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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

AS FORMAS DE GESTÃO DA ECONOMIA E SOCIEDADE NO SÉCULO XXI

As formas de gestão da economia e sociedade no século XXI têm, até agora, vivido de um prolongamento das formas herdadas do século 20. Isso não nos deve surpreender, mas devemos compreender as diferenças estruturais que existem entre a economia e sociedade digitalizadas de hoje e as de há 50 ou mesmo 20 anos atrás. Com efeito, a tendência maior durante o século 20 foi a da concentração, a ascensão de monopólios um pouco por todo o lado, em todos os países, em todos os sectores, só foi possível pela conivência ou mesmo instrumentalização do poder político. Além disso, havia uma forte procura de centralização de poderes administrativos, de concentração de poder nas mãos de uns poucos, quer se tratasse de «politburos» de países de capitalismo de Estado (ditos «comunistas»), quer de construções típicas do capitalismo do chamado «ocidente» como a União Europeia, com o seu colégio de comissários não-eleitos. A todos os níveis, desde o poder local ao internacional, observou-se uma concentração de poderes de facto, mesmo quando se procedia a «descentralizações», em boa verdade, formas de extensão e consolidação dos poderes dos grandes partidos e grupos de interesses que tinham capturado o Estado. 
Na realidade, a revolução digital veio tornar a tarefa de centralização do poder (aqui não distingo a economia e a política, pois estão intimamente ligadas) simultaneamente mais fácil e mais complicada. Mais fácil porque as redes digitais permitem abolir as distâncias físicas e comandar instantaneamente a partir de centros ou nódulos as diversas partes dos sistemas complexos que constituem as sociedades contemporâneas. Mas também uma dificuldade, na medida em que essa facilidade em estabelecer redes de toda a espécie também dá a possibilidade daquilo que é bastante insignificante hoje, «passando debaixo do radar» dos que controlam esta sociedade, possa ser amanhã forte concorrente ou mesmo desafiador do "status quo". Dificuldade também, porque a imposição da «verdade oficial» estará tendencialmente dificultada pelas inúmeras «entradas» no sistema, onde a multidão de anónimos pode simultaneamente fornecer e receber dados - toda a espécie de dados - sem ser através das entidades centralizadoras, controladoras. Para circunscrever tal perigo, para os poderes centralistas, erigiram-se em todas as grandes potências monstruosas estruturas colectoras de dados, como a NSA, que recolhe dados «em bruto» de todo o lado. A indiscriminada colheita é sucedida pela análise, realizada automaticamente, utilizando algoritmos sofisticados e permite a detecção de sinais, de frases significativas. As mensagens assim seleccionadas vão para uma análise mais fina. O processo ocorre em vários patamares até que, no topo, se recorre a peritagem humana. 
Porém, a crise económica, duplicada pela crise ambiental, está a sabotar este modelo centralizado. As probabilidades de uma grande crise estrutural do capital e do ambiente são muitas e só as pessoas ofuscadas, pela ideologia ou pela intoxicação de lixo informativo, não conseguem compreender a iminência dela. 
Por outras palavras, estamos em plena transição. Porém, as formas que podem tomar  as sociedades, as economias e as formas de controlo das mesmas, estão completamente mergulhadas  em espessa névoa. 
Os arautos do futuro, que periodicamente anunciam esta ou aquela transformação, em geral catastrófica, descredibilizam-se por errarem na maioria das suas previsões, mesmo num horizonte temporal bastante curto. 
Por outro lado, a crise das ideologias, nomeadamente, as que se convenciona chamar de «esquerda», resultam na apatia, na ausência de perspectivas, sobretudo das jovens gerações. Ao contrário das pessoas que foram jovens há 60, 50 ou 40 anos atrás, pois nessa época, as ideologias de cunho «revolucionário» tinham adesão garantida dos jovens, desejosos de uma transformação social, queriam ser protagonistas da mesma e procuravam aquilo que desejavam em termos de sociedade, o caminho para tal transformação. A decepção reiterada dessas esperanças devido a diversas circunstâncias, atirou a maior parte daquelas gerações para o cepticismo ou para o cinismo. 
O modelo de sociedade que sonharam afigurou-se não apenas ilusório, mas um logro completo, naqueles países que eram apontados como sendo realizações da nova sociedade, mesmo imperfeitas, com «arestas a limar». 
A impossibilidade de sustentação de um «capitalismo civilizado», onde houvesse uma certa protecção social, reconhecendo direitos económicos como parte integrante dos direitos humanos, foi a outra machadada nas suas ilusões: A social-democracia permaneceu (sobretudo na Europa ocidental) enquanto foi necessária para neutralizar o fascínio exercido pelo «bloco socialista», mesmo sabendo-se que neste vigoravam regimes totalitários. 
Mas, logo que o bloco soviético implodiu, foi tarefa bastante fácil das «elites» capitalistas, desmontarem peça por peça o Estado Social (Wellfare State), deixando apenas uma «carapaça vazia», uma série de «direitos» inscritos -mas letra morta - nas leis dos países. Nestes, a prática burocrática do Estado e das empresas, nega os referidos direitos, subordinando as funções sociais ao «mercado», ou seja, à lei do lucro. 
Mas esta transição está - ela própria - posta em causa, pela existência de uma crise do capitalismo, onde os episódios mais agudos de «crash» são apenas acentuações bruscas da sua perda global de operacionalidade. 
No meio desta «débacle», existem muitos tubarões que conseguem prosperar e edificar pequenos ou grandes impérios económicos. Porém, não se nota um crescimento vigoroso de um capitalismo empreendedor, como seria lógico esperar, se os arautos do neoliberalismo tivessem razão. 
Com efeito, eles constantemente afirmam que a economia tem estado «cativa» de forças «socialistas», ou seja, das protecções sociais para os mais pobres, os mais frágeis; que tem sido essa a causa dos fracos índices de crescimento da economia, do PIB, etc. 
Pois agora, que conseguiram um quase completo desmantelamento do Estado social, a produtividade global estagna e só não recua por causa de avanços na automatação, na informatização...Porém, apesar dessas aparências de «progresso», do ponto de vista social, como no entre as duas guerras mundiais do século vinte, constata-se que alarga o fosso entre os muito ricos e uma classe trabalhadora precarizada, sem protecção real na doença, no desemprego e na velhice.  
Agora, a rentabilidade do capital é inferior à da época em que os trabalhadores usufruíam de protecção e de capacidade para arrancarem melhores salários, contrabalançando, de certa forma, a parte do lucro nas empresas. 
Visto que as pessoas deixaram, numa percentagem crescente, de dispor de um excedente para poderem consumir, além do indispensável, esse acréscimo de consumo foi feito à custa de crédito. Este é efectivamente uma punção sobre o futuro. 
A mínima crise, com seu corolário de aumento dos despedimentos, dos aumentos de preços, de instabilidade nas vidas, precipita as pessoas na pobreza, quando deixam de conseguir pagar as prestações do carro, da casa, dos electrodomésticos, dos estudos universitários, etc.
A solução não está ao virar da esquina, mas tem de ser a duma estrutura muito mais descentralizada, em que redes, não controladas por gigantes, seja na produção, na distribuição ou nos serviços, terão de assegurar o funcionamento mínimo da economia e da sociedade em geral. 
Um tal modelo cooperativo não implica a «morte súbita» do capitalismo enquanto tal, mas que as pessoas descolem de uma dupla ilusão, castradora: 
(1) A de que podem esperar ter um modo de vida decente como assalariadas duma grande empresa, onde patronato ou classe empresarial, dirige e as restantes limitam-se a fazer o que lhes mandam. 
(2) A ilusão de que o Estado é uma espécie de «pai» ou de«mãe» severo/a mas, ainda assim, protector/a, que ouve e atende as pessoas em caso de necessidade, de problemas ... 
As pessoas que estão agora a entrar na vida activa vão descobrir, por elas próprias, que construir um negócio, uma empresa, serem capazes de gerar dinheiro pelos produtos ou serviços que elas próprias desenvolvem é real alternativa à vida de escravidão assalariada, ainda por cima, quando esta se reveste de grande precariedade. Apenas algumas terão coragem de se organizar em sociedades cooperativas, ou de outro tipo, imbuídas de uma visão completamente diferente do espírito empresarial corrente. Sendo de prever que elas irão ter dificuldades colocadas pelos concorrentes capitalistas tradicionais, penso que - no final - têm real possibilidade de triunfar, pois dispõem de maior flexibilidade. 

