Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

SOBRE O XXº CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DA CHINA

Há quem diga que a China é um «país comunista ao nível do governo, com uma economia capitalista». Se a economia é capitalista, como é possível que seja «comunista»  ou governado por um partido comunista. Não existe possibilidade de reconciliar os factos com as declarações. O poder monolítico do PCCh, não admite a mais leve dissidência, ou crítica, interna ou externa. O essencial deste regime é o de uma ditadura autocrática, com laivos totalitários. A ficção de que «é comunista» vai favorecer a clique no poder, assim como funciona como espantalho ou justificação para os governos capitalistas ocidentais. Estes, tão depressa louvam o sistema «do comunismo chinês» como fazem campanhas para denegrir o mesmo, sob pretexto (hipócrita) de defesa dos «direitos humanos». 

Os que não estão enfeudados a um «marxismo-leninismo», como justificativo de contorções mentais e de posição política mais patéticas, mas que defendem o socialismo e comunismo enquanto emancipação, não precisam de se obnubilar com a propaganda de um lado ou doutro. Afinal, a verdade é revolucionária (sempre!) e a verdadeira solidariedade deve ser com os explorados, oprimidos, perseguidos, seja qual for a sua origem, etnia, nação... 

Podemos ser críticos da casta dirigente chinesa e desejar boas relações com o governo de Pequim. Uma coisa não exclui a outra, pois a nossa liberdade e autonomia deve permitir-nos analisar todos os aspetos da questão, sem a-priori, sem sentenças drásticas. Afinal trata-se de ser realista, adulto politicamente,  não interferir nos assuntos internos do povo chinês (como de qualquer outro povo), pois «a libertação dos trabalhadores é a tarefa dos próprios trabalhadores».

Um dos pontos mais notórios da ditadura a que está submetido o povo, é a campanha de intimidação disfarçada de campanha sanitária. Não é preciso tomar posições «negacionistas» em relação ao covid, para se perceber que, do ponto de vista médico e epidemiológico, a política de «COVID Zero», não tem validade científica, é mera construção política conveniente. Isto sobressai com a utilização dos testes e das quarentenas (lockdown) (1) como forma de controlo das populações. 

Mas, todo o espetáculo encenado deste XXº congresso do PCCh é o da exibição da fidelidade aos órgãos do partido e ao seu chefe máximo, não tem qualquer papel de discussão dos caminhos e métodos para o partido e para o país. Xi Jin Pin aparece como aquele que se posiciona (2) entre Mao e Deng.


A fragilidade da economia chinesa, neste momento, não pode ser menosprezada. Com a proibição de exportação de semicondutores para a China e a interdição de quaisquer cidadãos americanos colaborarem com qualquer indústria de semicondutores sediada na China, a guerra económica e de sanções dos EUA intensifica-se. Porém, estas medidas terão consequências negativas(3) para os países ocidentais.

A política de deixar o setor imobiliário desenvolver-se até formar uma bolha enorme, (4) teve a consequência de ficarem arruinadas muitas pessoas modestas, que acreditaram que investir neste setor era seguro (70 % das poupanças privadas na China estão investidas no imobiliário; compare-se com cerca de 25% para os países ocidentais). 

A China está limitada no seu desejo de investir  massivamente na sua economia interna (consumo corrente, equipamento, educação...) não por limitação de capitais, mas por limitação de meios materiais e humanos para realizar esta viragem. Neste domínio da expansão da produção para consumo doméstico, a China pode mobilizar mais depressa (5) capital e recursos humanos do que muitos outros países.



A viragem também se dá em relação às exportações: Com a nova guerra fria, os países que crescem em termos de trocas comerciais com a China são a Rússia, (6) os países da Ásia Central, África, América Latina, muitos dos quais participando em projetos das Novas Rotas da Seda. Os países ocidentais, EUA, Austrália, Reino Unido, União Europeia, verão suas trocas comerciais com a China estagnarem ou recuarem. 

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(1) https://www.youtube.com/watch?v=VLWlMFrT7bQ

 (2) https://www.youtube.com/watch?v=CbedG2j8fmY

(3)https://asiatimes.com/2022/10/china-chip-ban-a-us-exercise-in-extreme-self-harm/

(4) https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/09/se-china-implode.html

(5) https://en.ndrc.gov.cn/news/mediarusources/202202/t20220216_1315656.html

(6)  https://www.silkroadbriefing.com/news/2022/05/10/understanding-the-china-russia-trade-investment-economic-relationship-in-the-context-of-the-ukraine-conflict/

segunda-feira, 13 de maio de 2019

MANIPULAÇÃO DOS MERCADOS DE METAIS PRECIOSOS PODERÁ ACABAR EM BREVE



Os economistas «mainstream» costumam depreciar o papel do ouro e da prata, enquanto metais monetários. Porém, desde que Nixon, em 1971, rompeu com a indexação do dólar ao ouro (uma onça de ouro = 35 $ ), o mercado do ouro sofreu muitas transformações. Primeiro, houve uma subida espectacular, até a 1980. Depois, começou a era da supressão do preço do ouro pelos bancos centrais das maiores potências ocidentais, com a conivência dos «bullion banks», ou seja, dos bancos autorizados a fazer negócios com o ouro, no COMEX (nos EUA) e LBMA (em Londres), mercados esses que estão completamente dominados pelos contratos de «futuros». 
Um contrato de futuros, é um contrato em que o vendedor promete vender, por certa quantia, num certo prazo (por exemplo, dois meses) e o comprador compromete-se a comprar por tal preço e em tal data, independentemente do preço do mercado, nessa altura. 
Este instrumento foi utilizado primeiro pelos agricultores, para conseguirem garantir um rendimento das suas culturas, mesmo antes da colheita, dando estabilidade e rentabilidade às empresas agrícolas. Actualmente, utilizando futuros, os especuladores conseguem fazer operações lucrativas, em relação a quaisquer matérias-primas cotadas em bolsas, apostando numa determinada direcção do mercado. 
Porém, os grandes bancos, têm a capacidade de falsear este mercado de futuros e fazem-no com plena conivência de entidades reguladoras dos mercados e dos governos. Eles são capazes de produzir tantos contratos de futuros quanto quiserem, quebrando assim o preço do metal precioso, com a súbita (em segundos) injecção de grande quantidade de contratos de futuros, fazendo baixar dramaticamente o «ouro-papel».  
Há que distinguir o «ouro-papel», do ouro-metal propriamente dito, pois, embora o metal seja transaccionado normalmente numa relação directa com a cotação dos mercados de futuros (= ouro-papel), em condições de dificuldade de abastecimento do mercado em ouro físico, tem-se verificado uma descolagem entre um e outro preço. Assim, numa dada ocasião, o ouro físico pode estar a ser transaccionado 5%, ou mais, acima do seu preço nos contratos de futuros. 
A quantidade de ouro físico presente efectivamente nos cofres da COMEX ou da LBMA, estima-se corresponder apenas a uma fracção diminuta (cerca de 1/200 ou menos), das transacções que ocorrem diariamente nos mercados respectivos de futuros.
É justamente este ponto onde tem maior fragilidade o esquema montado pelos grandes bancos, em conjunção com os bancos centrais e com os governos ocidentais. Com efeito, os contratos-futuros supõem - pelo menos para grandes investidores - que, caso os referidos contratos sejam conservados até à data de expiração, estes têm de ser satisfeitos - não redimidos em dólares, como tem sido geralmente o caso - mas com entrega de ouro físico. 
Um grande agente comprador, intermediário de um banco central, como o chinês ou o russo, pois é assim que negoceiam no mercado do ouro, pode exigir ser-lhe entregue o ouro físico correspondente; se a plataforma (COMEX ou LBMA)  não o fizer, ela entra em incumprimento e a sua imagem fica totalmente posta em causa.

