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terça-feira, 19 de abril de 2022

QUEM CONTROLA QUEM?



Quem costuma prestar atenção aos discursos políticos, ideológicos e mediáticos dominantes, sabe que nestas esferas se manufaturou - desde há longa data - um consenso: A democracia é um sistema que está inerentemente associado com a «liberdade» dos mercados, sendo uma heresia, sob o ponto de vista económico, mas político também, querer «regular» os mercados. Isso (regular os mercados) seria a marca das ideologias mais ou menos autoritárias, pondo dentro do mesmo saco os fascismos, incluindo o nazismo, as regulações social-democráticas ocorridas  após IIª Guerra Mundial no Ocidente e todos os socialismos autoritários, desde a União Soviética, os diversos regimes «comunistas», em vários continentes, até à China contemporânea, um híbrido de capitalismo/comunismo.
Esta visão do mundo, propriamente ideológica, é reafirmada por um montão de discursos, que confluem para afirmar essa tal inevitabilidade: ir contra a «liberdade» dos mercados, é estar a fragilizar - também - a liberdade política e a ordem social liberal.
Note-se que este discurso é apenas uma atualização dos ataques no século XIX, contra as correntes sociais e socialistas (o que incluía marxistas e fortes correntes anarquistas). Nesta fase, o capitalismo industrial triunfante parecia efetivamente ser um modo de produção cuja maior eficácia e produtividade eram inegáveis. Eram comuns os argumentos de que o capitalismo «não se dá bem» com ditaduras, que uma economia capitalista não se concebe sem concorrência e que a concorrência implica liberdade dos indivíduos, uma imprensa livre, etc., etc.
De facto, nas suas linhas fundamentais, os argumentos permanecem os mesmos. Porém, o próprio capitalismo não só envelheceu, como também se transformou, de tal modo que se pode legitimamente perguntar se algo do «livre mercado», ou se algo dum genuíno liberalismo, tanto económico como político, permanece nos países tidos como guardiães dos mercados livres e da democracia liberal. Estes, são os países «ocidentais», um conceito político, pois inclui países como o Japão, a Coreia do Sul, ou a Austrália, que não são geograficamente «ocidentais».
Curiosamente, as esquerdas liberais ou libertárias,  parlamentares ou extra- parlamentares, têm feito a mesma apologia dos mesmos «valores», apenas desejando a «limitação» dos grupos económicos muito grandes, apenas porque são muito grandes, deixando o resto na mesma. Quanto à sua formal e retórica aversão aos monopólios, tem origem em slogans dos anos 60 e 70, onde ainda havia um segmento significativo das esquerdas «ocidentais» que eram realmente anti- capitalistas, que punham em lugar central a luta de classes e a luta anti-imperialista. O que se vê, hoje, na «esquerda» é que as pessoas bem podem conservar uma auto- imagem «anti- capitalista», mas (infelizmente), a meu ver, ela não corresponde à realidade.
De resto, a «liberdade dos mercados» carece de qualquer razão profunda para se lutar por ela, não pode ser considerada um valor em si mesmo, a não ser que se ache justificado que a Grã-Bretanha tenha, em nome da liberdade de comércio, imposto o ópio e as guerras do ópio ao império da China, como se fosse direito inalienável do império Britânico, vender as mercadorias que quisesse, aonde quisesse e a quem quisesse. 
Pessoas que se dizem liberais hoje acham  frequentemente, que o capitalismo está a ser plenamente falseado pela existência dum ordenado mínimo, o qual impediria o mercado laboral de funcionar «em plena liberdade» e que os trabalhadores aceitem voluntariamente (sic!) trabalhar por salário abaixo do tal mínimo. O salário mínimo é acusado de falsear a concorrência, devido aos «pobres capitalistas ocidentais» serem confrontados com a produção a menor custo, noutras paragens, com salários mais baixos. Tudo isto são falácias, fáceis de desmontar!
Podia-se escrever um longo capítulo de exemplos, desses tais «valores neoliberais» contemporâneos. Penso que o leitor poderá facilmente perceber aonde quero chegar, mesmo sem multiplicar os exemplos: Trata-se de um exercício de hipocrisia, que mascara um racismo classista, vindo diretamente do setor capitalista mais reacionário e anti-humanista.
Esta corrente, tem hoje em dia um renovo: O neomalthusianismo é a ideologia que subjaz um complexo ideológico. Ouvem-se nomes diferentes como o transumanismo, o keynesianismo, o militarismo, mas eles são somente, afinal, «parágrafos diferentes do mesmo credo». Esta corrente floresce graças aos muito ricos e poderosos bilionários, que se colocam como patronos ou benfeitores «humanitários» e «aconselham» governos e outros, servindo-se de «fórums», como o de Davos, controlando quer a «media de massas» tradicional, quer os novos instrumentos mediáticos da Internet (Twitter, Facebook, Google, etc...) .
O nível extremo deste poder de controlo revela-se nas instâncias internacionais. Elas não deveriam estar submetidas à pressão de financiadores privados, como acontece no caso da OMS. É conhecido que o financiamento maior da OMS provém da Fundação Bill Gates, sendo também muito grande a contribuição das grandes farmacêuticas. A OMS deveria escapar a tal sujeição, funcionar apenas como agência da ONU, tendo só contribuições dos diversos países membros.
Quando interesses privados, de um modo insidioso, com a colaboração de Estados, se imiscuem na gestão de aspetos da vida que deveriam ser públicos, obtém-se uma rede de interesses muito fortes, as chamadas «parcerias público-privadas». Estas, nada mais são do que estruturas para impor um regime de monopólio em setores inteiros da economia, portanto, a negação total da «livre concorrência». Pense-se em Portugal: No setor energético (EDP, GALP, GDP etc.), no setor das autoestradas (BRISA), no setor das comunicações e media (NÓS, MEO, jornais de grande tiragem e grupos de imprensa, além de copropriedade com o Estado, vivem de subsídios estatais), nas empresas de transportes (a TAP e muitas outras). Na educação, as universidades «privadas» são, na verdade, parcerias com o Estado, tal como os colégios (da primeira infância, ao fim do secundário), viáveis somente devido aos constantes subsídios e ajudas diversas do Estado.
As parcerias público- privadas, tão do agrado da classe capitalista, como da corrompida classe política, são - nada mais, nada menos - que monopólios de renda, para os interesses capitalistas privados. O Estado fica - de facto - como garante da viabilidade económica destas estruturas. O apoio que ele (Estado) presta, pode ser direto: Como foi o caso, para salvar bancos privados, como o BES e outros. Em Portugal, os contribuintes, defraudados pelo Estado que governa «em nome deles», são quem desembolsa os milhões para cobrir as perdas dum banco americano («Lone Star»), que adquiriu, em condições de privilégio inéditas, o «Novo Banco» resultante do falido BES (Banco Espírito Santo).
Aquilo que se observa em Portugal é igual, em mais grotesco, ao que ocorre em países mais fortes, como os EUA, a Alemanha, a França, etc...
Estas relações são de tipo ternário:
- O Estado faz reféns os cidadãos, obrigando-os a contribuir com seus rendimentos (o imposto sobre rendimentos), com contribuições obrigatórias (para segurança social, etc.) e com os impostos diretos (IVA, etc.).
- As grandes empresas conseguem dominar o mercado, um domínio em monopólio ou oligopólio (duas ou três empresas num setor, «ditas concorrentes»). Isto é obtido mediante toda a panóplia de instrumentos e táticas, que incluem a absorção de concorrentes mais fracos, a exclusão dos potenciais concorrentes, incluindo a sua sabotagem, a utilização de conivências instaladas no aparelho de Estado, etc.
- As empresas monopólios ou oligopólios, estabelecem com o Estado, diretamente ou através de empresas e instituições estatais, acordos de parceria. Estes, além de reforçarem as suas posições de mercado, dão-lhes acesso a fonte de financiamento seguro, à garantia de salvamento, mesmo perante erros da gestão empresarial, etc.
Pode-se dizer que estas parcerias reúnem todas as vantagens dos sistemas privados e todas as dos públicos mas, para maior vantagem dos privados, sobre as estruturas públicas. Com efeito:
Podem exercer a sua atividade, seguindo apenas as regras do mercado; podem ser cotadas em bolsa; podem negociar acordos salariais e outros dentro da empresa; não estão sujeitas a seguir critérios definidos pelo governo, seja para promoções ou concursos externos de pessoal, como nas empresas públicas; podem sobretudo distribuir os lucros obtidos pela empresa, entre os acionistas e membros de topo da gestão.
Mas, têm as vantagens dum investimento público, como: A possibilidade do Estado investir diretamente com dinheiro público, ou com dívida pública (que os contribuintes terão de pagar futuramente); têm a garantia do Estado para qualquer empréstimo que façam; têm acesso às redes de influência e de poder, sobretudo. Esta simbiose permite-lhes estar por dentro do poder político qualquer que ele seja, sem parecer.

