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sábado, 2 de setembro de 2023

TRÊS MOMENTOS HISTÓRICOS DO «NEOLIBERALISMO»

 É preciso, de uma vez por todas, desmascarar o «neoliberalismo», como teoria económica e sobretudo, como teoria política dos Estados. 

I) A existência de uma corrente forte designada como neoliberalismo, pode atribuir-se - na origem - à «Escola de Chicago» e economistas do chamado «reaganismo», nos anos 1980. 

Mas, ainda antes disso, os «meninos de Chicago» (Chicago boys) estiveram associados à subversão do regime socialista de Allende, no Chile em 1973, com a contestação orquestrada na sombra pela CIA, conduzindo ao golpe sangrento e fascista de Pinochet, em 11 de Setembro de 73. Foi a partir desse 11 de Setembro, que os arautos do neoliberalismo tiveram oportunidade de aplicar as suas teses de privatização radical das grandes empresas estatais, de privatização da segurança social e saúde (entregando-a às empresas seguradoras), com um pano de fundo de ditadura violenta. No Chile de Pinochet havia quotidianamente «desaparecidos», a tortura e os assassinatos pela polícia política e polícia militar eram comuns, apesar da censura férrea a toda a informação impedir que se soubesse a maior parte do que se passava. Grande parte da população, em especial a mais pobre, ficou na miséria. A «lei» do livre mercado, significou que as condições de exploração se tornaram muito  semelhantes às do século XIX. O lucro das grandes corporações subiu, graças à exploração sem vergonha das pessoas e dos recursos naturais (como o cobre,  outros minérios, pescas, agricultura...). Há pessoas suficientemente estúpidas para dizerem que «as reformas» orientadas pela escola de Chicago, no Chile de Pinochet, foram um sucesso. Claro que esta narrativa é uma afronta às dezenas de milhares de mortos e às centenas de milhares de presos políticos. Este regime de terror, sob a proteção dos EUA, durou bem mais que um decénio e a transição para a democracia foi muito condicionada pelos próprios termos que Pinochet e seus acólitos impuseram.

II) Um outro dos «triunfos» do neoliberalismo foi o desmantelamento do chamado «Estado Social» ou «Welfare State». Não houve viragem política verdadeira dos eleitores, mas antes corrupção de governos social-democratas e socialistas, em toda a Europa. As hostes neoliberais penetraram profundamente o «socialismo reformista» e a IIª Internacional. Esta influência, teleguiada pelo Estado profundo dos EUA e os interesses corporativos que ele serve, permitiu que se tornasse «doutrina» a ideia segundo a qual o sector público é mal gerido e sujeito a clientelismos partidários, enquanto o setor privado (ou privatizado) tem a «propriedade mágica de rentabilizar as empresas, é muito mais eficiente, tem uma gestão rigorosa, o capital não tolera que os recursos sejam desbaratados » etc. 

Como sabemos, a canalização de ajudas e de benesses que acompanharam a entrega de setores rentáveis à «iniciativa privada», enquanto se deixavam em mãos estatais os setores não rentáveis, torna esta narrativa «num conto de fadas», ou numa ladainha que não prova nada, mas que esconde uma coisa importante: A intensificação da exploração dos trabalhadores, pela via direta nas empresas privatizadas e indireta, pois são-lhe retirados muitos direitos sociais legitimamente adquiridos.

III) Finalmente, o chamado neoliberalismo é a expressão na teoria económica, política e geoestratégia do imperialismo americano. Isso implicou a cedência total dos referidos social-democratas e socialistas europeus e, num âmbito global, do chamado «Ocidente». Os governos da UE, muitos destes considerados de centro-esquerda, têm mostrado a sua subordinação total à política belicista dos EUA, em especial no que toca à guerra levada a cabo pelos EUA em solo europeu via OTAN, e usando o Estado falido e fascistoide da Ucrânia como  ariete. Esta, insere-se na guerra sem tréguas contra a Rússia: Os neocons, que dominam a política externa e «de defesa» dos EUA desde há mais de 2 décadas, querem ver a Rússia destruída, reduzida a uma série de «bantustões», incapazes de fazer frente aos EUA. O público dos países da UE é inundado de propaganda de guerra, que distorce completamente a realidade e impede que ele se coloque como protagonista. O seu interesse natural seria de  tomar um claro partido contra a guerra, mas ele tem-se deixado manipular. 

A guerra anunciada contra a China, a pretexto de um território que é reconhecido por todos formalmente como pertencente à China, é ilustrativa da agressividade imperialista, dos que se designam de «neoliberais». Taiwan está internacionalmente reconhecida sob soberania chinesa. A constante provocação contra a China pode despoletar a IIIª Guerra Mundial, ou o alargamento da Guerra Mundial já existente. Os «neoliberais» imperialistas estão a fazer correr o risco de generalização e escalada de conflito entre potências nucleares. 

Concluindo: O «neoliberalismo» não tem nada de novo, nem tem nada de liberal no sentido da corrente nascida no século XVIII

Os verdadeiros liberais do passado, não apenas propunham a liberdade do comércio, como eram defensores da liberdade política, dum governo representativo, com câmaras eleitas, representantes dos cidadãos e dos seus interesses, defensores de constituições promovendo a liberdade de opinião e de organização da oposição.

Os que usam abusivamente a etiqueta «liberal», os neoliberais, apenas querem que o capital e seus detentores reinem sem entraves, que os poderosos esmaguem os fracos... Nem sequer resta no pensamento deles a «liberdade de comércio», constantemente espezinhada pelas sanções unilaterais contra as nações que não se dobram ao seu diktat. 

