Porque razão os bancos centrais asiáticos estão a comprar toneladas de ouro? - Não é ouro em si mesmo que lhes importa neste momento, mas é a forma mais expedita de se livrarem de US dollars!!
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segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

PEPE ESCOBAR: RAÍZES DA DEMONIZAÇÃO DO ISLÃO XIITA, PELOS NORTE-AMERICANOS

                               
17/1/2020, Pepe Escobar, Unz Review
Tradução Amigos do Brasil


O assassinato premeditado pelos EUA, que se serviram de um drone como arma do crime, do major-general Qassem Soleimani, além de uma torrente de ramificações geopolíticas cruciais, mais uma vez empurra para o centro do palco uma verdade bastante inconveniente: a incapacidade congênita das chamadas elites norte-americanas para, pelo menos que fosse, tentar entender o xiismo – e a incansável demonização 24 horas por dia, 7 dias por semana, com o objetivo de degradar não apenas os xiitas mas também os governos liderados por xiitas.

Washington já fazia uma Guerra Longa antes mesmo de o conceito ser popularizado pelo Pentágono em 2001, imediatamente após do 11/9: uma Guerra Longa contra o Irã. Tudo começou mediante o golpe contra o governo democraticamente eleito de Mosaddegh em 1953, substituído pela ditadura do xá. Todo o processo vem sendo super turbinado há mais de 40 anos, desde quando a Revolução Islâmica esmagou aqueles bons velhos tempos da Guerra Fria, quando o xá reinava como o privilegiado “gendarme americano do Golfo (persa)”.

Mas é processo que vai muito além da geopolítica. Não há absolutamente nenhuma maneira de alguém conseguir compreender as complexidades e o apelo popular do xiismo, sem pesquisa acadêmica séria, complementada com visitas a locais sagrados selecionados no sudoeste da Ásia: Najaf, Karbala, Mashhad, Qom e o santuário Sayyida Zeinab perto de Damasco. Pessoalmente, tenho percorrido esse caminho do conhecimento desde o final dos anos 90 – e continuo estudante humilde.

Em espírito de abordagem inicial – para abrir um debate bem informado leste-oeste sobre uma questão cultural crucial, totalmente marginalizada no ocidente ou afogada por tsunamis de propaganda, pedi a colaboração de três excelentes pesquisadores, que ofereceram algumas primeiras impressões.

São eles: Prof. Mohammad Marandi, da Universidade de Teerã, especialista em Orientalismo; Arash Najaf-Zadeh, que escreve sob o pseudônimo de Blake Archer Williams e especialista em teologia xiita; e a extraordinária Princesa Vittoria Alliata, da Sicília, escritora e principal islamologista italiana, autora, dentre outros livros, do hipnotizante Harem – que detalha suas viagens por terras árabes.

Há duas semanas, fui hóspede da princesa Vittoria em Villa Valguarnera, na Sicília. Estávamos mergulhamos numa longa e envolvente discussão geopolítica – da qual um dos principais temas era EUA-Irã – poucas horas antes de um ataque de drone no aeroporto de Bagdá matar os dois principais xiitas na guerra real contra ISIS/Daech e al-Qaeda/al-Nusra: o major-general iraniano Qassem Soleimani e o iraquiano Abu Mahdi al-Muhandis, segundo no comando do grupo Hashd al-Shaabi.

Martírio x relativismo cultural

O professor Marandi oferece explicação sintética: “O ódio irracional dos EUA ao xiismo deriva do forte senso de resistência à injustiça, característico dos xiitas – a história de Karbala e do Imã Hussein e o muito que os xiitas enfatizam a proteção dos oprimidos, a defesa dos oprimidos e a resistência contra o opressor. São ideias que os EUA e as potências ocidentais hegemônicas simplesmente não podem tolerar. “

Blake Archer Williams enviou-me me resposta que foi publicada como artigo à parte. Essa passagem, em que o autor discorre sobre o poder do sagrado, sublinha claramente o abismo que separa a noção xiita de martírio, de um lado, e, de outro, o relativismo cultural ocidental:

“Nada mais glorioso para um muçulmano que alcançar o martírio enquanto luta no Caminho de Deus. O general Qāsem Soleymānī lutou por muitos anos com o objetivo de acordar o povo iraquiano, até o ponto em que eles passaram a desejar assumir com as próprias mãos o comando do destino do próprio país. A votação do parlamento iraquiano mostrou que ele alcançou seu objetivo. Seu corpo foi tirado de nós, mas seu espírito foi amplificado mil vezes, e seu martírio garantiu que fragmentos de sua luz abençoada sejam incorporados nos corações e mentes de todo homem, mulher e criança muçulmana, imunizando todos contra o câncer-zumbi dos relativistas culturais satânicos da Novus Ordo Seclorum [Nova Ordem dos Tempos]. “

[um ponto em discussão: Novus Ordo Seclorum, ou Saeculorum, significa “nova ordem dos tempos”, e deriva de famoso verso de Virgílio que, na Idade Média, era considerado pelos cristãos como profecia da vinda de Cristo. Sobre isso, Williams respondeu que “embora esse sentido etimológico da frase seja verdadeiro e ainda permaneça, a frase foi sequestrada por um George Bush O Jovem como representante da cabala globalista da Nova Ordem Mundial, e é nesse sentido que predomina hoje” [e aparece no verso da nota de 1 EUA-dólar. (NTs)]

Escravizados pelo wahabismo

A princesa Vittoria prefere organizar o debate em torno da atitude dos norte-americanos de não questionar o wahabismo: “Não acho que tudo isso tenha algo a ver com odiar o xiismo ou ignorá-lo. Afinal, o Aga Khan está super inserido na segurança dos EUA, uma espécie de Dalai Lama do mundo islâmico. Acredito que a influência satânica vem do wahabismo e da família saudita, que são muito mais hereges que os xiitas, para todos os sunitas do mundo, mas sempre foram o único contato com o Islã aceito pelos governantes dos EUA. Os sauditas financiaram a maior parte das guerras e dos assassinatos feitos primeiro pelos Irmãos Islâmicos, depois pelas outras formas de salafismo, todos eles inventados sobre base wahabista. “

Assim, diz a princesa Vittoria, “eu não tentaria tanto explicar o xiismo, mas, sim, mais, tentaria explicar o wahabismo e suas consequências devastadoras: daí nasceram todos os extremismos, bem como o revisionismo, o ateísmo, a destruição de santuários e de líderes sufistas por todo o mundo islâmico. E, claro, o wahabismo está muito próximo do sionismo. Existem até pesquisadores que exibem documentos que parecem provar que a Casa de Saud é uma tribo de Dunmeh de judeus convertidos expulsos de Medina pelo Profeta depois de tentarem matá-lo, apesar de terem assinado um tratado de paz. “

A princesa Vittoria também enfatiza o fato de que “a revolução iraniana e os grupos xiitas no Oriente Médio são hoje a única força bem-sucedida de resistência aos EUA, e isso faz com que sejam odiados mais do que outros. Mas, isso, só depois que todos os outros oponentes sunitas foram eliminados, mortos, aterrorizados (pense na Argélia, mas existem dezenas de outros exemplos) ou corrompidos. Essa, é claro, não é posição exclusivamente minha, mas é a posição da maioria dos islamólogos de hoje.”

O profano contra o sagrado

Conhecendo o imenso conhecimento de Williams sobre a teologia xiita e sua experiência em filosofia ocidental, incentivei-o a, literalmente, “pular na jugular” da questão. E ele não fugiu: “A questão de por que os políticos americanos são incapazes de entender o Islã xiita (ou o Islã em geral) é simples: o capitalismo neoliberal irrestrito gera oligarquia, e os oligarcas “selecionam” candidatos que representam seus interesses, já antes de serem “eleitos” pelas massas ignorantes. Exceções populares, como Trump, ocasionalmente escorregam para dentro do poder (ou não, como no caso de Ross Perot, que se retirou sob coação), mas mesmo Trump passou imediatamente a ser controlado pelos oligarcas com ameaças de impeachment, etc. Portanto, o papel do político eleito nas democracias parece incluir não se esforçar para compreender coisa alguma, mas, simplesmente cumprir a agenda das elites que são donos deles, que mandam neles.”

A resposta “pulo na jugular”, de Williams, é ensaio longo e complexo que gostaria de publicar na íntegra, mas só quando nosso debate aprofundar-se – acompanhado de possíveis refutações.