Geralmente, os media estão cheios de notícias que desencadeiam um reflexo «visceral» nos seus leitores/auditores: esta gestão das emoções é monitorizada cientificamente, por cientistas comportamentais, psicólogos, sociólogos, antropólogos, etc. «que venderam a alma ao diabo».
Não são os únicos, pois nas universidades, em particular, abunda esta espécie, que se reveste dos louros académicos para viver como parasita da democracia. Estas pessoas são compradas, ou melhor, são apropriadas. Estamos a falar do funcionamento de instituições com potencial para influir na opinião pública, tais como a media de massas, o ensino superior, os corpos de elite do Estado, as instituições de investigação (estatais ou privadas).
É impossível alguém não-conforme com a ortodoxia permanecer nestas instituições durante muito tempo, pois seria marginalizado e finalmente expulso, se levantasse frequentemente a voz para afirmar algo desagradável aos seus patrões. Também, não há grandes hipóteses de tal vir a ocorrer, pois os candidatos são sujeitos a uma seleção que privilegia a conformidade, em detrimento da criatividade e originalidade. No processo de seleção, uma pessoa que sai fora dos cânones aceites e desejados, até  poderá ser dotada de inteligência e  capacidade criativa acima dos outros concorrentes. Mas, os que selecionam os candidatos não vão selecionar essa tal pessoa, porque têm de escolher alguém que «encaixe» no perfil traçado.