Na verdade, os neoliberais são defensores duma liberdade sem limites, para exploração dos trabalhadores, dos fracos e dos povos do Terceiro Mundo, às mãos das grandes corporações. Usam o termo «liberalismo» para melhor enganarem as pessoas.  


sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

ENFERMEIRAS/OS CONTRA A DESTRUIÇÃO DOS SISTEMAS DE SAÚDE



Quando enfermeiros/as em todo o Reino Unido fizeram greve, os/as camaradas portugueses publicaram uma carta aberta em solidariedade com os/as seus/suas camaradas britânicos/as, lembrando aos leitores e pacientes que o seu próprio sistema de saúde encontra-se perante muitos dos problemas que perturbam o Serviço Nacional de Saúde britânico.
Mário André Macedo, um enfermeiro especializado, um dos primeiros subscritores da carta aberta, disse ao «People’s Health Dispatch» que a sua iniciativa tinha sido inspirada por solidariedade e por urgente necessidade de denunciar os estrangulamentos que poderiam colocar de joelhos o Serviço Nacional de Saúde português. De facto, o serviço português tem muitas semelhanças com o seu equivalente britânico, visto que se inspirou no modelo que Beveridge introduziu no Reino Unido.


Embora ainda conserve a associação positiva com o financiamento público e com o acesso universal, as coisas têm piorado para o sistema de saúde pública português ao longo dos anos. Se virmos a situação de enfermeiros/as no sistema, os seus problemas são tão prementes como os dos trabalhadores de saúde no Reino Unido. Os profissionais que assinaram a carta aberta estimam que na década passada, em Portugal os/as enfermeiras/os tiveram uma perda salarial de 20 por cento - o dobro do que os sindicatos de enfermeiros/as do R. U. indicaram.
Durante o mesmo período, milhares de enfermeiros/as emigraram de Portugal para outros países, sendo o Reino Unido um dos países preferidos. Muitas/os enfermeiras/os emigradas/os estão agora também em greve, salienta Macedo, porque estão conscientes das suas responsabilidades em lutar por serviços de saúde de boa qualidade e acessíveis a todos.
Os/as enfermeiros/as que emigraram de Portugal para o Reino Unido estão muito familiarizados com os processos que são pano de fundo da sabotagem dos serviços de saúde pública, colocando os direitos das pessoas à saúde em perigo.


Divisão e Lucros


O sistema de saúde em Portugal, tal como o NHS britânico, tem sido um objeto de interesse para o setor privado desde há bastante tempo. Em ambos os casos, o objetivo dos fornecedores privados é de quebrar os sistemas, privatizar as partes rentáveis e deixar o que resta para um orçamento público reduzido.
Os principais perdedores neste cenário são, obviamente, os pobres e a classe trabalhadora, que não têm alternativa senão procurar cuidados no setor público, qualquer que seja o seu estado.
Mas seria errado pensar que os trabalhadores de saúde não ficam afetados por este processo. Pois, a insistência na austeridade e nos cortes orçamentais que acompanham as tentativas de mercantilizar os sistemas de saúde, faz com que os direitos dos trabalhadores de saúde sejam cerceados, deixando muitos com uma sobrecarga de trabalho e com «burn out».
Em Portugal, a incapacidade do governo atender adequadamente as reivindicações sobre salários e progressões na carreira, levaram à primeira greve nacional nesta profissão, desde o princípio da pandemia de Covid-19.
«Os sindicatos não forçaram a uma ação grevista no cume da pandemia, mas as propostas do governo para a regulação dos nossos salários e de progressão nas carreiras, conduziram a uma grande onda de apoio para este tipo de ação: pelo menos 75% dos/das enfermeiros/as foi favorável a que se fizesse greve» referiu Macedo.


Custo de Vida



Protesto contra a austeridade em Lisboa, Portugal, 
Fevereiro de 2010 (E10ddie, CC 3.0, Wikimedia Commons)


A progressão na carreira pode parecer um motivo abstrato para se entrar em greve. Na prática, a ausência dum sistema adequado, traz consequências sérias. “Suponha que é uma enfermeira que vai reformar-se amanhã. No caso de não haver uma mudança no sistema atual, a sua pensão seria cerca de 600 euros mais elevada do que a de uma enfermeira que está a trabalhar há pouco tempo e que irá acumular a mesma experiência e horas de trabalho, que você tem agora.” afirmou Macedo.
Ele reconhece que a seguir à greve, o governo concordou em introduzir certas medidas para valorizar a progressão na carreira. Mas decidiram implementar estas decisões a partir de Janeiro de 2023, sem fazer pagamentos retroativos - o que significa a perda de milhares de euros.
A questão dos aumentos salariais nos/nas enfermeiros/as de acordo com a progressão na carreira, tornou-se mais difícil de ignorar por causa da crescente inflação e do aumento do custo de vida. Por não haver um aumento salarial, em paralelo com a experiência acumulada, cerca de 80 % dos enfermeiros em hospitais e centros de cuidados primários de saúde, têm um salário bruto de cerca de 1500 euros. Após impostos, o seu rendimento fica em cerca de 1000 euros.
Na mesma altura, o arrendamento dum andar com um único quarto de dormir, em Lisboa e em regiões turísticas, como o Algarve, tem um preço mínimo de 700-800 euros. Não é surpreendente que estas regiões sofram duma carência de enfermeiros. É impossível um/a enfermeiro/a viver com este salário.
Alguns dos sindicatos permanecem timidamente satisfeitos com o conteúdo das promessas do governo, esperando que sejam suficientes para recuperar o que foi perdido, em anos anteriores. Outros - nomeadamente o Sindicato de enfermeiros/as (SEP) que liderou a greve de Novembro - já anunciaram que irão continuar a lutar por um acordo mais justo.
Ao fazerem isto, também estão a lutar por um sistema de saúde melhor. Segundo Macedo, “Enquanto trabalhadores da saúde, deveríamos proteger o caráter universal do nosso sistema de saúde. Visto que as/os enfermeiras/os são o grupo mais numeroso dentro do sistema, temos a oportunidade de ter um impacto especial».
Os objetivos dos/das enfermeiros/as é de conseguir uma mudança ao nível local, mas também construir relações mais sólidas com os trabalhadores equivalentes doutros países.
“Só podemos ganhar se tivermos solidariedade recíproca e aprendermos uns com os outros. Nalguns países, a situação dos/as enfermeiras/os é melhor porque o país investe mais no sistema de saúde. Mas, na maioria dos países, são as lutas laborais que realmente fazem a diferença e só nos podemos fortalecer conectando-nos entre nós.” conclui Macedo.


