segunda-feira, 28 de abril de 2025
sábado, 26 de abril de 2025
O MUNDO FRACCIONADO... E SUAS CONSEQUÊNCIAS
LEITURA POLÍTICA NÃO-PARTIDÁRIA DO PRESENTE
Sem dúvida que os últimos 5 anos foram acelerar o fraccionamento, a divisão artificial entre os povos e entre pessoas, dentro de cada povo.
Devemos nos perguntar até que ponto devemos atribuir a responsabilidade exclusiva aos decisores políticos e/ou económicos. Sem dúvida, o seu poder sobre a vida das gentes comuns é grande. Mas, este poder é-lhes dado (e reforçado) pela passividade, pelo indiferentismo de muitos.
Curiosamente, são aqueles que mais podem intervir devido à sua cultura, à sua posição económica, ou à sua fama e popularidade, que menos intervêem.
Os pobres podem multiplicar protestos, manifestações, ou outros atos simbólicos. Porém, os atos em causa são como «perante o muro das lamentações».
Ou seja, os protestos só têm alguma eficácia nas raras ocasiões em que implicam consideráveis riscos para a plutocracia, para os detentores do poder real. Mas, no caso de ser assim, quem se manifesta está sujeito a uma repressão selvagem, desproporcionada, pelas «forças da ordem».
Mesmo quando se trata de protestos simbólicos, perfeitamente legais e sem violência, a polícia reprime à bastonada, prende e levanta processos aos manifestantes, por eles gritarem slogans, por exprimirem seu desespero, sua raiva pela ausência de justiça para os despossuídos.
A que distância as ditas «democracias ocidentais» estão de uma efetiva democracia, mesmo relativamente ao conceito de democracia mais consensual, o que está consignado nas constituições dos respectivos países?
Eu diria que estão cada vez mais distantes. Não apenas no comportamento da polícia e doutros órgãos do Estado, como também ao nível das leis iníquas, publicadas ultimamente, que violam ou esvaziam de substância as liberdades e garantias dos cidadãos. Nos textos constitucionais ainda estas se mantêm; porém, a sua tradução no comportamento dos corpos do Estado, desde o governo à administração e aos tribunais, é nula!
Estamos perante uma deriva autoritária total e transnacional, a mais brutal das nossas vidas, para a qual não houve - até ao momento - contra-ofensiva à altura, por parte dos de baixo.
De facto, uma parte dos que têm protagonismo e protestam, fazem-no por dever de ofício, por serem «militantes a tempo inteiro», ou por ambições de carreira política. Não existe verdadeiro contrapoder, que dê expressão ao descontentamento e -sobretudo - desencadeie a contra-ofensiva, perante os desmandos do poder.
O arbítrio dos poderes atuais não tem limites. Aliás, no seio das forças policiais e militares, há muitos que defendem uma ou outra versão de fascismo ou de militarismo. Somente não tiveram ainda oportunidade de agir a descoberto. Estão à espera - provavelmente - que surjam provocações, atentados de falsa bandeira, ou falsas ameaças de ruptura da ordem burguesa, para avançarem com a imposição da «Ordem Nova», ou seja, da ditadura fascista.
No resto do aparelho de Estado e no próprio seio de partidos e associações que se declaram democratas, existem numerosos indivíduos que estão disponíveis para apoiar uma tal tomada de poder.
Esta tomada de poder pode assumir muitas modalidades; desde o golpe de Estado violento, como no Chile, até ao «golpe de Estado deslizante», como está em curso no Reino Unido, na França, na Alemanha, na Polónia, na Roménia e em Portugal. Estes países têm uma tradição democrática, mas também uma tradição fascista.
Todos eles têm governos incapazes de fabricar «consensos», como se verifica pelas sucessivas sondagens, mostrando a sua impopularidade. Eles, políticos dos «partidos de governo», têm uma impossibilidade prática de satisfazer, ao mesmo tempo, as aspirações do povo a uma vida decente e às proteções sociais conquistadas há cerca de meio-século, por um lado; e por outro, as exigências das oligarquias nacionais e globais. Estando os políticos dependentes das doações generosas dos oligarcas as campanhas eleitorais, já se sabe quem eles irão procurar satisfazer.
