Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

MANLIO DINUCCI: ERDOGAN QUER A BOMBA


                              

“Alguns países têm mísseis nucleares, mas o Ocidente insiste que não podemos possuí-los. Isto é inaceitável”: esta declaração do Presidente Erdogan revela, que a crise vai além daquela iniciada com a ofensiva turca na Síria.

Na Turquia, durante a Guerra Fria, os USA instalaram armas nucleares contra a União Soviética. Em 1962, nos acordos com a URSS para a solução da crise dos mísseis em Cuba, o Presidente Kennedy prometeu remover essas armas da Turquia, mas o mesmo não foi feito. Após a Guerra Fria, permaneceram na Turquia, na base aérea de Incirlik, cerca de 50 bombas nucleares USA B61 (as mesmas inseridas em Aviano e Ghedi, em Itália), direccionadas principalmente contra a Rússia.

Deste modo, seja os EUA ou a Turquia, ambos violam o Tratado de Não Proliferação. Os pilotos turcos, no âmbito da NATO, são treinados (como os pilotos italianos da base de Ghedi) ao ataque com bombas nucleares B61, sob o comando USA. Dentro de pouco tempo, as B61 devem ser substituídas pelos USA, também na Turquia (como será feito em Itália e noutros países europeus) pelas novas bombas nucleares B61-12, também direccionadas principalmente contra a Rússia.

Enquanto isso, porém, após a aquisição turca de mísseis antiaéreos russos S-400, os USA retiraram a Turquia do programa F-35, principal transportador das B61-12: o caça do qual a Turquia deveria ter comprado 100 exemplares e do qual era co-produtora. “O F-35 – declarou a Casa Branca - não pode coexistir com o sistema antiaéreo S-400, que pode ser usado para conhecer as capacidades do caça”, ou seja, pode ser usado pela Rússia para reforçar as defesas contra o F- 35. Ao fornecer a Ankara os mísseis anti-aéreos S-400, Moscovo conseguiu impedir (pelo menos, por agora) que sejam instalados no território turco 100 F-35, prontos para o ataque com as novas bombas nucleares USA, B61-12.

Parece, nesta altura, provável que, entre as opções consideradas em Washington, exista a transferência de armas nucleares USA da Turquia para outro país mais confiável. Segundo o conceituado  Boletim dos Cientistas Atómicos (USA), “a base aérea de Aviano pode ser a melhor opção europeia do ponto de vista político, mas, provavelmente, não tem espaço suficiente para receber todas as armas nucleares de Incirlik”. No entanto, o espaço poderia ser obtido, dado que, em Aviano, já se iniciaram os trabalhos de reestruturação para receber as bombas nucleares B61-12.

Sobre este fundo coloca-se a declaração de Erdogan que, apostando também na presença ameaçadora do arsenal nuclear de Israel, anuncia a intenção turca de ter as suas próprias armas nucleares. O projecto não é fácil, mas não é irrealizável. A Turquia possui tecnologias militares avançadas, fornecidas em particular por empresas italianas, especialmente a Leonardo. Possui depósitos de urânio. Tem experiência no campo de reactores de pesquisa, fornecidos em particular pelos USA. Iniciou a construção de sua própria indústria de energia nuclear, adquirindo alguns reactores da Rússia, do Japão, da França e da China. Segundo algumas fontes, a Turquia já pode ter adquirido no “mercado negro nuclear”, centrifugadoras de enriquecimento de urânio.

O anúncio de Erdogan de que a Turquia se quer tornar uma potência nuclear, interpretado por alguns como um simples jogo a termo, a fim de ter mais peso na NATO, não deve, portanto, ser de subestimar. Ele descobre o que geralmente está oculto no debate mediático: o facto de que, na situação turbulenta causada pelas políticas de guerra, desempenha um papel cada vez mais importante, a posse de armas nucleares, pressionando os que não as possuem a procurá-las.

il manifesto, 22 de Outubro de 2019

Manlio Dinucci
Geógrafo e geopolitólogo. Livros mais recentes: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016, Guerra Nucleare. Il Giorno Prima 2017; Diario di guerra Asterios Editores 2018; Premio internazionale per l'analisi geostrategica assegnato il 7 giugno 2019 dal Club dei giornalisti del Messico, A.C.

