quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Chanson: Années d'Or

CHANSON: ANNÉES D'OR


 Uma nova playlist, com o melhor do melhor da canção francesa. Não posso agradar a todos os gostos, evidentemente, por isso usei o critério de agradar a mim próprio. 

Há quem pense que «as pessoas são aquilo que comem»... Porém, eu sou aquilo que amo. As canções que eu amo, com os interpretes que eu considero os melhores*.   

JULIETTE GRÉCO, ÉDITH PIAF, BORIS VIAN, LÉO FÉRRÉ, JACQUES BREL, ADAMO, FRANÇOISE HARDY, MIREILLE MATHIEU, CHARLES AZNAVOUR, YVES MONTAND, CHARLES TRENET, GEORGES MOUSTAKI.

                                    
https://www.youtube.com/playlist?list=PLUv1WgIwP9IMdXxSPVNeizYVJkXaA4COD

* Outros grandes nomes - Georges Brassens, Serge Gainsbourg e Jacques Dutronc - já tinham sido incluídos em playlists exclusivas.  Na presente playlist, eu decidi limitar-me a incluir somente doze interpretes com 2 canções, cada (24 canções no total). 


segunda-feira, 12 de setembro de 2022

OLHANDO O MUNDO DA MINHA JANELA, PARTE XV

               
                                    Imagem: Mansarda com janela em «olho de boi»

Muitas coisas tenho para contar.
Mas, brevemente, primeiro tenho de saudar o que passou: O passamento da Rainha Elizabeth II, personagem tão simpática e incontroversa, que muitas pessoas cismam de não serem súbditos da sua Coroa (não é bonito assistir-se a um casamento real?). Para tais pessoas, muitas vezes, não há cura: Estão cronicamente infetadas com o vírus da «Servidão Voluntária», uma maleita diagnosticada pelo sempre jovem Etienne De La Boétie.

Hoje em dia, há pessoas que rejubilam com mortes na guerra, desde que sejam «os outros», aqueles que fomos ensinados ou condicionados a odiar, desde pequeninos. A humanidade está à beira duma guerra nuclear. Porém, reage como se de nada de importante se tratasse: Com a impressionante tecnologia de persuasão e condicionamento das mentes, a qual anula nos humanos quaisquer laivos de revolta, ou apenas de pensamento crítico. Que caminho percorrido desde os «cães de Pavlov»! Os cientistas comportamentais devem estar orgulhosos.

Não há qualquer outro fator que ative mais as pessoas a pensar, como carências de bens essenciais: no pior dos casos - a fome, mas a simples ausência de condições mínimas de conforto (como aquecimento das casas), ou ainda a impossibilidade de continuar a servir-se do automóvel, já têm consequências. As revoluções de amanhã serão totalmente diferentes das passadas. Os revolucionários «encartados», de todas as tendências, vê-las-ão passar e só depois destas terem um certo avanço, acordarão.

A autoinfligida crise energética tem de ser vista em perspetiva. Farei essa perspetiva decorrer de dois ângulos diferentes:

- No campo atlantista, predomina a raiva anti- soviética, perdão, anti- russa. Eles, atlantistas, são capazes de nos sacrificar alegremente: Um terço dos soldados da Ucrânia (mortos ou estropiados), a quase totalidade da população destroçada económica, psicologicamente, além de ser vítima «colateral» dos combates, uma enorme percentagem foi obrigada a refugiar-se em países vizinhos. Do lado dos «aliados» da NATO, constata-se já o empobrecimento massivo dos que estavam no limiar da pobreza. A Europa ocidental irá sofrer muito mais, nos próximos meses, de frio, de carências alimentares, de desemprego, de rutura dos serviços essenciais. Soma-se a perda de qualquer possibilidade das multidões fazerem eficazmente ouvir-se e respeitar-se pelos poderosos, devido à campanha non-stop de medo, propaganda de guerra, censura, difamação, cilindrando quaisquer vozes, mesmo tímidas, que se pudessem erguer contra o «establishment». Em suma, um Estado totalitário pan-europeu está sendo preparado pelas «elites».
Eles - os atlantistas - podem estar orgulhosos, têm aquilo que sempre procuraram obter: Uma Europa ocidental sujeita a regimes fascistoides, com um semblante de eleições, um semblante de opinião pública, um semblante de oposição - quer política, quer social: A dominação total e sem limites. Torna-se cada vez mais clara e transparente a tentativa da oligarquia de impor uma sociedade distópica, moldada sobre os romances de futurologia mais célebres, desde Aldous Huxley e George Orwell, até à literatura de ficção científica mais recente, descrevendo as distopias mais negras. Estes romances são usados como guias, como manuais de «Como Fazer?».