Observando a evolução da guerra comercial entre a China e os EUA, vemos que está a tornar-se cada vez mais interessante para a China fazer com que o valor real do ouro surja em pleno. 
A China tem beneficiado da supressão do preço do ouro, comprando sistematicamente grandes quantidades, em praças financeiras ocidentais. 
Muitas vezes, as barras de ouro compradas em Londres, por exemplo, são refundidas e transformadas na Suiça, em barras com as características que o banco central da China utiliza para armazenar o seu ouro. 
Porém, agora, será o momento para a China valorizar a sua moeda, em relação ao dólar e não de a depreciar ainda mais, ao contrário do que a imprensa financeira mainstream vaticina. 
Vai haver uma aceleração da «desdolarização», quer em termos de reservas nos bancos centrais, quer em termos de comércio internacional. Neste contexto, a China tem toda a vantagem em mostrar que possui um yuan forte, um yuan que se apoia numa quantidade de reservas de ouro, que é, na verdade, muito maior (4 ou 5 vezes) que as reservas oficialmente contabilizadas pelo PBOC (People's Bank of China). 

                     
As potências todas, sejam quais forem, comerciam com a China. Elas vão - cada vez mais - ser favoráveis a deter em reserva o yuan, tanto mais que a moeda chinesa já faz parte do cabaz de moedas do FMI, o SDR. 
Por outro lado, a política de sanções dos EUA contra uma série de países, incluindo as retaliações contra países terceiros que façam comércio com os países-alvo, vão exacerbar mecanismos de troca directa e de ajustamento dos balanços, usando divisas nacionais dos respectivos países. 
Agora, vai entrar em pleno funcionamento a nota de crédito comercial em yuan, juntamente com a sua convertibilidade em ouro, no mercado de  Xangai. Note-se que é aí transaccionada quotidianamente uma quantidade de ouro físico superior à das plataformas ocidentais do COMEX e da LBMA. 
A previsão de que a supressão do preço do ouro deixará de ter vantagem para a China, não é de agora. Os analistas já previam há muito tempo que esse dia iria chegar. Conjuga-se tudo para que esse dia chegue em breve:
- Durante o último decénio houve acumulação de grande quantidade de ouro na China (também na Rússia e em vários países asiáticos). 
- A agressividade do império americano em decadência, com as sanções, literalmente, afecta todos - amigos e inimigos. 
- A guerra comercial cria obstáculos ao comércio com os EUA e, portanto, diminui a percentagem do comércio mundial feito em dólares.

A China deve estar a preparar-se para uma nova etapa da internacionalização do yuan. Esta etapa será, sem dúvida, o despegar da sua indexação ao dólar. 
Prevê-se que esse despegar valorize, em termos relativos, o yuan em relação ao dólar, da ordem de 20%. Como corolário, o yuan irá sofrer também uma revalorização em relação às outras divisas. 
Tal revalorização já não é um problema tão grande para o comércio externo, pois os países fornecedores da China receberão um yuan mais forte e têm a possibilidade de conversão do mesmo em ouro. 
Penso que isso vai fazer com que os países petrolíferos, mesmo que «pró-americanos», sejam tentados a fazer comércio usando a divisa chinesa. Isto será a sentença de morte do petro-dólar.

Não sei se em Washington vêm as coisas deste modo. Mas, se não o fazem, das duas, uma: 
- Ou são loucos, pois estão dispostos a fazer uma guerra total com a China, a Rússia e os aliados destes.  
- Ou estão na ilusão de que conseguem «torcer o braço» aos dirigentes chineses, fazendo-os capitular, ceder no comércio mundial. Isto é, afinal, outra forma de loucura, pois avalia o adversário de forma totalmente errónea, quer em relação à sua posição geo-estratégica, quer económica, quer ainda à índole e psicologia dos líderes da China.

Mas, quer Washington veja ou não, os dias da hegemonia americana nos mercados mundiais, estão contados. Sintomas dessa situação são os contratos entre a China e países petrolíferos, de onde o dólar está ausente, a saída do ouro dos cofres dos bancos centrais do Ocidente para os do Oriente e, por fim, a emergência duma divisa (o yuan) ainda não directamente convertível em ouro, mas apoiada no ouro. 


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

[Charles Hugh Smith] A CHINA FARÁ REBENTAR A BOLHA DE TUDO

 



Autor: Charles Hugh Smith escrevendo no blog OfTwoMinds blog,


É bem seguro que a China enfrenta problemas estruturais. Uma listagem de artigos no número da Agosto da revista «Foreign Affairs» consagrada à China reflete isso:

A Aposta de Xi: A Corrida para Consolidar o Poder e Evitar o Desastre

A Conta Económica Chinesa: O Preço de Reformas Falhadas

Os Barões-Ladrões de Pequim: Pode a China Sobreviver à Sua Idade Dourada?

A Vida do Partido: Quão Seguro Está o Partido Comunista da China?

Isto são questões espinhosas, difíceis: o precipício demográfico resultante da política de uma criança apenas, a crescente desigualdade de riqueza, a corrupção alastrando, problemas de saúde pública (obesidade e diabetes, etc.), depredação ambiental e uma economia a desacelerar.

O que os analistas convencionais não conseguem compreender plenamente, a meu ver, são 1) a ameaça existencial para o Partido Comunista da China e para a economia chinesa, decorrente da sua bolha de crédito, sem precedentes, formando metástases 2) a sua crise de energia que desponta.

Como expliquei num artigo do meu blog, What's Really Going On in China?, («O que está realmente a ocorrer na China?») o PCC e o governo institucionalizaram informalmente a «irresponsabilidade» (a desconexão entre o risco e as suas consequências) como estando no âmago da sua política.