Para resumir, ele esboça e discute as duas principais tendências da filosofia ocidental: dogmáticos versus céticos; detalha como “a trindade sagrada do mundo antigo era de fato a segunda onda dos dogmáticos, tentando salvar as cidades gregas e o mundo grego de maneira mais geral, da decadência dos sofistas”; investiga a “terceira onda de ceticismo”, que começou com o Renascimento e atingiu o pico no século 17 com Montaigne e Descartes; e depois estabelece conexões “com o Islã xiita e com o fracasso do Ocidente em entendê-lo”.

E isso o leva ao “cerne da questão”: “Uma terceira opção e uma terceira corrente intelectual, além e acima dos dogmáticos e céticos, e essa é a tradição dos xiitas tradicionais (em oposição aos filósofos) estudiosos da religião.”

Agora compare tudo isso e o último empurrão dos céticos, “como o próprio Descartes admite, dado pelo daemon que veio a ele em sonhos, e que resultou na escrita de seu Discurso sobre o Método (1637) e Meditações sobre a Primeira Filosofia (1641). O Ocidente ainda sofre efeitos desse golpe, e parece ter decidido deixar de lado os andaimes de sustentação da razão e os sentidos (que Kant tentou em vão conciliar, tornando as coisas mil vezes piores, mais complicadas e desagregadas), para deixar-se afogar e afogar na modalidade autocongratulatória do irracionalismo conhecido como pós-modernismo, que deveria ser chamado de ultramodernismo ou hipermodernismo, pois não está menos enraizado na “virada subjetiva” cartesiana e na “revolução copernicana” kantiana, do que os pré-modernos e modernos”.

Para resumir uma justaposição bastante complexa, “o que tudo isso significa é que as duas civilizações têm duas visões totalmente diferentes sobre o que deva ser a ordem mundial. O Irã acredita que a ordem do mundo deve ser o que sempre foi e é na realidade, gostemos ou não, e mesmo que não creiamos na realidade (como alguns no Ocidente não costumam crer). E o ocidente secularizado acredita numa nova ordem mundana (em oposição à ordem de outro mundo, ou divina).

E, portanto, não é tanto um choque de civilizações, mas um choque de profano contra o sagrado, com elementos profanos nas duas civilizações que combatem as forças sagradas nas duas civilizações. É o choque da ordem sagrada da justiça versus a ordem profana da exploração do homem nas mãos de seu próximo; profanar a justiça de Deus para o benefício (a curto prazo ou mundano) dos que se rebelam contra a justiça de Deus. “

Dorian Gray revisitado

Williams fornece um exemplo concreto para ilustrar esses conceitos abstratos: “O problema é que, embora todos saibam que a exploração do 3º Mundo nos séculos 19 e 20 pelas potências ocidentais foi injusta e imoral, essa mesma exploração continua até hoje. A continuação dessa injustiça ultrajante é a base definitiva para as diferenças existentes entre o Irã e os Estados Unidos, que continuarão inevitavelmente enquanto os EUA insistirem em suas práticas de exploração e enquanto continuarem a proteger os governos de protetorados norte-americanos, os quais só sobrevivem contra a vontade avassaladora do povo que governam, por causa da presença deformante e viciante das forças americanas que os sustentam para que continuem a servir aos interesses dos EUA, não aos interesses dos respectivos governados. É uma guerra espiritual pelo estabelecimento de justiça e autonomia no 3º Mundo.

O Ocidente pode continuar a parecer bem aos seus próprios olhos, porque controla reality-show dito “realidade” (o discurso mundial), mas sua imagem real é bem clara para todos verem, embora o Ocidente continue a se ver como Dorian Gray, no único romance de Oscar Wilde: como uma pessoa jovem e bonita cujos pecados só apareciam num retrato. O ‘retrato’ reflete a realidade que o 3º Mundo vê todos os dias, enquanto o ocidental Dorian Gray continua a se ver como é retratado pelas CNNs e BBCs e New York Times do mundo.”

“O imperialismo ocidental na Ásia ocidental é geralmente simbolizado pela guerra de Napoleão Bonaparte contra os otomanos no Egito e na Síria (1798–1801). Desde o início do século 19, o Ocidente tem sugado a veia jugular do corpo muçulmano político, como um verdadeiro vampiro cuja sede de sangue muçulmano nunca é saciada e que se recusou a soltar a jugular muçulmana.

Desde 1979, o Irã, que sempre desempenhou o papel de líder intelectual do mundo islâmico, levantou-se para acabar com esse ultraje contra a lei e a vontade de Deus, e contra toda decência.