- No campo não-autoritário, as previsões cumprem-se. Foram baseadas na observação do real, do terreno social presente, não em narrativas mitológicas, nutridas por ideologias completamente ultrapassadas. As pessoas começam a acordar para o facto de terem entregue demasiado poder, sob pretexto de «democracia representativa»*, a  sociopatas, que irão fazer tudo para manter esse poder, sobre os outros.
Podia-se esperar este despertar. Ele tem que ver com a impossibilidade teórica e prática do condicionamento de massas ser permanente e total. Se ele fosse permanente, já teríamos todos sido transformados em «robots» ou «zombies», o que - felizmente - não é o caso. Muitas pessoas não foram inoculadas com o vírus mortal do medo de pensar. Por outro lado, verifica-se que algumas pessoas começam a despertar da letargia em que estavam mergulhadas, desencadeada pelo pavor induzido (estratégia «Shock and awe»). Elas, portanto, recomeçaram a raciocinar. Muitas pessoas, guardam apego à verdade, à honestidade, ao sentido de justiça. Não suportam ver amigos, vizinhos, parentes, serem enxovalhados, despedidos e ostracizados. Nem todas ficam encolhidas de medo, esquecendo o significado de palavras como amizade, solidariedade, dignidade humana. Estas pessoas corajosas, graças a Deus, existem em todas as sociedades. Não posso ter uma percentagem rigorosa destas, mas sei que qualquer um de nós conhece duas ou três pessoas, pelo menos, que não alinham com a narrativa «mainstream». Calcula-se que, em média, existirão 150 relações significativas (familiares, amizades, colegas, etc.) na vida de cada um. Portanto, haverá no mínimo 1 -3 % de pessoas que não dobram a espinha, que mantêm o espírito de luta. É importante percebermos que não  estamos isolados: Num país atávico e onde reina uma ignorância crassa, como é o caso de Portugal, estamos a falar no mínimo de 100.000 a 300.00 indivíduos, de todas as condições, idades e localizações, que manifestam estar em contradição com o sistema totalitário.
É importante que todas estas pessoas se exprimam, senão publicamente, pelo menos, no seu círculo de amigos e de íntimos. Tendo estudado a fundo a psicologia do totalitarismo, Ariane Bilheran, na senda de Hannah Arendt e de Mattias Mesmet, deu-nos o aviso: Ao contrário das «simples» ditaduras, a ditadura totalitária, uma vez plenamente instalada, irá impiedosamente esmagar toda a oposição sobrevivente. Nunca irá flexibilizar as condições para a dissidência, pelo contrário, irá suprimi-la. Isto aconteceu repetidas vezes na História. Para que se atinja este estádio, tem de haver uma renúncia, um baixar de braços da oposição a esse regime. Enquanto existirem denúncias dos comportamentos totalitários, estes mesmos totalitários não estarão à vontade para «limpar o terreno». Afinal, eles também sabem que o povo, embora se deixe enganar algumas vezes, não pode ser enganado na sua totalidade e durante todo o tempo.
                                      
São iniciativas de base e cidadãs, como da Associação «Habeas Corpus», que têm o maior potencial para manter o espírito de liberdade. Infelizmente, os partidos, incluindo os de esquerda**, seja qual for sua tendência ou dimensão, estão completamente paralisados, ou comprados, ou sem orientação, pois continuam a não fazer o seu papel.
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(*) O termo «democracia representativa» é tanto mais inadequado que, mesmo nos moldes estreitos do pensamento político convencional, há uma constante e plena fraude: com efeito, os partidos são eleitos em função dos muitos milhões que são «oferecidos» (com condições) por grandes magnates e donos de grandes corporações, para as suas campanhas eleitorais. O debate é falseado sem vergonha, pois não têm voz nos grandes media, aqueles que não se vergam ao poder corporativo. Estes regimes são - na verdade - o poder das corporações, são plutocracias (= poder dos muito ricos). Chamá-los «democracias» ou «poder do povo» é um insulto à inteligência do povo, é escarnecê-lo. Nunca teve tão pouco poder como agora, o pobre povo, por muito que os poderosos se autoelogiem de terem uma «democracia».

