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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Craig Murray: Pavel Durov e o abuso da lei

Depois de passar um dia lendo a Lei de Serviços Digitais da UE — uma tarefa que ele não desejaria nem para seu pior inimigo — Murray conclui que não é por isso que o CEO do Telegram está sendo detido.

Pavel Durov, CEO e cofundador do Telegram, em 2015. (TechCrunch, Flickr, CC BY 2.0)

Por Craig Murray
CraigMurray.org.uk

A detenção de Pavel Durov está a ser retratada como resultado da Lei de Serviços Digitais da UE. Mas tendo passado o dia lendo a Lei de Serviços da UE (uma tarefa que não desejaria nem para o meu pior inimigo), ela não me parece dizer o que está sendo retratado como dizendo.

Os Atos da UE são terrivelmente densos e complexos, e são publicados como “Regulamentos” e “Artigos”. Ambos cobrem precisamente o mesmo terreno, mas para fins de execução os “Regulamentos” mais detalhados são os mais importantes, e esses são mencionados abaixo. Os “Artigos” são inteiramente consistentes com isso.

[Durov era formalmente cobrado na quarta-feira e impedido de deixar a França.] 

Assim, por exemplo, o Regulamento 20 torna o “serviço intermediário”, neste caso o Telegram, responsável apenas por atividades ilegais usando seu serviço se tiver colaborado deliberadamente na atividade ilegal.

Fornecer criptografia ou anonimato especificamente não se qualifica como colaboração deliberada em atividade ilegal.

"(20) Sempre que um prestador de serviços intermediários colaborar deliberadamente com um destinatário dos serviços para realizar atividades ilegais, os serviços não deverão ser considerados como tendo sido prestados de forma neutra e, por conseguinte, o prestador não deverá poder beneficiar das isenções de responsabilidade previstas no presente regulamento.

Este deveria ser o caso, por exemplo, quando o provedor oferece seu serviço com o propósito principal de facilitar atividades ilegais, por exemplo, tornando explícito que seu propósito é facilitar atividades ilegais ou que seus serviços são adequados para esse propósito. O fato por si só de um serviço oferecer transmissões criptografadas ou qualquer outro sistema que torne a identificação do usuário impossível não deve, por si só, qualificar-se como facilitação de atividades ilegais.”

E no parágrafo 30, não há especificamente nenhuma obrigação geral de monitoramento sobre o provedor de serviços para policiar o conteúdo. Na verdade, é muito forte que o Telegram não tem obrigação de tomar medidas proativas.

"(30) Os prestadores de serviços intermediários não devem estar, nem de jure, nem de facto, sujeitos a uma obrigação de monitorização no que diz respeito a obrigações de natureza geral. Isto não diz respeito a obrigações de monitorização num caso específico e, em particular, não afeta ordens de autoridades nacionais em conformidade com a legislação nacional, em conformidade com o direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, e em conformidade com as condições estabelecidas no presente regulamento.

Nada no presente regulamento deverá ser interpretado como uma imposição de uma obrigação geral de monitorização ou de uma obrigação geral de averiguação activa de factos, ou como uma obrigação geral para os prestadores de serviços tomarem medidas proactivas em relação a conteúdos ilegais.. "

O aplicativo Telegram na tela de um smartphone. (Foto Focal, Flickr, CC BY-NC 2.0)

No entanto, o Telegram é obrigado a agir contra contas específicas em relação a uma ordem individual de uma autoridade nacional referente a conteúdo específico. Então, embora não tenha nenhuma obrigação geral de rastreamento ou censura, ele tem que agir por instigação de autoridades nacionais sobre conteúdo individual. 

"(31) Dependendo do sistema jurídico de cada Estado-Membro e do domínio do direito em questão, as autoridades judiciais ou administrativas nacionais, incluindo as autoridades responsáveis ​​pela aplicação da lei, podem ordenar aos prestadores de serviços intermediários que atuem contra um ou mais itens específicos de conteúdo ilegal ou que forneçam determinadas informações específicas. As leis nacionais com base nas quais tais ordens são emitidas diferem consideravelmente e as ordens são cada vez mais abordadas em situações transfronteiriças.

Para garantir que essas ordens possam ser cumpridas de forma eficaz e eficiente, em especial num contexto transfronteiriço, para que as autoridades públicas em causa possam desempenhar as suas funções e os prestadores não fiquem sujeitos a quaisquer encargos desproporcionais, sem afetar indevidamente os direitos e interesses legítimos de terceiros, é necessário estabelecer determinadas condições que essas ordens devem cumprir e determinados requisitos complementares relativos ao processamento dessas ordens.