No conjunto, as sociedades ditas de «democracia ocidental» vivem numa espécie de teatro ou de simulação permanente. Ai de quem se atreva a dizer «o rei vai nu!»
As circunstâncias delineadas nos parágrafos acima, não são as únicas em que ocorre uma ficção de «concorrência». Todo o conjunto da sociedade é atravessado pela mesma corrução intrínseca, pela mesma hipocrisia institucionalizada, pela supressão dos mecanismos de controlo popular. É preciso compreender que o poder sobre os indivíduos, implica um controlo, mandar nas pessoas, forçá-las a conformarem-se com as normas (sobretudo, as não escritas) e, por estes meios, manter as hierarquias de poder em todo o tecido social, sem as quais (segundo eles) a sociedade dita «civilizada» não poderia subsistir. Sem hierarquia, tudo cairia no caos, na anarquia. 
De facto, a «civilização» deles, é realmente sinónimo de violência e de caos, sobre os pobres, os destituídos, os excluídos. O «socialismo para a elite e escravatura do capital para os servos», é o verdadeiro mote da sociedade que eles querem implantar (Great Reset), conservando apenas a retórica da «democracia liberal». Mas, isto nunca é patente, antes é sempre ocultado pelo poder!

domingo, 10 de abril de 2022

A IRRELEVÂNCIA DA ESQUERDA É FRUTO DA SUA DERIVA NEOLIBERAL





Quando se souberem os resultados da primeira volta das eleições presidenciais francesas, haverá uma catadupa de análises, umas mais inteligentes que outras. 

Mas, hoje, Domingo 10 Abril 2022 (antes de qualquer resultado ter saído das urnas), já posso afirmar com 100 % de certeza, quem perde, neste confronto eleitoral. É a esquerda política; arrastando consigo na sua queda a esquerda sociológica, ou seja, todas as pessoas espoliadas dos seus direitos, da sua cidadania e do fruto do seu trabalho. Ficarão a perder os trabalhadores, que não possuem um estatuto de privilégio, os que nem podem beneficiar das migalhas que os muito ricos distribuem para eles ficarem tranquilos, quando não para apoiar ativamente os candidatos escolhidos pelo sistema.

É este o resultado final da incúria de hierarcas de esquerda, sem dúvida alucinados com a possibilidade de partilhar o poder com a classe oligárquica. Quanto a esta, chamá-la burguesia já não seria correto, visto que a casta oligárquica se conta - num país como a França - pelas centenas de indivíduos, enquanto a burguesia inclui muitas dezenas de milhares, muitos deles empreendedores, muitos dos quais também esmagados pelo poder opressor dos monopólios e oligopólios que detêm o verdadeiro poder.

Mas, o pior deste período de ocaso da democracia ocidental, é a inexistência de verdadeiros contrapoderes. Não existe verdadeira força sindical autónoma nas mãos dos trabalhadores, ou se ela existe, tem uma expressão demasiado minoritária no seio das classes que é suposto defender. Não existe partido de esquerda no sentido de confronto contra o poder do capital, com expressão suficiente para poder desencadear a contestação eficaz contra medidas gravosas, por parte do governo e seus agentes. O que fica então, é uma representação teatral de esquerda. Resta uma esquerda esquálida, saudosa das glórias do passado, sem qualquer hipótese de ser protagonista em batalhas significativas do presente.

De qualquer maneira, não há verdadeira oposição de esquerda ao superestado da União Europeia, com o seu parlamento fantoche, suas instituições burocratizadas, sua rígida arquitetura e seu «tratado» de Lisboa. Este último, é - na verdade - uma constituição, contra a qual não existe um repúdio, uma vigorosa e organizada contestação, como seria de  esperar duma esquerda anticapitalista. Com efeito, este «tratado» obriga a que os países se rejam e se coadunem plenamente pelas regras do capitalismo.

É conveniente para a ínfima oligarquia, ter as forças antagónicas domesticadas, ao ponto da hipótese duma agitação séria, nos países que hoje constituem a UE, seja mais provável vinda de partes espoliadas e esmagadas da população, mas sem qualquer perigo. A castração da esquerda política e social significa, no pior dos casos, que haverá insurreições espontâneas, mas sem um rumo definido: apenas explosões de raiva e frustração. Quanto muito, estas manifestações, apesar dos guardiães de esquerda e direita da ordem neoliberal, serão recuperadas por grupos de ultradireita, de nacionalistas extremos, de demagogos arvorados em soberanistas. Mas, ao fim e ao cabo, isto é algo com que o poder está habituado a lidar.    