(**) Note-se que a «esquerda parlamentar», em peso, tem-se mantido numa ambígua posição, a de «parecer» oposição, sem o ser. Nos períodos iniciais da «crise do COVID», os dirigentes e deputados do PCP e do BE, partidos que se reclamam do socialismo e das classes trabalhadoras, insistiam em aplicar um regime mais estrito de confinamento/«lockdown». «Lockdown» é um termo que  significa o castigo do fechamento dos presos, especialmente quando estes fazem reivindicações. Aplaudiram ou ficaram calados perante a repressão selvática aos que não aceitavam as regras arbitrárias e anti-constitucionais. A existência duma classe coordenadora ficou mais uma vez demonstrada. A sua utilidade para o capital é evidente, pois ela permite que os trabalhadores se mantenham «tranquilos», «ordeiros», dentro da «legalidade»...

SENADOR DOS EUA AVISA SOBRE PERIGOS DE GUERRA NUCLEAR

                               

Não me importa qual o posicionamento político deste senador; o que me interessa é que ele tem razão. Infelizmente, o mundo está ir direitinho prá catástrofe e as jovens gerações estão completamente alheadas, como se estivessem noutro sistema solar ou simplesmente como se estivessem a ver um filme de ficção que os motiva tão pouco que - rapidamente - mudam de canal para outro show mais «na onda»! 
A cobardia dos adultos e a loucura de alguns sociopatas que estão no poder, juntam-se. Só que, ao fim e ao cabo, o constante «jogo de chicken» (o jogo de provocações destinado a que o mais fraco se dê por vencido) irá desembocar em terríveis catástrofes.
A fome mundial já está a assolar muitas partes do Terceiro Mundo, desde o 2ª trimestre de 2021, pelo menos. Mas, isso não impressiona as pessoas habituadas a terem tudo, por preço módico, sem sequer saberem como é que tais «pechinchas» foram obtidas. Não lhes importa que seja trabalho escravo, que permite obter certos minerais indispensáveis para os seus telemóveis. Não lhes interessa que os produtos alimentares sejam produzidos nos países da África, Ásia e América Latina, por trabalhadores cujos salários não lhes permitem uma vida digna; ou que, nas «sweat shop» da Ásia do Sul sejam produzidos - em condições de sobre-exploração - os sapatos, que calçam e as roupas, que vestem ...
Caso todo este mundo hedónico, «ocidental» (América do Norte, Europa e Japão), sofresse em exclusivo com a guerra nuclear e suas consequências horríveis, sem que os povos do Terceiro Mundo sofressem, eu diria que eles próprios, os do mundo abastado, teriam que lamentar a sua indiferença egoísta, o seu vazio existencial, a sua estupidez!
Mas, nenhum povo ficará a salvo dum «Inverno Nuclear», que atingirá o Planeta inteiro, com duração desconhecida, com certeza vários anos. Junte-se a isso, a difusão de substâncias radiativas, pela atmosfera e pelos mares. Num curto espaço de tempo, todos os solos estarão contaminados. Logo, a agricultura ficará inviabilizada em todo o lado: Quem comer algo com radiatividade, está condenado à morte lenta, causada por cancros.
As pessoas de todos os continentes, nações, etnias e credos, deveriam acordar e mobilizar-se para fazerem obstáculo à presente deriva, conducente ao desastre nuclear. É esta também a opinião de pessoas como Paul Craig Roberts, que foi membro da equipa de governo de Reagan.
Impressiona-me a cobardia dos militares de alta patente da NATO, que colaboraram neste «jogo» (que não é jogo) de guerra, lançando as sementes da discórdia a Leste, provocando, desestabilizando, e expandindo o dispositivo bélico da NATO contra a Rússia, durante o espaço de tempo de uma geração, quando existia a oportunidade única de uma paz verdadeira. A paz era possível, nos primeiros anos do século XXI, uma paz sem vencedores nem vencidos, resultante de acordo multilateral entre as nações.
Infelizmente, no Ocidente, os governos mais poderosos não tinham à sua frente líderes com a estatura de De Gaulle ou de Roosevelt. Estes estadistas, que também cometeram erros, eram profundamente patriotas; eles não iriam vender a felicidade dos respectivos povos  para conseguirem o reforço momentâneo do seu poder.