O divórcio entre a oligarquia governante e os cidadãos comuns nunca esteve tão patente. Os resultados eleitorais refletem esta desconfiança dos partidos tradicionais. Porém, a saída que os governos estão a implementar não é original, nem gloriosa: Consiste em tentar provocar uma guerra direta contra a Rússia. Não lhes importam as desgraças de toda a ordem que a população possa sofrer. Nem mesmo parecem temer uma deriva com uso de armas nucleares, que uma tal guerra fatalmente tornaria mais provável.
A lógica deles é a de se manterem no poder, a todo o custo. Porque os gastos com rearmamento, as sucessivas declarações belicistas e tudo o mais, são afinal pretextos, «justificações» para a destruição definitiva do «Welfare State» (Estado de Bem-estar) que foi construído ao longo das três primeiras décadas do pós IIª Guerra Mundial.
É com vista à entrada dos seus países numa aventura bélica, que têm vindo a promulgar leis que criminalizam e permitem «legalmente» prender pessoas por elas protestarem, por exercerem seus direitos de opinião, de manifestação e de organização.
Mais uma vez, constato que o episódio do COVID foi o balão de ensaio, o teste à escala real, que permitiu à oligarquia afinar a estratégia de domínio da «plebe» e transformar a «democracia liberal» através dum golpe de Estado interior, num regime mais autoritário, que poderá transformar-se em totalitário.
Não esqueçamos que os nazis e o seu Führer não precisaram de abolir a Constituição democrática da República de Weimar. Como agiram os nazis? Ignoraram esta constituição: Deliberadamente, não a aboliram, mas ignoraram-na. A «Ordem Nova» reinava e quem fazia as leis eram eles, os Nazis. Foi assim até à queda final do regime. A constituição de Weimar, teoricamente, manteve-se em vigor durante todo o período do regime Nazi. Na prática, era como se não existisse.
A traição dos «partidos de governo», nas democracias ditas liberais do Ocidente, em particular da Europa, começou há muito tempo, quando decidiram que certas partes das constituições nacionais «não eram para tomar à letra».
Agora, o que fazem - quer em termos práticos, quer legislativos - é uma constante violação destas mesmas constituições:
- A instrumentalização do funcionamento da justiça.
- A repressão violenta de manifestações não-violentas.
- A perseguição de pessoas e organizações pelas suas opiniões, seus escritos, violando claramente o direito à livre opinião.
- Destruição das leis de protecção dos trabalhadores, dos seus direitos.
- Cancelamentos de apoios do Estado a pessoas carenciadas.
- Os abusos securitários das polícias secretas, espiando certos indivíduos e organizações, porque não capitularam perante o sistema.
... Etc, etc.
A paralisia de forças «anti-sistema» ou «alternativas», é confrangedora; mostra que as pessoas não foram educadas, nem sobre direitos e deveres (educação cívica), nem sobre como construir organizações, com base na solidariedade de classe. As pessoas mais «ativistas» podem subjetivamente estar contra a situação criada pelas elites no poder, mas não conseguem fazer nada de construtivo para as combater.
sexta-feira, 25 de abril de 2025
CRÓNICA DA IIIª GUERRA MUNDIAL, Nº 43: A GUERRA DE NARRATIVAS
A GUERRA DE NARRATIVAS É A MAIS MORTÍFERA... Porque ajuda a manter e prolongar a guerra militar e seus morticínios.
No que respeita às guerras acesas entre ucranianos e russos, ou entre palestinianos e israelitas, a propaganda ou narrativa, de ambos os lados, tornou-se o fator que predomina sobre a realidade do terreno.
A forma totalmente distorcida das notícias relativas a estes conflitos na media mainstream desempenha um papel de relevo, mas a iniciativa não vem dos jornalistas, «proletários ou prostitutos da pena e da palavra»: Estes recebem as ordens dos poderes. O controlo da narrativa vem das oligarquias, de pseudo-elites que controlam o poder, qualquer que seja o campo. No século XXI, quem controla a narrativa, consegue manter-se no poder; a narrativa -portanto - torna-se o veículo principal para manutenção no poder.
Já Machiavel tinha antecipado esta viragem, quando enunciou no famoso tratado «O Príncipe», que o detentor do poder deveria - de preferência - seduzir os súbditos, adormecê-los com histórias que os confortassem nos seus anseios e esperanças, porque - dizia Machiavel - é muito mais fácil governá-los pelo engano - hoje diríamos pela propaganda - do que pela força bruta, pela repressão.
