.

A apropriação da espiritualidade por religiões codificadas, com seus dogmas e textos sagrados, é uma parte pesada das mesmas e causadora de grande sofrimento.
A espiritualidade não pode ser entendida como tal, apenas e somente na forma e conteúdo apresentados numa determinada religião. A espiritualidade humana está presente como elemento inconfundível, desde antes ou em simultâneo com o próprio surgimento do Homo sapiens. Note-se que se trata de uma escala de tempo da ordem dos 300 mil anos, segundo as avaliações mais recentes sobre o aparecimento dos Homo sapiens. 
As civilizações agrárias e as primeiras manifestações de Estados  organizados e de Religiões codificadas são de menos de 12 mil anos, ou seja, menos de 4% da História da espécie humana, propriamente dita. Os paleo-antropólogos e arqueólogos são muito prudentes ao atribuírem actividades de culto. Eles puseram em evidência claros sinais, não apenas no H. sapiens paleolítico, como até nos Neandertais, que surgiram cerca de 800 mil de anos e se extinguiram há 24 mil anos. 

As pessoas todas, mesmo as que se consideram ateias, são dotadas de espiritualidade. É uma propriedade que não tem que ver directamente com aderir-se, ou não, a uma religião. 
A espiritualidade não confinada a uma dada religião pode ser melhor compreendida e sentida no Animismo e no Xamanismo. Os povos em que estas formas espirituais/religiosas predominam estão gravemente ameaçados, de extinção, de etnocídio. Mesmo as religiões politeístas actuais, Hinduismo, Budismo, etc. com muitos milhões de adeptos, estão em recuo face aos monoteísmos.  Infelizmente, os monoteísmos dominaram politicamente as outras civilizações, cujo substrato era mais aberto à espiritualidade. 
No Taoismo, hoje muito minoritário na China e noutros países orientais, está ausente um modelo ou discurso do que seja Deus. Cada um, no Taoismo, é livre de ter a sua ideia sobre Deus, ou mesmo de omitir a existência de Deus no Universo.
Se «Deus foi feito à medida dos homens», como afirmam os materialistas, também será um facto que ser capaz de conceber, criar, cultivar, uma ideia de Deus é uma atividade muito peculiar do homem, que o distingue de quaisquer outros animais, incluindo das formas antropóides que antecederam, na evolução, o humano propriamente dito. 
A consciência de algo para além do imediato, do físico, tangível e perceptível pelos sentidos limitados, foi um passo muito precoce: está na origem da construção dos artefactos de pedra, mas foi igualmente o que desencadeou o comportamento de enterro ritualizado dos mortos, das pinturas parietais nas cavernas, da pintura ritual dos corpos (os antropólogos identificam em vários sítios de escavações o ocre, o negro, pigmentos vermelhos, etc).   Foi esta forma rudimentar de consciência que permitiu a sobrevivência dos humanos, mamíferos muito fracos, ao fim e ao cabo, face aos leões ou ursos das cavernas, por exemplo. Com efeito, a capacidade de imaginar é que forneceu, desde muito cedo, as «armas conceptuais» que permitiram aos grupos humanos superar os perigos mais diversos.

- A espiritualidade é meramente uma «emanação» da matéria ou a espiritualidade «nela se infunde»? 
- Esta parece-me ser uma discussão estéril. 
O facto insofismável é que este fenómeno existe, é reconhecido como um facto, mesmo por cientistas considerados ateus  e materialistas.
A matéria, sendo apenas uma condensação particular de energia, as formas do materialismo populares no passado estão completamente caducas, apenas destinadas a figurar na História das ideias. Opor «espírito e matéria», deixou simplesmente de fazer qualquer sentido. 
O próprio da ciência é de reformular ou mesmo abolir conceitos e configurações teóricas que se tornaram obsoletos, caducos. Muitos cientistas, naturalmente, têm adoptado uma atitude de grande prudência nestes assuntos, não excluindo nenhuma possibilidade, mas também não deixando que se tome por «ciência» as fantasias de pessoas (talvez bem intencionadas) que procuram novas abordagens do fenómeno do espírito.
Pessoalmente, não tenho nenhuma dificuldade em conceber o Universo pleno de energia radiante e onde esta se corporiza em formas que nós reconhecemos como sendo dotadas de vida...Mas, longe de mim a veleidade de «ter encontrado uma explicação para tudo»!

As crispações sectárias, que ocorrem nos mais diversos quadrantes intelectuais e filosóficos, dificultam o avanço da compreensão dos fenómenos naturais e sociais. Tais sectarismos são a base ou o pretexto para comportamentos de grande violência, o que obriga a que se reflicta no que se diz e sobretudo no como se diz.

domingo, 10 de dezembro de 2017

JERUSALÉM TEM DE SER PROMESSA DE PAZ UNIVERSAL, NÃO DE GUERRAS DE RELIGIÕES OU «RAÇAS»

JERUSALÉM - CONCERTO DE JORDI SAVALL EM 2011 



As três grandes religiões monoteístas, no Ocidente, produziram um caldo de cultura que é, hoje, a Europa, juntamente com a herança grega. Foi essa cultura que se disseminou por toda a bacia mediterrânea, durante séculos. Nem sempre foram relações fáceis, mas esquecemos que - nos intervalos das cruzadas, conquistas e guerras de religião diversas - houve períodos de cruzamento genético, cultural, civilizacional. 
É isso que faz com que  esta zona do Mundo seja tão especial.