A deriva neoliberal, anti- luta de classes, anti- autonomia da classe trabalhadora, ocorreu num espaço de tempo dilatado, pelo menos numa geração (25-30 anos). 
As pessoas que estão enredadas na galáxia do que se chama «esquerda» hoje, são cultores do «wokismo», do pensamento «politicamente correto». Ao ponto de terem inteiramente substituído a luta de todo o povo explorado, dos oprimidos, dos proletários, pela «luta identitária», fazendo das «questões de género», de «raça», de «orientação sexual» o eixo da sua atividade militante. É exclusivamente por estas «causas» que estão ativos/as em estruturas partidárias ou sindicais.


É, portanto, uma vitoria absoluta para a classe dominante e uma terrível derrota com consequências duradoiras, para a classe dos oprimidos e explorados.



Murtal, Parede 14:30 de 10 de Abril 2022

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A CASTA, ou a colonização do Estado pelas corporações

 Vou tomar um pouco de recuo. Vou tentar abarcar neste escrito de reflexão sobre política, uma visão panorâmica da Evolução do Estado, do Estado moderno em particular, da imbricação entre o Estado e os interesses corporativos, no capitalismo. Não irei ser exaustivo. Excluirei desta discussão os «capitalismos de Estado», que passaram por «socialismos», não que não sejam interessantes, mas pelo facto de serem merecedores doutra reflexão, centrada neles.

Eu irei refletir sobre o chamado «capitalismo de conivência», designação que eu acho a mais apropriada para traduzir do inglês «crony capitalism», ou do francês «capitalisme de copinage».

Adotarei um ponto de vista marxista, no sentido de dar como provado que o Estado é sempre uma configuração do poder, moldada de acordo com os interesses e a visão geral da classe dominante. Isto, sempre se verifica, em última análise, por mais que os discursos ideológicos - por vezes, só retórica vazia - tentem nos persuadir de que o Estado tem como vocação salvaguardar o interesse geral, por cima dos interesses particulares.

Aquilo que chamam neoliberalismo e se pode caracterizar justamente como nova etapa do relacionamento do capital (o «business») com o poder estatal, não caiu do céu. Houve homens e mulheres que fizeram muito para que ele triunfasse, teve organizações que o promoveram, estrategas que o pilotaram e -sobretudo- capitalistas oligárquicos, beneficiários da viragem, ocorrida desde o fim dos anos 70 do século passado, até hoje. 

Na verdade, estamos a desembocar numa nova era. Mas, não é uma era em rutura com o que foi, no passado. Porém, é preciso não cair na ingenuidade teórica de a julgar pelos mesmos padrões que os do passado. Isto, porque, justamente, os padrões do passado serviram para a sociedade desse passado: Eram adequadas as visões de um Locke, de um Montesquieu, de um Marx, ou ainda de muitos outros brilhantes teóricos, para as suas épocas respetivas. Nessas épocas, eles tentaram descrever, analisar e, por vezes, reformar ou revolucionar, a sociedade que estava diante de seus olhos.

A sociedade medieva e o seu prolongamento até ao final do século XVIII foi caracterizada como sociedade feudal, organizada em torno dos «estados» ou «ordens». Eram a nobreza, o clero e o povo, cada uma com o seu lugar na sociedade, sendo tal ordem imutável, pois derivava da vontade Divina. Este complexo mental, que justificou os Estados monárquicos e o feudalismo, como «modo de produção», teve o seu «veneno mortal» no capitalismo nascente. Não irei aqui refazer a História, que está feita por inúmeros historiadores,  isso seria presunção da minha parte. Mas a sociedade transformou-se, com o advento do capitalismo. Este, a partir do momento em que se tornou na força dominante, foi moldando, não apenas a esfera económica e produtiva, mas também o poder de Estado. O nascimento do Estado moderno não se fez de uma vez e sem sobressaltos, antes pelo contrário.

Porém, o sistema binário «Estado-capital» foi-se modificando ao longo do tempo, sendo visível uma cada vez maior concentração do capital nas mãos da finança. Também, os próprios bancos tomaram o controlo, de facto, sobre a indústria. A partir de certo ponto, sobretudo após a IIª Guerra Mundial, os grandes empórios da finança avançaram para tomar o controlo dos Estados.  Conseguiram dominar as próprias instituições de regulação públicas, construídas após a referida guerra. Com efeito, as instâncias estatais, regionais e mundiais foram colonizadas por «apparatchik» formados na ortodoxia neoliberal. Estes, tomaram por dentro estas mesmas instituições. Este processo ocorreu a vários níveis e em simultâneo. 