Não quero, com isto, dizer que a repressão esteja ausente nos dias de hoje. Pelo contrário, numa tradução prática dos ensinamentos de Machiavel, os poderes têm-se dedicado seletivamente a ostracizar, reprimir, deportar ou prender as vozes dissidentes, quando estas desmascaram as narrativas do poder e revelam as facetas mais cruéis e obscuras desse mesmo poder. Para todos os dissidentes a tarefa de levar o esclarecimento às massas tornou-se mais difícil pois enfrentam, além da hostilidade dos poderes, a difamação da média e a indiferença do público.
Esta indeferença é fabricada, ao longo do tempo, através da supressão selectiva das narrativas contraditórias e, sobretudo, pela afirmação obsessiva da narrativa oficial, pelo que resulta daí o condicionamento total das massas.
O nosso Mundo evolui em deriva acelerada para regimes totalitários. Este fenómeno tem maior expressão nos países que não eram classificados como totalitários, as chamadas «democracias liberais» ou o «campo ocidental».
Hoje, ainda existe alguma expressão de dissidência nesses regimes, mas ela é - cada vez mais - uma expressão da "oposição controlada".
Com efeito, o facto de ser possível e mesmo provável que a manifestação de dissidência tenha consequências na vida das pessoas, desencadeia um reflexo de medo. Por exemplo, a pessoa dissidente pode perder o emprego, pode ser ostracizada, como certas figuras públicas sujeitas a «black-out»: O facto de já não serem entrevistadas ou citadas na media mainstream; ou quando seus artigos ou livros deixam de ser publicados ou encontram muita dificuldade em sê-lo. Este ambiente hostil vai inibir muitas pessoas de exprimir sinceramente e sem auto-censura, aquilo que pensam.
O poder «neo-feudal», ou como queiram chamá-lo, está mais dependente da conquista da opinião pública, que da conquista de território inimigo, ou da derrota militar dos adversários.
Aliás, a quantidade de destruição, mortes, feridos e deslocados numa guerra é secundária para os senhores do poder e da guerra. Ao contrário dos senhores da guerra típicos das eras feudais, os atuais 'chefes' comandam os exércitos a partir de seus palácios do Governo. Eles obrigam estes exércitos a fazer mil e uma manobras absurdas, suicidárias, ou vãs. São frequentes tais ordens, que não se destinam, sequer, a atingir um objetivo genuinamente militar. Pois os senhores da guerra contemporâneos estão preocupados, sobretudo, em mostrar que são os «bons», que pertencem ao «campo do bem». Portanto, o que realmente procuram não é a vitória no terreno militar (ao contrário, aliás, dos senhores da guerra nos séculos passados); interessa-lhes - sobretudo - alimentar a narrativa do poder, dos bons contra os maus. É assim que se mantêm no poder. Se morrerem milhões, assim seja: Os poderosos garantiram para eles próprios e para suas famílias, que não irão padecer de nenhum daqueles males. Os danos patrimoniais também não os sofrerão, pois asseguraram uma «confortável reforma» com suas contas na Súiça ou noutros paraísos fiscais e um «exílio dourado» em vivendas de luxo em locais seletos (Miami, Riviera, Côte d'Azur, etc). Quanto mais uma guerra durar, mais estes «senhores da guerra» enriquecem.
Eu poderia dar muitos exemplos concretos do quadro que descrevo acima. Mas, penso que os meus leitores têm vontade e meios para pesquisar na Internet, os factos, os indícios e as realidades que contrariam os discursos dos poderes.
Sejam quais forem as simpatias ou antipatias dos leitores, parece-me que devem ter a máxima simpatia por eles próprios e não se deixarem enganar, seja por quem for. Infelizmente, nesta sociedade atual, o comportamento de autonomia e de independência, não é valorizado e até chega a ser incompreendido, por uma parte da cidadania.
Para defesa dos valores humanos fundamentais, torna-se imperioso denunciar a verdadeira causa das guerras de hoje: Elas resultam do poder exercido de um modo totalitário - seja abertamente, ou de modo camuflado - pelos «nossos» governantes. Claro que seus crimes e cobardias não surgem do vazio, ou de mentes intrinsecamente perversas e malévolas: Os dirigentes estão rodeados por uma corte de bajualdores e de conselheiros, que os manipulam. Mas - obviamente - neste caso, tanto manipuladores como manipulados estão na barca do poder.