domingo, 11 de setembro de 2022

Historia do globalismo: Filosofía da História da Nova Ordem Mundial

Globalismo: último refúgio da esquerda autoritária e reformista?




 

Historia del globalismo: Una filosofía de la historia del Nuevo Orden Mundial (Biblioteca de Historia)

sábado, 10 de setembro de 2022

ILUSIONISMOS , POR ANTÓNIO BARATA


https://bandeiravermelhablog1.wordpress.com/2022/09/09/ilusionismos/#more-3176

Por António Barata, 

publicado em «Bandeira Vermelha»

O recente pacote de medidas do governo PS destinado a minorar os efeitos da carestia, agravada primeiro com a pandemia e depois a guerra na Ucrânia, e que está a lançar na pobreza cada vez mais trabalhadores, foi recebido com o aplauso e a simpatia da maioria dos comentadores. Mas não foram precisas muitas horas para que o tom começasse a mudar, à medida que se começaram a fazer contas.

E da esquerda à direita, incluindo sectores do próprio partido do governo, começaram a chover as críticas, em crescendo, partindo da simples observação de que:
1) dar 150 euros a cada trabalhador, a que se podem juntar mais 50 por cada filho, no próximo mês de Outubro, deixa tudo na mesma;
2) os reformados e pensionistas são espoliados e duplamente descriminados – não só não têm direito à esmola dos tais 150 euros (vá-se lá saber porquê), como vão ver as suas reformas reduzidas em cerca de 4%, já a partir do próximo ano, dado que de acordo com a lei estas deveriam ser aumentadas em 8 a 9%, em linha com a inflação, e não os 4% anunciados. E não é por o governo caridosamente “dar” a cada pensionista, já no próximo mês, um “bónus” de mais 50% da sua pensão que desmente o facto de isso corresponder a coisa nenhuma – esses 50% correspondem a metade do valor mensal da pensão que deveriam receber em 2023 se esta fosse aumentada os tais 8 a 9%, e que já não vão receber, permitindo ao governo reduzir o valor das pensões em cerca de mil milhões de euros mensalmente. O meio mês que agora vão receber a mais, vão receber a menos no próximo ano e nos seguintes, até ao fim das suas vidas.

Partido destas constatações, toda a oposição, da direita ao BE e PCP, a que se juntou timidamente parte do PS, faz acompanhar as suas críticas de propostas construtivas sobre o que deveria ter sido feito para que as esmolas às classes trabalhadoras fossem mais generosas.

Sem surpresa, a direita põe a tónica na descida do IRC e do IVA e em dar prioridades as ajudas às empresas enquanto vai regateando a paternidade das partes do pacote do PS que considera boas.

Por seu lado, a “esquerda” ordeira, como já nos habituou, desdobra-se em conselhos construtivos e responsáveis sobre como o governo deveria conduzir a economia e o combate à crise neste momento de aflição: taxar os lucros “inesperados” das grandes distribuidoras de energia, baixar a taxa do IVA e gastar a receita excedente (relativamente aos anos anteriores) dos impostos arrecadados este ano. Tudo isto devidamente embrulhado em apelos moralistas “à responsabilidade e solidariedade social” do patronato e mostrando-se indignada com os “lucros excessivos” da EDP, GALP e demais distribuidoras.