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos





terça-feira, 23 de julho de 2019

OS MERCADORES DE CANHÕES E O FIM DO COMPLEXO MILITAR-INDUSTRIAL NOS EUA


            


ARTIGO DE OPINIÃO POR Dmitry Orlov via Club Orlov blog,
TRADUÇÃO POR MANUEL BAPTISTA, PARA O OBSERVATÓRIO DA GUERRA E MILITARISMO
No seio da vasta teia burocrática do Pentágono existe um grupo encarregue de monitorizar o estado geral do complexo militar-industrial e a sua permanente capacidade para satisfazer as exigências da estratégia nacional de defesa. A secção para aquisição e a secção para política industrial gastam cerca de $100.000, por ano, para produzir um Relatório Anual para o Congresso. Ele está disponível para consulta pela generalidade do público. Está mesmo disponível para o público em geral na Rússia e os peritos russos têm satisfeito a sua curiosidade mergulhando nele.
De facto, ele encheu-os de optimismo. Note-se, a Rússia quer paz, mas os EUA parecem querer a guerra e continuam a fazer gestos ameaçadores contra uma longa lista de países que recusam seguir a sua escolha, ou simplesmente não partilham seus «valores universais». Mas, agora, acontece que proferir ameaças (e sanções económicas, cada vez mais ineficazes) é praticamente tudo o que os EUA consegue realizar, apesar dos níveis absolutamente astronómicos de despesa com a defesa.
Vejamos com o que se parece o complexo militar-industrial dos EUA, visto sob lentes russas.
É importante notar que os autores do referido relatório não estavam a tentar convencer os legisladores a financiar um projecto específico. Isto torna-o mais valioso do que muitas outras fontes, para as quais o objectivo dos autores é desencadear a generosidade das verbas federais e que -portanto – tendem a ser pouco rigorosos nos factos, mas abundantes na propaganda. Sem dúvida, que a política continua desempenhando um papel, na forma como vários detalhes são tratados, mas parece limitado o número de questões incómodas, que os autores descartaram para compor o quadro, na análise da situação e na formulação de recomendações.
O que mais chocou os analistas russos foi o facto destes peritos avaliarem o complexo militar-industrial dos EUA numa perspectiva de …mercado! Na realidade, o complexo militar-industrial russo é exclusiva propriedade do governo russo e trabalha somente em seu interesse: qualquer outra coisa seria considerada traição. Mas o complexo militar-industrial dos EUA é avaliado com base na sua…rentabilidade! De acordo com o referido grupo de trabalho do Pentágono, tem de – não só fornecer produtos para os militares – mas, igualmente, adquirir uma fatia de mercado no comércio global de armamento e, talvez o mais importante, maximizar o lucro dos investidores privados. Neste aspecto, tem-se saído bem: para 2017, a média da margem de lucro antes de impostos, dos fabricantes de armas dos EUA, variou entre 15 e 17%. Nalguns casos – a Transdigm, por exemplo – conseguiram obter nada menos de 42 – 45%. “Ah!” exclamaram os peritos russos, “descobrimos o problema! Os americanos legalizaram a agiotagem de guerra!” (Esta, a propósito, é apenas uma das muitas formas da chamada corrupção sistémica, que floresce nos EUA.)
Seria normal que cada empresa contratante na defesa, simplesmente tomasse o seu lucro a partir do preço final mas, em vez disso, há toda uma cadeia alimentar de contratantes, os quais – legalmente – são obrigados a maximizar os lucros dos seus accionistas. Mais de 28000 companhias estão envolvidas, mas os contratantes de defesa de primeira linha, para os quais o Pentágono dirige 2/3 das encomendas, consistem apenas em Seis Grandes: Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon, General Dynmics, BAE Systems and Boeing. Todos as outras empresas estão organizadas numa pirâmide de sub-contratantes com cinco níveis hierárquicos e cada uma delas faz por sugar, o melhor possível, os níveis acima deles.