Ana Vracar é correspondente para Peoples Dispatch


«People’s Health Dispatch» é um boletim do People’s Health Movement e de «Peoples Dispatch». Para mais artigos e para subscrever o «People’s Health Dispatch», clicar aqui.
Artigo retirado de Peoples Dispatch.




Tradução de Manuel Banet a partir de:

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

A CHAVE PARA DESENCRIPTAR O PODER

 

Por mais absurdo ou chocante que nos pareça o comportamento de um «grande ator coletivo», este tem sempre uma lógica intrínseca, tem uma estratégia, persegue objetivos, justos ou injustos, realistas ou utópicos. O que, à primeira vista, pode parecer irracional, não o é, mas antes obedece a uma lógica que nunca nos é revelada.

Por exemplo, a lógica dos grandes bancos centrais, em particular da FED, parece estar intencionalmente a conduzir o mundo para uma severa recessão. Os bancos centrais não são - de modo nenhum - independentes dos grandes interesses  financeiros privados, visto que estes estão representados no capital e na administração das referidas instituições. Com a expansão da massa monetária, seguida de sua contração, com a descida e subida da taxa de juros de referência, eles desestabilizam o sistema monetário e financeiro mundial: As suas intervenções estão na base dos grandes ciclos de expansão e contração do crédito, que desencadeiam as bolhas especulativas, seguidas pelas recessões. Isto parece contrário ao bom funcionamento do sistema capitalista, mas a realidade é que sem estas instabilidades, não haveria tantas oportunidades para operações lucrativas (aquisições e fusões) que são - de facto - as que permitem a expansão da banca, das grandes empresas e das grandes fortunas...

Outro exemplo, os setores de serviço ao público, a educação, a saúde, o fornecimento de água, de eletricidade, as infraestruturas básicas: No pós 2ª Guerra mundial, estas funções eram assumidas com naturalidade pelos diversos Estados capitalistas, não apenas pela necessidade premente de reconstruir as sociedades e de somente o Estado estar em condições de o fazer, como também, deste modo ficarem garantidos os serviços básicos (não lucrativos) indispensáveis ao funcionamento da sociedade. O Estado investia-se em setores indispensáveis, mas não rentáveis, permitindo que os capitais privados se investissem na indústria e noutros setores rentáveis. Mas, a lógica do capitalismo fez com que os setores antes rentáveis, ficassem cada vez menos. Então, decidiram os grandes grupos capitalistas atacar os setores que antes eram considerados reservados ao domínio público. Por volta dos anos 1980/90, o panorama mudou radicalmente. Descobriram «o milagre das privatizações»: bastava o Estado ceder a exploração desses setores, para  eles se tornarem rentáveis. O Estado tinha efetuado - ao longo de décadas - investimentos em infraestruturas, em formação dos funcionários etc.: Isso era posto de lado, na avaliação do valor das empresas estatais destinadas a serem alienadas ao setor privado. As avaliações eram feitas por «agências»  vinculadas aos interesses dos grandes capitalistas, pelo que foram eles que ditaram os preços e mesmo as condições das operações de privatização. Os representantes do Estado não defenderam os interesses do Estado, foram corrompidos e fizeram o jogo dos beneficiários  da privatização. Muitos desses políticos e altos funcionários corruptos continuam no poder, quer em cargos do executivo, quer em agências e institutos públicos, quer em administrações de empresas privadas. Outros já estão aposentados, com reformas que são um insulto aos pobres que eles supostamente deveriam ter servido. O público ignora - devido a ocultação intencional pela media - a quantidade de corrupção, de privilégio, de reformas douradas, que aqueles políticos e burocratas obtiveram pela venda ao desbarato de bens e empresas do domínio público. 

O «sucesso» das grandes empresas consiste -afinal de contas - em capturar um setor dos serviços (saúde, educação, fornecimento de água, de telefones, etc...), obtendo garantias de «rentabilidade», ou seja, em condição de monopólio, ficando afastada a hipótese de concorrência. Chegam a cozinhar clausulas nos contratos de privatização, em que o Estado é condenado caso tome decisões que façam diminuir os lucros.  Por exemplo, se houver - da parte do Estado - uma decisão de aumento de impostos, novas regulamentações, para atender a preocupações sociais, ou ambientais, etc. 

Esta fase de privatização generalizada do que tinha sido do domínio público, está a encerrar-se atualmente no Ocidente. Aquilo que se verifica atualmente é  ascensão do poder duma casta de multimilionários que - não apenas controla conglomerados de empresas, que dominam completamente o mercado internacional - como têm captado instâncias nacionais e internacionais, que passam a ser veículos dos seus interesses. 