O pressuposto do que afirmo é de que o agravamento simultâneo da crise económica e da crise ecológica, vão ser os factores decisivos da transformação social. 
As situações sociais e económicas vão ser completamente transformadas pela amplidão, profundidade e duração desta crise. 
Ela poderá ser uma crise de marasmo, de degradação progressiva das condições gerais de funcionamento da sociedade. Não prevejo algo como uma crise revolucionária, embora esta não esteja completamente fora dos possíveis. 

As condições sociais vão ser tão rudes, que apenas pessoas capazes de trabalhar num espírito de entre-ajuda - e não no espírito capitalista «normal» do enriquecimento pessoal - conseguirão subsistir. Ao emergirem desse período de grandes provações, as sociedades irão auto-produzir algo novo.

Com que se poderá parecer tal nova sociedade? Não sou adepto de profecias ou futurologia, mas tenho desejos, esperanças de que as presentes e futuras gerações encontrem o seu caminho. Para que a espécie humana tenha futuro, julgo que as seguintes condições devem verificar-se: a  nova sociedade será mais localizada e menos baseada em mega-monopólios, com uma multiplicidade de regimes de propriedade, onde não haverá predomínio de formas estatais, embora o Estado continue a existir.  


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

CRISE DO IMOBILIÁRIO NA CHINA DESENCADEIA TSUNAMI MUNDIAL, ECONÓMICO E FINANCEIRO


 
Sim, estou convencido que estamos perante um tsunami económico e financeiro. Ele vem da China, com repercussão em todos os mercados de crédito. 

Com efeito, a crise do imobiliário chinês (cerca de 30% do PIB da China) não se ficou por «Evergrande», com a sua vertiginosa descida em bolsa, os episódios pondo em dúvida o atempado pagamento de juros e de reembolso dos seus «bonds». 

Assiste-se a uma queda dos dominós, uns a seguir aos outros, e não há nada que o governo de Pequim possa fazer, além de facilitar ao máximo o crédito das empresas e facilitar os procedimentos de cobrança dos montantes de vendas já concluídas.  

A crise estende-se agora à empresa «Country Garden», a nº1 do imobiliário, que tinha, até agora, classificação positiva pelas agências de «rating» internacionais. Isso fazia com que seus instrumentos de dívida (notas de crédito, obrigações) fossem comprados nos mercados internacionais. 

A crise não pode ficar confinada à China, porque existem demasiados investimentos ocidentais nos diversos setores (não só no imobiliário) que apostaram nas empresas chinesas, como investimentos «seguros», com alta taxa de rentabilidade. 

O Ocidente vive, há algum tempo, num contexto de crise de produção decorrente da limitação na obtenção de uma série de produtos (semicondutores e componentes eletrónicos diversos). A China está com dificuldade em produzir estes componentes, não só para exportação; mesmo em abastecer o seu mercado próprio. As grandes marcas de automóveis e de eletrodomésticos, na América do Norte e na Europa, encontram-se em paralisia técnica.