Sei que sou totalmente incompetente para escrever esta História, ou seja, a história de como o capital financeiro e das empresas tecnológicas (como as da «Silicon Valley») se foram apropriando do controlo das instituições estatais. Note-se que estas instituições de direito público (nacional ou internacional) eram, ao mesmo tempo, reguladoras dos mercados e tinham capacidade de sancionar os negócios da banca e das grandes empresas multinacionais. Este processo de infiltração e controlo, tanto ao nível de instâncias nacionais (Estados-Nação), como regionais (ex.: União Europeia), ou globais (OMC, FMI, BIS, etc.), teve o resultado prático de pôr os grandes grupos corporativos acima de qualquer lei, de qualquer regulação. São, simultaneamente, os «réus» e os «juízes» em causa própria. No máximo, terão algumas multas cosméticas, sem efeito na rentabilidade dos seus negócios ou somente repreensões moralizantes. De qualquer maneira, se soubermos dos escândalos, quer nacionais, quer internacionais vemos, pelo modo como não se fez justiça, que este mundo é regido, não pela lei (dos Estados ou Internacional), mas - de facto - pela força, pela chamada «lei do mais forte».

O papel do Estado, nestas circunstâncias, é cada vez mais reduzido. A função principal que lhe é reservada, é a de reprimir o povo, mas dando a ilusão de que está ao seu serviço. Vimos isso com a repressão do movimento dos «Gilets Jaunes» em França, ou dos protestos contra a obrigatoriedade da vacinação anti-COVID e das políticas de «lockdown». A mesma coisa se observou, em relação muitos outros movimentos populares, nos últimos 20 anos, em particular. 

A exceção (o facto de não haver repressão pelas forças da «ordem»), são as manifestações identitárias (sobre a igualdade de género, o combate à homofobia, antirracismo, etc.). Mas, esta luta identitária e parcial é sempre liderada por pessoas imbuídas duma ideologia favorável à classe reinante. Esses líderes põem as suas lutas parciais em oposição a outras,  nomeadamente às lutas de classe de caráter económico. Porém, a luta contra a exploração económica nunca deixou de ter razão de existir, como é evidente. 

As  lutas de classe, as lutas pela paz, pela independência dos povos e nações e, ainda, a luta anti-imperialista, caracterizaram os movimentos sociais nos anos 60 e 70 do século passado. Nos anos mais recentes, elas foram controladas e depois anuladas pelos Estados, enquanto mandatários do grande capital, com a colaboração dos partidos que se revezavam no poder.

 A perversidade desta mudança e a falta de formação política dos cidadãos, fez com que muitos continuassem a «ter fé» nos dirigentes de partidos que recolhiam os votos do proletariado e da pequena burguesia.  Não viram  logo que estes partidos, nominalmente socialistas ou de esquerda, desencadeavam ou viabilizavam os piores recuos. E isso, continuamente, desde há 40 anos: A contrarreforma do código do trabalho, a contrarreforma do sistema de pensões e muitas outras, todas elas ditadas pelo capital globalista.


                             

Segundo Laurent Mauduit, ex-jornalista do «Le Monde» entrevistado por Aude Lancelin, aquando do lançamento do seu livro «CASTE», é possível retraçar precisamente e dar nomes, em relação ao processo de penetração da banca e das grandes corporações na ENA, a escola de administração do Estado francês. Esta, inicialmente, destinava-se a formar - de acordo com os interesses do Estado e não das corporações privadas - os quadros superiores da república. O processo teve várias etapas, mas o essencial é que o incesto crónico entre altos cargos públicos e executivos de empresas, levou a uma consanguinidade total. Isto permitiu exercer a «governança neoliberal», qualquer que fosse o governo de turno. A partir de certa altura, os diplomados por esta Escola foram ocupar lugares de topo na gestão das grandes empresas cotadas em bolsa e na banca privada, depois de terem ocupado cargos públicos, e vice-versa
Este livro, centrado na política francesa, permanece muito atual. Descreve fenómenos que também se observam noutros Estados ocidentais.

A casta política é a mesma que a casta dos negócios e dos empórios financeiros. Ela serve-se de peões para a sua política contra os povos:

- Os jornalistas da «média corporativa», tendo como proprietários os grandes capitalistas. A concentração da «mass media» é tal que, na prática, existe uma exclusão de tudo o que seja real ou virtualmente contrário à narrativa da oligarquia. São gentes dos media que têm conduzido, com enorme arrogância, campanhas de terrorismo psicológico, desencadeando uma psicose de medo na população, a pretexto do COVID.

- As «forças da ordem» são chamadas, com cada vez maior frequência, a desempenhar um papel repressivo. Foram treinadas/condicionadas, para exercer uma repressão brutal de qualquer dissidência, mesmo a mais pacífica. À medida que a situação social e económica dos desapossados piora, os governos vão recorrendo, com maior frequência às «forças antimotim». 

- As ONGs (Organizações Não Governamentais) que se têm posto ao serviço do globalismo. Usam «causas» como o «Aquecimento Global», a «Economia Verde», o «Feminismo». mas estas lutas foram tornadas inócuas. Foi desativado seu potencial revolucionário. Os que estão à frente dessas ONGs utilizam as suas posições de maior destaque para fazer carreira política. Muitos desses líderes acabam por ocupar cargos no governo, terem assentos de deputados, ou noutros postos do aparelho político. 