A necessidade imperiosa de salvar da morte muitos milhares de inocentes, ou destes ficarem estropiados para sempre na guerra e suas famílias ficarem destruídas, obriga-nos a repudiar a forma suja como os poderosos usam e abusam criminosamente das alavancas do governo para iniciar, continuar e prolongar a guerra. Infelizmente, não existe Tribunal da Haia, de Nuremberga ou doutra juridisção, capaz de os prender e julgar. Os muito poderosos, hoje, têm muitas probabilidades de ficar impunes pelos crimes hediondos de são os responsáveis máximos.
O que nós precisamos não é do regresso ao tempo «em que a cabeça do monarca derrubado por uma insurreição, era exibida na ponta de uma lança». Mas, o regresso à visão universalmente partilhada do Direito Internacional e da jurisprudência que decorre da sua aplicação, durante os 80 anos após o fim da IIª Guerra Mundial.
A 25 de Abril de 2025 (*)
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(*) No dia 25 de Abril de 1976 foi aprovada a Constituição democrática de Portugal, dois anos depois da revolução não-sangrenta do 25 de Abril de 74. Depois, esta revolução foi desvirtuada por muitos, mas tal não impedíu o facto de ter sido viabilizada tal transformação política.
quinta-feira, 24 de abril de 2025
BREL "QUAND ON N'A QUE L 'AMOUR"
Uma poderosa canção, pacifista e optimista, de Jacques Brel*.
Consultar também a playlist «Le dernier repas» Canções de Jacques Brel, AQUI.
Letra /Paroles:
Quand on n'a que l'amour
À s'offrir en partage
Au jour du grand voyage
Qu'est notre grand amour
Quand on n'a que l'amour,
Mon amour toi et moi
Pour qu'éclatent de joie,
Chaque heure et chaque jour.
Quand on n'a que l'amour
Pour vivre nos promesses
Sans nulle autre richesse
Que d'y croire toujours
Quand on n'a que l'amour
Pour meubler de merveilles
Et couvrir de soleil
La laideur des faubourgs
Quand on n'a que l'amour
Pour unique raison
Pour unique chanson
Et unique secours
Quand on n'a que l'amour
Pour habiller le matin
Pauvres et malandrins
De manteaux de velours
À offrir en prière
Pour les maux de la terre,
En simple troubadour
À offrir à ceux-là
Dont l'unique combat
Est de chercher le jour
Pour tracer un chemin
Et forcer le destin
À chaque carrefour
Pour parler aux canons
Et rien qu'une chanson
Pour convaincre un tambour
Alors, sans avoir rien
Que la force d'aimer,
Nous aurons dans nos mains,
Amis, le monde entier
Composição: Jacques Brel.
«Jacques Brel, considéré comme un des Grands de la chanson française et qui pourtant était intarissable dans ses interviews sur ce qu’il appelait sa « belgitude ». Nombre de ses chansons, et non des moindres, évoquent son pays natal sous un angle particulièrement pictural : Les Flamandes [1959], Marieke [1961], Le Plat pays [1962], Il neige sur Liège [1963], Bruxelles [1962], L’Éclusier [1968], L’Ostendaise [1968]… Il lui arrive même d’embarquer l’auditeur français dans les problématiques politiques spécifiquement belges, comme ses retentissants coups de gueule contre les ultra-nationalistes flamands : La la la [1967] ou Les F… [1977].
...
Un de ses biographes relève avec justesse que la Flandre est son « obsession poétique » et que « la Belgique habite Brel infiniment plus qu’il n’a habité en Belgique ». Ecoutons-le parler de la genèse des Flamandes en ethnologue de son enfance :
- 25 Emission Neuf millions, Radio-Télévision Belge, 17/07/1960 ; citée par Todd, Olivier, ibid., p. 18 (...)
Je suis nettement d’origine flandrienne, et c’est pour ça que j’ai pris ce sujet-là plutôt que les Wallonnes ou les Normandes, ou les Bretonnes […]. J’ai une vision peut-être fausse. Je vois les Flamandes bruegeliennes, assez rebondissantes. Peut-être parce que dans ma famille, en Flandre, toutes les femmes que j’ai connues, quand j’étais gosse, étaient assez fortes […]. En plus de ça, il y avait une image qui m’avait fortement frappé quand j’étais gamin : c’est qu’aux enterrements, là-bas, tout le monde danse. Alors j’ai replacé ça dans la chanson.
»
quarta-feira, 23 de abril de 2025
O colapso do dólar não é uma hipótese; é um processo em curso
Veja e oiça este vídeo com Andy Schctman
terça-feira, 22 de abril de 2025
QUANDO A ÁRVORE ESCONDE A FLORESTA
Desde o famoso dia «da libertação» de 2 de Abril, decretado pelo Presidente Trump, todo o mundo tem estado em sobressalto com a «guerra tarifária». O que não faltam são análises sobre a iniquidade destas tarifas alfandegárias, a sua inadequação, o modo grotesco como são calculados os desequilíbrios comerciais entre os vários países e os EUA.