Por exemplo, veja-se o caso do Fórum de Davos, que não é o único, longe disso: As teses de Schwab, com o apoio de multimilionários com Bill Gates e de outros, vão no sentido de uma sociedade sob controlo total. Ele inspira-se na sociedade chinesa atual. Nesta, já estão em funcionamento muitos dos mecanismos que eles gostariam de ver aplicados, em grande escala, nas «democracias ocidentais»: A vigilância generalizada, o sistema de crédito social, a (quase) universalidade do dinheiro digital, a censura e a vigilância permanentes dos conteúdos on-line. Finalmente, as medidas drásticas supostamente para «parar» o vírus, como os lockdowns e os sistemáticos testes PCR, que na China se traduzem num inferno chamado «Zero-COVID». 

Note-se que tudo isto é feito com a aceitação passiva, mas não lúcida da cidadania. Os que são lúcidos, a cidadania que reage, protesta, denuncia, é um incómodo para os globalistas. Sua imagem tem de ser denegrida têm de ser declarados «neo-nazis», «fascistas», «terroristas internos» e outros «mimos de linguagem», tanto por «fontes governamentais» como por «ex-esquerdistas» que foram cooptados, a maior parte com plena consciência disso. Por outro lado, os manifestantes não possuem meios de se defender, de contrariar a lama e os insultos raivosos que lhes dirigem. A «liberdade de expressão» tornou-se uma piada de mau gosto, pois o que resta de «liberdade» é a de ficar calado perante todas a infâmias cometidas em nosso nome, ou em alternativa, denunciá-las e ser violentamente reprimido, excluído, difamado, perseguido, despedido, preso. Este é o grau a que se chegou, no orgulhoso Ocidente. 

Para mim, os totalitarismos equivalem-se, não existe um que seja melhor que o outro. Todos eles fazem a sua auto- apologia, todos eles mostram realizações muito impressionantes... publicitárias. Mas todos eles perpetuam o poder duma casta, 

- sejam os burocratas «vermelhos», cuja fortuna está nas mãos de parentes (filhos, sobrinhos, noras, etc.), na China «comunista»,

- ou os multimilionários, que fazem e desfazem os governos das «democracias ocidentais», cujos líderes são os seus fantoches, nos encontros de Davos, de Bilderberg ou outros.

Para se saber realmente deslindar a verdade, seja em política nacional, internacional, ou noutro domínio, o ponto fundamental a analisar, não são os discursos, declarações, slogans, ou gestos teatrais, cerimónias, etc. 

São os atos, que realmente são portadores de significado na pugna pelo poder, que é todo o jogo político (e empresarial), ao nível local ou global. 

O que eles/elas fazem - e não aquilo que declaram - é que pode dar-te a chave para compreenderes, por detrás das máscaras, seus motivos, intenções e estratégias.

sábado, 7 de março de 2020

[António Garcia Pereira] TAP: SAQUEADORES À SOLTA


Publico este texto de Garcia Pereira, conhecido advogado e dirigente de um partido de esquerda. Recebi o texto de «Grazia Tanta» ao qual agradeço o envio. 
Neste «Portugal dos pequeninos», costuma dizer-se que «a culpa morre solteira». Estou em desacordo com o autor do texto abaixo somente num ponto: quando ele conjura a História para fazer justiça *. Efectivamente, a «justiça» da História é a justiça que nunca chega em tempo útil de ressarcir as vítimas e condenar os culpados, porque quando ela profere a sua sentença, já morreram uns e outros, ou pelo menos estão de malas aviadas.... 

(*«A História julgará decerto todos os executantes e beneficiários deste autêntico “golpe do baú” e, mais até do que eles, os governantes e dirigentes responsáveis por ele ter podido ser pensado, executado e mantido durante todos estes anos e anos a fio.»)


A situação actual da TAP é de uma enorme gravidade e representa um problema de particular importância de que, todavia, quase ninguém parece querer falar.

É que uma companhia aérea de bandeira, ou seja, gerida pela lógica da defesa dos interesses gerais do país e não pelo objectivo do lucro de interesses financeiros privados, é um instrumento estratégico fundamental para o desenvolvimento económico e social de qualquer Estado.

Mas é-o seguramente ainda mais para um país como Portugal, que tem não só cinco milhões dos seus cidadãos espalhados pelo mundo, como também duas regiões autónomas constituídas por ilhas atlânticas e ainda relações privilegiadas – que, aliás, podiam e deviam ser mais desenvolvidas – com as suas antigas colónias. Isto, por facilmente compreensíveis e inegáveis razões quer de unidade política nacional, quer de coesão económica e social e de promoção da igualdade e solidariedade entre todos os cidadãos, quer enfim do propiciar e do fomentar de relações políticas, económicas e culturais, em pé de igualdade e reciprocidade, com tais países.

Se a todas estas razões somarmos ainda o facto de Portugal ser o país mais ocidental da Europa e, logo, o primeiro a ser sobrevoado pela maior parte do tráfego aéreo que vem do outro lado do Atlântico, torna-se então absolutamente evidente a utilidade e, mais do que isso, a necessidade de o nosso país dispor de uma companhia aérea que sirva adequadamente todos aqueles objectivos. E é precisamente para isso que a TAP – fundada em 14 de Março de 1945 – deveria servir. Mas não serve!

Desde logo, a verdade é que a teoria de que gestores vindos do sector privado, como Fernando Pinto (que já conduzira a Varig à falência e veio para a TAP em 2000 com a confessada missão de vender a companhia a privados) seriam os mais competentes e eficientes para assegurar a boa administração da TAP levou foi a que esta acumulasse sucessivos prejuízos[1], os quais serviram depois de pretexto para defender a sua privatização.