A total dominação do Ocidente pela «casta» irá trazer como consequência o fim da democracia liberal.  Como têm vindo a anunciar Klaus Schwab e outros, planeiam substituir a democracia liberal por uma ditadura, onde a técnica transgénica, nano-computorizada e a «AI» (Inteligência Artificial), serão aplicadas ao controlo total da sociedade. É o programa da oligarquia mundializada. Parece-se com romances ou filmes de ficção científica. Porém, desta vez, é a realidade.  

Infelizmente, não poderemos contar com os partidos de esquerda parlamentar para levar a cabo um combate eficaz contra a dita casta. Tal esquerda, antes portadora de esperança, passou a ser porta de entrada para a «casta». Evidentemente, não falo de toda a militância de esquerda, mas da «elite» nessa esquerda. Em vários países, tanto da Europa como da América do Norte, já não existe esquerda com representação parlamentar e coerente com os ideais que, antes, professava. É penoso ver que o termo «esquerda», só permanece válido como designação dos deputados que se sentam do lado esquerdo nos hemiciclos. A corrução e desnaturação dos sistemas parlamentares serve a oligarquia que, assim, poderá continuar a desenvolver o seu programa, deixando o povo na ilusão de que vive «em democracia».

Mas, as pessoas vão acabar por abrir os olhos, não há hipótese de que se mantenha por muito tempo o estado hipnótico,  perante realidades duras e em contradição com as ilusões induzidas. Com o rebentar da crise, vai haver revoltas, causadas pelo desespero. Serão reprimidas. Mas, o agudizar da crise vai impulsionar mais e maiores revoltas. A casta no poder não irá, voluntariamente, largar nem um pedacinho dos seus privilégios e luxos. A sua loucura  e arrogância são tais, que estão seguros de implantar uma  «nova era industrial»: a do «transumanismo». 

Só espero que, neste confronto, que eu vejo como inevitável, a «casta» seja varrida. 

PS1: Num artigo citado no Herland report, Paul Craig Roberts alerta-nos para o facto de termos escapado por pouco a uma tirania global: Se a «casta» não for arredada do poder, temo que acabem instaurando a tirania plena: Isto porque, no caso de permanecerem regimes com um certo grau de liberdade, os seus crimes poderão ser investigados, julgados e condenados. Como sabemos, eles são enormes e monstruosos. Para apagar o rasto deles, irão tentar impor a tirania, ou o totalitarismo.


terça-feira, 26 de outubro de 2021

[LOUIS FOUCHÉ / MÉDICO FRANCÊS] OFENSIVA NEOLIBERAL PARA LIQUIDAR O HOSPITAL PÚBLICO


Louis Fouché, médico internista num hospital público francês viu-se forçado a pedir a suspensão do contrato, oficialmente para se ocupar da família, na realidade porque estava sendo sujeito a assédio por parte das entidades administrativas do seu local de trabalho. Ele descreve em síntese a sua visão em como a pandemia de COVID foi aproveitada pelos neo-liberais, as «gentes de Davos e companhia» , para desencadear uma ofensiva contra as estruturas públicas de saúde. Ele reconhece que a ofensiva é geral e que abrange todos os sectores, não apenas a Saúde Pública, como a Educação Pública, a Previdência, etc. Todas as estruturas, afinal, construídas e mantidas  numa lógica, que não era capitalista, que não era uma lógica do lucro. 
Ele tem carradas de razão e o «remédio» que preconiza ainda o torna mais simpático a meu ver. A resistência a esta ofensiva passa pela inteligência das pessoas, passa por construírem a sua autonomia e serem portanto capazes de viver (bem melhor) sem as «prendas envenenadas» que as multinacionais lhes querem impingir.
Este médico e autor vai ao encontro de muitas das minhas reflexões. Poderá significar, não uma coincidência fortuita, mas que as ideias, que ele e eu defendemos ,«andam no ar»!

 

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

HONG-KONG, O OUTRO LADO DO CENÁRIO

A condição social de uma grande parte da população e o empobrecimento que afecta sobretudo os mais jovens, junto com as desigualdades crescentes, as privatizações de serviços públicos e acima de tudo, a extrema dificuldade para os não-ricos em encontrarem alojamento decente. Vejam:




segunda-feira, 27 de maio de 2019

PORQUE É QUE EU NÃO VOTEI NAS EUROPEIAS

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Não tenho nenhum preconceito em relação a votar ou não votar, em geral.
Porém, no caso das eleições para o «parlamento europeu» (com muitas aspas) eu tenho a absoluta convicção de que o único caminho certo é o boicote, é negar e denunciar a fraude em si mesma, da «democracia» europeia e, sobretudo, explicar isso às pessoas que me queiram ouvir, ler, sem ouvidos tapados e sem vendas nos olhos!

1º A União europeia só poderia ser a expressão legítima de democracia, se fosse concebida como uma confederação de Estados livres, eles próprios determinados interiormente por leis e instituições livremente escolhidas e sufragadas pelos povos respectivos.

2º A possibilidade de democracia está definitivamente arredada por força dos tratados europeus, nomeadamente o Tratado de Lisboa, os quais arredam qualquer veleidade de se transformar «por dentro»  as regras institucionais. É impossível na prática reformar a UE! 