Portanto, trata-se de revisar uma visão falsa e distorcida da realidade, devolvendo-a ao que a realidade realmente é e deve ser: uma ordem justa. Mas essa revisão é dificultada tanto pelo fato de que os vampiros controlam o ‘making-of’ da realidade, quanto pela inaptidão dos intelectuais muçulmanos e por sua incapacidade de entender até os rudimentos da história do pensamento ocidental, seja em seu período antigo, medieval ou moderno. “

Há chance de que o ‘making-of’ da realidade seja desmascarado? É possível que sim: Possivelmente: “O que precisa acontecer é que a consciência mundial abandone o paradigma pelo qual as pessoas realmente creem que um maníaco como Pompeo e um palhaço como Trump representariam o modelo de normalidade; que troquem esse paradigma, por outro, pelo qual as pessoas creiam que Pompeo e Trump são gângsteres, reles bandidos, que fazem o que bem entendam, não importa o quanto sejam repugnantes e depravadas as coisas que eles façam, e o fazem com quase total e absoluta impunidade.

E esse é um processo de rejeitar o discurso do paradigma dominante e de se unir ao Eixo da Resistência, liderado pelo mártir general Qāsem Soleymānī.

Não menos importante, esse processo envolve rejeitar o absurdo segundo o qual a verdade seria relativa (e também, desculpe, Einstein, rejeitar o absurdo segundo o qual tempo e espaço seriam relativos); e abandonar a filosofia absurda e niilista do humanismo; e despertar para a realidade de que existe um Criador e que Ele está realmente no comando.

Claro que tudo isso é demais para a mentalidade moderna tão iluminada, que entende tudo de tuuuuuuuuuuuuuudo!”

Aí está. E isso é só o começo. Acréscimos e refutações são bem-vindas. Convocam-se todas as almas informadas: está aberto o debate.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O QUE ESTÁ POR DETRÁS DO ASSASSINATO DO GENERAL SOLEIMANI

                             

Para além da decisão táctica de Trump e do Pentágono de eliminar Soleimani, o que está em jogo é o controlo da região mais rica em petróleo e decisiva para o abastecimento internacional. 

Até agora, os americanos contentaram-se em obter acordos de «protecção» dos reinos petrolíferos a troco da exclusividade da venda do petróleo em dólares. Lembre-se que as transacções em US$ são rastreadas pelos bancos dos EUA, e podem ser eficazmente embargadas por ordem de Washington. 
Lembremos também o papel decisivo dos petro-dólares na compensação do défice crónico e monstruoso do orçamento dos EUA. O défice é colmatado graças à compra de obrigações do tesouro dos EUA por parte das petro-monarquias. Além disso, com os dólares obtidos, a Arábia Saudita e outros, compram armamento sofisticado e sua manutenção à indústria bélica americana (o maior exportador de armamento mundial).

Se decidiram assassinar Soleimani, não foi certamente pelas razões invocadas. Mas antes, porque estão desesperados por não conseguir mais fazer funcionar o sistema do petro-dólar, pois demasiados actores estão a rebelar-se ou a - discretamente - virar a casaca, para garantirem protecção dos poderosos aliados Rússia e China. Esta é a realidade estratégica global a que os EUA estão confrontados. 

A resposta a esta situação foi - com certeza - cozinhada pelas forças que controlam Washington e que têm Trump na mão (chame-se complexo militar industrial, Estado profundo, militaristas do Pentágono...): Para eles, a solução longamente planeada era o confronto directo com o Irão, única forma que encaravam para contrariar a deserção de uma série de aliados na região e portanto, a perda de hegemonia e o fim do sistema do petro-dólar. Eis a lógica intrínseca deles: Como não conseguem mais obter, como dantes, a submissão dos seus aliados-vassalos no Médio-Oriente, têm de fomentar uma guerra. Assim, poderão obter o alinhamento forçado destes contra o Irão. 
Eventualmente, conseguirão - em caso de vitória - o controlo directo dos poços de petróleo iraquianos, o que revela sua ambição totalitária de domínio mundial. Esta ambição de guerra já existia há muito tempo, manifestou-se múltiplas vezes, mas muitas pessoas não conseguiam compreender a natureza verdadeira do jogo. 
Agora, com a pretensão de Trump de se apropriar (roubar) o petróleo, não só da Síria, como do Iraque, está-se perante uma afirmação clara e descarada de apropriar o petróleo do Médio-Oriente, como despojo de guerra. 

