Mostrar mensagens com a etiqueta Bach. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Bach. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 3 de junho de 2024

MÚSICA COPIADA, TRANSCRITA, ADAPTADA (segundas-feiras musicais nº3)

Imagem: um retrato de J. S. Bach quando jovem, do período em que terá copiado e adaptado muita música italiana, nomeadamente de Vivaldi

Hoje em dia, com o conceito de «copyright», temos tendência a ver qualquer empréstimo como uma espécie de «roubo». Porém, na era do barroco (e mesmo, depois), era comum uma peça de música dum compositor, ser adaptada por outro.  

São célebres as adaptações, feitas para o órgão (ou cravo) pelo jovem Bach, dos concertos para cordas do «Estro Armonico» de Vivaldi*. São adaptações de pleno direito, pois as modificações necessárias para serem executadas no cravo ou no órgão implicavam mudanças substanciais: quer na tessitura das vozes, quer no enchimento harmónico e noutros detalhes, que fazem destas «transcrições» mais propriamente «adaptações».

Muitos músicos fizeram adaptações do mesmo tipo. Franz Liszt, por exemplo, transcreveu peças de Bach (originalmente para órgão solo) em peças para piano. Busoni, mais tarde, também efetuou transcrições para piano doutras obras de Bach. Estas transcrições são conhecidas e frequentemente interpretadas.  


Vivaldi: Concerto para 2 violinos e orquestra, RV 522

https://www.youtube.com/watch?v=7E-RTI-H2oI


Versão para órgão solo de Bach: BWV 593:



No estudo abaixo citado, são contabilizadas e explicadas as modificações que Bach  fez nas partituras originais  de Vivaldi, para tornar as peças plenamente executáveis ao órgão: «Bach the Transcriber: His Organ Concertos after Vivaldi (Vincent C. K. Cheung)»

Alexandre Tharaud (piano) realizou um disco em 2001, com transcrições feitas por Bach de obras de Vivaldi, de Alexandro e Benedetto Marcello e Torelli, além de obras do próprio Bach: «Concerto Italien».

No século XX, muitos compositores usaram temas de peças musicais de autores do passado para compor suas próprias peças, usando mais ou menos livremente esses temas.

 Veja-se, por exemplo, o caso de  «La Campanella» de Paganini, utilizado por Rachmaninoff para compor uma rapsódia para piano e orquestra. 

A estreia da Rapsódia sobre Tema de Paganini foi a 7 de Novembro de 1934 pela orquestra de Filadélfia, sob direção de Leopold Stokowski, com Rachmaninoff como solistaEste tema já tinha sido usado por Liszt, cerca dum século antes.

Abaixo, Yuja Wang interpreta a parte de piano da Rapsódia de Rachaminoff:

Não nos devemos surpreender que grandes músicos copiem e usem materiais de outros: Pode ser visto como exercício, ou como forma de estudar as técnicas de composição dos mestres. Em tais circunstâncias, não se trata de "plágio", mas antes de homenagem!

--------------------------

(*) música de Vivaldi e transcrições por Bach, nesta PLAYLIST

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

George Frederic Haendel: PASSACAGLIA da suite em sol menor HWV 432



Haendel é tão essencial ao barroco, como Bach. 

A sua personalidade é totalmente diferente da do Mestre de Leipzig, embora os dois usem -afinal- os mesmos processos de composição e as mesmas técnicas de execução. 

Mas, não é justo acentuar o contraste até à caricatura.  Se Bach, por vezes, pode parecer pesado ou enfático, isso deve-se ao facto de retomar com frequência certas fórmulas. Mas o processo é muito banal, na época: Os compositores barrocos copiavam-se a si próprios e uns aos outros, profusamente. Não havia «copyright»; era um conceito não existente, sequer, na época. O artista que escrevesse uma passagem inspirada numa peça de outro, estava a homenagear esse mestre ou colega. Não era visto como «roubo», a utilização de certa melodia. Enfim, o «progresso » neste campo não existe. Porque a música, como todas as outras artes, se mercantilizou: E isso, queiram ou não, resulta em empobrecimento.  

Em milhares e milhares de páginas musicais, nem sempre a inspiração genial de um Haendel pode estar patente. Ele copiou-se a si próprio e copiou outros, tal como o fizeram Bach e muitos contemporâneos. Ele e seus colegas tinham de satisfazer encomendas para festas nos palácios, para as cerimónias religiosas e para os teatros e óperas Haverá algo de surpreendente, se uma ária de ópera era adaptada para integrar uma obra de caráter sacro, ou vice-versa?