3º Votar «como se» tal não fosse assim, é -na verdade- dar o aval ao projecto imperial, defensor do ordoliberalismo ou neoliberalismo, na sua expressão mais pura. Seria como dar o aval a todos os recuos, que têm desapossado os povos dos seus Estados Sociais (Welfare State), em proveito de uma minoria de capitalistas que se apropriou dos bens públicos privatizados, para seu benefício pessoal, enquanto as condições de vida diminuem - sob todos os aspectos - para a massa da população.

4º É dever de honestidade dizer as coisas como elas são: se a esquerda tivesse vergonha na cara, não participava na farsa. O que acontece é que ela, tal como as outras correntes políticas - está corrompida ao nível mais fundamental de esquecer os seus princípios e objectivos base, para participar num teatro em que ela terá sempre um papel secundário, apenas para legitimar a pseudo-democracia do sistema


Conclusão: 

As pessoas, os grupos, os partidos, etc. têm de ser responsáveis. Se assumem a participação num sistema, é porque encontram nele alguma virtualidade de o reformar por dentro. 

Ora, é isso precisamente que eu contesto. É isto que está na base da contradição fundamental. Ou a UE é reformável ou não é. 
A minha análise (e não sou o único) é que - na prática - não é. Ninguém, dos diversos partidos e tendências que se dizem anti-capitalistas, na Europa, me apresentou argumentos convincentes de que eu estava errado. 

Muito pelo contrário. 
Trinta anos de Maastricht provaram que a UE era apenas o esteio de CONTRA-reformas -ou seja- o meio de provocar e facilitar a passagem de um sistema de Welfare State, para um sistema neo-liberal. 

O que é que as organizações de esquerda têm a dizer perante isto? Se são contra o neo-liberalismo, contra a política de Maastricht, etc, como podem elas se apresentar aos eleitores, dando o seu aval a esta mascarada? 

Considero que a possibilidade de democracia tem de ser exclusivamente baseada em mecanismos nacionais. É ao nível nacional que se pode debater - de forma aprofundada - os assuntos. O soberano, o povo, tem de ser perfeitamente informado dos debates e tem de saber o que seus eleitos estão fazendo. 

As relações entre os diferentes povos devem ser baseadas no respeito mútuo, no respeito pelas suas independências, pelos seus modos de gerir os respectivos Estados, não tolerando ingerências nos assuntos internos, fazendo acordos com base em vantagens recíprocas. Uma assembleia de Estados soberanos da Europa deveria estar organizada segundo o modelo da Assembleia Geral da ONU. 

quarta-feira, 22 de março de 2017

CERTIDÃO DE ÓBITO DA «UNIÃO» EUROPEIA

Tanta indignação na Internet sobre as declarações do presidente do eurogrupo! 

Eu penso que há males que vêm por bem, pois ele apenas vozeou aquilo que muitas pessoas pensam, na Holanda e noutros países do Norte europeu. 

A boa consciência dos que usufruem de bem-estar material, aliada à completa ausência de moral, ou até de uma lembrança disso, faz um certo número de pessoas pensar que os do Sul, se estão mal, é porque foram «preguiçosos», «irresponsáveis», etc. 
O atraso mental que revela esta falta de inteligência e de humanismo, este simplismo racista e xenófobo, contradiz a própria tradição cultural dos seus países, em larga medida. 
Os demagogos políticos precisam de se mostrar próximos do «sentir popular», mesmo quando isso (ou sobretudo isso ...) implica uma justificação das teses da extrema-direita.

Nada resta da «União» Europeia: Djisselbloem passou portanto (inadvertidamente) a certidão de óbito dessa fantasia neo-liberal, que já custou demasiado aos povos do Sul e que, na verdade, não favoreceu a população trabalhadora do Norte, mas apenas e somente as classes privilegiadas.

domingo, 5 de março de 2017

PARA OUTRA ABORDAGEM DAS NOTÍCIAS

«Um patrão exprime a sua opinião... está a falar sobre economia; um sindicalista exprime a sua opinião... é um discurso de militantismo» (citação do video abaixo)

Gosto bastante da abordagem deste jovem investigador francês em ética, que podeis ver/ouvir abaixo. Ele toca assuntos de grande relevância para a sociedade mundializada em geral, sobretudo em face da tentativa de retoma da hegemonia do «consenso» neoliberal que domina a paisagem dos meios de comunicação de massas (msm).

Nós encontramos amiúde um discurso em torno dos «factos», propalado de maneira acrítica, por aqueles mesmos que decidem se determinado facto é ou não relevante para colocar no seu órgão de informação... este simples raciocínio, que aliás pode ser perfeitamente legítimo se não for ocultado, mostra como o discurso do poder (do neoliberalismo) se «naturaliza» ao ponto dos reprodutores dessa ideologia não terem consciência de que o são, muitas vezes. 