Consequentemente, o presente regulamento deverá harmonizar apenas certas condições mínimas específicas que tais ordens deverão cumprir para dar origem à obrigação dos prestadores de serviços intermediários de informar as autoridades relevantes sobre o efeito dado a essas ordens. Por conseguinte, o presente regulamento não fornece a base jurídica para a emissão de tais ordens, nem regula o seu âmbito territorial ou a sua execução transfronteiriça.. "

As autoridades nacionais podem exigir que o conteúdo seja removido, mas apenas para “itens específicos”:

"51) Tendo em conta a necessidade de ter devidamente em conta os direitos fundamentais garantidos pela Carta de todas as partes interessadas, qualquer ação tomada por um fornecedor de serviços de alojamento após receber uma notificação deve ser estritamente direcionada, no sentido de que deve servir para remover ou desativar o acesso a itens específicos de informação considerados como constituindo conteúdo ilegal, sem afetar indevidamente a liberdade de expressão e de informação dos destinatários do serviço.

Os avisos devem, portanto, como regra geral, ser direcionados aos provedores de serviços de hospedagem que podem razoavelmente esperar ter a capacidade técnica e operacional para agir contra tais itens específicos. Os provedores de serviços de hospedagem que recebem um aviso para o qual não podem, por razões técnicas ou operacionais, remover o item específico de informação devem informar a pessoa ou entidade que enviou o aviso. "

Há obrigações extras para Very Large Online Platforms, que têm mais de 45 milhões de usuários na UE. Essas não são obrigações extras de monitoramento de conteúdo, mas sim obrigações extras para garantir salvaguardas no design de seus sistemas:

As regras da Lei de Serviços Digitais variam para diferentes entidades online para corresponder à sua função, tamanho e impacto no sistema online. (Comissão Europeia, Wikimedia Commons, CC BY 4.0)

"(79) Plataformas online muito grandes e motores de busca online muito grandes podem ser usados ​​de uma forma que influencia fortemente a segurança online, a formação da opinião pública e do discurso, bem como o comércio online. A forma como concebem os seus serviços é geralmente optimizada para beneficiar os seus modelos de negócio frequentemente orientados para a publicidade e pode causar preocupações sociais.

Regulamentação e fiscalização eficazes são necessárias para identificar e mitigar efetivamente os riscos e os danos sociais e econômicos que podem surgir.

Ao abrigo do presente regulamento, os fornecedores de plataformas online de grande dimensão e de motores de busca online de grande dimensão deverão, por conseguinte, avaliar os riscos sistémicos decorrentes da conceção, do funcionamento e da utilização dos seus serviços, bem como de potenciais utilizações indevidas pelos destinatários do serviço, e deverão tomar medidas de atenuação adequadas, no respeito dos direitos fundamentais.

Ao determinar a significância de potenciais efeitos e impactos negativos, os provedores devem considerar a gravidade do potencial impacto e a probabilidade de todos esses riscos sistêmicos. Por exemplo, eles podem avaliar se o potencial impacto negativo pode afetar um grande número de pessoas, sua potencial irreversibilidade ou quão difícil é remediar e restaurar a situação prevalecente antes do potencial impacto.

(80) Quatro categorias de riscos sistémicos devem ser avaliadas em profundidade pelos fornecedores de plataformas online muito grandes e de motores de busca online muito grandes. Uma primeira categoria diz respeito aos riscos associados à divulgação de conteúdos ilegais, como a divulgação de material de abuso sexual de crianças ou discurso de ódio ilegal ou outros tipos de utilização indevida dos seus serviços para infrações penais, e à realização de atividades ilegais, como a venda de produtos ou serviços proibidos pela legislação da União ou nacional, incluindo produtos perigosos ou contrafeitos, ou animais comercializados ilegalmente.

Por exemplo, tal disseminação ou atividades podem constituir um risco sistêmico significativo, onde o acesso a conteúdo ilegal pode se espalhar rápida e amplamente por meio de contas com um alcance particularmente amplo ou outros meios de amplificação. Provedores de plataformas on-line muito grandes e de mecanismos de busca on-line muito grandes devem avaliar o risco de disseminação de conteúdo ilegal, independentemente de a informação ser ou não também incompatível com seus termos e condições.