A insistência nos métodos de mercado e a exigência de maximização da rentabilidade, é um processo incompatível com a despesa na defesa, a um nível muito elementar; a despesa com defesa é intermitente e cíclica, com longos períodos de baixos níveis de encomendas importantes. Isto obrigou os Seis Grandes a fazerem cortes nos departamentos de produção de defesa, para aumentar os dirigidos à produção civil.  Igualmente, apesar do tamanho enorme do orçamento de defesa dos EUA, este é finito (e havendo apenas um planeta para fazer ir pelos ares), tal como também o é o mercado global de armamento. Visto que, numa economia de mercado, uma empresa é colocada perante o dilema de crescer ou ser comprada, isto precipitou imensas fusões e aquisições, resultando o presente mercado concentrado em alto grau, onde existem uns poucos actores principais, em cada domínio.
Em resultado disto, na maioria dos domínios, como discutem os autores nos 17 domínios – a marinha de guerra, as forças terrestres, a força aérea, a electrónica, o armamento nuclear, a tecnologia espacial, etc -, pelo menos num terço das vezes, o Pentágono tem a escolha de exactamente um contratante, para um dado contrato, fazendo com que a qualidade e o tempo de entrega sofram por isso e resultando em subida dos preços.
Num certo número de casos, apesar do poderio industrial e financeiro, o Pentágono encontrou problemas insolúveis. Concretamente, acontece que os EUA tem apenas um estaleiro com capacidade para produzir porta-aviões nucleares (é apenas um, e o navio porta-aviões Gerald Ford não é propriamente um sucesso). O referido estaleiro é o «Northrop Grumman Newport News Shipbuilding» em Newport, Virginia. Em teoria, poderia construir três navios em paralelo, mas dois dos lugares estão sempre ocupados pelos porta-aviões existentes, que precisam de manutenção. Isto não é caso único: o número dos estaleiros com capacidade de construção de submarinos nucleares, de contratorpedeiros e de outros tipos de navios, é também exactamente um. Portanto, em caso de conflito prolongado com um adversário a sério, em que uma proporção importante da armada dos EUA tenha sido afundada, há impossibilidade de substituir os navios afundados, num espaço de tempo razoável.
A situação é – de algum modo – melhor quanto às fábricas de aviões. As fábricas existentes podem produzir 40 aviões por mês e, se necessário, conseguiriam produzir 130. Por outro lado, a situação com tanques e artilharia é absolutamente deplorável. De acordo com o referido relatório, os EUA perderam completamente a capacidade de construir a nova geração de tanques. Já nem é uma questão de faltarem fábricas e equipamentos; os EUA vai na segunda geração de engenheiros que nunca efectuou o design de tanques e a que o fez, está prestes a reformar-se. Os da nova geração, que os substituem, não têm ninguém de quem aprender e só sabem de tanques pelos filmes e jogos vídeo. Quanto à artilharia, resta apenas uma linha de produção nos EUA que pode produzir canhões com diâmetro maior que 40 mm e esta seria incapaz de activar a produção em caso de guerra. A empresa contratante recusa-se a expandir a produção, a não ser que o Pentágono garanta – pelo menos – 45 % de escoamento, visto que senão, será não rentável.
A situação é semelhante para uma longa lista de áreas; é melhor para tecnologias com uso duplo, que podem ser obtidas a partir de companhias de produtos civis e significativamente pior para as altamente especializadas. O custo unitário para cada tipo de equipamento militar tem subido ano após ano, enquanto os volumes adquiridos são cada vez mais baixos – por vezes atingem zero. Nos últimos 15 anos, os EUA não adquiriu um único novo tanque. Continuam a modernizar os modelos antigos, mas a um ritmo de não mais de 100 unidades, por ano.