Claro que, tanto os inimigos como os amigos dos EUA, vêm isto tudo e estão a posicionar-se em conformidade.

domingo, 5 de janeiro de 2020

No imediato, SAÍDA DO IRAQUE. Depois, DERROTA TOTAL

A «hubris» é o termo grego que designa a embriaguez do poder absoluto, a sua arrogância e incapacidade para se dar conta da realidade. Tudo isso, e a ausência total de moral, desencadeiam a fúria dos deuses, que lançam decretos fatais para castigar a personagem e todos aqueles que a seguem.

                              General Qassem Soleimani 440f3

É portanto o momento da viragem, este 2 de Janeiro, em que Trump decide assassinar o general Qasem Soleimani, o militar de mais alta patente do Irão, em visita ao Iraque. Este ataque brutal, que matou outros destacados membros da comitiva assim como das milícias xiitas iraquianas, tem o cunho de uma hubris, de uma loucura sem qualquer justificação ética, ou até, meramente de oportunidade. 
Agora, o destino dos EUA na região está traçado. As condições de sua permanência vão ser tão gravosas em termos militares e diplomáticos, que terá de «aviar as malas» e abandonar esses países, que tem ocupado e martirizado ao longo das duas primeiras décadas do século XXI.
O papel de criador, fornecedor secreto e protector do ISIS por parte dos EUA e de seus serviços secretos, está agora mais patente do que nunca, sabendo-se que Soleimani foi o mais destacado inimigo dessa organização terrorista, tendo as forças iranianas por ele comandadas desempenhado um papel fundamental na derrota do «Estado Islâmico» no Iraque e depois na Síria. 
Fica também tristemente patente a relação de Trump à expressão mais brutal e descarada de «nazi-sionismo», do primeiro-ministro Natanyahu: «o que o primeiro-ministro de Israel deseja, o presidente dos EUA faz».
A guerra de genocídio no Iémene pelos Sauditas e Emiratos, apoiada pelos EUA e pelos seus lacaios, França e Reino Unido, vai tomar uma viragem muito significativa.
O Médio Oriente todo vai entrar numa fase de intensificação dos conflitos, aos quais os regimes clientes dos imperialistas não poderão responder, pois serão os próprios povos a entrar em guerra insurreccional contra os seus governos. 
Muito deste fervor é causado por sentimentos religiosos ou nacionalistas. Mas, na base  estão sentimentos de injustiça, de indignação, perfeitamente compreensíveis por quaisquer humanos. 
Embora o sofrimento de povos inteiros, sujeitos a odiosas campanhas de supressão e mesmo de genocídio, tenha até agora deixado indiferentes as massas ocidentais (Europa e América do Norte), perfeitamente anestesiadas no seu conforto egoísta, este sofrimento não pode deixar de se repercutir na perda total de imagem do Império, visto como aquilo que é, uma besta sanguinária, que nem sequer sabe cuidar dos seus próprios interesses. 
Com efeito, os EUA são a nação excepcional, no sentido de que não têm a mínima preocupação com leis, tratados, acordos internacionais, dos quais são - eles próprios - signatários. 
Julgam-se invencíveis, usando a ameaça da força e a força bruta militar, sempre que acham conveniente e sem dar conta das consequências dos seus actos. 
Destaca-se também como país excepcional, pela indiferença em relação aos seus pobres, aos fracos, até mesmo, no modo como trata os veteranos das suas guerras. 
São um país sem uma diplomacia digna desse nome, por isso mesmo, tido como não credível pelos outros. 
Conforma-se em tudo com a definição de «Estado pária» (rogue State), termo que seus dirigentes inventaram para descrever regimes (como o Iraque de Saddam Husein, a Coreia do Norte,  o Irão, ou outros), que eles derrubaram, ou tentaram derrubar. 
O facto mais importante nesta situação é que o Estado-pária EUA não pode apontar uma arma à cabeça dos regimes Iraniano, Sírio, ou Iraquiano ... Porque agora estes têm meios para resistir e têm o apoio, na retaguarda, da Rússia e da China. 
Estas duas grandes potências vão ganhando terreno em todos os planos: 
- financeiro: o dólar como moeda de reserva está sendo destronado, como se pode ver pela generalizada corrida ao ouro
- diplomático: China e Rússia estão  de boas relações com muitos países, incluindo os da órbita dos EUA e ganham maior simpatia internacional e firmam acordos importantes económica e estrategicamente , cada dia que passa, pela sua política de não ingerência nos assuntos internos dos outros países;
-militar: têm desenvolvido armas com um enorme alcance e não detectáveis pelos dispositivos dos EUA, o que torna os sistemas de armamento dos EUA obsoletos;
- económico: têm crescido em termos de PIB, de exportações e de auto-suficiência e isto tudo, apesar das sanções ilegais e unilaterais a que os EUA os têm sujeitado;
- geo-político: os EUA estão numa postura defensiva (especialmente, depois do assassínio do General Soleimani) enquanto o eixo Russo-Chinês, tem vindo a agregar potências da Ásia Central, na Organização de Cooperação de Xangai.

