segunda-feira, 17 de junho de 2019

A INDIFERENÇA COMO ARMA


Num mundo zombificado pelas maquinetas electrónicas, os poderes podem manipular à vontade os desejos, as aspirações, e mesmo os sonhos, de um bilião de utilizadores. 
O tempo tornou-se a matéria-prima principal para fazer dinheiro. Se algo tem capacidade para reter, nem que seja por um segundo, o tempo do consumidor médio, então essa 'coisa' (seja visual, seja sonora, seja conceptual...) tem potencial para interessar os novos capitalistas, os quais constroem o seu poder e património sobre o capital-tempo
Assim, o mundo mais tradicional do poder, encarnado nos governos e nas máquinas dos Estados, incluindo, não esqueçamos, os exércitos, armadas e forças aéreas,  pode dispor de um conhecimento praticamente infinito sobre os seus súbditos (cidadãos, pressuporia vontade em participar activamente na coisa pública). Para que lhes serve esse conhecimento? 
- Como matéria-prima para suas «psi-ops» ou seja, operações psicológicas. Note-se que, hoje em dia, tudo é psi-op, mesmo aquilo que à partida não parece ser. 
A manipulação das mentes pode implicar a saturação com coisas triviais, a satisfação dos desejos hedónicos, a adição compulsiva a comunicar com a sua rede de amigos e conhecidos, a manipulação do medo e da angústia (que é um medo indefinido, não objectivável) e de muitas outras formas mais subtis ou mais grosseiras. 
Com efeito, a propaganda, rebaptizada de «fake news» e cuja utilização massiva se verifica sobretudo na informação «mainstream», é apenas um mecanismo entre outros, aliás a sua eficácia depende exclusivamente do prévio abaixamento das defesas dos seus alvos (nós), através das diversas técnicas de manipulação. 
Os cientistas do cérebro, da psicologia, da sociologia, estão fornecendo - muitas vezes sem o saberem - elementos preciosos para que outros, menos «puros», se esmerem em refinar as técnicas de condicionamento psicológico e de controlo das massas.  
Não existe nenhuma grande potência mundial que esteja fora deste jogo, de capturar não apenas a atenção, mas mesmo a vontade do seu público e, se possível, de neutralizar as mensagens dos seus inimigos internos e externos. 
É risível ver-se a oligarquia dos regimes ocidentais gritar indignada com as violações dos direitos humanos que ocorrem na China e noutros países de que eles não gostam. Risível, não por essas violações não existirem, elas existem de facto. Mas, porque eles estão a denunciar aquilo que eles próprios fazem «em casa», com os seus aparelhos de vigilância em massa. 
Aliás, porque pensam que estão eles tão assanhados contra Julian Assange? Seria bastante incoerente que fosse pelas razões que eles invocam. Pelo contrário, a sua raiva e ódio são devidas ao facto de Wikileaks ter demonstrado perante todo o mundo, o cinismo e crueldade do poder, precisamente aquilo que ele temia ver revelado, porque o desautoriza e desmascara seus discursos de «direitos humanos».
Existe uma resistência a todo esse desenrolar de estratégias de controle do comportamento? 
- Sim, existe; tal como no romance «1984» de Orwell também existia.  Mas essa resistência é desproporcionada ao poderio dos Estados e suas armas tecnológicas sofisticadas. 
A única hipótese de algo se transformar em proveito dos cidadãos e em desfavor dos que controlam as alavancas dos Estados, seria que os próprios zombificados tomando consciência de serem manipulados, de seus instintos serem usados... se insurgissem. Em suma, uma revolta geral dos escravos. Não acredito que essa revolta ocorra enquanto forem dadas as doses diárias de «soma» (ver romance da Aldous Huxley, «O Melhor dos Mundos»).  Algo terá de correr terrivelmente mal, rupturas no aparelho da ilusão perfeita, no suporte básico da vida, a um ponto tal, que a fabricação duma realidade ilusória deixe de ser possível... 

Isso é verificável, hoje em dia, na região de Chernobyl e na região de Fukushima: uma natureza que se reconstitui parcialmente, mas onde a ingestão de alimento contamina os animais, impossibilitando vida humana «normal» por muitos séculos, nos solos e aquíferos contaminados pela radioactividade. Os habitantes dessas zonas sabem; mas a sua experiência traumática não é passada, antes ocultada, aos restantes cidadãos... 

A ignorância da monstruosa corrida aos armamentos, que está agora ocorrendo, é -em parte -devida ao efeito de ocultação dos media, mas isto não explica tudo.  A psicologia social explica como é que as pessoas se colocam numa postura de «denegação»: 
- Elas sentem medo, mas julgam que suas tentativas de evitar esses perigos são inúteis; então, no seu «Eu profundo» ocorre uma transformação, que consiste em «anular» todos os sinais de perigo que vêm de tal fonte. Concentrando-se nas suas tarefas do dia-a-dia, elas pensam que poderão evitar o sofrimento ou que, pelo menos, não irão acrescentar sofrimento inútil ao presente, aos sofrimentos que poderão ter, num futuro indefinido...
A fabricação da indiferença e não somente do consentimento (Chomsky) é o grande instrumento de subjugação da elite plutocrática sobre a massa amorfa. Se tal não fosse assim, mesmo com a superioridade do material técnico (incluindo o armamento...), não seria possível tão poucos controlarem tantos. 

A raiz do totalitarismo reside nisso, como analisou Hannah Arendt, em relação aos fenómenos da sua época, da ascensão dos totalitarismos, soviético e nazi... 

1 comentário:

Manuel Baptista disse...

Vale a pena ler na íntegra o artigo do qual retiro a citação abaixo:
«As 21st century wars are fought more and more in the informational sphere, the brightly-colored propaganda posters of the previous century have been replaced with relatively sophisticated social media influence operations. What Pompeo can’t accomplish by lying to the American public, the State Department will attempt to achieve through the slow and steady drip of disinformation.»
https://www.globalresearch.ca/our-reality-can-beat-up-your-reality-spreading-false-news-stories-on-iran/5680746