Devido a todas estas tendências, a indústria de defesa continua a perder, não só engenheiros especializados, como o pessoal qualificado para executar o trabalho. Os peritos do estudo citado estimam que o défice em máquinas-ferramentas atingiu os 27%. No passado quarto de século, os EUA deixaram de fabricar uma vasta variedade de equipamento para manufactura. Somente metade desses instrumentos podem ser importados de nações aliadas ou amigas; para o restante, há apenas uma fonte, a China. Analisaram as cadeias de abastecimento de 600 dos mais importantes tipos de armas e encontraram que um terço destas têm falhas, enquanto outro terço está completamente inviável. Na pirâmide de cinco patamares dos sub-contratantes do Pentágono, as manufacturas de componentes estão quase sempre relegadas para o terço inferior e as notícias de que terminaram com certa produção ou mesmo que encerraram totalmente, tendem a ficar submersas no pântano burocrático do Pentágono.
O resultado final de tudo isto, é que o Pentágono continua a ser, em teoria, capaz de efectuar pequenos incrementos na produção de armas para compensar as perdas correntes em conflitos localizados, de baixa intensidade, num contexto geral de paz, mas mesmo agora, isto está no extremo limite das suas capacidades. No caso de um conflito a sério, com uma nação bem armada, aquilo em que será capaz de dispor será apenas e somente o material e partes sobresselentes dos stocks, que ficarão rapidamente esgotados.
Uma situação análoga prevalece na área dos elementos de terras raras e de outras matérias-primas para produzir componentes electrónicas. De momento, as reservas acumuladas destas matérias, necessárias para produzir mísseis e tecnologia espacial – nomeadamente satélites – é suficiente para os próximos cinco anos, à taxa de uso corrente.
O relatório enfatiza especialmente a situação trágica na área de armas nucleares. Quase toda a tecnologia para comunicações, escolha de alvos, cálculo de trajectórias e armamento das cabeças dos mísseis intercontinentais (ICBM) foi desenvolvida nos anos 1960 e 70. Até hoje, os dados são carregados a partir de disquetes de 5 polegadas, que pararam de ser produzidas em massa há 15 anos. Não há substituição para elas e as pessoas que fizeram o seu design estão já «a fazer tijolo». A opção escolhida tem sido comprar pequenas quantidades produzidas, de todos os consumíveis, a preços extravagantes, e desenvolver a partir do zero a completa tríade de componentes estratégicos baseados em terra, a um custo de 3 orçamentos anuais do Pentágono.
Existe um grande número de problemas específicos em cada área, descrita no relatório, mas a mais importante é a perda de competência entre o pessoal técnico de engenharia devido ao baixo nível de encomendas para peças suplentes ou para o desenvolvimento de novos produtos. A situação é tal que novos e promissores desenvolvimentos saídos de centros de investigação como o DARPA não podem ser realizados face ao presente conjunto de competências técnicas. Para um certo número de especializações-chave, existem menos de três dúzias de especialistas treinados, com experiência.
Esta situação deverá continuar a deteriorar-se, com uma diminuição de 11-16%, na próxima década, do pessoal empregado no sector da defesa, principalmente pela ausência de jovens candidatos qualificados, para substituir os que estão a reformar-se. Um exemplo concreto: o trabalho de desenvolvimento do F-35 está próximo do fim e não será necessário desenvolver um avião de combate até 2035-2040; no intervalo, o pessoal envolvido no seu desenvolvimento estará sub-ocupado e o seu nível de competência irá deteriorar-se.