Certamente que muito do que o BE e o PCP criticam é acertado. Mas a questão não é essa. É antes a de saber se essas críticas servem para alimentar a ilusão de que é possível sensibilizar a burguesia para os problemas dos debaixo, tornando-a menos gananciosa ao capitalismo menos rapace, ou se vão no sentido de desfazer essas ilusões mobilizando assim os trabalhadores para a luta radical contra o capital e não só contra o governo de serviço e os políticos “ladrões e corruptos”. Se esses partidos, que se dizem de esquerda e a favor do socialismo, realmente agissem de acordo com o que dizem ser, não se ficariam por estas críticas superficiais e tão óbvias quanto inócuas, que até parte da direita as subscreve. Preocupar-se-iam antes em elevar a consciência das classes trabalhadoras fazendo-os perceber que o problema é o capitalismo e não o capital financeiro, os maus políticos, a incompetência, a troca de favores e a satisfação das expectativas das respectivas clientelas.

Teriam de começar por dizer que no nosso país a pobreza é estrutural. Que a carestia não é só de agora nem só consequência da pandemia e da guerra na Ucrânia. Que a pobreza estrutural é uma constante com mais de 20 anos, vitimando 1 em cada cinco trabalhadores, incidindo principalmente nas mulheres, crianças e idosos; que a crise e a austeridade (que agora dá pelo nome de “contas certas”) iniciada em 2008 não terminou nem houve nenhum “virar de página”. E, acima de tudo, por dizer não ao Pacto de Estabilidade e Crescimento e ao pagamento da dívida; que não é possível melhorara as condições de vida das classes trabalhadoras portuguesas sem rejeitar o “memorando de entendimento” imposto pela troika ao PS, PSD e CDS, e que ainda continua em vigor, o qual obriga os governos a respeitar as metas do deficit, a degradar a segurança social e os salários, a precarizar e flexibilizar as relações laborais, a cortar prestações sociais, a aplicar os empréstimos naquilo que o BCE determina e não no que é necessário ao desenvolvimento económico do país, etc. É este o compromisso subserviente que une toda a burguesia portuguesa, e de que ninguém fala, que explica e dá sentido à prática continuada dos governos de António Costa (com e sem geringonça) de prometer e não cumprir, orçamentar mas não gastar, fazer e desfazer acordos segundo as conveniências sem se preocupar em cumprir o que acordou com os seus parceiros de circunstância, e também às opções do actual Orçamento de Estado e a esta sua proposta.

A crença partilhada pelo PSD, IL, PAN, PS, PCP e BE, de que é possível desenvolver a economia, criar riqueza e, ao mesmo tempo, cumprir o deficit e pagar os juros da dívida é uma falácia posta a nu pelo desinvestimento crónico na economia e nos serviços, e cujos resultados são o crescimento anémico da economia, a degradação acelerada dos transportes, o estado comatoso do SNS e do ensino, a degradação das infraestruturas e do meio ambiente, a crise da habitação, o florescimento do trabalho escravo (em particular na agricultura), a corrupção generalizada, os salários de miséria e a precarização crescente do trabalho. Situação esta que sofreu um forte agravamento com a pandemia e, agora, com a guerra na Ucrânia, e que não será revertida pelos milhões da dita “bazuca” nem pelo prometido PPR. Enquanto não se disser não à tutela europeia do BCE, ECOFIM e Eurogrupo, se recusar o pagamento de dívida, o espartilho das regras comunitárias e o diktat europeu, nada mudará a favor das classes exploradas.

Mas se a aceitação da tutela europeia explica as opções do governo e a unidade nacional em torno da “Europa”, dos “valores europeus”, do euro e da Europa fortaleza, ela não explica nem a desfaçatez nem a arrogância de António Costa e seus ministros, nem a compreensão benevolente do presidente Marcelo face às “habilidades” do governo. O que as explica é o clima social caracterizado pela falta de um modelo de sociedade alternativo àquilo que existe, tanto por parte da burguesia como do operariado, que não vá para além do Estado social.

Portugal não só é o país europeu com o maior fosso entre ricos e pobres, como esse fosso não tem parado de crescer, e ainda mais com crises. Enquanto os salários dos trabalhadores portugueses são em média metade dos dos seus congéneres, os dos gestores públicos e privados são superiores. Se na Alemanha um gestor ganha em média 10 vezes mais que um trabalhador, no nosso país ganha cerca de 40 vezes mais, e a tendência é para alargar essa diferença.

A isto soma-se:
1) o estado de bandalheira a que chegou o regime democrático no nosso país, com a justiça transformada numa anedota, instrumento de disputa político-partidária e de ambições corporativas, a comunicação social a ser instrumentalizada como nunca e submetida ao pensamento único, e a economia transformada em negócio de “padrinhos”.