O Estatuto de Jerusalém está estabelecido desde 1950, pela ONU, como Cidade Santa, de facto não pertença de um Estado, embora esteja situada no território de Israel-Palestina. É a Jerusalém celeste e terrestre. 

O facto de Israel pretender transferir a sua capital para Jerusalém é visto em TODO o mundo como uma violação ostensiva do frágil equilíbrio e de querer acabar com uma luz de esperança que ainda luzia no olhar das gentes dessa região e da «diáspora» palestiniana. 

A intenção proclamada de transferir a embaixada dos EUA junto de Israel, para Jerusalém e a declaração reconhecendo esta cidade como capital do Estado de Israel, vem contrariar toda a tradição diplomática dos EUA como mediador «neutral» no pós-Segunda Guerra Mundial. 

O que fez o seu presidente, Donald Trump, explica-se segundo Paul Craig Roberts, pela política interna dos EUA. Trump, assediado com casos fabricados contra ele para o controlar, como o «Russiagate» e outros escândalos fabricados, decidiu jogar a carta do apoio incondicional ao Estado de Israel, assim tendo a seu  lado o poderoso lóbi pró-sionista, o qual inclui não apenas a AIPAC (uma poderosa associação de amizade com Israel), como também Igrejas Evangélicas (não todas, apenas uma parte), que sonham com uma unificação da religião Judaica com a Cristã, no fim dos tempos, que - segundo eles - está próximo. São estes lóbis que - nos EUA - decidem da eleição ou não de deputados, senadores e presidentes...

Porém, o problema é simples de enunciar, embora muito complexo na sua resolução:

- Aquando da Declaração Balfour (1917) criou-se uma situação explosiva, pois se sobrepôs uma legitimidade «histórica» a outra, aliás não menos histórica, decorrente dos séculos de ocupação otomana. O Mundo estava um caos, mergulhado na 1ª Guerra Mundial; as pessoas não deram importância ou apenas viram um lado do problema.

- Actualmente, isto resultou (em 1947) num Estado - Israel - cujas leis e princípios constitucionais discriminam com base na religião e na etnia. Isto está em contradição com os princípios proclamados da ONU, da qual este Estado é membro (situação criada pelo Conselho de Segurança da ONU dessa época, que incluia a URSS).

- Os espoliados e sobreviventes dos diversos episódios sangrentos desde a independência de Israel não podem aceitar as promessas não cumpridas. 
São levados a cometer - por vezes - actos de desespero, vendo que a injustiça de que são vítimas não suscita mais do que «lágrimas de crocodilo» dos EUA, dos ex-poderes coloniais na região (França e Inglaterra; veja-se o acordo secreto Sykes-Picot) e das diplomacias mundiais.

- A paz na zona precisa do contributo das três grandes religiões monoteístas, entendidas enquanto diversas formas de prestar culto a Deus. 
Estas têm de ser a inspiração dos poderes seculares, evitando a exaltação de «razões» religiosas, étnicas, históricas, ou outras, para continuar a manter reféns, numa guerra sem fim, tanto os povos de Israel-Palestina, como de todo o Médio Oriente. 

Só quando houver uma paz verdadeira e justa em Jerusalém, o resto do Mundo poderá ter também condições para viver em paz.


domingo, 20 de agosto de 2017

AS FALSAS ESPIRITUALIDADES


Tenho hesitado, durante muito tempo, a escrever sobre o assunto. 

A ideologia difusa que emana de muitas seitas e gurus «New Age» tem um efeito adormecedor das consciências, uma regressão para o obscurantismo, uma recusa de uma verdadeira alternativa social, quer ela passe por sucessivas reformas ou por ruptura revolucionária. 

Simplesmente vista, a ideologia New Age corresponde em tudo à função tradicional de ideologias «religiosas» para consumo das massas. O indivíduo é adormecido com uma explicação totalizante que lhe permite ser preguiçoso (intelectualmente) em relação à pesquisa da verdade, seja no âmbito social, económico, natural… 

Assim, experimenta um falso consolo numa falsa explicação «lógica» que lhe faz aceitar passivamente «o seu lugar» no Universo. Muitas vezes reveste-se de palavreado «revolucionário», alternativo, ecologista. 
Quando apelam a agir, os objectivos são apenas de se darem a conhecer nos media. As acções são sempre simbólicas e inócuas. Os adeptos e participantes não se questionam sobre a racionalidade, a pertinência e a adequação das acções: apenas se lhes «propõe» … «participar» = são usados como massa amorfa e manipulada.

As pessoas envolvidas não entendem que estão a ser desviadas de participação em lutas reais, onde poderiam surgir fenómenos colectivos de apoderamento. 

As manifestações simbólicas «New Age», no seu estilo, assemelham-se aos «happenings», cujas origens remontam aos anos 60-70, mas deixaram de ter sequer a pujança que estes tiveram nessas décadas. 
São coisas inócuas e o poder gosta muito que elas ocorram: são fáceis de controlar e «demonstram» que o poder é democrático por tolerar a sua (pseudo) contestação.