Qualquer perda financeira, não importa quão arriscada ou quão cheia de dívidas, era coberta pelo Estado (por resgate externo, pelo refinanciar da dívida, por novos empréstimos, etc.). Tal era visto  enquanto "custo do desenvolvimento rápido", consequência da visão de que a ineficiência e o desperdício eram inevitáveis no rápido desenvolvimento da indústria, da infraestrutura imobiliária e de uma economia virada para o consumidor.

Aquilo que os dirigentes da China não compreenderam plenamente foi que esta garantia implícita de «bailouts» (resgates) - o equivalente, nos EUA, ao «A Fed guarda-nos as costas» - incentivou a especulação baseada em dívida, como sendo o «investimento» de mais baixo risco, e de mais elevado retorno, especialmente quando comparado com os investimentos arriscados de baixo lucro, de estreitas margens, nas indústrias de exportação (Lembremos que as margens de lucro das empresas de exportação chinesas rondam os 1% a 3%).


Este é o fator oculto que está a minar a produtividade e a economia chinesas: a dívida em todos os sectores está a subir em flecha, para financiar a especulação, não os ganhos de produtividade.

Esta institucionalização da irresponsabilidade incentivou os jogos de apostas menos produtivos e de maior risco  - Não somente para grandes conglomerados como EverGrande, mas também para as famílias da classe média, que investiram no sistema de «shadow-banking» (um conjunto de empréstimos desregulamentados no sector privado, para financiar devedores com risco elevado, a juros altos) e compraram dois, três ou quatro apartamentos para «investimento».

As contradições resultantes desta massa de poupança investida em condomínios vazios, são sistémicas e perigosas: 1) logo que um andar esteja arrendado, perde valor pelo facto de ser «usado» 2) a vasta maioria dos andares de «investimento» é ilíquida, visto que a maior parte dos novos compradores quer um andar novo, não um usado, portanto o mercado para os usados é extremamente estreito, fora das localizações mais desejáveis, no interior de cidades como Pequim ou Xangai.


Este investimento maciço em apartamentos vazios e ilíquidos gerou perversidades sociais e financeiras: agora, que os andares em áreas mais cobiçadas custam 30-40 vezes o salário de um colarinho branco, os jovens têm de aspirar as poupanças da família alargada para conseguir pagar o andar. Os homens jovens incapazes de comprar um apartamento, veem suas possibilidades de casar evaporar-se.

Uma consequência da relação incestuosa do controlo de Estado com a especulação desenfreada, é o verdadeiro e vasto fosso separando os rendimentos, que se liga à corrupção, num feed-back que se reforça mutuamente: quanto mais rico te tornares, mais próximo do poder te encontras e vice-versa.

Como o sistema de «shadow banking» na China é opaco, até mesmo para os reguladores estatais, é bem possível que os líderes chineses não tenham uma noção da extensão do risco sistémico envolvido nos excessos do shadow banking. Parafraseando a célebre frase de Donald Rumsfeld, "é um desconhecido, desconhecido" para os fazedores da política chinesa.

Esta acumulação monumental de dívida e de especulação é agora uma ameaça existencial para o Partido, a dois níveis:

1) como todas as bolhas rebentam, independentemente das restantes condições, quando esta bolha o fizer, o abalo será suficientemente severo para ameaçar o controlo do Partido sobre a economia.

2) a evaporação desta riqueza fantasma, induzirá o povo a procurar um bode expiatório e o Partido é o candidato nº1, pois ele nutriu e protegeu os bem conectados e os ricos, não tendo protegido os 99% das consequências severas do rebentamento da bolha.

Ao terem criado as condições para a expansão da bolha e para a criação de montanhas de dívida e de promessas implícitas de resgates, o PCC e o governo entalaram-se eles próprios num beco: não existe maneira indolor de desinchar uma bolha especulativa de tão avassaladoras proporções.

Tendo em conta a biografia do Presidente Xi (em especial, a sua experiência pessoal na Revolução Cultural 1966-1976), os seus escritos e a sua consolidação do poder, é claro para mim que Xi compreende que a bolha está prestes a escapar ao seu controlo e portanto, o tempo é escasso e as opções de política estão limitadas a uma triagem ou seja, a salvar os mais saudáveis e deixar que a Natureza se ocupe dos que estão mais próximos de morrer.

Também vejo que Xi apreende a premente necessidade de quebrar a quase absoluta confiança de que o Estado irá resgatar («bail out») toda a gente, até mesmo a que pede emprestado e que especula da forma mais insensata, de tal modo que suas jogadas dão enormes perdas.

A opinião geral no Ocidente é que "a China não pode permitir-se que Evergrande falhe" porque este enorme conglomerado irá obviamente fazer cair muitos dominós, gerando um grande sofrimento financeiro. 
Eu penso que a visão do Presidente Xi é o oposto: «Nós não podemos permitir-nos salvar Evergrande», pois isso iria abrir as comportas das atitudes irresponsáveis («moral hazard») que Xi está a tentar fechar.

O facto do Estado resgatar os jogadores do sector privado (e de empresas estatais) foi o que levou a uma bolha baseada na irresponsabilidade, que Xi está determinado em fazer rebentar agora, quando ainda tem possibilidade de controlar o processo.

Por outras palavras, o Presidente Xi compreende que está no momento, «agora ou nunca», de retomar o controlo duma bolha financeira, inflada pela irresponsabilidade; a única maneira possível, será de fazer pagar as perdas por quaisquer que tenham exposição [aos investimentos especulativos]. A lógica subjacente, é o dilema entre retomar o controlo agora, provocando o rebentamento da bolha, ou deixar que ela se expanda e vá implodir de modo incontrolado (e portanto, ameaçador para o Partido).

Xi concluiu que o primeiro passo, para ser capaz de forçar que assumam as perdas, quaisquer que tenham exposição às apostas especulativas, era consolidar o poder num grau tal, que as costumeiras fações que se serviam do poder para evadir as consequências, fossem forçadas a aceitar sua quota-parte de perdas.
Dada a história e estrutura do Partido, tal exigirá que Xi estenda o controlo a níveis não vistos desde Deng e Mao.

No meu ponto de vista, Xi viu corretamente que estava a fazer-se tarde e que a resistência institucional ao fim dessas  promessas implícitas de resgates e a expansão sem fim da dívida, só poderiam ser superadas, se o seu poder político fosse quase-absoluto.

O rebentamento da bolha movida pela irresponsabilidade e especulação com a dívida, é uma necessidade para preservar o PCC e o poder de Estado; meias-medidas que protegessem os compinchas corruptos, apenas aumentariam a indignação popular, quando a bolha acabasse por rebentar.

É a esta luz que se deve ver a campanha de vários anos de Xi contra a corrupção mais visível e o recente reavivar do conceito de «prosperidade comum», ambos preparando o terreno para pôr fim ao comportamento de irresponsabilidade e para a demolição controlada dos excessos de dívida e de especulação que têm afetado a economia e que ameaçam retirar o controlo ao PCC.