O desencadear desta crise logística, tem relação com as políticas estritas na China, que decidiu aplicar as medidas mais severas, na esperança de diminuir ao máximo a possibilidade dos jogos olímpicos de Inverno de Pequim ficarem manchados por um alastramento incontrolado do coronavírus.  

É irónico que este conjunto de circunstâncias ocorra num momento em que os governos ocidentais se apercebem que foram longe demais nas políticas de restrição relativas à pandemia de COVID. Estão, à pressa, a tentar minorar a situação de carência aguda de mão-de-obra. Nalguns casos, recrutando mesmo trabalhadores com sintomas de COVID, já não se importando afinal com a segurança sanitária. 

De qualquer maneira, os loucos anos de subidas sem limite das bolsas (sobretudo ocidentais) terminaram: Jerome Powell e a FED bem podem esboçar um «apertar do cinto» (QT= Quantitative Tightening). Isso não terá qualquer efeito real. É uma tentativa somente de maquilhar a responsabilidade da FED e de todos os outros bancos centrais ocidentais, na génese desta crise. Powell vai «apenas» presidir ao colapso da finança e economia mundiais. 

                          

Aí vamos! Para o maior colapso das nossas vidas; a caminho duma década de depressão. Quando os mais lúcidos observadores da economia, desde Jim Rickards a Ray Dalio, passando por Egon Von Greyerz, tinham avisado o mundo da finança, há imenso tempo... em vão!

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ARTIGOS DESTE BLOG RELACIONADOS ao tema:

ECONOMIA: TRÊS DEMOLIÇÕES EM CURSO





quinta-feira, 3 de novembro de 2022

CRISE SISTÉMICA


Os grandes banqueiros estão muito à frente da maioria de nós nas jogadas dos mercados, porque estão a jogar no «tabuleiro principal», enquanto nós apenas temos uma ideia - a posteriori - do que se passa no jogo. Sim, em tempos «normais», eles, banqueiros têm o tempo do seu lado. Têm na mão as rédeas de empréstimo do dinheiro, sempre com base em garantias ou colateral, que está bem seguro. Assim, as desgraças de uns são as oportunidades de outros. 

Só que a subida rápida das taxas de juro de referência dos principais bancos centrais traz consigo a subida correlativa de todo o tipo de obrigações no mercado, as quais constituem grande parte do colateral de vários negócios. A subida do juro duma obrigação, equivale a esta valer menos em absoluto; o valor duma obrigação desloca-se no sentido inverso do juro associado a ela. 

Igualmente, os maiores bancos têm elevada exposição à enorme quantidade de derivados chamados OTC («over the counter»). São os bancos que detém, normalmente, uma das partes do contrato, ou são os seus garantes. Ora, a maioria dos derivados está correlacionada com taxas de juros. Se as taxas se tornam repentinamente diferentes do que está previsto nos contratos, os seus detentores podem acionar cláusulas de salvaguarda. Aí, a outra parte, ou os que se ofereceram como garantes, estão na obrigação de «resolver» estes contratos. A crise recente, que obrigou à intervenção de urgência do Banco Central no Reino Unido, distribuindo biliões de libras aos fundos de pensões britânicos, para estes não se afundarem,  foi devida a estes se terem lançado nos negócios perigosos com derivados, para assegurar os pagamentos das pensões aos seus pensionistas. O risco deste mercado global de derivados é incalculável. Estima-se que estão investidos mais de 2 quadriliões de dólares, ao nível global, em derivados. 

Para a banca, um negócio que foi durante muitos anos seguro, o dos empréstimos sobre hipotecas para compra de residência, foi agora afetado pelas subidas das taxas LIBOR que, por sua vez, determinam o montante dos juros das hipotecas. Isto, além da quebra do mercado do imobiliário, traduz-se em situações de não-pagamento e em renovadas ondas de despejos. Pense-se nos numerosos dramas de famílias despejadas por alturas de 2008. 

A destruição massiva de riqueza, seja ela devida à inflação, bem acima dos 10% dos números «oficiais», seja por haver uma onda de falências e desemprego, vai fazer com que a crise de 2008 se assemelhe a «um passeio no parque». 

Muitas pessoas, com mais credenciais do que eu, avisaram sobre o desfecho que as coisas iriam tomar, pouco tempo após a crise de 2008. O rumo observado desde então, foi o resultado da determinação dos governos e bancos centrais em pouparem os privilegiados com as sucessivas ondas de «QE», ou seja, de impressão monetária. O resultado, previsível, é a espiral de inflação que já está fora de controlo das autoridades financeiras e monetárias. As consequências serão muito mais graves do que na crise de 2008, porque nenhum banco central ocidental, nem sequer todos eles juntos, têm «a varinha de condão» que lhes permita afastar o mal que eles próprios causaram.

Desde 2017 que, sem sensacionalismos, pude fazer o diagnóstico das disfunções deste sistema e do seu provável desfecho. Fui buscar a informação aos mais sérios analistas dos mercados, a economistas que não são do «mainstream», na sua maioria, e analisei criticamente todas as informações que me chegavam. Globalmente, não errei nos meus diagnósticos. As decisões que  tomei, em boa altura (o timing é sempre muito importante!), foram as mais apropriadas e permitem-me que enfrente com serenidade o «Grande Tsunami». 

Verifico porém que, nos últimos tempos, muito do que se pode ler ou ouvir, tem o objetivo de precipitar as pessoas na ilusão de que «agora há grandes oportunidades de investimento», quando - afinal - tudo está a desmoronar-se. De facto, os que fazem estas sugestões são irresponsáveis, pois, neste momento, qualquer investimento, seja em que área for, deve ser visto com imenso cuidado. 

Penso que a atitude correta é a de preservar o que já se tem, sem ter a veleidade de fazer apostas, sejam elas «prudentes» ou «arriscadas»: Imagine-se uma situação, em que tem de se defender com um número restrito de balas da sua arma: - Vai desperdiçar balas, disparando contra qualquer sombra que julgue ser a do inimigo? - Ou vai poupar as balas, para quando houver maior probabilidade de acertar no alvo?  