Como tenho dito noutros artigos neste blog, a besta ferida pode ainda causar muitas mortes, muita devastação, mas já não pode vencer. 
Quando uma grande potência chega ao ponto de cometer actos completamente estúpidos, com efeitos inteiramente negativos para o seu jogo, é sinal de que o fim está próximo.
  

terça-feira, 14 de novembro de 2017

GENOCÍDIO NO IÉMENE, AMEAÇAS DE GUERRA, INDIFERENÇA DO OCIDENTE

Como muito rigorosamente descreve o blog «Moon of Alambama», os sauditas, tendo sofrido uma derrota humilhante no Iémene, frente aos insurretos Huthis, querem vingar-se na população, matando-a à fome. Isto é genocídio, do mais bárbaro que se pode imaginar; no entanto, a media ocidental faz completo black-out sobre o assunto. Ela, sempre tão pronta na defesa dos «direitos humanos», quando se trata de verberar a conduta de alguém que desagrade à oligarquia, que eles chamam de «comunidade ocidental». 

                   Yemeni school children walk outside a school that was damaged in a Saudi airstrike in the southern Yemeni city of Ta'izz, March 16, 2017. (Photo by AFP)
        http://www.presstv.com/Detail/2017/03/24/515487/Yemen-civilians-Saudi-war-UN

Nem sequer ligam à ONU, presidida por António Guterres, que tem feito vários avisos sobre a fome que alastra no Iémene e sobre a impossibilidade de auxílios alimentares e médicos chegarem ao seu destino. Fosse esta situação invertida, ou seja, os agressores serem do campo «inimigo» (Irão, Xiitas, etc.) haveria uma enorme berraria e uma onda de indignação, aliás muito justa, mas que não ocorre neste caso.
Mas bastaria simplesmente constatar os factos no terreno, de uma população civil desnutrida por meses de bloqueio, morrendo à fome e de doenças curáveis, tudo devido às ambições insaciáveis do príncipe herdeiro saudita. O belicoso príncipe queria assegurar pela guerra a sua sucessão, revestindo-se de uma vitória - supostamente fácil - sobre os insurretos tribais Huthis, no Iémene, aproveitando para se apossar dos campos petrolíferos do Iémene, que confinam com os da Arábia Saudita. Estes últimos estão, há vários anos, a dar sinais inequívocos de exaustão. 

               Resultado de imagen de yemen war 2017

Bela jogada, só que lhe saiu furada. Vingativo, manda fechar os portos para matar à fome a população civil iemenita, em maioria de obediência xiita. 
Trata-se de uma guerra sectária, em que a parte agressora é waabita, versão do islamismo no Reino da Arábia Saudita, a mais reacionária que se possa imaginar, aliás na base da ideologia do «Estado Islâmico». 

                  Mohammed bin Salman
                      http://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-40352779

O príncipe Muhamed bin Salman lembrou-se há alguns meses de fazer um ultimato ao Quatar, porque este mantinha relações com o Irão e tenciona explorar conjuntamente um grande depósito de gás natural que se estende nas zonas de águas territoriais de ambos os países. Falhou redondamente, porque a Turquia, normalmente no mesmo campo que os sauditas, não permitiu que as ameaças se efetivassem.

         
http://charleshughsmith.blogspot.pt/2017/11/mideast-turmoil-follow-oil-follow-money.html