Esta avaliação não prejudica a responsabilidade pessoal do destinatário do serviço de plataformas online de grande dimensão ou dos proprietários de sites indexados por motores de busca online de grande dimensão pela possível ilegalidade da sua atividade ao abrigo da legislação aplicável.”

(LIBER Europa, Flickr, CC BY 2.0)

“(81) Uma segunda categoria diz respeito ao impacto real ou previsível do serviço no exercício dos direitos fundamentais, tal como protegidos pela Carta, incluindo, mas não se limitando à dignidade humana, à liberdade de expressão e de informação, incluindo a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social, o direito à vida privada, a protecção de dados, o direito à não discriminação, os direitos da criança e a protecção do consumidor.

Tais riscos podem surgir, por exemplo, em relação ao design dos sistemas algorítmicos usados ​​pela plataforma online muito grande ou pelo mecanismo de busca online muito grande ou ao uso indevido de seus serviços por meio do envio de notificações abusivas ou outros métodos para silenciar a fala ou dificultar a concorrência.

Ao avaliar os riscos aos direitos da criança, os provedores de plataformas on-line muito grandes e de mecanismos de busca on-line muito grandes devem considerar, por exemplo, quão fácil é para menores entenderem o design e o funcionamento do serviço, bem como como menores podem ser expostos por meio de seu serviço a conteúdo que pode prejudicar a saúde, o desenvolvimento físico, mental e moral de menores. Tais riscos podem surgir, por exemplo, em relação ao design de interfaces on-line que intencionalmente ou não exploram as fraquezas e a inexperiência de menores ou que podem causar comportamento viciante.

(82) Uma terceira categoria de riscos diz respeito aos efeitos negativos reais ou previsíveis nos processos democráticos, no discurso cívico e nos processos eleitorais, bem como na segurança pública.

(83) Uma quarta categoria de riscos decorre de preocupações semelhantes relacionadas com a concepção, o funcionamento ou a utilização, incluindo através da manipulação, de plataformas em linha de grande dimensão e de motores de busca em linha de grande dimensão, com um efeito negativo real ou previsível na protecção da saúde pública, de menores e consequências negativas graves para o bem-estar físico e mental de uma pessoa, ou na violência baseada no género.

Tais riscos também podem advir de campanhas coordenadas de desinformação relacionadas à saúde pública ou do design de interfaces on-line que podem estimular vícios comportamentais dos destinatários do serviço.

(84) Ao avaliarem esses riscos sistémicos, os fornecedores de plataformas online muito grandes e de motores de busca online muito grandes devem concentrar-se nos sistemas ou outros elementos que podem contribuir para os riscos, incluindo todos os sistemas algorítmicos que podem ser relevantes…”

Isso é muito interessante. Eu argumentaria que, sob os Artigos 81 e 84, por exemplo, o uso flagrante de algoritmos que limitam o alcance e o bloqueio simples pelo Twitter e Facebook, para promover uma narrativa pró-Israel e limitar o conteúdo pró-Palestina, foi claramente uma violação da Diretiva de Serviços Digitais da UE por interferência deliberada com “liberdade de expressão e informação, incluindo liberdade de mídia e pluralismo”. 

A legislação é redigida de forma muito clara com a intenção específica de proibir o uso de algoritmos para interferir na liberdade de expressão e no discurso público desta forma.

Mas é claro que é uma grande verdade que a honestidade e a neutralidade dos serviços de acusação são muito mais importantes para o que realmente acontece em qualquer sistema de “justiça” do que as disposições reais da legislação. 

Só um tolo ficaria surpreso que a Lei de Serviços Digitais da UE esteja sendo usada à força contra Durov, aparentemente por falta de cooperação com serviços de inteligência ocidentais e por ser um pouco russa, e não esteja sendo usada contra Elon Musk ou Mark Zuckerberg por limitar o alcance do conteúdo pró-palestino.

Também vale a pena notar que o Telegram não é considerado uma plataforma online muito grande pela Comissão Europeia, que até o momento aceitou a alegação do Telegram de que ele tem menos de 45 milhões de usuários na UE, portanto essas obrigações extras não se aplicam.

Se analisarmos as acusações contra Durov na França, não consigo ver como elas são de fato compatíveis com a Lei de Serviços Digitais da UE.

A menos que ele tenha se recusado a remover ou agir sobre conteúdo individual específico especificado pelas autoridades francesas, ou a menos que tenha criado o Telegram com a intenção específica de facilitar o crime organizado, não vejo como Durov não esteja protegido pelos Artigos 20 e 30 e outras salvaguardas encontradas na Lei de Serviços Digitais.