Há quem -erroneamente - considere a produção de Haendel, fútil ou superficial. Mas, a meu ver, ele corresponde à melhor versão daquilo que chamo o «espírito otimista das Luzes», e que perpassa também em obras doutros músicos do barroco tardio:  Telemann, Rameau e Domenico Scarlatti. 

Ideologicamente, é a época de Newton e Leibniz, a do triunfo de nova visão do Universo. O homem sente-se confiante perante os mistérios do Cosmos. Note-se que a origem divina do mesmo não está em causa. No entanto, ao contrário de épocas anteriores, não hesita em considerar que o Cosmos é inteligível: Se existem mistérios, é porque o espírito humano é demasiado imperfeito para compreender as leis da Natureza, dadas por Deus na Criação.

Musicalmente, Bach e Haendel são ambos complexos e multifacetados: em muitas páginas musicais, podemos encontrar um Bach galante e um Haendel místico. O que implica, afinal, não nos deixarmos encerrar em «visões-clichés»! 




 A passacaglia em sol menor é uma das mais populares peças de Haendel. 
Ela tem sido interpretada por muitos cravistas e pianistas. Tive dificuldade em encontrar uma interpretação que me satisfizesse plenamente. A interpretação aqui transcrita, satisfaz as minhas exigências estéticas. Possui energia interna, e também qualquer coisa de nostálgico.

 Sou particularmente sensível às questões de tempo, de andamento. Através da escolha criteriosa do tempo, o interprete pode comunicar de forma adequada o espírito da música. Note-se que, na época de Haendel, a execução direta e ao vivo era a única forma de fazer ouvir uma peça de música.

Gosto particularmente desta Passacaglia, muito bela na sua simplicidade. Pode servir pedagogicamente, para ilustrar a forma «tema com variações».


Playlist "Haendel" AQUI


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

[NO PAÍS DOS SONHOS] VARIAÇÕES GOLDBERG



                             

Dentro de duas horas vão soar as matinas, mas estou ainda acordado. 

- Será que a minha filha conseguiu chegar a São Petersburgo? Porque é que as comunicações são tão demoradas? Não estamos no século XVIII, o chamado «Século das Luzes»? 

- Ainda continuo a pensar no que vou fazer com o despacho do barão de Z, o meu «ouvido especial» junto da corte de Berlim. O relato da conversa entre o barão de Z e o conde de L, poderá ser da mais alta importância para os interesses de sua Alteza a Czarina de todas as Rússias, mas tenho de encontrar maneira de confirmar os dados por outros meios, sem o que apenas entra na categoria de boatos.

- Aquele médico que me trouxe as medicações para a gota tinha uma conversa bem amável; também é apreciador de boa música, entusiasmado com o novo estilo, cultivado por Carl Philip Emmanuel, filho do velho Bach, que obteve o cargo de Kappelmeister na corte de sua Majestade Frederico da Prússia. Não é pequeno feito, obter tal nomeação, pois o rei-músico tem um nível de exigência quase tão grande com seus músicos, quanto com seus oficiais do exército!

- Neste continente as guerras sucedem-se após pequenos intervalos de paz, negociados penosamente pelas chancelarias das potências. Mas o nosso trabalho de diplomatas é logo desfeito pela ambição de monarcas e pelas intrigas de corte. Já estou velho e cansado de tantos anos a servir sua Alteza a Czarina, neste papel sem qualquer esperança de que os homens ganhem juízo.

Agora, o dia já está a clarear e ouve-se o chilrear das aves matinais. Vou traçando a custo estas palavras; estou quase a adormecer. Só me vem o sono pela ação conjunta de substâncias soporíferas e da música... 
Vou pedir ao rapaz, que está executando a minha peça preferida, uma composição do velho mestre de Eisenach, para se retirar para os seus aposentos.  