Em desespero pela ausência de rendimentos do petróleo, que baixou cerca de 50% se comparado com os níveis de preços de 2014, decidiu agora dar um golpe na própria aristocracia parasitária do Reino, encerrando-a numa prisão de luxo (o Ritz). Conta assim obrigá-la a entregar aos cofres do Reino os biliões de dólares que detém, fruto de uma parasitagem permanente e institucional. 
Acusar alguém de corrupção num país onde qualquer negócio é fechado, apenas e somente, na condição do beneficiário «pagar» os bons serviços dos que o viabilizaram... é apenas um pretexto de baixa política, para impedir qualquer conspiração contra o poder absoluto do príncipe, por parte dos numerosos potenciais herdeiros do trono e, por outro lado, ajudar a minorar o enorme rombo nas finanças, que a guerra do Iémene e a simultânea descida do preço do petróleo causaram.

A imprensa prostituta dos países ocidentais fez muito barulho há uns meses atrás, pelo facto de agora as mulheres sauditas já poderem conduzir. Como se fosse um avanço real nos direitos das mulheres e portanto dando falsamente a entender que o «príncipe reformador» estivesse a melhorar os direitos humanos, quando nesse preciso momento, estava a levar a cabo uma guerra criminosa no Iémene.

O novo Calígula não pára de espantar o mundo, agora atacando diretamente o Líbano, forçando o seu primeiro-ministro Hariri a resignar do seu cargo, diante das câmaras da TV saudita, quando em viagem a este país, em circunstâncias no mínimo insólitas. 
Todo o ódio contra o Irão, responsável pelo fracasso da guerra da Síria, vem agora à superfície. 
O Hezbollah (partido xiita libanês, com sua milícia) contribuiu muito para a derrota dos mercenários pagos pelos sauditas (o próprio «ISIS» ou «Estado Islâmico» e os chamados «moderados, como a «frente Al-Nushra» e outros).
Agora, Muhamed bin Salman quer desestabilizar o governo libanês, onde está presente - em coligação com outras forças - o Hezbollah.  
Na sua ambição desmedida pelo poder, não hesita em criar uma guerra. Não hesita em fazer acordos secretos com os israelitas, que nunca digeriram a derrota humilhante no sul do Líbano, pelo Hezbollah, que deitou por terra o mito da invencibilidade do exército israelita.
Face a esta situação, os países ocidentais (EUA, França, Inglaterra, principalmente) limitam-se a olhar e dar pequenos sinais de distanciamento, mas sem inviabilizarem esta política belicista, cruel e demente. 

Macron foi recentemente à Arábia Saudita e Emiratos da região, com todo o peso do reconhecimento, que um Chefe de Estado da França representa. 
Mas não tratou de ajudar a resolver o imbróglio envolvendo a chantagem ao primeiro-ministro do Líbano, com o qual a França tem longos laços e onde pretende manter um relacionamento especial. Não, Macron disse taxativamente que Hariri não estava sob prisão. Depois, foi assinar um contrato multimilionário de venda de duas corvetas aos Emiratos Árabes Unidos.

                           Resultado de imagen de French President Emmanuel Macron delivers a speech at Dubai's Chamber of Commerce in Dubai, UAE, November 9, 2017. REUTERS/Ludovic Marin/Pool

https://www.reuters.com/article/us-france-emirates-saudi/frances-macron-broaches-lebanon-in-surprise-saudi-visit-idUSKBN1D92BD

É assim que as coisas acontecem: a cidadania dos países ocidentais encontra-se privada de esclarecimentos em relação a situações graves. 
Desta maneira, as políticas mais contrárias aos próprios princípios e sentimentos desses países podem - impunemente - ser levadas a cabo, pelos governos, pelos chefes de Estado. 

O princípio subjacente do campo ocidental é que - em assuntos do Médio Oriente - devem usar-se critérios especiais, tanto mais que o grande objetivo é assegurar que o abastecimento de petróleo aos países europeus continue a fluir, aconteça o que acontecer. 
Já se vê que prioridade têm os direitos humanos destes povos, governados pela pior tirania medieval!

segunda-feira, 3 de julho de 2017

O QATAR E O FIM DO PETRO-DÓLAR

                      

Esqueçam tudo o que sabem sobre o Médio-Oriente, ou melhor, tudo o que julgam saber, visto que temos estado literalmente a sofrer sucessivas lavagens ao cérebro, acerca das guerras na bacia do Mediterrâneo e no Oriente-médio.