O certo é que Fernando Pinto e as suas administrações conduziram sucessivamente a TAP ao desastre financeiro com as medidas absolutamente inaceitáveis mas adoptadas para aumentar de qualquer modo as receitas, tais como a prática de preços astronómicos nas viagens de e para as regiões autónomas, a eliminação de voos (sob a habitual não-razão das “razões de ordem técnica”) para juntar num só deles os passageiros de dois ou três diferentes, a redução das tripulações para o número mínimo de segurança mas obrigando-as a desempenhar tarefas comerciais, a completa degradação do serviço de bordo (designadamente de refeições) e a adopção de cavernícolas medidas laborais como a de prejudicar na progressão na carreira e nos salários os trabalhadores que exerceram, por exemplo, os seus direitos de parentalidade.

O desastre financeiro da TAP começou desde logo com o famigerado negócio da compra da VEM (a empresa de manutenção da Varig), celebrado em 2007 por Fernando Pinto com a decisiva intervenção do amigo do peito de António Costa, 
 Diogo Lacerda Machado (através da empresa Geocapital) e que representou seguramente uns milhões para os bolsos de alguém, mas sobretudo um buraco de 500 milhões de euros nas contas da TAP[2]!

E fizeram-no depois com a desvalorização e degradação do justamente prestigiado sector de manutenção da companhia, com a imposição da política do “stock 0” dos sobresselentes e com a utilização dos equipamentos e das tripulações no limite (ou mesmo para além dele) da sua capacidade normal, fazendo com que, ao mínimo problema com uma aeronave ou com uma tripulação numa dada operação de voo, todas as seguintes caíssem como peças de dominó, tal como sucedeu de forma gritante no Verão de 2014. E depois, para procurar apagar o fogo com gasolina, ir contratar, designadamente em regime de wet-lease, aviões e tripulações a outras companhias, algumas delas cujos parâmetros de segurança não eram propriamente fiáveis ou sequer conhecidos, mas a preços exorbitantes, agravando assim e ainda mais a situação financeira da empresa.

As várias administrações da TAP

Esta era, pois, a “excelência” dos métodos e das lógicas da gestão privada numa empresa pública, mas levada consecutivamente a cabo para justificar a privatização que foi inicialmente defendida em 1991 pelo governo de Cavaco Silva, que aprovou mesmo a sua transformação em sociedade anónima pela Resolução do Conselho de Ministros de 20 de Junho desse ano, 
ideia depois retomada por António Guterres (em 1995), Santana Lopes (em 2004) e José Sócrates (em 2006, aqui já com a ideia da dispersão do seu capital em bolsa).
  
Com o chamado “memorando da Tróica” – assinado em Maio de 2011 pelo governo de Sócrates com o acordo do PSD e do CDS e que previa no seu ponto 3.31, a venda (privatização) da TAP até ao final desse mesmo ano – esse processo foi acelerado, embora não à velocidade que o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu pretendiam.  E, assim, foi o governo Coelho/Portas – cujo mandato, recorde-se, decorreu de 21/06/ 2011 até à tomada de posse do primeiro governo de António Costa em 30/10/2015 – que levou a cabo a respectiva consumação. 

Após o falhanço em 2012 da primeira tentativa de venda (a qual chegou ao fim com um só candidato, o  empresário Gérman Efromovich, com um currículo mais que duvidoso e com dupla nacionalidade, colombiana e brasileira, o que o Direito da União Europeia não permitia), o governo de Passos Coelho e Paulo Portas tratou, sobretudo através do então Secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, de fazer consumar de qualquer maneira o negócio da venda, autenticamente ao desbarato de 61% do capital social da TAP à Atlantic Gateway, assinando o respectivo contrato em Junho de 2015.

E o que é a dita Atlantic Gateway? É um consórcio formado propositadamente para este negócio pelo dono da então praticamente falida companhia Azul, Linhas Aéreas Brasileiras, o norte-americano David Neeleman. Para tal, este chamou Humberto Pedrosa, empresário português do sector dos transportes rodoviários, para assim conferir à nova dona da TAP uma pretensa natureza europeia e desta forma tornear as normas de direito comunitário que impõem que uma companhia de aviação europeia só por uma entidade europeia possa ser comprada.

Mas desde o início se percebeu que o verdadeiro novo dono da TAP era, e é, um só, David Neeleman, como se compreendeu ao que ele vinha – vampirizar a TAP para salvar a sua Azul e posteriormente vender a sua parte do capital por um preço muito superior ao valor do que pagara aquando da venda.

Apesar da complicada e habilidosa engenharia jurídico-financeira construída precisamente para escamotear todas essas realidades, aquilo que se foi constatando ao longo do tempo é agora por inteiro confirmado com o anúncio das “adiantadas negociações” para a venda do capital privado da TAP à alemã Lufthansa, a qual, muito significativamente, não confirma, mas também não nega tais negociações.

É claro que, entretanto, e perante a queixa-crime apresentada pela Associação “Peço a Palavra!” (relativamente aos factos com relevância criminal que foram sendo praticados para escamotear a verdadeira natureza da negociata da venda ilegal e ao desbarato da companhia aérea nacional a um americano dono de uma companhia de aviação brasileira), o nosso Ministério Público, depois de se limitar a ouvir os intervenientes e defensores deste negócio e de não realizar uma só das diligências de prova que se impunham para tratar de apurar efectivamente toda a verdade dos factos, “engonhou” o processo durante cerca de três anos e depois… tratou de o arquivar! Mas também, depois do que o mesmíssimo Ministério Público já tinha feito com casos como os dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, dos swaps, das parcerias público-privadas, tal, infelizmente, já não era de todo de estranhar…

A “reversão” da privatização da TAP

O certo, porém, é que, hoje, já se sabe bastante mais acerca daquilo em que, na prática, consistiu não só o acordo de venda de Junho de 2015 como, mais do que isso, o acordo chamado de “reversão” da privatização da TAP (estabelecendo 45% do capital da TAP para a Atlantic Gateway, 50% para o Estado e 5% para trabalhadores) que o governo de António Costa celebrou em 2016 com a Atlantic Gateway, ou seja, com David Neeleman (e com Humberto Pedroso, uma vez mais, apenas a dizer que sim). Ou seja, vai-se percebendo cada vez melhor que é o mesmo Neeleman quem, desde 2015, efectivamente manda na TAP e que o grande negociador desta “solução” foi o amigo de Costa, Lacerda Machado, devidamente premiado logo depois com um lugar na administração da companhia!