(A história extraordinária desta ária com variações pode ser ouvida aqui,  em francês antecedendo uma bela interpretação de Pierre Hantai)



terça-feira, 27 de junho de 2017

MÚSICA JOYA - CONCERTO PARA ÓRGÃO, J. S. BACH



Uma alegria, exuberante de vida, este concerto para órgão, baseado num concerto para violino e cordas pelo seu ilustre aluno Johann Ernst, Duque de Saxe-Weimar
Aqui, interpretado por Simon Preston aos órgãos da Catedral de Luebeck, a melhor versão que consegui captar no youtube.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

CANTATA DO CAFÉ - J.S.BACH

                             
Este divertimento põe em cena o pai e a filha: 
- Aquele está desesperado pela filha não lhe obedecer e ela visivelmente só se interessa por beber café! 
- A filha canta as delícias do café: Sabe melhor do que «mil beijos», diz ela!
...
                                                                 

                                

"Coffee Cantata" BWV 211 - Ei! wie schmeckt der Coffee süße 

Solista: Sumi Jo 

quinta-feira, 9 de março de 2017

CONCERTO ITALIANO DE BACH - POR LANG LANG

Uma performance ao vivo cheia de gosto de viver,  exprimindo a essência alegre e jubilatória de J.S. Bach e a sua quintessência da música italiana, que ele estudou com paixão.

O Concerto Italiano BWV 971 foi intitulado originalmente «Concerto ao Gosto Italiano», composto para Cravo de dois teclados, por Johann Sebastian Bach e parte da recolha editada Clavier- Ubung II. 
Movimentos: 1. Sem indicação de tempo; 2. Andante; 3. Presto.

Lang Lang não é mais um pianista: é o jovem virtuoso mais aclamado em todo o mundo. Ele nos ensina a ouvir, como pela primeira vez, os grandes trechos da música ocidental.






domingo, 5 de fevereiro de 2017

VIVALDI - MAGNIFICAT RV 611

Magnificat é também conhecido como o Cântico de Maria. É um dos hinos cristãos mais antigos e talvez o mais antigo hino mariano. 

O seu nome deriva da palavra de abertura no texto da Vulgata (Lk 1: 46:55): Magnificat anima mea, Dominum (Minha alma magnifica o Senhor). Estas são as palavras cantadas por Nossa Senhora no momento da sua visita à sua prima Santa Isabel.

O hino é parte do culto de vésperas na liturgia católica. Também as liturgias luterana e ortodoxa incluem este hino. O Magnificat de J. S. Bach talvez seja a versão musical mais célebre deste hino.

Vivaldi escreveu vários Magnificat. O mais frequentemente executado e gravado é o RV 610. 

Porém, RV 611, não lhe fica atrás em qualidade musical. 
As partes solistas na obra abaixo reproduzida são mais extensas, enquanto as partes de coro são substancialmente idênticas ao Magnificat RV 610.




.



Magnificat - Latin & English

Magníficat ánima mea Dóminum.

Et exultávit spíritus meus: in Deo salutári meo.

Quia respéxit humilitátem ancíllae suae:

Ecce enim ex hoc beátam me dicent omnes generatiónes.

Quia fécit mihi mágna qui pótens est: et sánctum nómen eius.

Et misericórdia eius in progénies et progénies timéntibus eum.

Fécit poténtiam in bráchio suo: dispérsit supérbos mente cordis sui.

Depósuit poténtes de sede: et exaltávit húmiles.

Esuriéntes implévit bonis: et dívites dimísit inánes.

Suscépit Ísrael púerum suum: recordátus misericórdiae suae.

Sicut locútus est ad patres nostros: Ábraham, et sémini eius in saecula.

Glória Patri, et Fílio, et Spirítui Sancto,

Sicut erat in princípio, et nunc, et semper, et in sæcula sæculórum. Amen.

My soul doth magnify the Lord.

And my spirit hath rejoiced in God my Savior.

Because He hath regarded the humility of His slave:

For behold from henceforth all generations shall call me blessed.

Because He that is mighty hath done great things to me; and holy is His name.

And His mercy is from generation unto generations, to them that fear Him.

He hath shewed might in His arm: He hath scattered the proud in the conceit of their heart.

He hath put down the mighty from their seat, and hath exalted the humble.

He hath filled the hungry with good things; and the rich He hath sent empty away.

He hath received Israel His servant, being mindful of His mercy:

As He spoke to our fathers, to Abraham and to his seed for ever.