O bom senso fundamental deveria ditar-nos o seguinte comportamento: Do momento, manter uma certa capacidade de investimento, quando se está no início de uma gravíssima crise, de que não sabemos ao certo a duração, para que, depois no final desta, possamos investir com segurança e garantirmos um retorno positivo do investimento.

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PS1: Leia o brilhante e profundo artigo de Mike Whitney, AQUI: Ele fornece o contexto geopolítico, que eu não abordei no meu artigo acima. Noutros artigos, tenho analisado os problemas enunciados por Mike Whitney.

PS2: Lynette Zang explica tudo! Dos derivados, ao "Shadow Banking", da crise de 2008 à crise atual...



PS3: Como referi, a Arábia Saudita está a virar completamente de aliança, hoje encontro entre Xi Jin Pin e MbS.


PS4: A grande bolha de tudo, está rebentando. Porém, os gestores dos fundos especulativos, para fazer durar a «festa» da especulação um pouco mais, decidiram lançar a narrativa de que a FED iria mudar brevemente de orientação, só que isto não tem qualquer base real. Verifica-se mais uma vez que, para os que estão por fora, a bolha irá rebentar-lhes na cara, enquanto os que estão por dentro, irão retirar discretamente as «castanhas do lume»!

quinta-feira, 8 de abril de 2021

REALMENTE, A GRANDE MUDANÇA (GREAT RESET) JÁ ESTÁ EM CURSO

 Esta grande mudança era tida como inevitável pelas altas esferas financeiras que controlam o mundo, hoje. 

Note-se que o sistema financeiro foi levado a um extremo. O da financiarização, que colocava «de pernas para o ar» toda a economia, ou seja, punha a parte produtiva (produção de bens e de serviços), como subordinada da finança. Nos séculos anteriores, incluindo uma boa parte do século XX, a finança detinha uma fatia, mas não a maioria, ou parte que lhe desse o controlo das alavancas da economia. 

Podemos datar a viragem decisiva, o bascular de uma economia produtiva, para uma economia financeirizada, no Ocidente, à década de 1990, em que os EUA e seus aliados surgem como vencedores da Guerra Fria contra a URSS, ficando em situação de super-potência única no Planeta, ditando a todos, quer directamente, quer através de instituições internacionais que controlam, como os países e respectivos governos se devem comportar. 

O acto legislativo emblemático que acompanhou esta «húbris*» no campo geo-estratégico, foi durante a presidência de Bill Clinton, o repudiar da Lei americana Glass - Steagall , passada na altura da Grande Depressão, na presidência de Roosevelt. A finalidade da referida lei era evitar as catástrofes induzidas pela especulação financeira, separando bancos e instituições de crédito em duas categorias: Os bancos de investimento, cuja finalidade era captar capitais para investimento na economia; os bancos de depósitos cuja função era assegurar o depósito de poupanças, com investimento prudente em veículos de rentabilidade baixa ou moderada (obrigações do tesouro, por exemplo), mas que garantia uma rentabilidade um pouco acima da inflação. 

Os indivíduos eram estimulados a poupar, pois - no mínimo - o poder de compra das suas poupanças estava salvaguardado. Este sistema funcionou, durante as três ou quatro décadas do pós IIª Guerra Mundial. Noutros países além dos EUA, havia mecanismos legislativos assegurando a separação dos dois tipos de actividades financeiras. 

A partir do momento do desaparecimento destas separações legais, a banca comercial teve liberdade para utilizar, do modo que lhe apetecesse, com muito poucas e ineficazes restrições, o dinheiro dos seus clientes, dos depositantes. 

As crises sucederam-se então. Dá-se-lhes nomes, que não revelam a natureza dos problemas subjacentes: «crise mexicana», «crise russa», «crise asiática» (em 1997), crise das «dot-com» (em 2000), crise das «sub-prime» (crédito hipotecário, em 2008). 

A presente crise é chamada do «Covid», mas teve início em Setembro de 2019, cerca de 5 meses - pelo menos -antes de se ouvir falar do novo vírus. Em Setembro de 2019 deu-se a subida brusca e acentuada dos juros do crédito inter-bancário de curta duração. O desmoronar deste, obrigou o banco central americano (a FED) a acorrer com biliões, semanalmente, até ao final de 2019. Só assim conseguiu evitar o congelamento do crédito interbancário, coisa que ocorrera na crise de 2007/2008, e fora um dos sinais mais sérios de que o sistema estava a desmoronar-se. 

Mas, as coisas abaixo da superfície são ainda um pouco piores. Com a liberalização completa dos mercados financeiros, os bancos produziram derivados, instrumentos financeiros completamente novos e artificiais, que se negoceiam «ao balcão», ou seja não surgem nos balanços destas instituições. 

Muito haveria a dizer sobre esta deriva especulativa financeira, encorajada pelos governos e bancos centrais. Vale a pena investigar todas as ramificações destas construções artificiais, o mercado dos derivados, cujo valor global ultrapassa - em muito - o PIB mundial: Será de 5 vezes, de 10 vezes o PIB mundial? -Ninguém pode dizê-lo, ao certo, pois este mundo financeiro dos derivados é muito opaco (fora dos balanços oficiais dos bancos), sendo mantido assim intencionalmente.

Desde 2008, a economia dos países ocidentais tem estado de rastos; para nos apercebermos disso basta indicar que na década passada, que deveria ser de recuperação, segundo Jamie Dimon (CEO do maior banco dos EUA, o «JP Morgan»), o PIB dos EUA experimentou um crescimento cumulativo da ordem de 18%. Isto pode parecer muito, porém, após os outros períodos de recessão, durante as expansões que se seguiram, o crescimento cumulado era da ordem de 40% em dez anos. Portanto, nesta última década observou-se menos de metade da média do crescimento cumulativo em dez anos, nos EUA e nos países da Euro Zona (um pouco pior, neste caso): houve uma «recuperação anémica», depois da grande recessão de 2008. 