Agora, porém, dão-se grandes ironias. Foi a capacidade da China, em gerar imensas quantidades de dívida, que basicamente permitiu o resgate da economia global em 2008-09, 2015-16 e em 2020. Sim, a Reserva Federal resgatou o setor banqueiro global (na ordem de 16 triliões de dólares em fianças e linhas de crédito) em 2008-09 e inflacionou a bolha especulativa nos EUA, ao criar 3.5 triliões de dólares pela impressão monetária (quantative easing), mas a expansão da dívida causada pela China foi igualmente uma fonte importante de procura global, o que evitou que as economias globais mergulhassem na recessão.


O custo deste «salvamento» não foi apreendido na altura: a elevação da irresponsabilidade até um estatuto quase religioso nos EUA e na China e a expansão das bolhas especulativas alimentadas pela dívida, até alturas jamais atingidas.
Só existem duas opções de políticas:
1) recolher a rede de segurança e recusar resgatar os excessos especulativos, daí fazendo rebentar a Bolha de Tudo,
ou
2) jogar o jogo de manter a bolha em expansão, até implodir por ela própria, num desfecho inevitável, devido às instabilidades sistémicas intrínsecas às bolhas.

Xi escolheu corretamente a política nº1 e ao fazê-lo, posicionou o Partido como o defensor do povo, ou seja, apresenta-se como anticorrupção, pôs na ordem bilionários como Jack Ma e está anunciando que o Estado não irá salvar EverGrande.

A política nº2 tem sido adotada pela Reserva Federal e pela liderança política dos EUA, levianamente. Ao inflacionarem a bolha, deixam que as consequências da irresponsabilidade, a bolha causadora de agravamento na desigualdade de rendimentos e a corrupção, vão -fatalmente - socavar a credibilidade de ambas, tanto da Fed, como da classe política.

As ruturas nos abastecimentos revelam que o sistema económico e financeiro estão estreitamente ligados e estão, enquanto tal, extraordinariamente expostos ao risco de colapsos em cascata, sobretudo quando os nodos-chave se tornam em pontos de congestionamento ou rutura.

Enquanto a Reserva Federal continua a imprimir triliões para continuar a inflar a bolha, a escassez na economia global já está a inviabilizar sectores-chave nas economias da China e da União Europeia. A realidade está em vias de fazer a sua intrusão na fantasia da Fed, de que as bolhas podem continuar - para sempre - desconectadas da economia no mundo real.

Em resumo: o rebentar da Bolha de Tudo não é o objetivo de Xi; este é um efeito secundário inevitável (dano colateral) do rebentamento da bolha especulativa chinesa.

Dado o facto de que todo o sistema financeiro está interconectado intimamente, o colapso de EverGrande é muito mais a história dos dominós a caírem, do que a das perdas diretas: não serão as perdas diretas que irão deitar abaixo o sistema financeiro, mas antes os dominós tombarem, quando os que sofrem perdas diretas, por sua vez, implodem e se tornam insolventes, falhando o pagamento de empréstimos, de juros das obrigações, incapazes de satisfazer as condições contratuais, e assim por diante.

O consenso no Ocidente é de que a China não pode permitir-se deixar a bolha rebentar, porque o sofrimento seria tão severo. Os que acreditam nisto, têm uma pobre compreensão da história da China, especialmente no século XX.

Sendo o rebentar a bolha na China a opção nuclear, Xi tem razões para estar confiante de que poderá fazê-lo: Se isso aumentar o nível de sofrimento para 11, ele sabe que a maioria do povo irá aceitar; quanto aos que não aceitarem, irão juntar-se a Jack Ma, na sua reforma forçada.

Eu estimo que Xi vê o fim da irresponsabilidade e o rebentamento da bolha na China, como uma situação em que o estado das coisas apenas piorará, quanto mais tempo se demorar a pôr-lhe cobro.

A grande ironia agora é que, em vez de salvar a economia global através da expansão da bolha da dívida, a China irá fazer rebentar a Bolha de Tudo Global. Para enfatizar o óbvio, o facto de estar no primeiro plano na economia global, faz da China um dominó de importância primordial. Quem pensar que a bolha especulativa da Fed nos EUA, pode tornar-se imune ao colapso dos dominós estreitamente associados, está a autoiludir-se num pensamento mágico.

Os extremos de excesso de dívida na China e a especulação já estão a desfazer-se, Xi não tem outra opção. Não existe um escape sem custos, apenas haverá como escolha, uma triagem, e Xi já estabeleceu um caminho pelo qual preserva o controlo do Partido, ao forçar todos os que têm exposição, a absorverem as inevitáveis perdas, quando as bolhas de dimensões sem precedentes rebentarem.

A fila dos dominós, que já começaram a tombar, estende-se por toda a economia global e sistema financeiro. Planifique adequadamente.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

[Manlio Dinucci] A China e não só o Irão, sob fogo no Médio Oriente

[Nota de Manuel Banet: também Federico Pieraccini refere a importância do papel da China, que explicaria a decisão, do «Estado profundo» americano, de assassinar Soleimani. Mas, Pieraccini refere também que o primeiro-ministro do Iraque estava a ser fortemente pressionado por Trump devido a ter adjudicado a reparação da rede eléctrica iraquiana aos chineses. Incapaz de conter o deslizar em direcção à China do Irão, Iraque, Síria, e até a Turquia e a Arábia Saudita, Washington opta por semear o caos na região, que já não consegue dominar]
                         

