Nas minhas andanças e
experiências, tive oportunidade de conviver com algumas pessoas, ateias ou
crentes, que tinham uma grande segurança e firmeza. Porém, nuns e noutros
casos, pareceu-me que essas pessoas se fechavam dentro dum sistema, de uma
visão global, de uma ideologia.
Uso a palavra
«ideologia» no sentido mais lato, não no de «ideário político», mas mais no
sentido filosófico de uma narrativa construída, destinada a explicar tudo, a
vida, o universo, a natureza.
Assim, mesmo em pessoas
que se designam de ateias, vejo que se sobrepõe à racionalidade pura, uma
necessidade ou desejo de crer, de acreditar. Eu chamaria estas pessoas de
«crentes», sem qualquer desprezo ou menosprezo pelos seus pensamentos ou
sentimentos.
Contrariamente, as
pessoas que se deixam enrodilhar nas vaidades das modas, incluindo obviamente,
as modas intelectuais, são as que têm diminuta firmeza nas suas crenças. Em
geral, não as confrontaram com outras narrativas, ou porque não tiveram essa
oportunidade, ou porque preferiram evitar esse confronto.
Na realidade, se algo
caracteriza o grupo dos «crentes», e nos permite distingui-lo do segundo, os
«seguidores das modas», é o grau de profundidade da consciência.
As pessoas mais
sujeitas a modas, a seguirem a corrente, facilmente ficam decepcionadas com
alguma ideologia, religiosa ou não, porque estavam falsamente convencidas de
que podiam «comprar», a felicidade, a iluminação, a beatitude, etc. com a sua
«adesão» exterior.
Face às realidades da
vida, cedo vêem que as coisas não se apresentam como imaginavam. O resultado é caírem numa
passividade em relação ao domínio social, refugiando-se no egoísmo, no hedonismo,
no consumismo, posturas encorajadas pela própria sociedade.
Quanto às pessoas
«crentes», estas podem também ser confrontadas com decepções nas suas
respectivas convicções, religiosas ou não. As pessoas com maior pendor crítico
tenderão a reformular, a requintar as suas convicções.
Mas muitas pessoas caem
num «extremismo» conceptual, traduzindo-se quer em niilismo, quer em fundamentalismo. Por outras
palavras, ou repudiam todo e qualquer sistema teórico, ideologia, convicção (niilismo) ou,
pelo contrário, atribuem à sociedade - ao «mundo» - os males todos, vendo nela
o «pecado» da não-aceitação plena da sua verdade (fundamentalismo).
Sem tentar absolutizar,
creio que isto é uma chave importante para se compreender porque razão os
adolescentes de hoje, como outros de outras épocas históricas, têm - com frequência
- uma grande apetência pelas versões ideológicas ou religiosas ditas «mais radicais»,
mais «fundamentalistas», ou que se traduzem em práticas violentas e
totalitárias.
Na adolescência e
juventude, muitas pessoas mostram uma grande necessidade de acreditar: por isso,
as suas posições são absolutas ou, pelo menos, manifestam-se deste modo.
Na plenitude da idade
adulta, o confronto com as realidades da vida transforma as pessoas que não
desistiram de se interrogar – as pessoas dotadas de consciência- o que se
traduz pela evolução dos seus pensamentos e crenças, que ganham em subtileza,
em consistência, por comparação com as posições adoptadas na adolescência.
Porém, a adolescência é
uma época de grande insegurança do «eu», em que este já não se sente
essencialmente protegido pelo aconchego familiar, maternal, mas ainda não sabe
agir e posicionar-se no mundo dos adultos.
A sociedade
mercantilizada tem como alvo principal os jovens. A indústria do entretenimento
explora as necessidades de afirmação, de oposição em relação aos parentes, por
vezes confundida com rebeldia. Jogando com a psicologia dos jovens, a
publicidade acentua os sentimentos de frustração, para lhes apresentar o
consumo como panaceia: consumir música, roupas, bebidas alcoólicas, drogas, motos,
etc…Consumir é «viver»! O vazio deste consumismo não deixa de se tornar
patente, mais cedo ou mais tarde. É aí que muitos optam pela tal viragem
«radical», pela sua entrega a uma causa, seja ela de âmbito secular ou
religioso.
Neste caso, o que predomina é a enorme necessidade de acreditar, de
ter fé em algo, de fugir ao vazio de uma sociedade que apresenta como único
modelo o consumismo. As versões mais totalitárias das religiões, ou das
ideologias políticas, têm aí a sua base de recrutamento.
Julgo que as condições para
o crescimento do niilismo e do fundamentalismo residem mais na sociedade do que
nos indivíduos. Verifica-se que os jovens que aderem a organizações terroristas
são pessoas idealistas, transviadas e manipuladas. Pois a procura de ideal, a
entrega a uma causa elevada, deveria ser factor para elevação desses jovens
e não de serem utilizados como «peões», em violências terroristas.
O factor primário
reside na ausência de referências, de valores, que se notam nos seus microambientes
de estrutura familiar, comunitária, de trabalho; na malha social, em geral.
A sociedade atomizada,
onde a norma é essencialmente hedónica e egoísta, onde predomina o darwinismo
social mais primário como ideologia, não pode esperar ter outros «filhos e filhas».
A lei do lucro e do
poder é uma lei de morte, que se opõe à lei do amor e da vida. Esta ideologia difusa, que dita os comportamentos de uns e de outros, é a produtora do terrorismo; precisa do terrorismo como pseudo-justificação das suas derivas autoritárias, securitárias.
Desmascarar a origem do terrorismo como instrumento de todas as derivas autoritárias, quer sejam oriundas dos Estados ou de grupos autoritários que disputam a hegemonia aos Estados, parece-me ser o principal e fundamental ponto de partida da luta pacifista, não-autoritária.
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