As acusações francesas parecem, no entanto, ser extremamente gerais e não se relacionar com comunicações específicas específicas. Isso é um abuso.

O que o Digital Services Act não contém é uma obrigação geral de entregar conteúdo não especificado ou chaves de criptografia para forças policiais ou agências de segurança. Ele também é notavelmente reticente em “desinformação”. 

Os regulamentos 82 ou 83 acima obviamente fornecem alguma base para o policiamento da “desinformação”, mas a Lei em geral se baseia na afirmação bastante bem-vinda de que os regulamentos que regem o que é discurso e discurso legal devem ser os mesmos offline e online.

Então, em resumo, a prisão de Pavel Durov parece ser um abuso bem flagrante e apenas muito tênuemente conectado à base legal dada como justificativa. Isso é simplesmente uma parte da atual onda crescente de autoritarismo nas “democracias” ocidentais.

Craig Murray é autor, locutor e ativista dos direitos humanos. Foi embaixador britânico no Uzbequistão de agosto de 2002 a outubro de 2004 e reitor da Universidade de Dundee de 2007 a 2010. Sua cobertura depende inteiramente do apoio do leitor. As assinaturas para manter este blog funcionando são recebido com gratidão.

Este artigo é de CraigMurray.org.uk.

As opiniões expressas são exclusivamente do autor e podem ou não refletir as de Notícias do Consórcio.

domingo, 26 de maio de 2024

Craig Murray: O IMPULSO PARA A GUERRA

No Ocidente, qualquer desvio de qualquer ponto da arquitectura das crenças neoliberais é um desafio para todo o sistema e, portanto, deve ser erradicado.

O primeiro-ministro Robert Fico no Parlamento da UE em Estrasburgo, em julho de 2016.” (Parlamento Europeu, Flickr, CC BY-NC-ND)

O encolher de ombros coletivo com que a mídia ocidental e a classe política notaram a tentativa de assassinato do primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, vem revelando.

Consegue imaginar a indignação e a emoção que teriam sido expressadas pelas potências ocidentais se não fosse Fico, mas sim um líder pró-Ucrânia e anti-Rússia dentro da UE, que tivesse sido atacado? As novas encomendas de armas que teriam sido apresentadas aos fabricantes de armas, as tropas que teriam sido mobilizadas, os sabres que teriam sido sacudidos?

Em vez disso, temos os meios de comunicação social a dizer-nos que Fico se opôs ao envio de armas para a Ucrânia e se opôs a ameaçar a Rússia. Disseram-nos que ele não aceitou a narrativa dominante sobre as vacinações contra a Covid. A mídia não diz que ele merecia levar um tiro, mas eles vêm muito, muito perto.

Os colegas líderes da UE seguiram a forma correta ao fazer declarações de choque e repulsa pelo ataque a Fico, mas foram formais e superficiais. A mensagem “na verdade não é um de nós” foi muito clara.

Existe agora um conjunto ordenado de crenças neoliberais que qualquer pessoa numa nação ocidental que participe em assuntos públicos deve subscrever, ou elas estarão fora de questão.

Não subscrever todas estas crenças faz de você um “populista”, um “teórico da conspiração”, um “fantoche de Putin” ou um “idiota útil”.

Estas são algumas das “crenças-chave”:

1) A riqueza só é criada por um pequeno número de capitalistas ultra-ricos, dos quais depende, em última análise, o emprego de todos os outros.
2) As leis que regem as estruturas financeiras devem, portanto, tender a concentrar a riqueza nestes indivíduos, para que possam distribuí-la como quiserem.
3) A moeda criada pelo Estado só deve ser concentrada e distribuída a instituições financeiras privadas.
4) Os gastos públicos são sempre menos eficientes que os gastos privados.
5) A Rússia, a China e o Irão representam uma ameaça existencial para o Ocidente. Isso compreende tanto uma ameaça económica como uma ameaça física e militar.
6) O colonialismo foi uma bênção para o mundo, trazendo desenvolvimento económico, comércio e educação a pessoas de culturas inferiores.
7) O Islão é uma ameaça aos valores ocidentais e ao desenvolvimento mundial.
8) Israel é um projecto necessário para difundir os valores ocidentais no incivilizado Médio Oriente.
9) A segurança exige a dedicação de recursos muito substanciais à produção de armas e à condução de guerras contínuas.
10) Nada deve ameaçar os interesses militares e da indústria armamentista. Nenhuma batalha contra a corrupção ou o crime pode substituir a necessidade de o complexo industrial militar de segurança ser completamente incontestado e internamente supremo.