No plano teórico, são de uma pobreza confrangedora e no plano do saber do mundo natural propagam uma série de idiotices que podem apenas deixar as pessoas muito baralhadas e incapazes de compreender verdadeiramente os fenómenos: 
- por exemplo, falam, a torto e a direito, de «energias», um truque muito banal mas nada honesto, pois qualquer coisa tem sempre uma determinada energia, porém o que fazem é dar um nome de «energia» disto ou daquilo, sem outra explicação. 
Não explica nada, mas dá ao incauto a ilusão de que existe, que é enunciada uma explicação, quando na realidade é apenas uma constatação de ignorância, quando não de escroqueria.

Os gurus e sacerdotisas, curandeiros e videntes, médiuns e espíritas abundam; dizem-te sempre que não querem vender-te nada, mas vão-te cobrando... e nada pouco; vão sobretudo fazendo o mal, porque há pessoas desesperadas, que precisam de apoio. São predadores/as, esses arautos de curas: as únicas pessoas que se curam são as que vendem a tal cura!


Desmascarar esse folclore é uma necessidade, pois ele tem efeitos muito nefastos nos indivíduos. Retirar as pessoas à sua influência é um acto de verdadeira caridade e compaixão. 

Do ponto de vista colectivo, proliferam as seitas que desviam as pessoas boas (muitas estão muito sinceramente envolvidas nestas actividades) de um verdadeiro protagonismo social, dificultando o apoderamento e elevação de consciência social de muitos. São um auxiliar precioso do capitalismo agonizante, quer o façam com plena consciência ou não.  

sexta-feira, 21 de abril de 2017

CIÊNCIA, RELIGIÃO, ESPIRITUALIDADE, ÉTICA

                                 



Este cientista tem uma abordagem de bom senso, mas de um bom senso que não vai tão longe como isso. Quando fala da impossibilidade de se solucionar o «porquê», mas apenas o «como» dos fenómenos, através da ciência, está a ser correcto.
Porém, a existência de um espírito cósmico é vista com relutância por uma série de pessoas imbuídas de cientismo, talvez mais do que de ciência propriamente dita. O facto é que o célebre teorema de Goedel implica que não possamos abarcar nunca o todo para o submeter à lei de um sub-conjunto, seja ele qual for.
A ciência é um instrumento precioso, mas não é uma chave de sabedoria.
A sabedoria tem como fundamento o «coração», a ciência tem como fundamento a «razão». Quando a razão se junta com desejo de poder, transforma-se numa mistura muito perigosa e instável, dando origem às derivas mais obscuras da história humana.
Só enunciarei algumas delas (cada uma necessitaria de uma longa explanação):

- J. Robert Openheimer, um dos pais da bomba A, suicidou-se cheio de remorsos pelo monstro que ajudou a criar. Com efeito, muitos cientistas envolvidos em torno do Manhattan project consideravam como um dever patriótico desenvolver essa bomba, até porque havia indicações da espionagem (erradas ou sobrevalorizadas como depois se verificou) de avanços significativos dos cientistas alemães nazis neste domínio, de controlarem o átomo para fabricarem a bomba atómica.

- O darwinismo foi distorcido e transformado em «argumento» para justificar duas teorias monstruosas, o racismo e arianismo dos nazis, o lyssenkismo na URSS do tempo de Estaline.

- A eugenia é uma teoria racista que foi originada por Galton (sobrinho de Darwin) e que tem feito muito mal, inspirado muitos programas nefastos, desde esterilizações em massa de vários povos, até à promoção das guerras em que uma parte da humanidade contemporânea está mergulhada.

Poderia continuar com uma infindade de factos, por todos os investigadores consensualmente aceites, nomeadamente com a utilização de saberes das ciências e técnicas, para cometer depredações ou crimes ecológicos extremamente graves para o presente e futuro da humanidade...

O meu argumento é de que a ciência é um instrumento, podendo ser empregue para o bem ou para o mal, consoante as mãos nas quais esteja.
Isto sempre foi compreendido pelos cientistas, eles próprios. Por exemplo, Leonardo da Vinci escrevia os seus textos, suas notas para estricto uso pessoal, numa escrita indecifrável (excepto para ele). Era afinal a imagem em espelho da escrita vulgar, que ele treinou, provavelmente desde muito jovem, como «canhoto» que era. Os célebres manuscritos de Da Vinci só foram reconhecidos plenamente no seu enorme significado científico e filosófico, muito recentemente, em pleno século XX!

A não conflitualidade da pesquisa científica e dos seus conceitos e teorias com a religião foi reconhecida pelo papa João Paulo II. Ele, evidentemente, procedeu ao «aggiornamento» indispensável para manter a influência do catolicismo na intelectualidade esclarecida da sua/nossa época.
Do lado do ateísmo, Michel Onfray por exemplo, afirma sem qualquer problema que - apesar de ateu - ele (e muitos outros) é culturamente cristão, o que é uma evidência, não apenas pela educação, mas também pelo facto de que praticamente todas as teorias sociais e políticas contemporâneas (republicanismo, democratismo, socialismo, comunismo, anarquismo...) serem afinal laicizações do cristianismo. Esta constatação, que poderá surpreender alguns, teria de ser desenvolvida por si só num artigo ou numa série de artigos...