Situação que, ao contrário do que nos diziam, não se alterou com as receitas “purificadoras” do FMI, do Banco Central Europeu e da troika. E como nada se alterou e as finanças continuam à beira do colapso, a receita aí está, eterna, impondo a redução da despesa do Estado despedindo, baixando salários, cortando nas reformas, nas despesas e regalias sociais;

2) a mediocridade e corrupção da chamada “classe política” e o carácter rentista da burguesia portuguesa, que não está habituada a correr riscos, mas a viver da proteção e dos favores do Estado, das suas obras públicas, dos financiamentos comunitários por ele canalizados e, portanto, avessos a qualquer reforma que ponha em causa este status quo.

Como mais uma vez constatamos, a “esquerda” que temos, toda ela ordeira e sempre preocupada em “apresentar alternativas”, esteja dentro ou fora do parlamento, faz um silêncio absoluto sobre esta questão central da submissão à tutela comunitária, crucial para o crescimento de uma consciência revolucionária anticapitalista e internacionalista entre as massas trabalhadoras e o operariado em particular. Eternamente entretida a dar moral e conselhos à burguesia sobre a melhor condução dos negócios, em sensibilizá-la para os graves problemas sociais e os malefícios decorrentes da ganância e da falta de transparência, da preponderância do económico sobre o político, estamos condenados a pagar os custos das crises e os desmandos do capital. Como uma fatalidade, empurram-nos para uma opção viciada: a de escolher como vamos ser “espremidos”.

Nunca, como agora, foi tão necessária uma outra esquerda.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