Apenas 11 anos depois (2008-  2019), surge uma nova crise, em todos os aspectos mais grave, mais profunda e com bancos centrais que não dispunham de margem para diminuir as taxas de juro de referência. Estas têm sido, historicamente, a única variável que os bancos centrais podem facilmente manipular para estimular a economia. 

Quando começaram a surgir obrigações soberanas com taxa negativa, entrámos em pleno reino de fantasia financeira e monetária. Nunca na História se vira o emprestador dar um juro (é este o significado de «juro negativo»), para que o devedor aceitasse contrair um empréstimo. Eis o grau de absurdo a que chegou a completa financeirização, no Ocidente, em apenas 30 anos! 

A constante monetização, ou seja, a compra de activos aos bancos comerciais e aos Estados, pelos bancos centrais, origina as bolhas especulativas a que temos assistido: 

- Podemos considerar como bolha, a quase gratuidade dos empréstimos, devido a uma artificial quebra dos juros, incluindo as taxas de juro muito baixas nas obrigações soberanas. Lembremos que, quanto mais baixa for uma taxa de juro, mais valor uma obrigação tem: ou seja, a entidade que emite este instrumento de dívida consegue colocá-la a um determinado juro. Quanto mais baixo for o juro, mais os compradores valorizam a obrigação, ao ponto de a aceitarem, recebendo um juro muito baixo. 

Para as pessoas não especializadas nos mercados, pode haver um certo fascínio e tentação, nas bolsas de acções: No mercado de acções, as grandes empresas aproveitam os juros quase a zero e fazem auto-compra das suas acções, fazendo subir assim, artificialmente, sua cotação. O dinheiro constantemente fornecido, gratuitamente, pelos bancos centrais, tinha de ir parar a algum lado. 

A inflação dos activos financeiros não será contida dentro destes, por muito mais tempo: mais cedo ou mais tarde, haverá um transbordar para a economia, com a inflação nos bens de consumo corrente a acentuar-se. Não se sabe se haverá, ou não, hiperinflação. Mas, o mais prudente é partir do princípio de que essa hiperinflação vai ocorrer, necessariamente. É como um tanque ou um reservatório de água, por muito grande que seja, se tiver um caudal de água a verter constantemente nele, acabará por transbordar...

 O mercado do imobiliário tem experimentado inflação, sobretudo, o segmento mais alto, dos apartamentos e condomínios de luxo, em todas as grandes cidades do Ocidente. Este fenómeno também é consequência, directa e inevitável, do enriquecimento dos já muito ricos. Há uma classe que tem ganho muito com estas políticas de «quantitative easing». E, ainda por cima, tem ganho com os confinamentos desde Março de 2020. A situação de ruína para os pequenos comércios e industrias, gera uma situação de monopólio de facto, para as grandes superfícies e para as grandes empresas «on-line». São os mais ricos, nas várias sociedades que são os maiores detentores privados de acções cotadas em bolsa. Sabem que o jogo tem um fim, e têm vendido nos picos de especulação bolsista, para se retirarem logo, sendo esse dinheiro imediatamente investido em imobiliário de luxo, obras de arte, objectos de colecção, barras de ouro, etc. Eles sabem que - no longo prazo - quando esta crise tiver passado, tais bens não financeiros terão, no mínimo, conservado o valor (em termos reais). 

Quanto ao valor do dinheiro que nós usamos, é completamente cilindrado. A operação já começou:

- primeiro, é destruído o seu valor real, a capacidade aquisitiva destas divisas: A operação em curso, com impressão monetária não-stop, pelos principais bancos centrais ocidentais.

- depois, é digitalizado - de modo total e legal: O dinheiro-papel deixa de estar em circulação. Os juros dos depósitos das contas (a prazo ou à ordem) serão muito negativos, os depositantes farão tudo para gastar esse dinheiro depositado, antes que ele perca mais valor.

- em paralelo com a digitalização a 100% das transacções, vai surgir uma unidade monetária digital, gerida pelos bancos centrais, usando a tecnologia «block-chain». O sistema será análogo ao Bitcoin, mas com a diferença de que este é totalmente descentralizado e as moedas digitais dos bancos centrais serão totalmente centralizadas (e controladas).

- a economia real, dos bens e serviços, vai ficar ainda mais centralizada do que já está: Vai ser praticamente impossível as pessoas comuns adquirirem um apartamento, ou um carro. A sua vida terá de organizar-se de um modo diferente de hoje. É isso, basicamente, o que significa o lema de Klaus Schawb, «Não possuirás nada e serás feliz»...

- a instauração do Rendimento Mínimo Universal ou Incondicional, que todas as pessoas irão receber apenas por existirem, terá como consequência imediata que o custo do trabalho irá descer para os patrões, a níveis inconcebíveis hoje em dia. Os patrões apenas terão de pagar «uns tostões», para obterem a «escravização voluntária» dos que queiram viver um pouco acima do nível de subsistência. Aliás, já se pode observar o agravamento da exploração, nos países «ricos» do Ocidente, como no Terceiro Mundo.

Em conclusão: Se as pessoas não abrem os olhos, se não reagem individual e colectivamente, serão escravas; os seus filhos e netos, também. Será muito difícil haver uma rebelião, será mais difícil lutar de quaisquer formas e métodos, porque as pessoas ficaram sem direitos na prática, sem meios de defesa. 