Mas o mais interessante, no meu ponto de vista, é que se afastem falsos argumentos:

- Uns, imbuídos do prestígio «mágico» do cientismo, usam abusivamente o nome de «ciência».

Já ouviram, com certeza, pessoas a falar do que em geral NÃO SABEM: costumam dizer, doutoralmente: «a ciência prova que...» ora a ciência nunca provou, nem prova nada, como dizia Bateson*; as ciências físicas e naturais não são como a matemática em que, aí sim, existe prova, ainda que esteja subordinada a um conjunto de axiomas (ex.: a geometria mais corrente é euclidiana; porém não tem cabimento num contexto riemanniano).

- Outros, temerosos da ciência, combatem-na em nome duma «fé», não compreendendo que a sua fé só pode ganhar com um aprofundamento do conhecimento do Universo, ou seja, de Deus.

Segundo uma visão muito consensual em várias religiões, não se pode ter uma compreensão total, nunca, do que está para além da compreensão racional, seja qual for o estado da ciência ou do desenvolvimento tecnológico humano. Porém, se essa «fé» é temerosa da ciência enquanto método de conhecimento do real, é apenas um medo, uma ignorância. Talvez essas pessoas precisem de ter mais fé, para que ela não seja abalada pelo tipo de estudo realizado no âmbito da pesquisa científica.

Isto não significa que não se coloquem limites éticos à pesquisa científica. A procura da verdade, em si mesma, não deve ser vista como um absoluto. Praticamente todos os cientistas e filósofos, quer sejam ateus, ou possuíndo alguma forma de espiritualidade, entendem que devem existir limites éticos a essa pesquisa científica, podem é não estar de acordo no traçado das fronteiras.

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Science sometimes improves hypothesis and sometimes disproves them. But proof would be another matter and perhaps never occurs except in the realms of totally abstract tautology. We can sometimes say that if such and such abstract suppositions or postulates are given, then such and such abstract suppositions or postulates are given, then such and such must follow absolutely. But the truth about what can be perceived or arrived at by induction from perception is something else again.
  • p. 27


domingo, 26 de fevereiro de 2017

SOBRE O NIILISMO, O FUNDAMENTALISMO E A NECESSIDADE DE ACREDITAR

 Nas minhas andanças e experiências, tive oportunidade de conviver com algumas pessoas, ateias ou crentes, que tinham uma grande segurança e firmeza. Porém, nuns e noutros casos, pareceu-me que essas pessoas se fechavam dentro dum sistema, de uma visão global, de uma ideologia.
Uso a palavra «ideologia» no sentido mais lato, não no de «ideário político», mas mais no sentido filosófico de uma narrativa construída, destinada a explicar tudo, a vida, o universo, a natureza.
Assim, mesmo em pessoas que se designam de ateias, vejo que se sobrepõe à racionalidade pura, uma necessidade ou desejo de crer, de acreditar. Eu chamaria estas pessoas de «crentes», sem qualquer desprezo ou menosprezo pelos seus pensamentos ou sentimentos.
Contrariamente, as pessoas que se deixam enrodilhar nas vaidades das modas, incluindo obviamente, as modas intelectuais, são as que têm diminuta firmeza nas suas crenças. Em geral, não as confrontaram com outras narrativas, ou porque não tiveram essa oportunidade, ou porque preferiram evitar esse confronto.
Na realidade, se algo caracteriza o grupo dos «crentes», e nos permite distingui-lo do segundo, os «seguidores das modas», é o grau de profundidade da consciência.
As pessoas mais sujeitas a modas, a seguirem a corrente, facilmente ficam decepcionadas com alguma ideologia, religiosa ou não, porque estavam falsamente convencidas de que podiam «comprar», a felicidade, a iluminação, a beatitude, etc. com a sua «adesão» exterior.
Face às realidades da vida, cedo vêem que as coisas não se apresentam como imaginavam. O resultado é caírem numa passividade em relação ao domínio social, refugiando-se no egoísmo, no hedonismo, no consumismo, posturas encorajadas pela própria sociedade.
Quanto às pessoas «crentes», estas podem também ser confrontadas com decepções nas suas respectivas convicções, religiosas ou não. As pessoas com maior pendor crítico tenderão a reformular, a requintar as suas convicções.
Mas muitas pessoas caem num «extremismo» conceptual, traduzindo-se quer em niilismo, quer em fundamentalismo. Por outras palavras, ou repudiam todo e qualquer sistema teórico, ideologia, convicção (niilismo) ou, pelo contrário, atribuem à sociedade - ao «mundo» - os males todos, vendo nela o «pecado» da não-aceitação plena da sua verdade (fundamentalismo).
Sem tentar absolutizar, creio que isto é uma chave importante para se compreender porque razão os adolescentes de hoje, como outros de outras épocas históricas, têm - com frequência - uma grande apetência pelas versões ideológicas ou religiosas ditas «mais radicais», mais «fundamentalistas», ou que se traduzem em práticas violentas e totalitárias.  
Na adolescência e juventude, muitas pessoas mostram uma grande necessidade de acreditar: por isso, as suas posições são absolutas ou, pelo menos, manifestam-se deste modo.  
Na plenitude da idade adulta, o confronto com as realidades da vida transforma as pessoas que não desistiram de se interrogar – as pessoas dotadas de consciência- o que se traduz pela evolução dos seus pensamentos e crenças, que ganham em subtileza, em consistência, por comparação com as posições adoptadas na adolescência.
Porém, a adolescência é uma época de grande insegurança do «eu», em que este já não se sente essencialmente protegido pelo aconchego familiar, maternal, mas ainda não sabe agir e posicionar-se no mundo dos adultos. 
A sociedade mercantilizada tem como alvo principal os jovens. A indústria do entretenimento explora as necessidades de afirmação, de oposição em relação aos parentes, por vezes confundida com rebeldia. Jogando com a psicologia dos jovens, a publicidade acentua os sentimentos de frustração, para lhes apresentar o consumo como panaceia: consumir música, roupas, bebidas alcoólicas, drogas, motos, etc…Consumir é «viver»! O vazio deste consumismo não deixa de se tornar patente, mais cedo ou mais tarde. É aí que muitos optam pela tal viragem «radical», pela sua entrega a uma causa, seja ela de âmbito secular ou religioso.
Neste caso, o que predomina é a enorme necessidade de acreditar, de ter fé em algo, de fugir ao vazio de uma sociedade que apresenta como único modelo o consumismo. As versões mais totalitárias das religiões, ou das ideologias políticas, têm aí a sua base de recrutamento.
Julgo que as condições para o crescimento do niilismo e do fundamentalismo residem mais na sociedade do que nos indivíduos. Verifica-se que os jovens que aderem a organizações terroristas são pessoas idealistas, transviadas e manipuladas. Pois a procura de ideal, a entrega a uma causa elevada, deveria ser factor para elevação desses jovens e não de serem utilizados como «peões», em violências terroristas.
O factor primário reside na ausência de referências, de valores, que se notam nos seus microambientes de estrutura familiar, comunitária, de trabalho; na malha social, em geral.
A sociedade atomizada, onde a norma é essencialmente hedónica e egoísta, onde predomina o darwinismo social mais primário como ideologia, não pode esperar ter outros «filhos e filhas».