Embora, de momento, os EUA continuem à cabeça das despesas mundiais com defesa ($610 milhares de milhões de um total de $1.7 biliões em 2017, o que perfaz cerca de 36% de todas as despesas militares no planeta) a economia dos EUA já não tem capacidade para suportar a pirâmide tecnológica completa, mesmo num momento de relativa paz e prosperidade. No papel, os EUA continuam a aparentar ser os líderes da tecnologia militar, mas as fundações da sua supremacia militar foram erodidas. Os resultados disto são plenamente visíveis:
  • Os EUA ameaçaram a Coreia do Norte com acção militar mas, depois, foram forçados a recuar, porque não tinham capacidade de combater numa guerra contra ela.
  • Os EUA ameaçaram o Irão com acção militar, mas foram forçados a recuar, porque não tinham capacidade de combater numa guerra contra ele.
  • OS EUA perderam a guerra do Afeganistão contra os Talibãs e quando o conflito mais longo da história dos EUA estiver finalmente terminado, a situação política reverterá ao «status quo ante», com os Talibãs no governo e os campos de treino de terroristas islamitas de novo operacionais.
  • Os agentes dos EUA (sobretudo Arábia Saudita), combatendo no Iémene causaram um desastre humanitário, mas foram incapazes de vencer militarmente.
  • As acções dos EUA na Síria levaram a uma consolidação do poder e do território do governo sírio e a uma nova posição de domínio regional por parte da Rússia, do Irão e da Turquia.
  • A segunda maior potência militar da NATO, a Turquia, comprou o sistema de defesa S-400, russo. A alternativa dos EUA é o sistema Patriot, que custa o dobro do preço e não funciona realmente.
Isto tudo aponta para o facto de que os EUA já não possuem um poderio militar propriamente dito. Isto é uma boa notícia pelas, pelo menos, quatro razões seguintes.
Primeiro, os EUA são de longe a mais belicosa nação sobre a Terra, tendo invadido uma data de nações e continuando a ocupar muitas destas. O facto de que já não possa lutar, significa que as oportunidades para a paz estão destinadas a aumentar.
Segundo, assim que entrar na consciência geral que o Pentágono é, nada mais que uma sanita gigante, por onde se escoam os fundos públicos, estes fundos serão cortados e a população dos EUA poderá ver as somas que correntemente engordam os agiotas da guerra serem gastas em algumas estradas e pontes, embora seja mais provável que vá para pagar os juros da dívida federal (enquanto houver liquidez).
Terceiro, os políticos dos EUA vão perder a capacidade de manter a cidadania num estado permanente de ansiedade sobre a «segurança nacional». De facto, os EUA possuem uma «segurança natural» – dois oceanos – e não precisam muito de qualquer defesa nacional (desde que se mantenham dentro das suas fronteiras próprias e não tentem causar distúrbios nos outros). Os canadianos não irão invadir e embora a fronteira do sul precise de alguma vigilância, esta pode ser assegurada a nível dos Estados e condados, por alguns tipos que usam armas e munições, que já estão de ambas equipados. Logo que o logro da «defesa nacional» a 1,7 biliões de dólares deixar de pesar nos seus ombros, os cidadãos comuns poderão trabalhar menos horas, ter maiores lazeres e sentirem-se menos agressivos, ansiosos, deprimidos e paranóicos.
Finalmente, mas não menos importante, será maravilhoso ver os agiotas da guerra reduzidos a esgravatar no ferro-velho para obterem uns trocos. Tudo o que os militares têm sido capazes de produzir desde há longo tempo é miséria, aquilo que se designa tecnicamente por «desastre humanitário». Olhem para o rescaldo da intervenção na Sérvia/Kosovo ou no Iémene, e o que verão? Quer para os seus habitantes, quer para cidadãos dos EUA que perderam parentes seus na guerra, que tiveram de ser amputados, ou que sofrem de PSTD (Síndroma de Stress Pós-Traumático), ou de traumatismos cerebrais.
Seria apenas justiça que a miséria provocada fosse bater à porta daqueles que a causaram e se aproveitaram dela.