Ortodoxias Dependentes

TikTok. (Solen Feyissa, Flickr, CC BY-SA 2.0)

Dentro desta arquitectura de crenças, outras ortodoxias dependem, tais como a forma correcta de responder a uma pandemia complexa, ou o apoio à NATO e a impunidade para os serviços de segurança. (O apoio a Israel é provavelmente melhor retratado como um ponto dependente, mas com o tema de Gaza tão proeminente neste momento, mudei-o figurativamente para a estrutura principal.)

Qualquer desvio em qualquer ponto de crença é um desafio para todo o sistema e, portanto, deve ser erradicado. Notarão que não há espaço algum, nesta arquitectura de pensamento, para valores como a liberdade de expressão ou a liberdade de reunião. Eles simplesmente não cabem. Nem é possível nesta arquitectura incorporar a democracia real, o que daria às pessoas a escolha daquilo em que acreditar.

Se aceitarmos esta arquitectura de pensamento, então devemos argumentar que o genocídio em Gaza é uma coisa boa, e ameaça toda a estrutura se afirmarmos que não é uma coisa boa. É por isso que temos assistido ao espectáculo de políticos que desafiam e depois reprimem o seu próprio povo, dispostos a colocar todo o seu capital político ao serviço do sionismo genocida.

As palavras lutam para transmitir os horrores que todos vimos em Gaza, e de forma alguma diminui o terrível sofrimento nem a extensão do crime observar que causou uma grande ruptura no sistema de crenças neoliberal que não pode ser escondida do povo .

Gaza tem ramificações que levam a questionamentos em todo o sistema. Porque é que o Tik Tok está a ser proibido, para impedir que as pessoas obtenham informações sobre Gaza? Por que é um problema que a plataforma seja propriedade da China?

O que a China fez que a torna inimiga? A China não tem planos militares para o Ocidente. Das compras recentes que a maioria de nós fez de bens físicos, uma grande proporção veio da China. Por que um parceiro comercial importante é um “inimigo”?

Por que a Rússia é nossa inimiga? A noção de que o exército russo irá desembarcar em Wash é totalmente implausível. O Estado russo, ao longo de séculos e de regimes extremamente diferentes, nunca teve a menor vontade de invadir as Ilhas Britânicas. No Reino Unido, sob vários governos, durante quase três séculos, charlatães têm alegado uma ameaça de invasão russa para justificar maiores despesas com a defesa.

Por que a necessidade de ter “inimigos”?


[Craig Murray é autor, locutor e ativista dos direitos humanos. Foi embaixador britânico no Uzbequistão de agosto de 2002 a outubro de 2004 e reitor da Universidade de Dundee de 2007 a 2010. Sua cobertura depende inteiramente do apoio do leitor. As assinaturas para manter este blog funcionando são recebidas com gratidão.]

Este artigo é de CraigMurray.org.uk.

sábado, 13 de abril de 2024

EMBAIXADOR CRAIG MURRAY: O OCIDENTE ESTÁ A DESTRUIR A LEI INTERNACIONAL


A cumplicidade do «Ocidente» com crimes de guerra e crimes contra a humanidade, perpetrados pelo exército de Israel, não apenas agrava a situação humanitária no terreno, como confere um sentimento de «impunidade» ao governo de Netanyahu. Mas também mostra que o Direito Humanitário é apenas usado como argumento, quando isso convém ao Ocidente. Ou seja, não têm - os governos - qualquer intenção de cumprir e fazer cumprir leis, que eles próprios dizem defender. São dias muito sombrios, os presentes. 

PS1: a retaliação iraniana ao ataque de Israel, assassinando funcionários  militares de alta patente que estavam no interior do edifício consular do Irão em Damasco, foi sóbria e manteve -se dentro dos limites das leis da guerra. Com efeito, atacaram alvos militares. O ataque de Israel destinava -se causar um reação impulsiva do governo iraniano, além de desrespeitar a Convenção de Viena e as leis da guerra. O objetivo, da parte do governo de Netanyahu, era também o de arrastar os EUA e OTAN, para a armadilha de uma guerra alargada na região. Netanyahu sabe que só se mantém fora da prisão, porque preside a um gabinete de guerra. Logo que deixar de o ser, nada evitará a sua prisão por corrupção.