A lei do lucro e do poder é uma lei de morte, que se opõe à lei do amor e da vida. Esta ideologia difusa, que dita os comportamentos de uns e de outros, é a produtora do terrorismo; precisa do terrorismo como pseudo-justificação das suas derivas autoritárias, securitárias. 
Desmascarar a origem do terrorismo como instrumento de todas as derivas autoritárias, quer sejam oriundas dos Estados ou de grupos autoritários que disputam a hegemonia aos Estados, parece-me ser o principal e fundamental ponto de partida da luta pacifista, não-autoritária.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

NATAL… NÃO É AQUILO QUE PENSAS

O Natal é celebrado nos diversos recantos do mundo, não apenas nos sítios em que existe devoção cristã e prática assídua dos ritos, como em muitos outros sítios, por muitas pessoas que não estão a pensar no nascimento do Menino Jesus, ao comemorarem o Natal.
O Natal paganizou-se ao longo do século XX, perdendo o cariz estrito de festa religiosa, nos nossos países ditos cristãos, na exata medida em que eles mesmos se paganizavam.
A nova «religião» do consumismo ia progredindo, à medida que eles se tornavam países mais ou menos afluentes ou onde os elementos mais afluentes da sociedade exibiam o seu poder de compra, a sua alegria de consumir, comprando prendas, fazendo festas e cometendo excessos de comida e bebida. Não creio que estivessem conscientes de que reproduziam, embora com adaptações, a festa pagã do «Sol Invictus», que era celebrada na Roma antiga e no Império Romano: Este culto solar era universal, de uma forma ou outra era celebrado em todas as grandes religiões pagãs da antiguidade... Esta festa, em Roma, estava associada às Saturnalia, em honra do patrono da Cidade e era pretexto para excessos de toda a ordem.  
O Deus Sol, segundo os primeiros cristãos seria uma antevisão confusa do Messias. O símbolo do solstício de Inverno, propiciador de ritos em adoração ao Deus, foi assim subvertido completamente pelos teólogos para que o povo recém-cristianizado deixasse de celebrar as Saturnalia e adorasse o nascimento da Luz do Mundo, de Cristo Redentor. 
Nestas épocas, em que as pessoas comuns tinham uma vida curta e bastante dura, em que a tradição oral era poderosa, tal conversão de símbolos foi eficaz. Também o foram a cristianização de símbolos de fertilidade pagãos (os ovos, os coelhos de Páscoa), por ocasião da Páscoa. Embora, neste caso, a tradição da Páscoa judaica impôs-se naturalmente na religião recém-constituída, tendo sido associada à Paixão e Ressurreição de Cristo.

O que os poderes civis e religiosos sempre fizeram e continuam fazendo é estabelecer e perpetuar uma série de comemorações, de feriados e de rituais, que têm como efeito imediato marcar o tempo vivido, o tempo subjetivo das sociedades em geral, mas também de todos os indivíduos, seja qual for o seu credo religioso. Também num país muçulmano os feriados marcarão o calendário e os não seguidores desta religião terão de se conformar com tais ocasiões, mesmo que não partilhem esses significados simbólicos.