FRANÇAIS ITALIANO PORTUGUÊS
O assassínio do General iraniano Soleimani autorizado pelo Presidente Trump desencadeou uma reacção em cadeia que se propaga para além da região do Médio Oriente. Esse objectivo estava nas intenções daqueles que decidiram esse acto. Soleimani estava sob a mira dos Estados Unidos há muito tempo, mas os Presidentes Bush e Obama não haviam autorizado a sua morte. Por que é que o Presidente Trump o fez? Há vários motivos, incluindo o interesse pessoal do Presidente em salvar-se do ‘impeachment’, apresentando-se como um firme defensor da América diante de um inimigo ameaçador. O motivo fundamental da decisão de assassinar Soleimani, tomada pelo ‘Estado Profundo’ antes da Casa Branca, deve ser procurado num factor que se tornou crítico para os interesses dos EUA só nos últimos anos: a progressiva presença económica chinesa, no Irão.
O Irão desempenha um papel de primeira importância na Nova Rota da Seda, lançada em Pequim em 2013, numa fase avançada de realização: ela consiste numa rede rodoviária e ferroviária entre a China e a Europa através da Ásia Central, do Médio Oriente e da Rússia, combinada com uma rota marítima através do Oceano Índico, do Mar Vermelho e do Mediterrâneo. Para as infraestruturas rodoviárias, ferroviárias e portuárias em mais de 60 países, estão previstos investimentos de mais de 1 trilião de dólares. Neste contexto, a China está a efectuar um investimento no Irão, de cerca de 400 biliões de dólares: 280 na indústria petrolífera, do gás e da petroquímica; 120 em infraestruturas de transporte, incluindo oleodutos e gasodutos. Prevê-se que estes investimentos, realizados num período de cinco anos, sejam renovados sucessivamente.
No sector energético, a China National Petroleum Corporation, sociedade de propriedade estatal, recebeu do governo iraniano um contrato para o desenvolvimento da jazida ‘offshore’ de South Pars, no Golfo Pérsico, a maior reserva de gás natural do mundo. Além do mais, juntamente com outra empresa chinesa, a Sinopec (três quartos da mesma são propriedade estatal), está empenhada em desenvolver a produção dos campos petrolíferos de West Karoun. Desafiando o embargo USA, a China está a aumentar as importações de petróleo iraniano. Ainda mais grave para os USA é que, nesses e noutros acordos comerciais entre a China e o Irão, prevê-se o uso crescente do renminbi chinês e de outras moedas, excluindo cada vez mais o dólar.
No sector dos transportes, a China assinou um contrato para a electrificação de 900 km das linhas ferroviárias iranianas, como parte de um projecto que prevê a electrificação de toda a rede até 2025 e, provavelmente, também assinará um para uma linha de alta velocidade de mais de 400 km. As linhas ferroviárias iranianas estão ligadas à estrutura ferroviária de 2.300 km que, já a funcionar entre a China e o Irão, reduz o tempo de transporte de mercadorias para 15 dias, contra os 45 dias de transporte marítimo. Através de Tabriz, grande cidade industrial no noroeste do Irão - de onde parte um gasoduto de 2.500 km que chega a Ancara, na Turquia - as infraestruturas de transporte da Nova Rota da Seda, poderão alcançar a Europa.
Os acordos entre a China e o Irão não pressupõem componentes militares, mas, segundo uma fonte iraniana, para proteger as instalações serão necessários cerca de 5.000 guardas chineses contratados pelas empresas construtoras para os serviços de segurança. É significativo também o facto de que, no final de Dezembro, ocorreu no Golfo de Omã e no Oceano Índico, o primeiro exercício naval entre o Irão, a China e a Rússia.
Neste contexto, está claro por que razão, em Washington, foi decidido o assassínio de Soleimani: foi deliberadamente provocada a resposta militar de Teerão para reforçar o controlo sobre o Irão e poder atingi-lo, afectando o projecto chinês da Nova Rota da Seda, ao qual os USA não conseguem contrapor-se no plano económico. A reacção em cadeia desencadeada pelo assassínio de Soleimani também envolve a China e a Rússia, criando uma situação cada vez mais perigosa. 

il manifesto, 9 de Janeiro 2020






DECLARAÇÃO DE FLORENÇA
Para uma frente internacional NATO EXIT, 
em todos os países europeus da NATO


Manlio DinucciGeógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos 
Webpage: NO WAR NO NATO

domingo, 31 de julho de 2022

VIAGEM A TAIWAN DE NANCY PELOSI: O QUE ELA QUER FAZER ESQUECER



Muitas das informações abaixo foram recolhidas da obra «Red Handed», da autoria de Peter Schweizer 

(ver neste blog uma breve resenha dedicada à obra) 

Nos dias imediatos ao anúncio da viagem da «speaker» do Congresso dos EUA, Nancy Pelosi (do Partido Democrata), foram muitos os media a sublinharem que ela participou em 1991, na praça Tien An Men em Pequim, na manifestação orquestrada por uma delegação do Congresso dos EUA e que pretendia ser uma homenagem aos que caíram nos trágicos incidentes. Apenas uma provocação, sem consequências para o povo chinês, apenas dificultando a renovação de laços comerciais entre os EUA e a RPC. Posteriormente, ela combateu a entrada de Pequim para a Organização Mundial do Comércio. Em 2005 tentou bloquear - no Congresso - a compra, por uma companhia de petróleos chinesa com forte intervenção governamental, da companhia americana Unocal. 

Mas, em pouco tempo, a sua posição passou de firme a moderada. Numa entrevista à revista «Politico», deu a indicação de que, embora não renunciando ao compromisso de democratização do regime chinês, "não estava disposta a criar novas fricções com os dirigentes chineses." Ela argumentava com a questão das alterações climáticas e de ser importante que as duas nações estivessem do mesmo lado. Dizia que se tratava de uma oportunidade a não perder. 

Mas, em paralelo, houve outros fatores - menos visíveis - que começaram a intervir. Nomeadamente, seu filho e seu marido iniciaram negócios com a China continental. O seu esposo, Paul, tornou-se membro da firma Matthews International Capital Management, firma com um papel pioneiro no mercado chinês. O seu dirigente, William Hambrecht, amigo de longa data dos Pelosi, foi quem lançou o primeiro fundo de investimento na China, em 1995.  Além de Paul estar no conselho de administração da Matthews International, os Pelosi possuíam uma grande fatia de capital investida no fundo. Os Pelosi possuíam uma participação entre 5 e 25 milhões de dólares, neste fundo. 

Outros negócios com a China também atraíram os Pelosi, um serviço de limousine, «Global Ambassador Concierge», que beneficiou de condições ótimas, durante os jogos olímpicos de 2008. No Congresso, Nancy Pelosi tinha sido -inicialmente - hostil a que Pequim organizasse os jogos. Mas, um ano depois de seu marido ter adquirido participação na firma Global Ambassador Concierge, ela inverteu sua posição; opôs-se ao boicote dos jogos olímpicos de Pequim.

Quanto ao filho, Paul Pelosi Jr., ele também fez negócios envolvendo investidores e clientes da China. Esteve e está envolvido com a Global Tech Industries Group, tendo efetuado viagens à China e Vietname «na busca de potenciais investidores, para tentar combinar encontros com as agências federais relevantes em Washington DC.» O filho dos Pelosi também participou na administração executiva doutra empresa, com planos ambiciosos na China, International Media Acquision Corp. 

Desde o início de 2020 e durante mais de um ano, a «speaker» bloqueou qualquer esforço do Congresso em investigar as origens do vírus COVID-19. Apesar de haver muitos indícios da possibilidade deste vírus ter saído de laboratórios em Wuhan, Nancy Pelosi ordenou aos democratas no Congresso que não cooperassem com quaisquer esforços para investigar o assunto.

Estes laços de negócios com a China, especificamente com empresas controladas pelo CCP, são muito comuns na Câmara dos Representantes e no Senado Americano. As relações de membros destacados do Partido Republicano não são menos comprometedoras que as do Partido Democrata. O porta-voz dos Republicanos no Senado, Mitch McConnell tem uma longa história de envolvimento em negócios com empresas controladas por Pequim. São tantas e tão comprometedoras as ligações de negócios pessoais de membros do Congresso, que tudo o que toca à política dos EUA relativa à China, deve ser analisado tendo em conta os interesses pessoais da oligarquia política de Washington. 