Com efeito, os media apresentam sempre a grelha de leitura do conflito religioso, na sua vertente sectária, entre muçulmanos xiitas e sunitas. Nada é mais falso do que esta leitura «confessional» para explicar o fundamento profundo destas guerras. 

É preciso realmente recuar a 1971 e ao repúdio de Bretton Woods pelos EUA, a superpotência sob cuja égide foram firmados estes acordos. Do repúdio unilateral de Bretton Woods nasceu o petrodólar, resultante do acordo da monarquia saudita com Kissinger em só aceitar dólares em pagamento do petróleo contra uma proteção total pelo exército dos EUA. 

Só assim se compreenderá que a batalha que se trava é económica e financeira antes de mais; que envolve parcerias estratégicas para controlar os mercados estratégicos de «ouro negro» (petróleo e gás natural) e do ouro, propriamente dito. 

Finalmente, para se possuir uma perspetiva realista sobre a reorganização do mundo ao nível do padrão monetário, o chamado «reset», teremos que compreender o seguinte: quem controlar os fluxos de capitais, controlará o futuro, ora o capital real não é o dólar, ou petrodólar ou euro dólar, mas antes as matérias primas estratégicas, nomeadamente e em primeiro lugar os combustíveis fósseis, assim como o ouro, o valor de reserva em última instância.

Quem quiser perceber algo das lutas, das guerras, dos terrorismos, terá de se distanciar das narrativas dos media de «referência». Só fazendo uma pesquisa individual poderá adquirir algum saber, para além do ecrã de propaganda. Só quem puder ou souber manter-se ao corrente da situação, diversificando as suas fontes, poderá construir sua visão geral de geoestratégia e de política.

Os artigos de Shaun Bradley («O fim do petro-dólar, o que a FED não quer que você saiba») e de Ahmed Charai («A única saída para a crise do Qatar) têm aspetos criticáveis, enunciam as opiniões dos respetivos autores, mas eu aconselho a sua leitura integral e atenta, pois estão recheados de informações preciosas, as quais são sonegadas ou cujo significado é sistematicamente obscurecido pela comunicação social de massa. 

A crise entre o Qatar e os outros países do Conselho do Golfo (formada pela Arábia Saudita e os Emirados) é reveladora da transição para fora do petrodólar e da perda de hegemonia dos EUA. 

Neste gigantesco jogo de tronos ... as populações, principalmente os civis inocentes, são as grandes vítimas.

Mas também estamos a assistir a isto tudo, porque a «nação excepcional» e seus aliados europeus, decidiu - há muito tempo - que as políticas focalizadas nos «direitos humanos» só se aplicavam a países de Leste e à Rússia (ou à União Soviética). Apenas usadas como arma de contra-propaganda ao «comunismo e socialismo» (ou, mais precisamente a quaisquer alternativas populares, mesmo as mais reformistas...). 

Quanto às monarquias do Golfo, cada qual mais reacionária que a outra, completamente corrompidas, tinham de ser acarinhadas por «realismo político». Aqui, pouco importava elas não serem propriamente modelos de virtudes humanitárias (veja-se a guerra contra os civis no Iemen, largamente ignorada, veja-se a guerra por procuração, contra um dos poucos regimes laicos, o sírio...). 

Mas, como mostra a crise dos países do Golfo com o Qatar, chegou o momento de certos aliados mudarem de campo, o que acontece também com a Turquia. Por outras palavras, a grande mudança, o «reset», está a desenrolar-se diante dos nossos olhos. 

Quem não observar as coisas tal como elas são, irá fatalmente tomar decisões erróneas, a todos os níveis, porque irá considerar como sólido aquilo que se está a desmoronar, irá investir em miragens, para ficar com uma «mão cheia de nada». 

Tanto no plano financeiro, como no sentido de «investimento emocional», as pessoas deveriam questionar - antes que seja tarde demais - as suas certezas. Aquilo que tomam como «dado adquirido» resulta - muitas vezes - da perpétua propaganda que se abate sobre todos nós. 

Quem ler os dois artigos supra-citados e os comparar com a narrativa que nos é constantemente vendida nos media, terá um elemento comparativo e de avaliação. Não me parece exagero dizer que temos estado sujeitos a endoutrinamento, neste assunto, como em muitos outros. 
Infelizmente, isso acontece um pouco por todo o mundo, talvez mais maciçamente nos países onde o nível cultural geral é baixo. Mas, onde o público é mais sofisticado, a mentira também o é!