Nos países de capitalismo de Estado, quer na defunta URSS e satélites do Leste, quer na China e outros, houve campanhas oficiais para abolir a religião, sobretudo no período do estalinismo, mas essas campanhas não tiveram o resultado esperado: o povo permaneceu, em segredo, profundamente religioso.

Podemos ver que, em geral, a repressão da religião traz sempre um reforço da mesma, fanatismo gera fanatismo, intolerância gera intolerância, é assim que se originam as divisões no seio dos povos, que se originam conflitos com base religiosa.

No Islão, conflito entre sunitas e xiitas - sempre latente desde o grande cisma – estava adormecido e foi reavivado na sequência das invasões ocidentais do Iraque e dos outros países do Médio Oriente. Aí, os EUA e vassalos da NATO (países ditos «cristãos», com excepção da Turquia) têm tentado impor a sua «democracia» a ferro e fogo.
Embora as circunstâncias sejam diferentes, vemos que existem analogias mais do que superficiais com as guerras de religião que assolaram a Europa dos séculos XVI e XVII.
Tanto os países de religião oficial católica como protestante, tinham uma política de total intolerância e discriminação dos cidadãos do próprio país que tivessem o credo minoritário. Perseguiam e suprimiam com enorme crueldade toda a dissidência religiosa. Iniciavam guerras religiosas que devastavam grande parte dos países, comparáveis às guerras contemporâneas. As alianças entre chefes de Estado seguiam, no geral, a linha divisória Católicos/Protestantes. 
Muito do comportamento político-religioso dessa época reproduz-se agora, no mundo de hoje.

O conceito de laicidade, que o filósofo Espinoza defendeu no seu «Tratado Teológico Político», foi uma resposta inteligente da elite intelectual da época, retomada pelas sociedades e por fim pelos próprios Estados a esta vaga de intolerância destruidora do tecido social, económico e das relações internacionais.

A laicidade não significa que as diversas religiões estejam «em pé de igualdade». No sentido inicial que lhe deram Espinoza e outros filósofos políticos era antes a neutralidade estatal perante a religião: O Estado não se imiscuía nos assuntos religiosos, as leis não refletiam as escolhas pessoais dos monarcas por esta ou aquela religião.
Em caso algum, se tinha o objetivo de colocar no mesmo pé, dar igual oportunidade nos media do Estado, às diversas confissões religiosas, ou ter aulas de religião nos estabelecimentos de ensino do Estado, ministradas pelas diversas religiões.
Essa interpretação da laicidade é realmente muito falsa, pois significa realmente a perpetuação da «mão do poder estatal» nos assuntos religiosos.
Penso que é muito importante, compreender que a paz civil, a concórdia entre pessoas com credo religioso diverso ou sem religião, é um valor positivo muito importante agora, não apenas no século XVII e aqui também, na Europa, não apenas no Médio Oriente.
Especialmente, quando as fanatizações político-religiosas de diversos elementos conduzem a intensificar os ataques terroristas, dirigidos indiscriminadamente a pacíficos cidadãos.
A ideia de que se deve dar uma tribuna às diversas religiões, nos meios de comunicação públicos estatais é mortífera. Bem entendido, considero essencial para o exercício da liberdade de imprensa e de opinião, que toda e qualquer corrente religiosa tenha o direito de produzir e difundir sua propaganda, como entender. Mas que o faça com seus meios próprios, não com os meios do Estado. Não considero lícito que o Estado censure e persiga judicialmente alguém ou uma entidade, apenas por fazer ataques contra a religião A ou B. 
Defendo que é ao nível da sociedade civil, na opinião pública,  que tais comportamentos devam ser energicamente combatidos pelas pessoas esclarecidas da sociedade, cientes do risco dos elementos fanáticos tomarem a dianteira da cena e desencadearem vagas de intolerância.

A não-ingerência do Estado nos assuntos religiosos tem um efeito benéfico na liberdade religiosa, em geral. Esta noção deveria ser compreendida pelos hierarcas das diversas religiões, minoritárias ou maioritárias. 
Nos países de tradição cristã, países que hoje se declaram «laicos», as hierarquias católica, ortodoxa, anglicana ou luterana estão muito imiscuídas em assuntos de Estado, embora em graus diversos, quando são maioritárias.
Argumenta-se em defesa deste estado de coisas com a tradição. Mas a tradição não pode ter maior importância do que a paz civil.

- Haverá algo pior do que uma guerra civil?

- Resposta: Não, nada pior ...a não ser uma guerra civil de religião.