quarta-feira, 26 de junho de 2019

NO G-20 RÚSSIA-ÍNDIA- CHINA VÃO CAPTAR AS ATENÇÕES

Sob Modi, a Índia está em bons termos com a China e Rússia 



                       
Na foto: o Presidente da Rússia, Putin e o primeiro-ministro da Índia abraçam-se antes da sessão do Conselho de Estados da organização de Cooperação de Xangai. AFP / Grigory Sysoev / Sputnik


Por PEPE ESCOBAR 


TRADUÇÃO DE MANUEL BAPTISTA PARA OBSERVATÓRIO DA GUERRA E MILITARISMO 

Tudo começou com a cimeira Putin-Xi Jinping em Moscovo em 5 de Junho. Longe de ser um encontro bilateral, este encontro actualizou o processo de integração euro-asiático projectando-o noutro nível. Putin e Xi bordaram todos os assuntos, desde a interconexão em desenvolvimento das Novas Estradas da Seda com a União Euro-asiática, especialmente na e em volta da Ásia Central, até À sua estratégia concertada em relação à península coreana. 

Um tema, em especial, sobressaiu: Discutiram como é que o papel da Pérsia na Rota da Seda antiga está a ser retomado agora pelo Irão, nas Novas Rotas da Seda ou Iniciativa Cinturão e Rota. E isto não é negociável. Sobretudo depois de a parceria estratégica entre a Rússia e China, há menos de um mês antes desta cimeira de Moscovo ter oferecido apoio explícito a Teerão, assinalando que a mudança de regime, simplesmente não será aceite, segundo as fontes diplomáticas declararam. 

Putin e Xi consolidaram o Mapa-roteiro no Fórum económico de S. Petersburgo. A grande conexão euro-asiática continua a ser tecida após a conclusão da cimeira da Organização de Cooperação de Xangai(OCX) realizada em Bishkek, com dois interlocutores essenciais: a ìndia, uma participante dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e membro da OCX e o Irão, com estatuto de observador da OCX. 

Na cimeira encontravam-se sentados à mesma mesa Putin, Xi, Modi, Imran Khan e Rouhani (Irão). Suspensa sobre os encontros, como espadas de Dâmocles, estavam a guerra comercial EUA-China, as sanções contra a Rússia e a situação explosiva no Golfo Pérsico. 

Rouhani foi enfático – e jogou as suas cartas com mestria – ao descrever o bloqueio económico dos EUA sobre o Irão, que levou Modi e os líderes das repúblicas da Ásia Central a dedicarem mais atenção ao roteiro traçado pela Rússia e China para a Eurásia. Tal ocorreu na ocasião em que Xi tornou claro que haverá aumento significativo de investimento chinês em toda a Ásia Central, em torno dos projectos das Novas Rotas da Seda. 

A Rússia e a China interpretaram diplomaticamente o que aconteceu em Bishkek como “vital para a reformulação da ordem mundial.” Significativo foi não apenas o desempenho trilateral – Rússia, Índia e China – mas o seu ensaio da próxima cimeira do G20 em Osaca. Os diplomatas asseguram que a empatia recíproca de Xi, Putin e Modi operou maravilhas. 

O formato RIC (Rússia-Índia-China) remonta ao antigo perito orientalista Yevgeny Primakov nos finais dos anos 1990. Deveria ser interpretado como a pedra de toque da multi- polaridade do século 21 e isto, diga o que disser, na sua interpretação, Washington. 

A Índia, um elo fundamental na estratégia do Indo-Pacífico, tem estado muito satisfeita com a emergência da Rússia-China, essa «ameaça existencial» para aquele «competidor externo» – acontecimento temido desde que o pai fundador da geopolítica/geoestratégia, Halford Mackinder, publicou o “Eixo Geográfico da História” em 1904 – que surge finalmente da Eurásia. 

A RIC também foi a base sobre a qual os BRICS foram construídos. Moscovo e Pequim estão diplomaticamente refreando-se em falar disso. Mas com a administração de Jair Bolsonaro no Brasil, vista como mero instrumento de Trump, não surpreende que o Brasil tenha sido excluído do RIC em Osaca. É aí que vai haver um encontro dos BRICS mesmo antes do G20 na Sexta-feira, mas o que terá real importância será o acordado entre os RIC. 