Ficámos também a saber que, mesmo tendo ficado a deter apenas 50% do capital social da empresa, por força de um acordo parassocial mantido secreto, a gestão da TAP é afinal exclusivamente da Atlantic Gateway e, havendo lucros, esta terá direito a 90% dos mesmos (ainda que só detendo metade do capital), enquanto o Estado, maior accionista, terá apenas 5% dos respectivos direitos económicos.

Mais! Com a dita recompra da TAP, o Estado – que assim rigorosamente nada manda na gestão da empresa – assumiu diversas e gravosas obrigações: desde logo, e perante a banca, a garantia da dívida financeira da empresa, no valor de 615 milhões de euros; depois, a obrigação de garantir que os capitais próprios da TAP não sejam inferiores a -571,3 milhões de euros, sendo o Estado o único responsável pela capitalização sempre que os referidos capitais próprios desçam abaixo do limite mínimo assim definido; e, finalmente, a obrigação de assegurar a substituição da Atlantic Gateway na realização de prestações acessórias.

Como se não bastasse o valor ridículo e ruinoso da venda da TAP em 2015 (150 milhões de euros que, mesmo assim, não entraram de todo nos cofres do Estado pois foram integralmente destinados ao reforço do capital da empresa), a farsa do novo acordo não reverteu coisa nenhuma da lógica e do essencial do primitivo negócio: compromissos e obrigações para o Estado português (ou seja, para os bolsos de todos nós) e vantagens, prémios e lucros para os bolsos do Sr. Neeleman, da sua empresa e dos seus amigos.

A sucessiva deterioração da TAP

Sob a gestão num primeiro momento ainda de Fernando Pinto e depois do Sr. Antonoaldo Neves, a TAP foi sendo completamente vampirizada pela Azul, que a usou desde logo para aceder a rotas de que não dispunha (designadamente de e para a Europa e a África) e em que, por si, não conseguia entrar. Depois, também serviu para, sob a capa da cedência à TAP de inúmeras aeronaves da Azul (cuja frota estava então quase toda parada), esta vir pôr essas aeronaves a fazerem as respectivas, e altamente dispendiosas, operações de manutenção a cargo da TAP, para logo depois as recuperar com essas operações feitas “à borla”.

Mais! Foi também noticiado – e nunca desmentido pelos próprios – que terá sido a Airbus a disponibilizar a Neeleman o dinheiro necessário (70 milhões de euros) para ele concorrer à privatização da TAP, em contrapartida do compromisso de, conseguindo o mesmo Neeleman ficar com ela, como ficou, adquirir depois à mesma Airbus dezenas e dezenas de aeronaves A320 e A330 (em vez de uma encomenda inicial de 12 aviões A350 já paga pela TAP).

Assim, o Sr. Neeleman pôde comprar a TAP com dinheiro que não era dele, mas sim da própria TAP e disponibilizado pela Airbus a título de “desconto” no preço das prometidas compras de novos aviões cuja aquisição tem, efectivamente, vindo a acontecer, mas em escala cada vez maior, gerando para a TAP obrigações financeiras verdadeiramente incomensuráveis[3].

Assim, o mesmo Sr. Antonoaldo Neves, que se gaba de, em 2019, a TAP ter ao serviço 105 aeronaves (número considerado pelos especialistas como manifestamente exagerado para a dimensão da companhia e para as necessidades reais dos voos que estrategicamente lhe deveria interessar realizar) e que “engaiola” um número cada vez maior de passageiros em aviões com cada vez menos conforto para os passageiros e com cada vez piores condições de trabalho para os tripulantes, é o mesmo que se “esquece” de informar qual o custo da aquisição daquelas mesmas aeronaves (cerca de 1 milhão de euros mensais por cada avião) e como é que esse custo vai ser afinal suportado e por quem.

Os prémios da administração 

E é ainda este mesmo personagem que, do mesmo passo que vai acumulando enormes prejuízos (de 118 milhões de euros em 2018 e, apesar de todas as promessas, de 105,6 milhões de euros em 2019), vai decidindo e distribuindo fabulosos prémios por si próprio, pelos seus amigos da administração, a começar por Abílio Martins, administrador da Área Financeira e homem de mão de Zeinal Bava e Miguel Relvas, e pelos homens e mulheres da sua confiança, como já fez no ano passado e se prepara para fazer de novo este ano[4].

O provocatório acinte desta gente resulta de que ela bem sabe que, como os membros da Comissão de Vencimentos e de qualquer dos órgãos sociais da TAP só podem ser substituídos ou destituídos de funções pela maioria qualificada de 2/3 (66,7%) dos votos representativos do capital social, maioria qualificada que o Estado não tem, esses administradores e os seus amigos que lhes aprovam as remunerações e prémios vão poder manter-se no “poleiro” até ao fim dos respectivos mandatos.

E, assim, é um autêntico “é fartar vilanagem!” aquilo a que temos assistido, numa sucessão de acontecimentos que são verdadeiramente criminosos, e não apenas do ponto de vista dos interesses políticos, económicos e sociais do país, mas também e até do ponto de vista criminal, não fora termos, também aqui, um Ministério Público que, quando se chega a este tipo de criminalidade – que ele tanto diz combater… – afinal não vê, não ouve e não fala nada.