 

quarta-feira, 30 de junho de 2021

[Craig Murray] EXPOSTA A FALSIDADE DA FABRICAÇÃO DO FBI CONTRA ASSANGE

Este meu artigo é essencialmente o resumo da notícia (ver acima) de 29-06-2021 por Craig Murray, ex-diplomata britânico, que tem seguido assiduamente as sessões do julgamento de extradição de Julian Assange e tem feito um ótimo trabalho de informação, que a imprensa não faz

Graças a Murray, ficamos a saber que a fabricação urdida pelo FBI de associar (falsamente) Assange com «hacking» de bancos e das contas de cidadãos particulares, foi desmoronada pela confissão de  Sigi Thordarson, um islandês, personagem muito pouco recomendável: Foi condenado por abuso de rapazes menores, assim como por ter-se imiscuído na rede de Wikileaks e ter-lhe roubado 50 mil dólares. Foi julgado e condenado por estes crimes, na Islândia. Thordarson revelou recentemente, a um órgão de imprensa, que tinha feito um acordo com o FBI para acusar, falsamente, Assange de estar na origem de «hacking» contra contas bancárias de particulares, sem qualquer relação com as atividades de denúncia do complexo militar-industrial, das agências de espionagem, enfim, como se estivesse envolvido em cibercrimes e sem qualquer laivo de altruísmo, ou de querer desmascarar os poderes. 

 O pedido de adição das pseudo-provas, trazidas pelo FBI ao processo, foi aceite pelo tribunal. Mas esta adição extemporânea foi contestada na altura pela defesa, à qual - aliás - não foi concedido tempo mínimo necessário para investigar e construir uma resposta a essas novas alegações. 

O extraordinário, é aquilo que deveria - normalmente - ter ocorrido e não aconteceu. 

Agora, que o pedófilo condenado, Thordarson, veio confessar ao magazine islandês que as acusações tinham sido fabricadas de acordo com o FBI, em troca desta agência não avançar com um processo contra ele, o normal seria o tribunal considerar que o procedimento usado tinha anulado toda a base da acusação, por falsas alegações. Decorreria daí que Assange tinha de ser libertado. 

A má fé da juíza e do tribunal são por demais evidentes, pois recusou reabrir o processo, como tinha sido pedido pela defesa. Há cinco meses que dura a situação de indefinição, continuando Assange preso, apesar de não haver qualquer contestação da parte das autoridades dos EUA. A juíza encarregue do julgamento continua a pretender que ignora as declarações de Thordarson, que toda a gente conhece e que invalidam o processo. 

Todas as peripécias deste processo, o mais torcido, o mais parcial, que se possa imaginar, têm tido o efeito paradoxal de desmascarar a brutalidade, falsidade e hipocrisia dos perseguidores de Assange, assim como a negação dos princípios de respeito pelos Direitos Humanos, de Justiça e de Estado de Direito, pretensamente atributos do Estado e instituições britânicas. 

PS1: Veja a manifestação em solidariedade com Julian Assange, aquando do seu 50º aniversário: 

https://www.youtube.com/watch?v=YuPSUjSvN0E


PS2: Um artigo de opinião por Alex Lo, que todos os políticos, todos os jornalistas, todos os cidadãos, deveriam compreender a fundo: 

https://www.scmp.com/comment/opinion/article/3140962/example-must-be-made-julian-assange


PS3: Uma análise do comportamento do tribunal britânico que não encontrará de certeza na media corporativa: 

https://www.wsws.org/en/articles/2021/07/12/assa-j12.html?pk_campaign=newsletter&pk_kwd=wsws

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

CRAIG MURRAY: «Assange, o preso político mais importante do mundo»

                        
Foi nestes termos «Assange, o preso político mais importante do mundo», que Craig Murrey descreveu a situação de Julian Assange. Presentemente, a situação do preso político Assange é a seguinte:

- Está a chegar o termo da prisão de Assange por ter violado a liberdade condicional a que estava sujeito (recordemos o contexto em que cometeu este «crime»: era ameaçado muito seriamente pelo aparelho repressivo-judicial americano, pela CIA e, inclusive, por políticos e pessoas da media dos EUA) 
- A comissão da ONU dos direitos humanos já tinha condenado a atitude do Reino Unido de manter sob prisão alguém que não oferecia perigosidade, nem tinha ainda sido julgado. Segundo o grupo de trabalho da ONU sobre detenções ante-julgamento: 
«Na lei internacional, a detenção pré-julgamento deve ser imposta apenas em casos limitados. A detenção durante as investigações deve mesmo ser mais limitada, em especial, na ausência de qualquer acusação. As investigações suecas foram encerradas há mais de 18 meses, agora e a única base que resta para a contínua privação da liberdade do Sr. Assange é o não respeito pelas condições de liberdade condicional, a qual é uma infracção menor que não pode justificar post facto a detenção durante mais de seis anos de confinamento a que esteja sujeito  desde que procurou asilo na embaixada do Equador. O Sr. Assange deveria ser capaz e exercer o seu direito de liberdade de movimentos sem restrições, de acordo com as convenções das Nações Unidas, que foram ratificadas pelo Reino Unido.

Vanessa Baraitser, a juíza que sentenciou agora que, apesar de Assange ter terminado a sua sentença de prisão de seis meses por ter desrespeitado as condições de liberdade condicional, achou que se justifica (supostamente) a continuação da sua manutenção como preso pela suposta intenção de fugir antes de estar decidido o processo de extradição para os EUA. No entanto, colocam-se problemas graves de saúde de Julian Assange e, sobretudo, o único motivo para a sua prisão e eventual extradição é ele ter exercido os seus direitos de liberdade de informar. 

- A ameaça que pesa sobre ele é, portanto, exclusivamente política. Nos EUA está sendo organizado um processo secreto (os advogados de Assange nos EUA não têm autorização para ver as peças do processo), baseado numa suposta «traição», que consistiu em revelar ao mundo (como o fizeram, aliás, o Guardian, o New York Times, etc) os crimes de guerra de militares dos EUA, no Afeganistão e no Iraque. 
Note-se, que Assange tornou públicos documentos fornecidos por outrem (Chelsea Manning), não sendo o seu caso diferente do dos diversos editores de jornais que - pelo mundo fora - têm dado a conhecer documentos secretos, obtidos ilegalmente, mas que são considerados por eles da maior importância, para conhecimento do público.

- O processo de extradição para os EUA é absurdo  e em completa violação das convenções da ONU, assinadas pelo Reino Unido. Se a justiça deste país não fosse uma farsa, a única coisa que deveria ter feito - neste caso - era libertar Julian Assange e deixá-lo ir para qualquer parte do mundo que ele desejasse.

-O caso Assange, por mais isolado que pareça, é muito importante para inúmeros outros casos - passados, presentes ou futuros - na medida em que outros governos possam usar o argumento do que tem feito, relativamente a este caso, a justiça do Reino Unido (um país signatário das convenções sobre os direitos humanos). 
Igualmente grave, é o efeito inibidor sobre os editores de media, e sobre os lançadores de alerta potenciais: eles podem recear perseguições impiedosas e ilegais, caso façam uso da sua liberdade fundamental, de dar informações que sejam muito importantes e que o público deveria conhecer, mas que são ocultadas pelos governos....


  

