No passado
remoto, as rotas comerciais eram abertas a golpes de espada ou tiros de
canhoneira.
Basta
pensarmos na maneira como Vasco da Gama e seus sucessores no Índico impuseram
um monopólio comercial português e expulsaram os comerciantes árabes, aí instalados
desde há vários séculos.
Ou ainda, como
o Reino Unido, no tempo da Rainha Vitória, impôs o comércio de ópio à China,
através de duas guerras cruéis, das quais resultaram tratados humilhantes para
os chineses.
Com efeito, a
«liberdade de comércio» que foi imposta pelos marinheiros e soldados dos
impérios ocidentais não tem grande coisa que ver com as teorias de livre comércio
dos liberais. Em vez de livre comércio trataram de impor o seu domínio imperial,
a todo o mundo não europeu. Muitas das desgraças de hoje têm as suas raízes
diretas nessa época, de expansão agressiva e bélica dos colonialismos.
Porém, por
outro lado, constata-se que a realização de tratados comerciais ou a aceitação
de regras comuns às trocas comerciais é um primeiro passo para a normalização
de relações diplomáticas ou que estas têm como corolário imediato, o
desenvolvimento das relações comerciais.
A abertura da
China, ainda no período de Mao nos anos 70, foi devida de facto, ao seu desejo de fazer
comércio e esse desejo foi correspondido por poderosos interesses privados
ocidentais.
A negação de
comércio, como sejam as guerras de tarifas ou ainda pior, as sanções, os embargos,
os bloqueios, são armas muito cruéis e absolutamente ineficazes, no mundo de
hoje. Tal tem sido a atitude dos EUA e seus vassalos «aliados» da OTAN e UE …
A guerra
comercial ou económica começou com a Rússia depois do golpe na Ucrânia, que depôs um
governo legítimo, mas que tinha optado por união económica com o espaço Russo e
não com a União Europeia. Essa guerra económica só trouxe dificuldades aos
comerciantes, agricultores e industriais dos países ocidentais.
No campo
russo, trouxe uma reação de defesa nacionalista, de se autonomizar do «Ocidente»;
sobretudo, de produzirem eles próprios, tendo – portanto - um efeito
estimulante na indústria e na agricultura.
Já no caso da Venezuela, o bloqueio e guerra económica por parte dos EUA, já duram
há cerca de um decénio, mas a severidade foi aumentando neste último ano, ao
ponto de um relator especial das Nações Unidas, considerar que as políticas de
sanções dos EUA podiam configurar um crime contra a humanidade, nos termos da
definição da ONU.
A guerra
económica dos EUA contra Cuba vem desde o triunfo da revolução que depôs o
ditador favorável aos EUA. Ela perdura desde há 60 ou mais anos e não trouxe mais
do que sofrimento e privações para a população da ilha, sem nenhum efeito de fragilização
do regime castrista. Claro que, para eles, este objectivo de subversão de um regime adverso é perfeitamente
válido e «moral»: para eles, imperialistas, não contam as populações que serão sempre
as primeiras vítimas de tais bloqueios.
A noção de que
estes países, que se designam a si próprios por «democracias ocidentais», não
são mais do que países governados por mafiosos, que querem impor, por meios de
chantagem e pela força, a sua lei a outras nações, pode parecer exagero às pessoas imbuídas de cultura «ocidental», porém nos países que agrupam três
quartos da população mundial, esta noção é absolutamente trivial.
A existência
de uma fina capa ideológica de «liberalismo», não resiste a dois segundos de
análise, quando nos debruçamos sobre políticas concretas. Se «liberalismo»,
significa sobretudo liberdade de comércio, representada pela tradição liberal de
Locke, Adam Smith, etc., então a China e Rússia de hoje, assim como vários dos
seus parceiros são porta-estandartes e verdadeiros obreiros desse liberalismo.
A liberdade de
comércio é vital para aquela enorme parte de humanidade (no mínimo, 6 mil
milhões), pois ela tem como meio de subsistência essencial a produção de bens
agrícolas, de matérias primas minerais, ou de bens manufacturados.
A evolução dos
países «ocidentais» [América do Norte, Europa ocidental, Austrália,
Nova Zelândia e Japão] no último quarto de século, foi no sentido da «terciarização»
da economia, da desindustrialização ou seja, do abandono da economia produtiva
para a economia especulativa.
Nestes países,
cuja riqueza assentou sobre séculos de pilhagem das colónias e escravidão, a
estratégia de «terceirização» foi saudada pelos mais míopes e corruptos, visto
que é realmente preciso fazer um esforço para acreditar que uma economia se
pode sustentar com «serviços» e onde o lema tem sido «consumir, consumir, nem
que seja a crédito».
As
transformações na estrutura produtiva na China, mas também na India, Paquistão
e outros, foram muito rápidas e conseguiram produzir a maior transformação de
que há memória, de populações secularmente carenciadas, com padrões de nível vida
muito baixos; uma saída da pobreza para grande parte da população. O enorme
crescimento da classe média, nestes países, tem permitido um crescimento
exponencial, pois os produtos manufacturados já não terão como escoadouro
exclusivo a exportação, mas também vai crescendo o mercado interno para estes
produtos, incluindo os de gama alta, o que permite não estarem tão dependentes
dos caprichos das ex-potências coloniais e imperialistas.
As «Novas Rotas da Seda» são realmente a concretização imparável deste extraordinário florescimento
económico, o qual terá repercussões benéficas também noutros países, que tinham
mantido um grau incipiente de desenvolvimento.
Para todos os intervenientes
nas redes comerciais, a questão central vai ser a estabilidade das condições de
trocas. Daí que haja um interesse material pela paz, o que é sempre muito mais
poderoso do que qualquer ideologia.
Mas, se
ideólogos no Ocidente quiserem defender o liberalismo na sua pureza, pois aí
terão oportunidade de se colocarem do lado dos que querem manter abertas as
rotas comerciais, querem estabelecer e manter trocas benéficas para todas
partes… deverão repudiar os militaristas, os loucos que querem o mundo inteiro
sob sua hegemonia e relações baseadas na força e no medo.
A evolução das
relações internacionais pode sofrer muitos episódios, nem todos beneficiando a
liberdade de comércio. Mas, no longo prazo, a humanidade que produz irá decidir
como e em que termos se farão as trocas, aplicando as boas práticas de
reciprocidade, de não ingerência, de relações mutuamente vantajosas, de
resolução pacífica dos diferendos…
… será um
renovo da civilização.