Se os projectos da oligarquia e do seu «Great Reset» continuarem a avançar como planificado, pode-se dizer adeus à liberdade, democracia, ou ao Estado de Direito ... Ou, então, o significado destas palavras será convertido em «novi-língua» orwelliana, como já fazem com o «passaporte de imunidade**», certificando que se tomou a vacina anti-Covid. Agora, chamam a isso «passaporte da liberdade»; a esse instrumento de escravização e controlo! 

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*Húbris: palavra de origem grega, que significa embriaguez do vencedor, que tudo se julga permitido.

** Leia o excelente artigo do Prof. Anthony Hall AQUI

domingo, 2 de setembro de 2018

COLAPSO DAS MOEDAS DOS PAÍSES EMERGENTES

                         Resultado de imagem para emerging market currencies

Os mercados de divisas são ordens de grandeza maiores que os mercados de acções, ao nível mundial. As moedas da Argentina (peso), da Turquia (lira) e da Índia (rupia) e muitas outras, estão a perder da ordem de 40 a 60% em relação ao dólar

                         Turkish lira external dollar debt

Isto significa que existe, ou vai existir dentro pouco tempo, hiperinflação nestas economias. As pessoas e as empresas estão a ser fortemente atingidas. 

Os países a braços com esta crise monetária, que se traduz na desvalorização súbita da sua moeda nacional, tinham pedido emprestado grandes quantias, sob forma de emissão de obrigações soberanas denominadas em dólares. Beneficiando de taxas de juro muito baixas, preferiram endividar-se, nessa altura, em dólares.
Agora, as taxas de referência da FED estão a subir, o dólar está a experimentar um movimento ascendente. Um outro factor para isso, é a entrada de maiores quantidades de dólares nos EUA por repatriamento das grandes multinacionais, beneficiando de perdões fiscais e garantias, assim como de taxas e impostos mais baixos. 

No conjunto, os países periféricos (emergentes) e mesmo a economia da China, a segunda potência económica mundial, estão em maus lençóis, porque importaram a inflação, que os EUA exportou. 
Ao pagar em dólares bens e serviços ao resto do mundo, dólares esses imprimidos a custo zero, os EUA não apenas possuem sobre o resto do mundo um privilégio exorbitante, devido ao facto de serem a moeda de reserva, como têm meios de controlar os mercados e de usar o dólar como uma arma: Assim o fizeram recentemente, com a Turquia, como têm feito, ao longo dos anos, com a Rússia, o Irão e com quem ponha em questão a sua hegemonia mundial.   
Mas agora, tanto o Irão como a Turquia estão a encontrar processos de comerciar usando a troca directa, ou contratos feitos nas respectivas moedas nacionais. O modelo para tornear - há alguns anos atrás - as sanções e a guerra económica, foi o da compra de petróleo pela Índia ao Irão, usando como pagamento  ouro, comprado ou depositado na Turquia e entregue a bancos privados iranianos.

 Vários mecanismos para contornar as sanções estão de novo a funcionar, mas agora não apenas relativamente ao Irão. O processo desenvolvido pelo Irão, serviu de exemplo e modelo para muitas situações. Agora, mesmo sem sanções, os parceiros comerciais não desejam mais ter bancos de Wall Street como intermediários obrigatórios, como é o caso, quando as trocas são saldadas em dólares. 
O mesmo se passa com a criação de sistemas internacionais de pagamento alternativos ao SWIFT, o qual é controlado pelos EUA.

Quanto a repercussões desta crise das divisas dos países emergentes, talvez a mais grave e que tem merecido mais atenção seja relativa ao efeito sobre os bancos europeus, particularmente espanhóis, franceses e italianos, muito expostos à dívida soberana turca e à doutros países emergentes. 
Muitos bancos europeus (a começar pelo Deutsche Bank) estão demasiado expostos aos produtos derivados. Neste contexto, uma desvalorização acelerada de obrigações soberanas dos países emergentes, que eles detêm em grande quantidade, significará - para muitos - insolvência. 
Esta situação precipita a crise no sector bancário europeu, já muito frágil. A banca italiana, em particular, tem cada vez mais dificuldade em manter uma aparência de solvência. 

A «máquina impressora» (QE = impressão de dinheiro) do BCE (ECB) nunca deixou de funcionar para acudir à banca em dificuldades, porque não tinha escolha. No momento em que o BCE deixar de comprar dívida dos países do sul (ditos «PIGS»: Portugal, Italy, Greece, Spain), os juros desta subirão a pique. Haverá crise, seguida de colapso.

Entretanto, o movimento de ouro do Ocidente para o Oriente prossegue, a um ritmo acelerado. Em pouco tempo, a Rússia, a China e outras potências multiplicaram as suas reservas de ouro, guardadas nos bancos centrais. Igualmente, tem havido uma política dos Estados para incentivar a compra de metais preciosos pelos cidadãos. De qualquer maneira, os orientais nunca deixaram de considerar o ouro e a prata como forma de reserva de valor, de protecção perante uma desvalorização do papel-moeda. 

Quando rebentar o sistema financeiro mundial, baseado exclusivamente na dívida (as divisas são dívida, sem qualquer garantia física por detrás!), o Ocidente ficará pobre e o Oriente rico, quer isso aconteça amanhã, ou dentro de alguns anos. 
É revoltante constatar que uma camada muito diminuta de parasitas, beneficiários do actual sistema, tem conseguido desviar o público - em particular as classes médias - do investimento em metais preciosos, como garantia de preservação do valor das suas poupanças. 
No entanto quem, nos países em crise, adquiriu ouro antes desta crise se declarar, com os seus pesos, as suas liras, rupias, etc., está agora protegido, tem capacidade económica. 
Quem comprou ouro antes da crise, consegue resistir, até em países onde a capacidade aquisitiva da moeda caiu para cerca de metade, desde Janeiro deste ano. 
Quanto às restantes pessoas, elas ficaram brutalmente empobrecidas. Isto é um facto, mesmo para quem tinha «muito», em produtos financeiros, acções, obrigações, depósitos a prazo, etc. Este exemplo, bem meditado, fala por si. 
Se reflectir e procurar documentação, saberá - com certeza - encontrar o melhor caminho para defender o seu poder de compra, o seu modo de vida. 