Também se tem denunciado (com total razão, aliás) a falácia de que um défice comercial revelaria uma «exploração» do país comercialmente deficitário, exercida pelo que tem um superávit. Tudo isto se discutiu até à exaustão.
Porém, as subidas unilaterais das tarifas são uma «enorme bomba malcheirosa», deitada no meio das relações económicas internacionais pela potência em declínio. Os EUA ficaram claramente ultrapassados, em termos de mercado mundial, nas mais diversas categorias de mercadorias, mas sobretudo nas que significam domínio em áreas de ponta:
- Os micro-processadores (os microchips que equipam tudo desde máquinas de lavar a mísseis superssónicos)
- A "IA"(tendo uma pequena empresa chinesa, demonstrado obter sistemas com mais eficiência e com um custo da ordem do centésimo dos americanos),
- A construção de veículos EV (ao nível mundial, as marcas chinesas são as maiores vendedoras no Sul global, embora lhes tenham sido quase barrados - desde antes desta onda de tarifas - os mercados norte-americano e da UE)
- Até mesmo os avanços da Internet de 5ª geração, têm sido protagonizados pela HUAWEI, empresa excluída do mundo ocidental, sob pretextos falaciosos (nunca provados) de servir para espionagem electrónica chinesa (curiosamente, foi a NSA americana que espiou os smartphones de vários dirigentes europeus, incluindo a Chanceler alemã Angela Merkel).
- As chamadas terras raras, são extraídas, refinadas e exportadas pela China, que detém 90% do mercado mundial. Nenhum país tem igual peritagem, nem meios técnicos e industriais montados para realizar isso. Estes elementos são essenciais para incorporar nos chips ou ligas metálicas, funções insubstituíveis, cujo embargo de exportação (pela China) deixa os EUA numa situação desesperada para fabrico dos componentes electrónicos (estes são indispensáveis para as armas mais sofisticadas, mísseis por exemplo).
Á medida que o tempo passa, a dependência da China em relação às exportações para os EUA diminui acentuadamente, assim como diminui o peso relativo no PIB chinês, da contribuição destas exportações. Com cerca de 14 % das exportações, o comércio chinês com os EUA é facilmente substituível pelos chineses, o que não é verdade na recíproca. Enquanto a China fornece items indispensáveis à economia dos EUA, os EUA têm, como principais items de exportação para a China, o petróleo e a soja. Estes podem ser fornecidos por muitos outros países, em parcerias comerciais com a China.
Se nós acreditamos que nossos opositores são «estúpidos», nós é que estamos a ser estúpidos. É evidente que a Administração Trump possui um plano; e que este plano é muito mais vasto e profundo que a «guerra das tarifas». Eu diria mesmo que, se falamos de guerra económica, devemos perguntar-nos qual tem sido o mais precioso trunfo dos americanos?
Desde Bretton Woods - claramente - tem sido «o exorbitante» privilégio do dólar como moeda de reserva mundial e como principal moeda nas trocas comerciais; não esqueçamos que desde 1973 (O pacto entre Nixon/ Kissinger e o Rei da Arábia Saudita) o mundo vive num sistema monetário de divisas flutuantes, em que o dólar se tem mantido através da obrigatoriedade de todos comprarem petróleo em dólares, exclusivamente. O PETRODÓLAR foi rei durante todos estes anos, somente agora estando a ser destronado .
Ora, a subida dos BRICS, o seu alargamento, estão na origem da crescente onda de trocas comerciais bilaterais (muitas, e em grandes volumes) não envolvendo o dólar, mas só as divisas dos respectivos países: Verifica-se a diminuição da utilização global do dólar. Há 25 anos, cerca de 70% das trocas comerciais eram feitas em dólares; esta percentagem desceu para cerca de 57%, no presente, segundo os números a que tive acesso.