Tomai atenção ao que vier a acontecer no entretanto 

A triangulação interna ao RIC é extremamente complexa. Por exemplo, na cimeira da OCX Modi disse que a Índia apenas poderá apoiar projectos de conectividade «baseados no respeito pela soberania» e «integridade regional». Isso é linguagem codificada para dizer que não fará parte das novas Rotas da Seda, em especial a por causa do Corredor Económico China-Paquistão que a Índia insiste atravessa ilegalmente território do Caxemira. Porém, a Índia não bloqueou a declaração final de Bishkek. 

O que importa é que a troca bilateral Xi-Modi na OCX foi tão auspiciosa que o Secretário das Relações Exteriores Vijay Gokhale a descreveu como “o início de um processo, após a formação do governo na Índia, para que agora se trate das relações Índia-China de ambos os lados num contexto mais largo do século 21, e do nosso papel na região Ásia-Pacífico.” Haverá um encontro cimeiro informal Xi-Modi na Índia em Outubro. E estarão de novo juntos na cimeira dos BRICS no Brasil, em Novembro. 

Putin tem sido um excelente proporcionador de aproximações. Modi foi convidado de honra no Fórum Económico do Leste em Vladivostok, no princípio de Setembro. Esta demonstração de confiança foi para mostrar a Modi as vantagens para a Índia em participar activamente neste processo mais largo de integração euro-asiático em vez de desempenhar o papel de mero auxiliar na produção «made in USA». 

Isso poderá mesmo incluir a parceria para desenvolver a Rota da Seda Polar, no Articom que reunirá a Nova Rota da Seda com a Rota do Mar Russo do Norte. A companhia Chinesa COSCO já é parceira da companhia russa, para encaminhamento de gás natural, quer para leste quer para oeste, a partir da Sibéria. 

Xi está também a atrair a atenção de Modi sobre as possibilidades renovadas com o corredor Bangladesh-China-India-Myanmar (BCMI), outro projecto importante das Novas Rotas da Seda, assim como o melhoramento da conectividade do Tibete com o Nepal e com a Índia. 

Evidentemente, permanecem muitos obstáculos, desde a contestação das fronteiras nos Himalaias, à dificuldade em fazer avançar a Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP) formada por 16 países, a sucessora da defunta TPP (Trans-Pacific Partnership). Pequim deseja que a RCEP vá por diante e está mesmo preparada a deixar pelo caminho Nova Deli. 

Uma das decisões importantes que Modi vai ter de tomar respeita à continuação da importação do petróleo iraniano, tendo em conta que não haverá mais excepções às sanções dos EUA. A Rússia está disposta a ajudar o Irão, assim como a Índia e outros clientes asiáticos preocupados, caso os países europeus continuem a arrastar os pés na implementação do seu veículo especial de pagamento. 

A Índia é um dos principais países consumidores do petróleo iraniano. O porto de Chabahar é absolutamente essencial para que a mini-Rota da Seda indiana alcance a Ásia Central, através do Afeganistão. Perante uma administração Trump a sancionar Nova Deli por ter adquirido à Rússia o sistema de defesa de mísseis S-400 e face à perda do estatuto comercial de nação mais favorecida, a aproximação aos parceiros do BRI com a garantia-chave de que o Irão seja o fornecedor de energia, torna-se assim uma oportunidade económica a não perder. 

Com o roteiro traçado para o futuro, através da parceria estratégica Rússia-China plenamente solidificada nas cimeiras de Moscovo, S. Petersburgo e Bishkek, a ênfase agora, para a aliança Rússia-China, será trazer a Índia a bordo, para um RIC em pleno. A parceria estratégica Rússia-Índia já está a realizar-se, em termos práticos. E a relação Modi com Xi parece estar em sincronia. Osaca vai ser o ponto de viragem da consolidação do RIC.