Glory be the Father, and to the Son, and to the Holy Spirit,

As it was in the beginning, is now, and ever shall be, forever and ever, Amen.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

VIVALDI, TRANSCRIÇÕES PARA CRAVO

               Concertos de Vivaldi, transcritos para cravo
                                      por J.S. Bach
                      


Sempre fui adepto de Vivaldi, desde que me conheço. A sua música é penetrante pela melodia endiabrada ou de pathos contido; suas orquestrações deixam-nos sempre agradavelemente surpreendidos. A sua criatividade é imensa, como imensa é a sua obra. Nunca me deixa indiferente. Tenho de confessar que a sua música foi, é, e será sempre o meu grande amor. Mesmo que não seja exclusivo, é uma espécie de âncora para nós podermos mergulhar no universo do barroco. Todos os grandes compositores tinham as suas fórmulas de sucesso. Tinham alguns processos de composição que gostavam de usar sistematicamente. O caso de Vivaldi não difere, neste aspecto, do de Haendel ou Bach. Porém, a capacidade do público erudito apreciar Vivaldi dependeu - em primeiro lugar - do renovo de interpretação da música barroca. Sem este renovo, a música de Vivaldi não soa com todo o seu brilhantismo, como uma joia que fosse encaixada em moldura de baixo valor. Só com a maturidade desse movimento de renovo do Barroco, foi possível finalmente, que o grande público honrasse Vivaldi e a sua imensa produção ao mesmo nível dos maiores génios do barroco, Haendel e Bach. A «boutade» de Stravinsky, de que Vivaldi seria «um compositor que reescreveu 555 vezes o mesmo concerto» , embora tenha piada não é apenas maldosa, é completamente injusta. Para prova da injustiça desse juízo, basta escutar a enorme diversidade estilística e temática, presente no álbum de Enrico Baiano. Este consiste em reduções para cravo de vários concertos para violino e orquestra de arcos, concertos que se tornaram muito célebres em toda a Europa. 
Muito célebres transcrições, tanto para cravo, como para órgão, fez Bach dos vários concertos aqui apresentados, pelo que o especialista poderá comparar com proveito as versões para cravo às partituras para orquestra de cordas. 
A prática da transcrição para instrumentos de tecla era comum na época barroca e foi usada por Bach como forma de assimilar o melhor da música italiana, não apenas Vivaldi, como Benedetto Marcello, Albinoni e outros mestres.
A criação barroca não estava estritamente ligada a um determinado conjunto de instrumentos: a orquestração era deixada ao sabor dos interpretes. A maioria das composições era interpretada por pequenas capelas musicais, dependentes de um príncipe, ou de um rico mecenas, mas com uma composição nada fixa. Os compositores estavam naturalmente conscientes dessas limitações e sabiam que as composições poderiam ter várias leituras, várias instrumentações, sem considerar isso uma «traição» ao espírito da obra. Assim, os baixos contínuos eram sempre improvisados, os ornamentos, das linhas melódicas solistas, muitas vezes deixados ao gosto do intérprete, que deveria doseá-los de acordo com a música e também com o instrumento solista empregue. Na ópera, o canto pressupunha, da parte dos célebres solistas, uma ornamentação elaborada da linha melódica. 
A forma concerto que foi utilizada durante mais de dois séculos, teve origem na escola italiana e em particular veneziana, dos músicos compositores/interpretes para violino. O concerto com instrumentos solistas, tornou-se depressa a forma predominante. No concerto «grosso», em que a orquestra é responsável pela peça na sua totalidade, há lugar para um «concertino», ou seja, um grupo restrito de músicos, enquanto o «tutti» tem como função formar o substrato harmónico e expor os temas principais da peça. 

Não me canso de ouvir estes autores barrocos, em especial Vivaldi. Todo o período é servido por gravações com diversos interpretes, muitos em instrumentos originais ou em cópias de instrumentos da época. Como não existe uma norma universal para interpretar Vivaldi ou Bach ou outros barrocos, podemos encontrar exemplos de gravações bastantes diferentes no pormenor, mas com igual qualidade quer estilística, quer técnica.




segunda-feira, 29 de agosto de 2016

BACH, QUANDO TE OIÇO, MEU ESPÍRITO É TRANSPORTADO PARA JUNTO DE DEUS




- Eis o grande mistério da música: nada mais físico, nada mais espiritual que a música composta e interpretada por pessoas excecionais. A música de grande qualidade convida a uma audição atenta, mobiliza o nosso ser na totalidade e não apenas o sentido auditivo.
Se nós nos sentimos transportados e encantados, no sentido forte destas expressões, isso é por razões totalmente compreensíveis: é que se trata de um veículo para o que há de sagrado no coração de cada um de nós. 