Além disso, existe a monstruosa dívida, com um total de 37 triliões de dólares. São dívidas públicas, de Estado, pelas quais o Tesouro americano emitiu obrigações e outros títulos de dívida correspondentes a diversas maturidades. Esta dívida atingiu um nível totalmente fora de controle: Ela perfaz, hoje, cerca de 104 % do PIB dos EUA; apenas os pagamentos de juros, alcançam mais de um trilião de dólares, este ano; a dívida que tem de ser «rolada», neste ano, é de 7 triliões. Isto significa que o Tesouro dos EUA terá de encontrar compradores para este montante. Ora, para já, os juros dispararam, ou seja, não podem os EUA encontrar tomadores dessa dívida, senão com remuneração mais alta, da ordem de 4.3 % para as obrigações do Tesouro a prazo de dez anos.
Embora poucas pessoas saibam destes números catastróficos, reina um grande nervosismo nos investidores tradicionais na dívida americana, que são: Estados, grande banca, grandes fundos de investimento e grupos económicos, sobretudo no exterior dos EUA.
Sem dúvida, o efeito da "onda tarifária" será o de acentuar a recessão em muitos países e o abrandamento do crescimento em todo o Mundo, mesmo nos países com economias mais sustentáveis. Isto significa que a economia mundial será incapaz de satisfazer as exigências de empréstimos sem limites, do colosso americano.Que consequências isso vai trazer?
Os EUA terão um custo acrescido da sua dívida, não só quanto aos juros, como no seu montante total.
Não creio que eles vão deliberadamente provocar o colapso da sua economia e da economia mundial. A fação que apoia financeiramente Trump é constituída por oligarcas. Eles pretendem efetuar um «Great Reset» que lhes seja favorável pessoalmente. Querem ver consolidado o seu domínio monopolístico de ramos inteiros de indústria. Mas, provavelmente, compreendem que a ambição dos neocons duma hegemonia global, não tem qualquer hipótese de se realizar.
Trump e sua Administração ficaram encarregues de salvar aquilo que pode ser salvo do império americano. Por de trás das fanfarronadas do chefe, trata-se de fazer um recuo estratégico, salvando o papel do dólar, já não como a divisa de reserva mundial, mas capaz de assegurar um domínio hegemónico dentro da sua esfera de interesse. Seguindo esta lógica, coloco como hipótese que o plano de Trump e do seu governo, seja o seguinte :
- Aliviar a dívida pela desvalorização forçada do dólar. Com efeito, o dólar está nitidamente hipervalorizado, como vos dirão economistas das mais diversas tendências. Isso deriva do facto de ter sido a moeda de reserva dos bancos centrais em todo mundo e a principal divisa no comércio internacional, pelo que teve sempre uma procura condicionada por isso e não pela produção de bens para exportação ou por investimento direto em países estrangeiros. Seria razoável prever que uma diminuição de procura da dívida soberana dos EUA, no contexto que delineei acima, fosse causadora de um valor mais baixo do dólar, relativamente às outras divisas. Portanto, também irá diminuir o valor global da dívida dos EUA, denominada em dólares, embora ela nominalmente permaneça a mesma.
- Estratégia de concorrência para os produtos americanos. Pode-se prever a contração da área de influência dos EUA, para uma zona onde conseguirão manter a hegemonia, já que não o conseguem ao nível mundial (objetivo dos neocons). No continente americano e na Europa ocidental e central, poderão esperar conservar e reforçar o seu controlo, sua liderança de facto. Para que o dólar continue como moeda preferencial neste espaço económico, convém que seja suficientemente baixo para tornar competitivos os produtos industriais americanos. Estes seriam - a prazo - mais diversificados do que no presente. Atualmente, os produtos industriais de exportação dos EUA, são poucos: As armas, os aviões comerciais e a indústria do «entertainement». Num universo multipolar, o sucesso na competição vai se exprimir pela capacidade de colocação no mercado internacional de produtos industriais a preços baixos. Uma maneira frequente dos países tornarem os seus produtos de exportação mais competitivos é de baixarem o valor da sua moeda.
O que escrevi acima não é mais do que uma hipótese de trabalho, sujeita a confirmação ou invalidação. Não pretendo compreender o «alfa e ómega» da política económica externa dos EUA. Porém, neste curto texto de análise, procurei mostrar que Trump e os que o apoiam, têm objetivos concretos, que onde fazem mais barulho não é sempre o principal motivo da sua intervenção e que, para apreender as linhas de força da sua estratégia, temos de colocar -como elemento central - a mudança do sistema monetário internacional e a concomitante reforma das instâncias reguladoras internacionais.
PS1: Como suplemento, veja este vídeo que explica em pormenor a situação do dólar: https://youtu.be/06mdHuuUhdI?si=kRpLiXJDIECQ_ykQ