segunda-feira, 3 de junho de 2019

O ESTADO IMPLACÁVEL - UM ARTIGO DE CRAIG MURRAY SOBRE JULIAN ASSANGE

Junho 1, 2019
Estamos seriamente preocupados com a condição de saúde de Julian Assange. Ontem, estava demasiado doente para poder comparecer perante o tribunal e o seu advogado sueco, Per Samuelson, encontrou-o num estado em que Julian estava incapaz de estabelecer uma conversa e dar instruções. Há sintomas físicos muito marcados, particularmente uma perda rápida de peso, e tememos que não estejam a ser efectuados esforços, genuínos e suficientes, para a obtenção de um diagnóstico, a fim de determinar a verdadeira causa.
Durante o ano passado, Julian foi mantido na Embaixada do Equador em condições precárias, muito restritas e cada vez mais opressivas e a sua saúde já estava a deteriorar-se de forma alarmante, antes da sua expulsão e prisão. Uma série de condições, incluindo abcessos dentários, que pode ter consequências muito graves se não forem tratados durante muito tempo e a recusa contínua do governo britânico e, mais tarde, dos equatorianos, de permitir o acesso a cuidados de saúde adequados a um asilado político, foi uma negação cruel e deliberada de direitos humanos básicos.
Confesso que senti um certo alívio pessoal após a sua prisão, porque, pelo menos agora ele receberia tratamento médico adequado. No entanto, percebe-se agora, não haver qualquer intenção de fornecê-lo e, de facto, desde que ele esteve em Belmarsh, os problemas de saúde exacerbaram-se. Testemunhei a cumplicidade do Estado britânico em casos de tortura para saber que esta atitude pode significar mais do que somente uma consequência de negligência não intencional. É extremamente alarmante constatar que o homem mais lúcido que eu conheço, já não é capaz de manter, agora, uma conversa racional.
Não há nenhuma razão aceitável para que Assange precise ser mantido numa instalação de alta segurança destinada a terroristas e infractores violentos. Estamos a ver o motivo por trás da sua longa detenção sem precedentes, para esquivar-se à fiança da polícia quando pediu asilo político. Como prisioneiro condenado, Assange pode ser mantido num regime pior do que se estivesse apenas em prisão preventiva, devido aos procedimentos de extradição. Mesmo que ele estivesse saudável, o acesso aos seus advogados é extremamente restrito e, para um homem que enfrenta grandes processos legais no Reino Unido, nos EUA e na Suécia, é impossível que os seus advogados tenham tempo suficiente para preparar, juntamente com ele, os seus processos adequadamente. Assange está sob as mesmas restrições que são impostas a um condenado.Claro que sabemos, pelo facto de que, três horas após ter sido arrastado da Embaixada do Equador, ele ter sido condenado e sentenciado a uma longa pena de prisão, que o Estado não tem intenção de que os seus advogados se possam preparar.
Perguntei antes e faço-o, agora, novamente: Se fosse uma editora dissidente na Rússia, o que é que a classe política e a comunicação mediática do Reino Unido estariam a dizer sobre ele ter sido arrastado por polícias armados, condenado e sentenciado a prisão por um Juiz sem júri, três horas depois, após uma farsa de um "julgamento" durante o qual o Juiz o insultou e chamou de “narcisista” antes de Assange dizer qualquer coisa em sua defesa? A comunicação mediática ocidental estaria em pé de guerra, se esse caso acontecesse na Rússia. Aqui, eles congratulam-se com esses factos.
A seguir está uma foto de Julian na Embaixada em tempos mais felizes, durante a presidência de Correa, com um grupo de pessoas verdadeiramente surpreendente e forte, cada uma delas com histórias, as quais podemos seguir e com elas aprender:
Devo acrescentar que,  juntamente com outros dois amigos íntimos,  estou pessoalmente, a tentar ver Julian Assange, mas, como é óbvio, o acesso é extremamente difícil.
Os objectos pessoais de Julian foram apreendidos pelos equatorianos para serem entregues ao governo dos EUA. Incluem não só os computadores, mas os seus documentos legais e médicos. Este é mais um exemplo de uma acção estatal completamente ilegal contra ele. Além do mais, qualquer transferência deve envolver o material roubado que transita fisicamente em Londres, e o governo britânico não está a tomar medidas para impedi-lo, o que é mais um dos múltiplos sinais do grau de coordenação governamental internacional por trás da frágil pretensão de uma acção judicial independente.
Julian está preso há, pelo menos, mais de cinco meses, mesmo com liberdade condicional (que provavelmente vão encontrar uma desculpa para não conceder). Depois, será mantido em prisão preventiva. Portanto, não há necessidade de pressa. A recusa do tribunal sueco, de atrasar uma audiência sobre um possível mandado de extradição, para permitir que Julian se recupere para poder instruir o advogado e o breve adiamento da audiência de extradição dos EUA em Londres, com a intimação que pode ser mantido dentro da prisão de Belmarsh, se Julian estiver demasiado doente para se deslocar, são exemplos de uma pressa totalmente desacostumada e desnecessária, na maneira como o caso está a prosseguir. Os moinhos de Deus moem devagar; os do Diabo parecem girar a alta velocidade.
Finalmente, para os que ainda acreditam que as acções judiciais contra Julian,  não só na Suécia, são de alguma forma motivadas por uma preocupação em que a justiça seja feita, particularmente os casos de justiça referente a mulheres violadas, peço-lhes que leiam este excelente relato de Jonathan Cook. Quanto ao resumo da série verdadeiramente impressionante de abusos legais por parte dos Estados contra Assange, que a comunicação mediática empresarial e estatal distorceu e escondeu deliberadamente durante uma década, o mesmo não pode ser melhorado.
Reprinted with the author’s permission.
Copyright © 2019 Craig Murray
Publicado de novo, com permissão do autor.
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Tradução: Luísa Vasconcellos