Perante um tsunami, não devemos esperar pelo último instante, para nos pormos a salvo.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

CHAVES PARA ENTENDER A CRISE FINANCEIRA E MONETÁRIA

A gestão das principais divisas ocidentais, tem como característica fundamental, nos últimos anos, estas serem constantemente diluídas pela compulsiva impressão monetária (de forma quase exclusivamente digital) pelos bancos centrais. 

Por outro lado, a compressão dos juros, ou mesmo os juros negativos, vai atribuir ao custo do dinheiro uma valoração anómala. Isto impede que se tenha em conta a preferência temporal: com efeito, (por hipótese) o emprestador aceita emprestar uma dada soma a juro X, sendo esse valor X o que pensa (e o mercado em geral, pensa) ser a justa compensação por diferir (por um certo prazo) a utilização desse mesmo dinheiro. 

Se o juro é praticamente nulo, ou mesmo negativo, os mercados ficam automaticamente incapazes de efectuar uma justa e apropriada avaliação de quaisquer investimentos. A preferência por opções especulativas é - em grande parte- resultante desta situação.

É o caso das acções, obrigações e derivados: trata-se sempre de um jogo de soma zero, ou seja, não existe, globalmente, qualquer acréscimo líquido de riqueza: o acréscimo de riqueza de uns, equivale - estritamente- a uma perda de riqueza de outros.

Os juros de referência dos bancos centrais, são os que eles podem realmente controlar. Estes, realmente, são apenas e somente os juros de curto prazo (o que inclui o «repo market»). Poucas pessoas se apercebem de que o juro de obrigações soberanas de longo prazo está, de facto, fora da capacidade de controlo dos bancos centrais. 


                                   
                
[Fig. 1: gráfico retirado do blog de Martin Armstrong; vê-se a descida do intervalo do juro de 10 anos para 2 anos até atingir uma inversão em Setembro de 2019] 

A preferência temporal obriga, em boa lógica, a que o emprestador de dinheiro a um prazo mais longo, queira um juro mais alto, do que a um prazo mais curto. Mas, quando a curva dos rendimentos (yield curve) se inverte, isso significa que os investidores têm grande desconfiança nas capacidades reais de pagamento das entidades emissoras de obrigações, no curto prazo.
 Foi exactamente o que se passou em Setembro de 2019. De cada vez que isso acontece, tem havido uma crise nos meses seguintes.  

                 
[Fig.2: gráfico retirado de artigo de Zero Hedge; mostra que o FED de Nova Iorque tinha quase cessado a intervenção no mercado de curto prazo, no final de Dez. de 2019. Mas, em Jan. 2020 voltou a colocar importâncias elevadas no mercado. No mercado de ainda mais curto prazo, o «over-night», a inversão é mais acentuada.]

Segundo Jamie Dimon, director do banco JP Morgan, «os bancos estão cheios de cash, só que têm muitas dúvidas sobre onde aplicá-lo». Traduzindo: a crise do mercado «repo» revela a enorme desconfiança dos bancos uns em relação aos outros, no que toca à sua liquidez ou mesmo, à sua solvabilidade. É esta a razão pela qual eles não querem financiar-se uns aos outros, no curto prazo, como era costume e normal fazerem antes. 
A entrada da FED neste mercado é muito reveladora: trata-se duma manobra de emergência para evitar o congelamento do mercado do empréstimo inter-bancário de curto prazo. A FED quis evitar o que sucedeu logo no início da grande crise de 2008: o congelamento dos mercados de empréstimo inter-bancário. 
Está patente o resultado desastroso da política monetária dos bancos centrais ocidentais, após uma década de «quantitative easing» e  de supressão dos juros. 

Mas, se o mercado de capitais inter-bancário não funciona de forma satisfatória, o que é que poderá funcionar «correctamente»? 
Note-se que, numa economia mundial onde domina largamente o capital financeiro, os fluxos de capital monetário são de importância crítica para o funcionamento global do sistema. 
Note-se também, que o mercado obrigacionista tem um volume dez vezes maior que o mercado das acções. 
Além disso, o preço do dinheiro é indicador universal, quer para os Estados, quer para as empresas ou para os particulares. 
É sempre indispensável ter em conta o valor dos juros, na avaliação dum qualquer investimento. Estrategicamente, um bom investimento no curto prazo pode ser um desastre no futuro, se não houver uma boa estimativa da evolução mais provável dos juros.

A partir do grande colapso de 2007-2009, os bancos centrais decidiram fazer «experimentação monetária» em larga escala. Encontram-se agora na situação proverbial do aprendiz de feiticeiro: não sabem como retornar ao funcionamento normal dos mercados.
A crise, realmente, está em marcha, mas o grande público continua na ignorância.
É uma crise real de todo o sistema: maior que os bancos centrais, que os Estados, que o FMI.
Inevitavelmente, a crise financeira rebentará, expondo a verdade sobre o presente sistema. 

O desencadear da guerra entre o Irão e os EUA irá permitir efetuar o famoso «reset», em benefício dos grandes bancos e transnacionais, e com a ruína das pequenas e médias empresas, atribuindo as culpas do «crash» à guerra com o Irão e não à completa insolvabilidade do sistema. 

domingo, 31 de maio de 2020

PARA QUE SERVE UMA CRISE MUNDIAL?