Bolsos cheios, malas aviadas

E as mais que previsíveis consequências de tudo isto aí estão já bem à vista: quando este autêntico saque terminar, teremos uma companhia aérea absolutamente secundarizada e ultrapassada nos voos internacionais e transformada numa mera companhia regional, numa espécie de Portugália um pouco maior e, sobretudo, completamente endividada. E teremos também um Estado a vir aos bolsos dos contribuintes para cumprir as tais obrigações financeiras a que todos os governos dos últimos 30 anos, mas muito em particular os da última década, e sempre nas nossas costas, trataram de nos amarrar.

Entretanto, e aproximando-se a hora do crash que este tipo de gestão torna cada vez mais inevitável, eis que assistimos a um outro indecoroso (mas, em boa verdade, também previsível) espectáculo: o Sr. Neeleman, bem mostrando uma vez mais que é ele quem manda na Atlantic Gateway, trata de negociar a venda à Lufthansa dos 22,5% do… Sr. Humberto Pedrosa (que, confessadamente, nem sequer falou ainda com a companhia alemã porque quem disso trata é, claro, o dono da Azul…) por um montante de 180 milhões de euros, que pressupõe a avaliação da TAP em 800 milhões, ou seja, quase seis vezes mais do que, há quatro anos atrás, os privados deram por ela! E quando tiver decorrido o prazo de cinco anos durante o qual ele tem de se manter como associado do consórcio Atlantic Gateway, o Sr. Neeleman também decerto fará o mesmo e regressará então aos Estados Unidos com os bolsos ainda mais cheios à culpa dos papalvos dos portugueses, iludidos e burlados cem vezes…

A impunidade e a cumplicidade

A História julgará decerto todos os executantes e beneficiários deste autêntico “golpe do baú” e, mais até do que eles, os governantes e dirigentes responsáveis por ele ter podido ser pensado, executado e mantido durante todos estes anos e anos a fio.

Mas a cumplicidade dos silêncios ensurdecedores a este respeito é ainda mais revoltante. 

Na verdade, porque é que, face a esta ignomínia, ninguém, a começar pela Comissão de Trabalhadores e pelos Sindicatos da TAP e a acabar nos partidos e organizações que se dizem de esquerda ou, pelo menos, minimamente preocupados com o futuro do país, diz rigorosamente nada sobre isto?

Perante o saque e a destruição da TAP, antes de mais os seus próprios trabalhadores, mas também todos nós, cidadãos em geral, ainda que aqueles que se dizem nossos representantes nada digam e nada façam a este respeito, devemos arrogar-nos o direito, que é também um dever, de dizermos “NÃO!” a todo este escândalo, de pormos cobro a este roubo e de tudo fazermos para que todos os seus autores (que hoje se riem na nossa cara) tenham que assumir as suas responsabilidades e pagar pelos seus crimes!

António Garcia Pereira
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[1] Em 2009, eles atingiram os 290 milhões de euros. Segundo as contas oficiais, e com todas as cosméticas contabilísticas, os prejuízos foram de 42,2 milhões de euros em 2012, de 5,9 milhões de euros em 2013 e de 85,1 milhões de euros em 2014.

[2] Diogo Lacerda Machado foi quadro e administrador da empresa Geocapital, Investimentos Estratégicos, SA, com sede em Macau. Em 2005, a TAP e a Geocapital compraram a já então semi-falida Varig, Engenharia e Manutenção (VEM) para, dois anos depois, a Geocapital vender à TAP a sua participação no capital social da VEM por 25 milhões de dólares, ou seja, pelo valor de 21 milhões inicialmente previsto, acrescido de um “prémio” de 20%, que foi para os bolsos de alguém. Depois de ter sido nomeado consultor pelo Primeiro-Ministro António Costa e de ter negociado o acordo com Neeleman e Humberto Pedroso, Lacerda Machado foi nomeado vogal do Conselho de Administração da própria TAP. 

[3] Em Abril de 2018, por exemplo, foi tornado público pela própria TAP que a encomenda por ela feita à Airbus de 71 (!?) novos aviões implicaria o custo de, pelo menos, 9.970,2 milhões de euros, num custo médio por avião de mais de 140 milhões de euros. E em Fevereiro de 2020 foi anunciada a chegada de dois aviões A-330 Neo, sendo esperados mais dez até final do ano.

[4] Depois de, em Maio de 2019, e não obstante o gigantesco prejuízo de 2018 (118 milhões de euros), ter decidido atribuir prémios no valor global de 1,171 milhões a apenas 180 dos 7000 trabalhadores da TAP, pagando, a título desses mesmos prémios, 110 mil euros quer ao CEO Elton de Souza, quer ao administrador Abílio Martins, bem como 88 mil euros ao Director Técnico Mário Lobato Faria e 17,8 mil euros à Directora do Departamento Jurídico da TAP, e mulher do Presidente da Câmara de Lisboa Fernando Medina, a administração da TAP, mesmo depois dos mais 105 milhões de euros de prejuízos em 2019, prepara-se para fazer algo similar em 2020, até encher os bolsos dos próprios administradores e seus amigos.



sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

ROUBO DAS PENSÕES DE REFORMA, ESTÁDIO DERRADEIRO DO CAPITALISMO?


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Foto dos anos 1930, mostrando uma «sopa dos pobres»; aquilo a que os idosos deste século XXI estarão reduzidos com a liquidação dos sistemas de pensões por repartição

O que é que caracteriza o sistema actual na maioria dos países da Europa ocidental (há excepções, como Grã-Bretanha e outros)? 
- O facto de que os fundos são co-geridos pelas associações patronais e sindicatos, com a colaboração do Estado.