CRÓNICA (nº7) DA III GUERRA MUNDIAL - A EMERGÊNCIA DE UM NOVO PADRÃO MONETÁRIO

                                                              
                                                       Bolsa do Ouro em Xangai


Antes de mais nada, devo especificar que o meu papel, a minha função, é sobretudo de refletir sobre o que se passa à minha volta e no mundo. Não é de fazer propaganda ou de «fazer claque» por um dos lados, enaltecendo as virtudes de uns e denunciando os podres de outros.
Como testemunho interessado (pois vivo neste mundo, não num mundo imaginário) verifico que realmente estamos numa confrontação global de longa duração.
Sendo que este confronto é por razões bastante fundas, não se resolve portanto, senão por uma nova arquitetura global. Ou seja, que «Novo Mundo», que nova «Ordem Mundial» está aí às portas do futuro?
Este novo mundo não nos cai dos céus, resulta da ação dos homens, não apenas de chefes de estado e governo, como também dos povos e de uma multiplicidade de fatores imponderáveis, que estão sempre a brotar no quotidiano. Temos prova disso quando «grandes cataclismos» anunciados, afinal, são «nothing-burgers» e o reverso, coisas triviais que se avolumam, fazem bola de neve e transformam completamente o cenário.
Hoje, irei falar da guerra mais difícil de perceber para o comum dos mortais, a que tem a ver com a ordem financeira e monetária global. O assunto não será esotérico, em si mesmo. Não, antes é simples de se compreender, na essência.
Mas, somos impedidos de prestar atenção pela nossa mente dominada pelas notícias a cada instante, pela media que satura todos os nossos canais com lixo informativo e nos impede de tomar recuo e pensar por um lado, por outro, a des-educação em que se transformou o ensino, a todos os níveis, causando a cada vez mais visível catástrofe dos «analfabetos funcionais»: Refiro pessoas que sabem ler e escrever, que podem manipular com à-vontade o computador ou smartphone e são, no entanto, profundamente ignorantes do mundo em que vivem. A nível universitário, esta nova patologia é ainda mais conspícua, em combinação com uma autossuficiência, uma afirmação enfática de banalidades ou slogans, apresentados como «verdades eternas».
Na ordem mundial saída da II Guerra Mundial - o acordo de Bretton Woods, que reuniu as nações vencedoras (incluindo a URSS) para arquitetar uma nova ordem financeira mundial - foi muito evidente o peso e influência dos EUA. Não apenas na criação do FMI e Banco Mundial, com regras que colocam (ainda hoje) estas instituições como instrumentos dóceis do imperialismo americano, como na própria existência de uma moeda especial, o dólar dos EUA, entronizado no papel de reserva mundial, ou seja, daquela que os bancos centrais de todos os países teriam de possuir e, portanto, que teria o papel de intermediário nas transações financeiras e comerciais internacionais, não apenas de Estado para Estado, mas em transações entre bancos, para pagamentos de bens industriais, agrícolas, etc.
Esta arquitetura foi possível porque Keynes, representante do Reino Unido à conferência, não teve apoio suficiente em torno do seu projeto de «bancor», divisa que não pertenceria a um banco central nacional, pois seria um cabaz de algumas das moedas mais representativas.
Este bancor, se tivesse sido adotado, poderia desempenhar um papel estabilizador das relações monetárias internacionais, visto que a oscilação duma moeda fazendo parte do bancor, não seria suficiente para desequilibrar o conjunto, sendo certo que, quando uma divisa diminui, é sempre em relação a outra(s), que aumenta(m) (veja-se o que está a acontecer à relação dólar-euro neste momento).
No concreto, Bretton Woods assumiu que a divisa dólar (a moeda de reserva mundial) era remível por ouro a 35 dólares a onça, sendo que este valor vigorava somente nas trocas entre bancos centrais, não era um valor correlacionado diretamente com o comércio de ouro.
Assim, os países tinham a possibilidade de trocar (ao nível dos bancos centrais) seu excedente de dólares, em ouro. Mas, quando houve a guerra do Vietname, os EUA começaram ter grandes aumentos de despesas, aumentos dos défices orçamentais e muitos (entre eles, os britânicos e os franceses) decidiram começar a trocar as notas de dólar por onças de ouro, fazendo descer significativamente as reservas de ouro em Fort Knox.
Nixon, em 1971 decidiu «provisoriamente» desindexar o dólar do ouro, tendo - a partir daí - a cotação do ouro subido de 35 dólares /onça, para mais de 800 dólares / onça. Hoje (09/09/2022), situa-se em 1720 dólares /onça. Para os EUA, era vital conseguirem manter o dólar como a divisa de reserva mundial, o que lhes conferia o «exorbitante privilégio» (Giscard d'Estaing) de ter défices crónicos, no orçamento e na balança de pagamentos, sem ter severas consequências com isso, enquanto quaisquer outros países mergulhariam em crise grave.
Foi Kissinger que negociou com o então rei Saud da Arábia Saudita, o chamado acordo dos petrodólares, em 1973, pelo qual os EUA dariam proteção militar sem limites e apoio ao Reino saudita, em troca deste apenas aceitar dólares como pagamento do seu petróleo.
Como a Arábia saudita era o maior produtor de petróleo nessa altura e como tinha o controlo da OPEP, não foi difícil a norma de pagamento do petróleo só em dólares, se estender a todos os outros exportadores, incluindo países que não faziam parte da OPEP (como a URSS, por exemplo). Começou assim o reinado do petrodólar, que está agora no seu fim.
