Este título ocorreu-me por eu ter lido um artigo de Diana Johnstone sobre Julian Assange.
Ele é o símbolo contemporâneo das pessoas que, sujeitas a enormes pressões de toda a espécie não vergam, não cedem, não se deixam seduzir pelos cantos de sereias, mas simplesmente dizem ou escrevem o que sabem, cientes de que é seu dever tornar público os dados que permitirão as outras pessoas fazerem os juízos próprios sobre quem anda a mentir, como é que as coisas realmente se passam, sobretudo como é que os poderosos cozinham as suas narrativas para encobrir os seus (muitos e muito grandes...) crimes.
O caso Assange tem para mim um outro significado, o de me desabituar definitivamente de julgar as pessoas com base nas suas declarações de princípios, esses princípios tão bonitos, tão generosos, mas que logo sofrem um «entorse» assim que o interesse de quem os profere está em jogo.
Por outras palavras, são igualmente abundantes os hipócritas nas fileiras das diversas ideologias, sejam elas de extrema direita ou esquerda, ou moderados, centristas, liberais, socialistas, etc.
Digo isto porque os que costumam mascarar-se em arautos da verdade, em cavaleiros da justiça, etc. são os que logo viram a cara, e fingem que não sabiam aquilo que se está a passar com Julian Assange. Todos sabem -porém - que é o equivalente a um assassinato a sangue frio, a uma lenta e cruel asfixia. Mas Julian Assange e Chelsea Manning são sujeitos a estes longos e penosos sofrimentos, porque tiveram a coragem de desmascarar as crueldades, os crimes, as corrupções, dos poderes: de todos os poderes, por mais que a media prostituta diga o contrário, por mais que tentem colar-lhes a etiqueta de «agentes encobertos da Rússia de Putin», ou de «inimigas do Ocidente».
A media está envolvida no encobrimento de crimes dos Estados, para isso usando todas as técnicas de condicionamento. Uma forma é a saturação com conteúdos triviais, que provocam a relativização de todas as notícias ou informações que chegam à cidadania e à qual esta responde com indiferença.
Outras técnicas consistem em adjectivar dando conotações, em reproduzir acriticamente o discurso oficial, em perpetuar a «verdade» oficial.
A inclusão de algum noticiário não elogioso, mas não pondo em causa, no essencial, o poder instalado, dá a «cobertura» de respeitabilidade, permitindo que os ingénuos sejam mantidos na convicção de existir «objectividade» dos media.
Quando determinado acontecimento é demasiado difícil de enquadrar dentro da narrativa oficiosa e dos media do poder, então das duas uma: ou a posição dos críticos do poder é distorcida até à caricatura, sendo depois apontados a dedo, ou se faz «black-out» (ocultação total): se não está noticiado em nenhum meio de comunicação de massas, então, «não existe»...
Não creio que o regime de controlo da informação e das pessoas seja grosseiro, nem que se esgote com os exemplos acima dados: pelo contrário, usa duma enorme carga de ciência psicológica e sociológica por detrás do cenário, tem imensa energia investida em torná-lo credível para a grande maioria do público.
É verdade que o público já estava sujeito a um condicionamento prévio, por anos de doutrinação disfarçados de «educação» (seja em escolas públicas ou privadas, tanto faz, pois o efeito é o mesmo!). Mas o seu reforço constante é absolutamente essencial para manter a ilusão «matrix», da narrativa do poder.
Voltando ao nosso assunto inicial; Assange e o artigo de Johnstone... Se há uma coisa que o poder não tolera e não perdoa é «lançadores de alerta» mostrarem a realidade por detrás da ribalta, desfazendo toda a roupagem de mentiras constantemente envergadas pelos porta-vozes do poder e reforçados, confirmados com as pseudo-informações mediáticas, que na realidade são instrumentos de propaganda, apenas.
Como é evidente, por mais que pessoas isoladas ou pequenos grupos de idealistas tentem «furar» este «ecrã de fumo», que se interpõe entre a realidade e as pessoas comuns, tal não irá acontecer em tempos «normais».
Será preciso uma crise profunda, que abale as estruturas de poder, que desfaça as alianças «santas» ou «espúrias» entre os vários actores, sobretudo que a grande massa da população compreenda finalmente -depois de ter sido espoliada - o que têm feito com ela, durante tantos anos. Quando atingido este ponto, será impossível manter as aparências, pois a realidade irromperá na vida de milhões. Será a própria vida a romper a cortina nas suas mentes, essa cortina que impede milhões de pessoas de ver, de compreender.