Qual a consequência disso na prática? 
- Na sequência da crise mundial de 2008 estes fundos não ficaram demasiado afectados, ao contrário dos fundos de pensões do outro lado do Atlântico, que têm uma gestão privada nos EUA e sofreram (e sofrem) profundos abalos, pondo em causa a viabilidade das pensões de reforma de ex-empregados do Estado. Têm sido noticiadas falências de caixas de pensões de polícias, bombeiros, professores, etc... 

Porque é que tais fundos (dos EUA) ficaram descapitalizados? 
- Sendo geridos privadamente, não havia restrições em colocar os capitais em instrumentos de rentabilidade alta, mas muito inseguros. Por outras palavras, fez-se participar estes fundos, em pleno, na economia especulativa. Uma maior rentabilidade significa maior risco, normalmente. Nos fundos de pensões da Europa ocidental são colocadas restrições sobre quais os investimentos que são permitidos e, dentro da estrutura dos mesmos, há uma base, suficientemente larga, de investimentos considerados sem risco ou com risco muito baixo. 

Qual o sentido profundo da reforma Macron das pensões? 
- A aparente preocupação com uniformização do cálculo e uma pseudo-igualdade, vem preparar o terreno para a privatização por etapas da gestão dos fundos de pensões, a retirada do controlo dos trabalhadores.

Quais as consequências da gestão privatizada destes fundos?
- Os assalariados serão empurrados para fundos de gestão privada (modelo dos EUA e de outros países onde reina o neo-liberalismo). Nestes, não apenas estarão sujeitos a um esquema «por capitalização», mas os capitais serão apropriados para toda a espécie de engenharias financeiras. Vão multiplicar-se as falências, pois a tomada de riscos excessivos é considerada «normal», sobretudo se quem toma esses riscos, não o faz com seus próprios capitais!

Contrariamente ao senso comum, Christine Lagarde, ex-chefe do FMI e nova patroa da BCE, parece ignorar que «não há capitalismo sem capital». Ela deu logo o tom, pouco depois de entrar nas novas funções, ao afirmar: «quanto à perda dos juros dos depósitos (e logo a impossibilidade de poupanças), as pessoas deviam considerar isto muito menos importante do que conservar o emprego». O que está implícito no seu raciocínio, é que os juros convidam as pessoas a manter suas poupanças «improdutivas», nas contas bancárias, por contraste com o investimento em «veículos financeiros» que vão alimentar e dinamizar a economia... Mas isso, é apenas uma falácia, pois os juros mantêm a poupança, esta constitui o mais importante meio de formação de capital, o qual será aplicado em investimento... Sem poupança... não há capital, sem capital... não há investimento, sem investimento... não há capitalismo. Fazem de conta que estão a favorecer a economia produtiva, enquanto estão a limitá-la severamente. 
A apropriação dos fundos de pensões, públicos e privados, é a próxima etapa do chamado «reset», pela oligarquia.
                                                 
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É caso para plagiar o  título do livro de Lenine («Imperialismo, estádio supremo do capitalismo»): 

- «Roubo das pensões, estádio derradeiro do capitalismo»

terça-feira, 7 de novembro de 2017

SAÚDE PÚBLICA DE CANTINAS ESCOLARES EM RISCO, NAS MÃOS DE EMPRESAS

Comunicado da FERLAP, associação de pais e encarregados de educação de alunos dos ensinos básico e secundário: 


MEU COMENTÁRIO:

O escândalo da má qualidade e mesmo do risco para a saúde das crianças portuguesas, em especial, nas cantinas escolares entregues à voracidade de empresas de prestação de serviços, no geral, muito pouco qualificadas para os ditos cujos, muitas apenas tendo obtido os contratos graças a conivências inconfessáveis com o poder autárquico e/ou com manda-chuva que pontificam em certos estabelecimentos, não poderá ser nunca resolvido, a não ser que se ponham em prática os princípios que informam ainda (legalmente) os serviços públicos e a escola pública, em particular.
Estes princípios são incompatíveis com o lucro, com a rentabilidade dos negócios acima das pessoas e portanto, a entrega de cantinas escolares a privados é necessariamente um péssimo negócio para o Estado, mas sobretudo para os utentes, os alunos principalmente.

Quando exerci o cargo de professor na Esc. Sec. de S. João do Estoril, pude constatar (e antes, também, na Esc. Sec. D. João de Castro em Lisboa e noutras escolas públicas) como era importante para a qualidade das refeições, que estas fossem elaboradas e servidas por pessoal auxiliar da própria escola. Sendo pessoal permanente, não precário, portanto vitalmente interessado em que o serviço tivesse qualidade, mesmo quando (já) não tinham seus filhos ou netos a frequentar a mesma. 
Muito menos interessados estarão funcionários de uma qualquer empresa de «catering», colocados ora num sítio ora noutro, estando o seu lugar dependente dum patrão e não dos utentes ou da direcção da escola em causa, pelo menos directamente. 
Além disso, é evidente que um serviço com preços bastante controlados, para dar lucro, terá de reduzir a qualidade da matéria-prima utilizada. 
Igualmente, quanto mais baixa a formação de seus funcionários, menos terão os patrões dessas empresas que pagar em salários, segundo contrato de trabalho do sector.

A lógica educativa e a da saúde pública não se compadecem com  a lógica empresarial.

As pessoas deviam abrir os olhos e perceber - de uma vez por todas - que a auto-gestão das cantinas escolares (e das outras também) não apenas é possível, como é também o único processo seguro, decente e sustentável. 
Isso implica que a gestão destas cantinas seja devolvida às escolas, as quais deverão considerar imperativamente todos os seus aspectos como sendo pedagogicamente relevantes, desde a escolha das matérias-primas e da confecção das refeições, até a como atender às necessidades especiais, etc.