sexta-feira, 10 de junho de 2016

Leitura da «Paixão Segundo São Mateus» de J.S. Bach

                            https://www.youtube.com/watch?v=xkm19nfaXl4

Coro inicial da «Paixão Segundo São Mateus» J.S. Bach:

O contexto da oratória no século XVIII - na época de Bach, em particular - é o pietismo, no qual há uma sistemática procura de uma identificação com Cristo, por parte do crente...Cada obra do género oratória (ópera sacra ou «drama em música») tem como objetivo assumido, pelo compositor e toda a comunidade, de propiciar a  elevação das almas dos crentes. 
A força deste género de obra músical decorre da sua espiritualidade manifesta e da proximidade ao povo de Deus, pois a sua matéria-prima é idêntica à da música corrente na época, dentro e fora da igreja. O povo de Deus reúne-se e participa ativamente, cantando, pois os coros inseridos nas oratórias são corais, que a assembleia reunida para o culto luterano, está acostumada a entoar todos os domingos. A Paixão de Cristo é vivida/sentida por todos: estão a «reatualizar», no sentido de «reviver simbolicamente», a Paixão de Cristo. É portanto um  ato religioso, dotado dum aparato musical considerável e de grande beleza estética. 
Para a teologia e pastoral luteranas não há música demasiado bela para cultuar a Deus, toda a música bela é matéria-prima legítima e adequada, para cantar a Glória de Deus. O seu simbolismo apela para uma meditação sobre o Corpo de Deus/Corpo Divino: «Olha para o Cordeiro que vai ser imolado, Redentor dos pecados do mundo». Pela virtude libertadora da música, o crente conhece o caminho da redenção. 
Esta leitura é perfeitamente canónica em termos teológicos.


A introdução instrumental corresponde à apresentação genérica do tema melódico do coral que se segue, mas também «dá o tom» solene do «drama  em música» que se vai desenrolar.

A «dança» implícita neste pulsar rítmico vai levar ao tema do coral de abertura, cuja letra resume a mensagem da Paixão, tal como no coro da tragédia grega clássica. O paralelo não pode ser fortuito, pois a referência aos modelos da antiguidade greco-romana, na época de Bach, era constante.  

A estrutura musical do primeiro coral da Paixão “Kommt, ihr Töchter, helft mir klagen desenrola-se na estrutura -pergunta e resposta – o que é reforçado pela divisão do coro em dois: 

C1: Vinde filhas, auxiliai-me no pranto,
C1: Vêde!
C2: -Quem?
C1: O Noivo.
C1: Vêde, ele!
C2: Como?
C1: Como um Cordeiro
C1: Vêde!
C2: O quê?
C1: A sua paciência!
Etc…

A peça prossegue, em torno das mesmas linhas, constituindo  estas o fundamento da polifonia. Nota-se um pequeno interlúdio instrumental –semelhante à introdução – seguido por uma retomada com variação muito peculiar do coro inicial: por um lado, o tratamento em staccato do baixo contínuo, nas cordas,  por outro, no retomar das frases do coral, mas de forma separada: o efeito deste tratamento é um acentuar da dramaticidade, dum efeito de «pathos», para se chegar ao ponto culminante.   

Este coral introdutório é - em si mesmo - um monumento dentro do monumento que é a Paixão Segundo São Mateus. 
Não é possível decidir qual a componente que mais relevância teve na sua génese:- de ter sido, obviamente, composta com o objectivo de evangelizar, de edificar e fortificar os crentes;- ou desta música, inspirada na Paixão de Cristo, emergir como ato de piedade da mente profundamente devota de Bach. Pois ambas as motivações são perfeitamente compatíveis e complementares. 

O modo como esta peça é recebida pelo auditor, a ênfase que dá a este ou aquele aspeto, dependem da sua sensibilidade:
Para pessoas que se considerem não-cristãs, não-crentes, ou ateias, pode ser compreendida «racionalmente», como um monumento da música barroca. 
Mas, para pessoas sensíveis à transcendência, ao lado emocional, despertas para uma espiritualidade,  independentemente de terem ou não terem religião, esta composição tem um outro sabor: Ela é um veículo de encontro com o Amor Universal.