A reviravolta de Nancy Pelosi (ao fazer uma viagem provocatória a Taiwan) explica-se como de alguém que pretende fazer esquecer junto do eleitor e dos colegas de partido que a sua posição anterior era a favor da cooperação com a China. Apesar de toda a barragem mediática, alguns jornalistas de investigação e autores como Peter Schweizer, dão conhecimento ao público daquilo que não pode deixar, no mínimo, de ser considerado conflitos de interesse clamorosos, de personagens da alta hierarquia nos EUA. 

Agora, pretende estar «na vanguarda» da provocação envolvendo uma viagem a Taiwan que tem como único propósito enervar os dirigentes da China continental, sobre um assunto muito sensível no que toca à política de «um só país, dois sistemas». Embora Pelosi não seja membro da Administração, visto que preside a um órgão legislativo e não executivo, é evidente que esta manobra contou com o pleno acordo da Casa Branca. Os chineses não se estão a equivocar, quando pretendem que esta é uma visita «de Estado», logo uma ingerência descarada dos EUA pois - nominalmente - Taiwan é território da China. 

Seja qual for o desfecho desta situação, ela vai acrescentar tensão internacional, num cenário já muito tenso, sendo certo que a China não vai «encolher os ombros», mas vai fazer sentir que não está disposta a sofrer mais humilhações. 

Exatamente o contrário do que os chineses continentais, os taiwaneses e todos os restantes povos poderiam desejar.  A atitude responsável seria de os líderes dos EUA trabalharem para fazer baixar as tensões entre potências nucleares, em vez de constantemente  insuflar o ódio e discórdia, encorajando situações de tensão que se traduzem em conflito, potencialmente em conflito nuclear.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A ILHA FORMOSA (TAIWAN) E PORTUGAL

 

Eu prefiro a designação «Formosa» dada a essa ilha dos mares do Sul da China pelos portugueses, no século XVI, quando tinham alcançado com suas frotas mercantes esses mares e tinham ajudado o Império do Meio a ver-se livre de piratas que enxameavam a costa. Os portugueses eram força ínfima, face à força considerável do Império da China. Este Império, no seu auge de poderio era generoso para com estrangeiros, desde que estes fossem não hostis. Ofereceu à coroa portuguesa o estabelecimento de um entreposto de comércio, num ponto da costa. Assim, Macau (Cidade do Nome de Deus), nunca foi uma colónia portuguesa, mas um porto franco. No contexto político regional de então, a aliança estabelecida entre o Reino de Portugal e o Império da China foi - antes de mais - construída sobre a base pragmática do interesse mútuo. Era a primeira versão marítima das Rotas da Seda. As Rotas da Seda terrestres passavam, como é sabido, pela Ásia Central e Médio Oriente, transportando preciosos bens nos dorsos de dromedários. 

Era a Rota das Especiarias dos portugueses, que se estendia até às ilhas ricas em especiarias que hoje são parte da Indonésia. Este comércio era muito perigoso, devido aos piratas que infestavam os mares. Sabem-no os que leram a «Peregrinação» de Fernão Mendes Pinto - um relato autobiográfico de viagens pelo Oriente tão vívido e rigoroso, que continua a ser um precioso repositório de dados sobre os reinos do extremo-oriente da época e sobre o relacionamento dos portugueses com eles.

Mas, a Ilha Formosa - para darmos um salto até ao século XX - parte integrante da China histórica, foi refúgio do Kuomintang, ou seja, do partido nacionalista que combateu contra o Partido Comunista da China na guerra civil, que se traduziu pela derrota dos nacionalistas e pela proclamação de República Popular da China, em 1949. No decurso dessa longa guerra civil e de libertação contra os invasores japoneses, os do Kuomintang não foram sempre adversários dos exércitos imperialistas japoneses, havendo casos em que o exército comunista teve de combater ao mesmo tempo dois inimigos, os nacionalistas e os japoneses. 

                              Chiang Kai-shek, quando jovem 

O refúgio da ilha Formosa, para Chiang Kai-shek e o seu derrotado exército do Kuomintang, foi tornado possível pela assistência - o salvamento - dos americanos, que eram seus aliados. 

Os americanos - em 1945 - tinham já vencido militarmente o exército imperial japonês e, apesar de tudo, cometeram o maior crime contra a humanidade, em Hiroxima e Nagasaki. Note-se que os japoneses tinham previamente dado múltiplos sinais diplomáticos de que desejavam render-se aos americanos, por medo de serem invadidos e ocupados pelo exército soviético. O apoio americano ao Kuomintang deu-se no contexto da nascente Guerra Fria, perante uma União soviética vitoriosa, que eles temiam se alastrasse pelos territórios do extremo-oriente. 

Aliás, já em finais da IIª Guerra Mundial, a luta entre Partido Comunista e Kuomintang assumiu rapidamente o significado de luta entre a URSS e os EUA, uma das guerras por procuração (proxi wars) que marcaram o pós-II Guerra Mundial. O período de 1945-1991, não foi um período de paz, nem de «Guerra Fria» sequer, mas uma sucessão ininterrupta de guerras regionais, bem «quentes» e mortíferas, com exércitos ou grupos de guerrilha, pertencentes a fações opostas, apoiadas pelas forças da NATO e dos EUA, por um lado;  pela URSS + outros membros do Pacto de Varsóvia e pela China Popular, por outro. 

A sabedoria da civilização multimilenar chinesa, explica -em grande parte - que a China continental não tenha nunca invadido Taiwan/Formosa, como não invadiu Hong-Kong, nem Macau. A sabedoria filosófica do Confucionismo, conjugada com o Taoismo de Lao Tseu, deu o saber teórico e prático de como conduzir os assuntos do Estado, sendo a Arte da Guerra  do general Sun Tzu  a obra literária de estratégia -política e militar - mais conhecida, no Ocidente.

Eu acredito que as pessoas com responsabilidades políticas, de um e outro lado do estreito, que separa a Ilha Formosa da China Continental, tenham em conta os interesses respetivos dos povos, que governam. Acredito que resistirão às provocações e manipulações dos imperialistas anglo-americanos, que nunca param de se imiscuir em assuntos internos dos chineses. Se o povo da Ilha Formosa se considera parte da «China eterna», independentemente do que pense sobre o regime que vigora em Pequim, se o regime do Partido Comunista da China Continental respeita a sua própria palavra solene dada perante todo o povo (e internacionalmente), então os respetivos líderes encontrarão uma solução que será pacífica e que pode até ser um modelo de conciliação nacional. 

- Será sonhar demais? 

- Não me parece, pois a civilização chinesa, a mais antiga e sábia civilização que superou tantos momentos críticos da sua história, tem muito caminho para percorrer no futuro. 