Com efeito, a Rússia e a China primeiro, mas depois também a Índia, o Irão e outros países estão de acordo e já começaram a fazer troca direta, o diferencial do comércio bilateral sendo saldado com ouro, evitando assim envolver dólares nas trocas comerciais, ou então usando as divisas nacionais respetivas nas trocas bilaterais (rublos/yuan; rupias/rublos; etc...) com o mesmo fim.
Os países da Ásia supracitados sempre consideraram que o ouro era dinheiro. Foram sobretudo os bancos centrais asiáticos que adquiriram imenso ouro, mormente quando vendido a preço de saldo (por ordem do PM britânico Gordon Brown, mas também outros países ocidentais) nas primeiras duas décadas do século XXI. Igualmente, o ouro é considerado como reserva de valor, desde tempos imemoriais, pelas pessoas em toda a Ásia, incluindo as mais modestas.
Não admira portanto que a Rússia, em pagamento dos seus combustíveis, comprados por países «não-amigos», institua a regra de que serão pagos em rublos ou em ouro. Está perfeitamente em linha com a situação de rutura final com um Ocidente cheio de arrogância e agressividade, que provocou a Rússia ao ponto desta ser obrigada desencadear uma guerra preventiva.
O aspeto caricato disto, é que os sauditas têm comprado petróleo russo (com desconto), que depois revendem ao preço de mercado aos ocidentais. O acordo dos petrodólares foi completamente virado de «cabeça para baixo»: Pois, agora, não se trata de quem venda o petróleo, ter de aceitar dólares. Agora, quem quiser petróleo, terá de se contentar com o que lhe é oferecido a um certo preço, determinado pelo vendedor!
É inevitável, com ou sem guerra da Ucrânia, que os países produtores de bens e matérias primas, que  têm produzido para os ocidentais tudo ou quase tudo o que faz o conforto das suas vidas, queiram ver-se livres da ditadura do dólar.
O SWIFT e o dólar foram transformados em arma de guerra económica, contra o Irão e uma série de outros regimes (Venezuela, Coreia do Norte, etc.). Não apenas estas sanções são ilegais, como os americanos rasgaram o princípio da territorialidade das leis, com as sanções e ameaças de sanções contra bancos ocidentais (suíços, franceses) que infringissem os embargos decretados por Washington, não por quaisquer decisões das Nações Unidas. Estes bancos tiveram de pagar pesadas multas, sob ameaça de serem impedidos de ter sucursais e de fazer negócio, de qualquer espécie, nos EUA.
O pretexto das sanções contra o Irão, foi também o que «justificou» a prisão arbitrária da vice-presidente da Huawei no Canadá, quando esta regressava duma conferência internacional na América Latina. Isto foi considerado uma afronta nacional na China.
O comportamento dos EUA em relação a todos os que não estejam completamente submissos é duma brutalidade incrível. O que fizeram ao Iraque e à Líbia, permite-nos dizer que eles são os «bullies», que usam a força bruta para intimidar e fazer valer as «leis» que eles próprios decretam, mas que não possuem validade nenhuma nos outros países, face à lei internacional.
As construções de plataformas de negociação, de trocas comerciais, de defesa e de assistência mútua têm-se multiplicado, do Mar Báltico, ao Mar da China. Os países asiáticos têm estabelecido acordos de cooperação, que incluem as Novas Rotas da Seda, uma rede de transportes fluviais, ferroviários, rodoviários, assim como portos e aeroportos. Criaram e desenvolvem bancos, destinados a financiar os grandes projetos nos seus países e nos países do Terceiro Mundo. Têm a Organização de Cooperação de Xangai, para combater o terrorismo e para encontrar soluções negociadas em diferendos. Os BRICS são uma alternativa com voz própria, ao G7 e aos atlantistas que costumavam falar em nome «da comunidade internacional», que eram eles somente, afinal de contas.
Chegou agora o momento, face ao extremismo das sanções da parte dos países da NATO, da Rússia fazer aquilo que tinha - com certeza - planeado há muito. Estou a falar da criação de uma plataforma para negociar o ouro, em Moscovo, com os seus padrões e fazendo concorrência à londrina LBMA.
O objetivo será, com certeza, fazer o que é necessário, para sanear o referido mercado. Vai impossibilitar a especulação com contratos de futuros, responsável pela manutenção da cotação do ouro, muito abaixo do que seria normal, face à queda dos ativos financeiros, a cada crise do capitalismo. Com efeito, se o público começasse a ver que o ouro é realmente um refúgio eficaz em termos de conservação de valor, ao contrário do dólar e de quaisquer outras «divisas fiat», então haveria uma corrida para adquirir ouro e a confiança no dólar-rei desfazia-se por completo. O mesmo, em relação aos ativos financeiros denominados em dólares.
Uma moeda de reserva internacional com a sustentação do ouro e de matérias primas, como metais estratégicos, petróleo e gás, é o que os parceiros Euro-asiáticos estão AGORA a negociar.
Não se enganem; se isto não é reportado no Ocidente, isto significa que É IMPORTANTE. O que é importante tem sido ocultado do público, na esperança - absurda e fútil - de que seus efeitos sejam menos severos, do que efetivamente são. É «tapar o sol com uma peneira»!

Em complemento: Leia o artigo, muito bem escrito e cheio de dados factuais, de Mcleod:

 https://www.goldmoney.com/research/an-asian-bretton-woods


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