domingo, 14 de agosto de 2016

A VERDADE OU O CONTRÁRIO DA SABEDORIA


Estamos fortemente condicionados para ver a realidade de um modo unidimensional, ou composto por «sins» e «nãos» apenas. Essa «realidade» que nós inteiramente construímos ou que nos construíram quando éramos pequeninos, está tão entrincheirada no nosso subconsciente, que se torna um exercício muito penoso e problemático vermo-nos livres dessa maneira de encarar as coisas.
Mas é de facto necessário nos colocarmos fora dessa forma de pensar confortável mas inteiramente equivocada, das «verdades» simples, dos «sins» e «nãos» que forram o nosso cérebro e que nos iludem. A nossa fantasia faz-nos vogar num mar desconhecido, com a ilusão de ter uma bússola. A bússola é a «verdade», a certeza, todas as certezas, as que são evidentes, as que não precisam de comprovação.
Nem tudo, porém, pode ser do domínio da verdade ou certeza. Muitas coisas estão aquém de tal estatuto de «certezas»: Tais são os factos, as situações, que nós procuramos deslindar, de uma forma ou de outra. Como fazemos isto?
 Normalmente através de uma série de «testes», que nós acreditamos permitir decidir aquilo que é «verdadeiro», daquilo que não é. Porém, os «testes de verdade» são meros reforços de nossos preconceitos, não são realmente testes cientificamente validados: 
- Quando obtemos um resultado contrário aos nossos preconceitos/convicções, simplesmente ignoramos ou damos como não pertinente ou como defeituoso o tal «teste de verdade». 
- Pelo contrário, se ele vier confirmar as nossas convicções/preconceitos, o teste e o resultado que dele emana é tido como válido.

Tragicamente, este tipo de pensamento, completamente equivocado, não é utilizado nos domínios exteriores a nós próprios, como a astronomia, a física, a biologia, etc. 
Este modo de pensar, absolutamente tendencioso, perverso mesmo, aplica-se sobretudo a todas as relações com os nossos próximos, familiares, amigos e colegas. É no domínio das relações pessoais que este género de autoconvencimento e de autocondicionamento opera. 
É assim que certa imagem interior desta ou daquela pessoa próxima se infiltra na nossa mente, fazendo com que tenhamos a ilusão de conhecê-la «por dentro». 
O nosso universo relacional está formado por uma teia de preconceitos, que nós tecemos constantemente em relação aos outros, mas também dos outros em relação a nós próprios. 
Por isso, muitas vezes ficamos admirados e angustiados, quando alguém mostra que afinal não nos compreende. Somos muito sensíveis às falhas de compreensão dos entes que nos são próximos. Estimamos que eles têm a chave da nossa personalidade, que nós não temos segredos para eles. 
Porém, as pessoas são completamente opacas umas para as outas. O que julgamos ser o outro, nada mais é do que o nosso reflexo subjetivo da imagem do outro, na nossa mente. Esta constatação é válida, não importa qual o grau de intimidade e de interação efetiva que exista entre nós e o outro.
Como confusamente ou instintivamente sabemos que nada é tão simples assim, que as nossas «verdades» são somente categorias que nos ajudam a dar um sentido à espessura impenetrável do real, muitos de nós vamos procurar uma forma ou outra de religião. 
Quando falo de religião, não estou a mencionar apenas as convencionais, as religiões organizadas, com igrejas ou comunidades estruturadas, com os seus ritos, suas tradições etc. Também me estou a referir a sistemas de crenças desde a astrologia, ocultismo, esoterismo até às diversas ideologias políticas, etc…
Precisamos desesperadamente de «certezas» infundidas por uma qualquer religião, precisamos desse conforto de estar dentro de determinada ortodoxia, nem que esta «ortodoxia» seja heterodoxa em relação à imensa maioria das pessoas que nos rodeia.
A necessidade é real, não é portanto para se desprezar, para se rejeitar com um movimento de ombros, como coisa absolutamente fútil e desprezível. Todas as civilizações têm a sua religião, ou religiões. A humanidade não construiu nenhuma estrutura social, até hoje, onde não esteja no centro, explícita, uma ou outra forma de crença religiosa. 
Alguns poderão objetar que as sociedades em que nós vivemos, as chamadas democracias de modelo ocidental, são isso mesmo, sociedades onde não reina nenhum modelo religioso, onde uma pessoa é livre de pensar o que quiser e de comunicar esse pensamento, sem haver qualquer impedimento, desde que isso não ponha em causa a liberdade dos outros. 
Pois aí está um credo religioso, o neoliberalismo, que se tenta naturalizar, fazendo com que as pessoas adotem como única visão possível e desejável uma sociedade regida pelo «ter» sobrepondo-se ao «ser», pela posse ou propriedade investida de valor absoluto, ao ponto de definir o valor dos indivíduos (o teu valor é o da tua conta bancária), uma sociedade que deífica o dinheiro, convencida de que «ele» existe, de que é a «coisa mais real» que existe. Chega-se ao cúmulo de atribuir vida, vontade própria, a esse símbolo…
Se desconstruirmos as teias de ilusões que nós próprios tecemos e que nos mantêem dentro de uma «matrix», poderemos experimentar inicialmente a sensação de estranhamento, de perda de referências, de desorientação. Mas se persistirmos, vamos nos libertar e teremos toda a vantagem nisso. 
O caminho a trilhar consiste em procurar, não a «verdade» das outras pessoas ou seres, mas sim a relação, as relações entre as coisas/seres umas com as outras e a interação dessas coisas/seres connosco próprios. 
Se adotarmos este ponto de vista filosófico, muito simples e fácil de aceitar, teremos ainda que pô-lo em prática, no quotidiano e isso afigura-se mais difícil. Mas as dificuldades serão compensadas pela capacidade de lidar melhor com a realidade, de não nos auto iludirmos com as «realidades» que fabricamos dentro das nossas mentes, mas que não são reais.
A nossa vida torna-se então mais harmoniosa, as nossas decisões mais sábias e mais apropriadas às circunstâncias particulares das nossas existências.
Queríamos que «a realidade se conformasse com as nossas convicções», não podia ser maior o engano. Ao nos livrarmos dessa ilusão, livramo-nos dos medos, das angústias, das ansiedades, pois descobrimos a causa desses sentimentos.