Eu sei que Portugal é mantido, politica e militarmente, na contemporânea «prisão dos povos», a Aliança Atlântica, mas a vocação dos portugueses sempre foi universal. Penso que o coração deste pequeno povo está com a China e com seu povo.

domingo, 23 de outubro de 2022

FUTURO DAS RELAÇÕES COM A CHINA

             Apresentação dos sete elementos da comissão permanente do CC do PCCh

Tento, abaixo, fazer o ponto sobre a visão que tenho em relação à China, ao partido comunista chinês, às relações da China com o Ocidente, da minha forma de apreender a realidade geopolítica.

 A proibição de empresas americanas exportarem «chips» para a China, assim como de pessoal que trabalha na China em empresas de alta tecnologia de escolher entre continuar a ter nacionalidade americana e demitir-se desses empregos, ou guardar o emprego e ver-se destituído de sua nacionalidade americana, é um golpe violento, mas pode fazer «boomerang» como outras sanções fizeram no passado. 

Penso que numa guerra económica total como os EUA estão a fazer à China, o mais provável de poderá resultar destas medidas, é a aceleração do fabrico de «chips» made in China. Não nos devemos espantar que estes sejam cópia de «chips» americanos, usando tecnologia com patente americana, mas sem o reconhecer. A China tem desenvolvido suas indústrias, infringindo os direitos de patentes, durante mais de 40 anos! Agora, com uma guerra, vai fazê-lo ainda mais e não se importará muito em perder o mercado americano, pois vai compensar com o alargamento dos mercados nos BRICS e nações parceiras das Novas Rotas da Seda. 

Por outro lado, os americanos podem não conseguir substituir importações vindas da China, quer porque estão - de momento - incapazes de fabricar essas mercadorias eles próprios, quer porque os potenciais fornecedores alternativos já têm sua capacidade produtiva saturada. A medida brutal dos EUA em relação à China, poderá transformar-se num «tiro pela culatra».

O 20º Congresso do PCCh traduz-se numa reforçada centralização do poder em torno dos órgãos executivos e do secretário-geral, Xi Jinpin. Este desfecho já estava, desde há longa data, inscrito no rumo do gigante asiático. Por muito complexo e perigoso que seja o contexto internacional, não vislumbro um enfraquecimento do poder do PCCh, no curto prazo. 

Há muitas vozes que se especializaram, na Internet e no Youtube, em profetizar a catástrofe, a partir deste ou daquele aspeto da política ou da economia chinesas. Não me parece que estes discursos sejam credíveis, estão imbuídos de objetivos propagandísticos. Mas, se o público que ouve, vê e lê tais notícias catastróficas tivesse espírito crítico, veria que elas se repetem. Se tivessem alguma ponta de verdade, então já teria havido uma revolução, um colapso da economia, um terramoto político, social e civilizacional. Mas, nada disso aconteceu, embora aconteçam muitas coisas que merecem a nossa atenção. 

Isto mostra, sobretudo, como o público no Ocidente é manipulado por campanhas destinadas  a denegrir a imagem da RP da China. Esta deformação mediática é baseada nas técnicas de condicionamento, manipulação (gaslighting) e reforço dos preconceitos de muitas pessoas: O racismo anti-asiático e, particularmente anti-chinês, está bem vivo. Ele é mantido e estimulado, ao nível das pessoas mais incultas, por campanhas que vão reforçar os estereótipos e o medo, como formas de fazerem passar mensagens racistas, xenófobas, anti-socialismo e pró-capitalismo.

Face a esta realidade, a única maneira de se compreender os fenómenos complexos é de usar a técnica da «caixa preta»: O que entra (input) e o que sai (output), pode ser avaliado (com algum esforço, é certo) pelos observadores atentos. O que se passa dentro do sistema, é de tal maneira distorcido pela propaganda - quer seja a favor ou contra - que não se pode avaliar nada corretamente: Se o tentarmos, apenas caímos na armadilha de narrativas ideológicas, mesmo (e sobretudo) quando disfarçadas de «factos» objetivos.

Esta análise do input e do output, não tem que fazer hipóteses sobre mecanismos internos. Pelo contrário, a melhor maneira de abordar a questão é de NÃO FAZER HIPÓTESES  sobre o funcionamento interno. Também assim se consegue evitar o nosso viés (favorável ou desfavorável). 

Assim, será possível ver a realidade da China no Mundo de hoje. Num processo de reflexão política amadurecida, deveria ser esta a preocupação primeira. Não faz sentido julgar a política e a geoestratégia num quadro moralista ou partindo dos valores que nós defendemos. Deve-se olhar como um processo que é inteligível, mas dentro da lógica do realismo politico, da lógica de relações de poder. Pode-se gostar ou não deste poder, mas a realidade é esta. 

Portanto, se queremos saber como é o mundo que nos cerca, quais as forças que o moldam, qual a dinâmica por detrás ou debaixo da fachada, então temos de pôr de parte os aspetos afetivos, ideológicos, culturais, que nos enformam. 

A um outro nível, já não de análise, mas de escolha política, de determinação para a ação, aí sim, podemos (e é lógico) fazer entrar o nosso sentimento ou nossa preferência por este ou aquele partido, ou corrente ideológica.

A atualidade, em grande plano, é a da separação da placa tectónica Euroasiática, da placa tectónica Europeia ocidental, sendo esta última capturada pela placa tectónica Norte-americana. O mundo está a mudar de configuração e, tal como as placas tectónicas da geologia, estas macromudanças da política e da economia são devidas a forças tão profundas e fortes, que apenas podemos constatar os seus efeitos. Seria fútil pretender mudar-lhes o rumo.


quarta-feira, 26 de junho de 2019

NO G-20 RÚSSIA-ÍNDIA- CHINA VÃO CAPTAR AS ATENÇÕES

Sob Modi, a Índia está em bons termos com a China e Rússia 



                       
Na foto: o Presidente da Rússia, Putin e o primeiro-ministro da Índia abraçam-se antes da sessão do Conselho de Estados da organização de Cooperação de Xangai. AFP / Grigory Sysoev / Sputnik


Por PEPE ESCOBAR 


TRADUÇÃO DE MANUEL BAPTISTA PARA OBSERVATÓRIO DA GUERRA E MILITARISMO 

Tudo começou com a cimeira Putin-Xi Jinping em Moscovo em 5 de Junho. Longe de ser um encontro bilateral, este encontro actualizou o processo de integração euro-asiático projectando-o noutro nível. Putin e Xi bordaram todos os assuntos, desde a interconexão em desenvolvimento das Novas Estradas da Seda com a União Euro-asiática, especialmente na e em volta da Ásia Central, até À sua estratégia concertada em relação à península coreana. 