O título deste artigo poderia prestar-se a que as pessoas sorriam. Então, uma crise mundial pode ter aspectos positivos? Não será um nunca acabar de  morte, destruição, misérias? Não será evidente que apenas servirá quem tenha interesse na redução da população mundial (caso de alguns, com muito poderio, económico, institucional e político)? 
É verdade que este título pode parecer uma provocação. 
Porém, as pessoas não são autómatos. Mesmo nos piores momentos, podem exercer o seu livre arbítrio. Podem tornar-se mais sábias, mais lúcidas e mais honestas, em relação a si próprias e à sociedade.     
A existência de momentos de grande sofrimento e provação que já começaram e - penso - irão continuar durante longos anos, é ocasião para vir à tona o que há de pior e de melhor nos humanos. O medo da morte e da falta do essencial para nós próprios e para as nossas famílias corresponde a instintos profundamente ancorados no nosso passado genético e evolutivo. Sabem disso os manipuladores que utilizam as nossas respostas instintivas a esses medos para nos induzir às respostas que lhes convêm. Mas, o nosso instinto de conservação pode nos conduzir a uma tomada de consciência mais aguda do entorno, do ambiente social, humano, não apenas natural. Neste caso, a resposta adaptativa pode conduzir-nos a melhor dosear as atitudes, os comportamentos, à medida dos desafios. 
Um dos mais importantes factores de sobrevivência, que nos acompanha desde os alvores do género Homo, é de prever as situações futuras. Mesmo os Homo habilis de há vários milhões de anos, comprovadamente faziam isso, ao esculpir um tosco instrumento de pedra que não se destinava a ser utilizado imediatamente e no local da sua confecção. Havia portanto intenção e previsão; havia um planeamento, por muito rudimentar que fosse, para utilização dos instrumentos de pedra, em situações futuras.   

A nossa visão da evolução da sociedade e do que se passa ao nível mundial é intrinsecamente parcial e fragmentária. Somos obrigados a trabalhar com dados incompletos, temos um tempo muito limitado de pesquisa para obter informações fidedignas. Por isso, a maior parte das pessoas tem de confiar - de dar crédito - aos órgãos de informação de massas, televisões, rádios, jornais de grande circulação...
Esta situação é completamente enganadora, induz-nos em erro e esse efeito pode ser ou não desejado pelos que veiculam essa informação, contaminada pelo ângulo de abordagem da mesma. O que passa por informação, muitas vezes não passa de uma forma de reforçar os estereótipos, os reflexos, normalmente de medo, ódio ou aversão. Outras vezes, trata-se de induzir ou reforçar uma dada visão do problema e do mundo. Nessa ocasião, o que se omite é tão fundamental como aquilo que se informa. Assim, as meias-verdades funcionam como perfeitas mentiras, pois as pessoas só as podem discernir, se já estiverem ao corrente do que é relatado.

Dou alguns exemplos da minha experiência pessoal:

                         As Horas Decisivas de Abril - RTP 

Os primeiros dias depois do 25 de Abril de 74, e os relatos dos grandes órgãos de imprensa europeia: conforme a orientação da mesma, seria um golpe de Estado militar com amplo apoio popular, ou um golpe de comunistas infiltrados no MFA. Eu estava no terreno e via como eram distorcidos os relatos, consoante a obediência ideológica dos correspondentes que cobriam os acontecimentos. 

- A greve na Polónia, nos estaleiros de Gdandsk (1980): 

                                    14th August 1980: Lech Wałęsa leads Gdańsk shipyard workers on ...

Onde o sindicato Solidariedade é reconhecido como sindicato independente, obrigando o governo polaco a negociar. Este triunfo foi saudado por uns e transformado, por outros, em «manobra da CIA». Não só eu estava no terreno, como tinha contactos que me permitiam ter uma visão bem mais subtil do que as pessoas que (à esquerda e à direita), nos jornais portugueses, misturavam a sua opinião com o que se estava a passar.

- O incêndio do Chiado no Verão de 1988: 

                         O grande incêndio do Chiado aconteceu há 30 anos

Encontrava-me eu num estágio, na Suíça. Foi anunciado como se toda a Baixa lisboeta estivesse a ser o repasto das chamas: na verdade, apenas uns quarteirões foram atingidos. O efeito de choque foi explorado pelos jornalistas das televisões: quem visse suas reportagens em directo, ficaria convencido de que se estava perante o desaparecimento de TODA a baixa pombalina. 

Estas e outras experiências, fizeram com que eu me tornasse muito céptico sobre o que se passa num determinado ponto do globo, sobretudo porque é quase sempre o caso de que não possuo informação fidedigna e não distorcida sobre o mesmo. Prefiro o relato sincero de um amigo ou de pessoa não comprometida directamente com uma determinada causa, um testemunho não enviesado. Eu sei que, mesmo uma pessoa bem intencionada, está a veicular a sua versão de um acontecimento. Mas, prefiro isto, à reportagem que nos pretenda manipular.

No plano pessoal, uma crise mundial deve servir para vermos claramente que estamos muitas vezes a ser manipulados; portanto, não devemos cair na esparrela. Devemos ter muito cuidado ao tirar conclusões. Devemos estar alerta para a nossa tendência interna em dar maior crédito às notícias do nosso agrado, ou às que vão ao encontro dos nossos «a priori», do que as que estejam em contradição com o que gostamos ou pensamos. 
Também serve para se distinguir o essencial do acessório. Permite-nos ver qual é a nossa verdade própria. Se formos honestos connosco próprios, podemos aproveitar a crise para nos conhecermos. 

                                     Communication : Analyse transactionnelle - Impuls-france.com

No plano social, uma crise serve para encontrar os pontos de confluência com os nossos semelhantes, para colocar em prática o que defendemos em teoria. Uma tal crise, por muito dolorosa que seja, será ainda pior se nos mantivermos numa atitude de fechamento egoístico. Pelo contrário, na medida em que consigamos ser mais autónomos e interagirmos uns com os outros e com maior sentido de justiça, podemos aumentar a nossa experiência colectiva e erguer as bases do novo modo de vida, pós-crise.