  

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Leitura da «Paixão Segundo São Mateus» de J.S. Bach

                            https://www.youtube.com/watch?v=xkm19nfaXl4

Coro inicial da «Paixão Segundo São Mateus» J.S. Bach:

O contexto da oratória no século XVIII - na época de Bach, em particular - é o pietismo, no qual há uma sistemática procura de uma identificação com Cristo, por parte do crente...Cada obra do género oratória (ópera sacra ou «drama em música») tem como objetivo assumido, pelo compositor e toda a comunidade, de propiciar a  elevação das almas dos crentes. 
A força deste género de obra músical decorre da sua espiritualidade manifesta e da proximidade ao povo de Deus, pois a sua matéria-prima é idêntica à da música corrente na época, dentro e fora da igreja. O povo de Deus reúne-se e participa ativamente, cantando, pois os coros inseridos nas oratórias são corais, que a assembleia reunida para o culto luterano, está acostumada a entoar todos os domingos. A Paixão de Cristo é vivida/sentida por todos: estão a «reatualizar», no sentido de «reviver simbolicamente», a Paixão de Cristo. É portanto um  ato religioso, dotado dum aparato musical considerável e de grande beleza estética. 
Para a teologia e pastoral luteranas não há música demasiado bela para cultuar a Deus, toda a música bela é matéria-prima legítima e adequada, para cantar a Glória de Deus. O seu simbolismo apela para uma meditação sobre o Corpo de Deus/Corpo Divino: «Olha para o Cordeiro que vai ser imolado, Redentor dos pecados do mundo». Pela virtude libertadora da música, o crente conhece o caminho da redenção. 
Esta leitura é perfeitamente canónica em termos teológicos.


A introdução instrumental corresponde à apresentação genérica do tema melódico do coral que se segue, mas também «dá o tom» solene do «drama  em música» que se vai desenrolar.

A «dança» implícita neste pulsar rítmico vai levar ao tema do coral de abertura, cuja letra resume a mensagem da Paixão, tal como no coro da tragédia grega clássica. O paralelo não pode ser fortuito, pois a referência aos modelos da antiguidade greco-romana, na época de Bach, era constante.  

A estrutura musical do primeiro coral da Paixão “Kommt, ihr Töchter, helft mir klagen desenrola-se na estrutura -pergunta e resposta – o que é reforçado pela divisão do coro em dois: 

C1: Vinde filhas, auxiliai-me no pranto,
C1: Vêde!
C2: -Quem?
C1: O Noivo.
C1: Vêde, ele!
C2: Como?
C1: Como um Cordeiro
C1: Vêde!
C2: O quê?
C1: A sua paciência!
Etc…

A peça prossegue, em torno das mesmas linhas, constituindo  estas o fundamento da polifonia. Nota-se um pequeno interlúdio instrumental –semelhante à introdução – seguido por uma retomada com variação muito peculiar do coro inicial: por um lado, o tratamento em staccato do baixo contínuo, nas cordas,  por outro, no retomar das frases do coral, mas de forma separada: o efeito deste tratamento é um acentuar da dramaticidade, dum efeito de «pathos», para se chegar ao ponto culminante.   

Este coral introdutório é - em si mesmo - um monumento dentro do monumento que é a Paixão Segundo São Mateus. 
Não é possível decidir qual a componente que mais relevância teve na sua génese:- de ter sido, obviamente, composta com o objectivo de evangelizar, de edificar e fortificar os crentes;- ou desta música, inspirada na Paixão de Cristo, emergir como ato de piedade da mente profundamente devota de Bach. Pois ambas as motivações são perfeitamente compatíveis e complementares. 

O modo como esta peça é recebida pelo auditor, a ênfase que dá a este ou aquele aspeto, dependem da sua sensibilidade:
Para pessoas que se considerem não-cristãs, não-crentes, ou ateias, pode ser compreendida «racionalmente», como um monumento da música barroca. 
Mas, para pessoas sensíveis à transcendência, ao lado emocional, despertas para uma espiritualidade,  independentemente de terem ou não terem religião, esta composição tem um outro sabor: Ela é um veículo de encontro com o Amor Universal.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Música do País das Manhãs Calmas

O país das manhãs calmas, assim se chamava a Coreia, nos tempos longínquos em que irradiava a cultura mais requintada no extremo oriente, sob a égide de monarcas ilustres. 

Foi na Coreia que se criaram as condições para uma expansão do budismo para o Japão.

Este espírito beneficiou do antiquíssimo humus do chamanismo, que subsistiu como prática mágica e como parte integrante do Taoismo também, uma corrente filosófica que se fundiu com o budismo, em particular com a corrente Mahayana, dando a corrente Chan ou Zen.  

A filosofia do extremo oriente é orientada para o domínio prático. Tem como objectivo levar o individúo a fazer as melhores escolhas possíveis na sua vida. Os ensinamentos dos grandes mestres explicitam esta escolha deliberada pelo concreto.