Um tema, em especial, sobressaiu: Discutiram como é que o papel da Pérsia na Rota da Seda antiga está a ser retomado agora pelo Irão, nas Novas Rotas da Seda ou Iniciativa Cinturão e Rota. E isto não é negociável. Sobretudo depois de a parceria estratégica entre a Rússia e China, há menos de um mês antes desta cimeira de Moscovo ter oferecido apoio explícito a Teerão, assinalando que a mudança de regime, simplesmente não será aceite, segundo as fontes diplomáticas declararam. 

Putin e Xi consolidaram o Mapa-roteiro no Fórum económico de S. Petersburgo. A grande conexão euro-asiática continua a ser tecida após a conclusão da cimeira da Organização de Cooperação de Xangai(OCX) realizada em Bishkek, com dois interlocutores essenciais: a ìndia, uma participante dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e membro da OCX e o Irão, com estatuto de observador da OCX. 

Na cimeira encontravam-se sentados à mesma mesa Putin, Xi, Modi, Imran Khan e Rouhani (Irão). Suspensa sobre os encontros, como espadas de Dâmocles, estavam a guerra comercial EUA-China, as sanções contra a Rússia e a situação explosiva no Golfo Pérsico. 

Rouhani foi enfático – e jogou as suas cartas com mestria – ao descrever o bloqueio económico dos EUA sobre o Irão, que levou Modi e os líderes das repúblicas da Ásia Central a dedicarem mais atenção ao roteiro traçado pela Rússia e China para a Eurásia. Tal ocorreu na ocasião em que Xi tornou claro que haverá aumento significativo de investimento chinês em toda a Ásia Central, em torno dos projectos das Novas Rotas da Seda. 

A Rússia e a China interpretaram diplomaticamente o que aconteceu em Bishkek como “vital para a reformulação da ordem mundial.” Significativo foi não apenas o desempenho trilateral – Rússia, Índia e China – mas o seu ensaio da próxima cimeira do G20 em Osaca. Os diplomatas asseguram que a empatia recíproca de Xi, Putin e Modi operou maravilhas. 

O formato RIC (Rússia-Índia-China) remonta ao antigo perito orientalista Yevgeny Primakov nos finais dos anos 1990. Deveria ser interpretado como a pedra de toque da multi- polaridade do século 21 e isto, diga o que disser, na sua interpretação, Washington. 

A Índia, um elo fundamental na estratégia do Indo-Pacífico, tem estado muito satisfeita com a emergência da Rússia-China, essa «ameaça existencial» para aquele «competidor externo» – acontecimento temido desde que o pai fundador da geopolítica/geoestratégia, Halford Mackinder, publicou o “Eixo Geográfico da História” em 1904 – que surge finalmente da Eurásia. 

A RIC também foi a base sobre a qual os BRICS foram construídos. Moscovo e Pequim estão diplomaticamente refreando-se em falar disso. Mas com a administração de Jair Bolsonaro no Brasil, vista como mero instrumento de Trump, não surpreende que o Brasil tenha sido excluído do RIC em Osaca. É aí que vai haver um encontro dos BRICS mesmo antes do G20 na Sexta-feira, mas o que terá real importância será o acordado entre os RIC. 

Tomai atenção ao que vier a acontecer no entretanto 

A triangulação interna ao RIC é extremamente complexa. Por exemplo, na cimeira da OCX Modi disse que a Índia apenas poderá apoiar projectos de conectividade «baseados no respeito pela soberania» e «integridade regional». Isso é linguagem codificada para dizer que não fará parte das novas Rotas da Seda, em especial a por causa do Corredor Económico China-Paquistão que a Índia insiste atravessa ilegalmente território do Caxemira. Porém, a Índia não bloqueou a declaração final de Bishkek. 

O que importa é que a troca bilateral Xi-Modi na OCX foi tão auspiciosa que o Secretário das Relações Exteriores Vijay Gokhale a descreveu como “o início de um processo, após a formação do governo na Índia, para que agora se trate das relações Índia-China de ambos os lados num contexto mais largo do século 21, e do nosso papel na região Ásia-Pacífico.” Haverá um encontro cimeiro informal Xi-Modi na Índia em Outubro. E estarão de novo juntos na cimeira dos BRICS no Brasil, em Novembro. 

Putin tem sido um excelente proporcionador de aproximações. Modi foi convidado de honra no Fórum Económico do Leste em Vladivostok, no princípio de Setembro. Esta demonstração de confiança foi para mostrar a Modi as vantagens para a Índia em participar activamente neste processo mais largo de integração euro-asiático em vez de desempenhar o papel de mero auxiliar na produção «made in USA». 

Isso poderá mesmo incluir a parceria para desenvolver a Rota da Seda Polar, no Articom que reunirá a Nova Rota da Seda com a Rota do Mar Russo do Norte. A companhia Chinesa COSCO já é parceira da companhia russa, para encaminhamento de gás natural, quer para leste quer para oeste, a partir da Sibéria. 

Xi está também a atrair a atenção de Modi sobre as possibilidades renovadas com o corredor Bangladesh-China-India-Myanmar (BCMI), outro projecto importante das Novas Rotas da Seda, assim como o melhoramento da conectividade do Tibete com o Nepal e com a Índia. 

Evidentemente, permanecem muitos obstáculos, desde a contestação das fronteiras nos Himalaias, à dificuldade em fazer avançar a Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP) formada por 16 países, a sucessora da defunta TPP (Trans-Pacific Partnership). Pequim deseja que a RCEP vá por diante e está mesmo preparada a deixar pelo caminho Nova Deli. 

Uma das decisões importantes que Modi vai ter de tomar respeita à continuação da importação do petróleo iraniano, tendo em conta que não haverá mais excepções às sanções dos EUA. A Rússia está disposta a ajudar o Irão, assim como a Índia e outros clientes asiáticos preocupados, caso os países europeus continuem a arrastar os pés na implementação do seu veículo especial de pagamento. 

A Índia é um dos principais países consumidores do petróleo iraniano. O porto de Chabahar é absolutamente essencial para que a mini-Rota da Seda indiana alcance a Ásia Central, através do Afeganistão. Perante uma administração Trump a sancionar Nova Deli por ter adquirido à Rússia o sistema de defesa de mísseis S-400 e face à perda do estatuto comercial de nação mais favorecida, a aproximação aos parceiros do BRI com a garantia-chave de que o Irão seja o fornecedor de energia, torna-se assim uma oportunidade económica a não perder. 

Com o roteiro traçado para o futuro, através da parceria estratégica Rússia-China plenamente solidificada nas cimeiras de Moscovo, S. Petersburgo e Bishkek, a ênfase agora, para a aliança Rússia-China, será trazer a Índia a bordo, para um RIC em pleno. A parceria estratégica Rússia-Índia já está a realizar-se, em termos práticos. E a relação Modi com Xi parece estar em sincronia. Osaca vai ser o ponto de viragem da consolidação do RIC.