Como me tenho confrontado com fenómenos semelhantes desde há muito tempo, cheguei à conclusão de que devemos contrariar estas tendências totalitárias do discurso do poder através do nosso espírito crítico. 

Devemos desconstruir o discurso ideológico, deve-se pensar criticamente por oposição a um «decorar» de factos ou de pseudo-factos, ingurgitados acriticamente e não susceptíveis de revisão, ou seja, transformados em peças de um «credo»... 
Este programa é exigente. Não será fácil de seguir, mesmo por aqueles que estejam convencidos de que é o melhor caminho possível.

Só no longo prazo é que esta abordagem dá frutos, pois as pessoas «não-críticas» vão estar determinadas por «reacção a» isto ou aquilo, enquanto as pessoas com senso crítico (e auto-crítico) vão conseguir navegar melhor num oceano de tormentas, que virá - que JÁ está aqui - à medida que a crise terminal do capitalismo se agrava.




quinta-feira, 8 de setembro de 2016

REFLEXÃO SOBRE UM QUARTO DE SÉCULO DE ALHEAMENTO E O FIM DA URSS


Faz, por estas alturas, 25 anos que ruiu o império soviético.

O seu ocaso estava já bem visível mais de uma década antes, quando visitei a Polónia pela primeira vez, em 79 e verifiquei a vivacidade do movimento clandestino Solidarnosc.
Testemunhei que se tratava de muito mais do que uma onda passageira devida à eleição do papa João Paulo II. 
Porém, quando regressei a Varsóvia no ano seguinte, em 80, fui surpreendido pela amplidão e profundidade da revolução pacífica, que começou com a greve nos estaleiros de Gdansk em 1980. Este acontecimento iria inaugurar uma era de mudanças.
Tal como a Primavera de Praga, de 68/69, esta abertura seria fechada brutalmente pelo golpe militar do interior do próprio regime, liderado pelo general Jaruzelski.
Porém, as circunstâncias eram outras, diferentes da Checoslováquia, que eu tinha visitado, onde a opressão do partido «comunista» era bem visível em 75, nas ruas engalanadas com enormes dísticos vermelhos e dourados em louvor da ditadura do proletariado, no medo dos cidadãos em falar com os turistas e da omnipresença da polícia, em uniforme ou à paisana, em todo o lado.  
O triunfo do Solidarnosc acabou por ocorrer, poucos anos depois do golpe autoritário de Jaruzelki. Era o evidente sinal do fim da hegemonia soviética sobre os países do Leste europeu.
A tragédia de Chernobyl foi o seu golpe de misericórdia: este acidente nuclear numa zona da Ucrânia que ficou completamente inabitável e contaminou vastas zonas da Europa do Norte e do Centro, não foi apenas uma tragédia humana e ecológica, mas também uma tragédia política para os dirigentes soviéticos. Com efeito, a impossibilidade de funcionamento do regime tornou-se patente, visto que na génese deste acidente houve uma série de incompetências «convenientemente» ocultadas.
O regime soviético estava exausto pela guerra do Afeganistão, o «Vietname» soviético. Estava a ficar para trás na corrida aos armamentos face a um bloco Ocidental mais dinâmico e capaz de maior investimento na investigação estratégica de ponta. Para cúmulo, observava impotente a erupção de revoltas nos seus vassalos dos países do Pacto de Varsóvia. Em breve, outros povos tomariam o exemplo da Polónia, como foi o caso da Roménia e, por fim, da Alemanha de Leste, com a queda do muro de Berlim, em 89.
Não creio que devamos chorar pela queda da nomenklatura da URSS e países satélites. Mas, nem por isso ficamos felizes pela ascensão ao poder de uma outra cleptocracia, a das privatizações e das suas máfias.
A grande mentira do «comunismo» ou «socialismo» tinha historicamente que acabar. Mas este engano monstruoso, esta deturpação vil de ideais, muito válidos em si mesmos, não podia ser explicado por quase toda a esquerda ocidental. Ela estava infelizmente habituada a «fechar os olhos» aos sinais inquietantes que vinham constantemente mostrar que o tal «socialismo real» embora muito «real» não tinha grande coisa de socialismo. A esquerda autoritária precisava de um modelo mítico para poder avançar com a sua propaganda. Eles contribuíram para enganar as pessoas simples, os operários e trabalhadores que eles diziam defender. Muitos, cinicamente, diziam que «as massas» precisavam de ver uma concretização dos tais ideais comunistas ou socialistas, naquilo que eles – quadros dos partidos comunistas do Ocidente - sabiam que nunca tinham sido regimes assim, realmente.
Os regimes que foram varridos do mapa político eram totalitarismos, fascismos vermelhos. Usavam uma linguagem socialista nos discursos, na propaganda, na ideologia; nos factos eram indistinguíveis dos regimes autoritários fascistas de que tínhamos sido reféns na Península Ibérica, até há bem pouco tempo.
A mentira de que existiu um qualquer socialismo ou comunismo nesses países do Leste Europeu e do espaço da ex-URSS continua, não apenas mantido por nostálgicos do bolchevismo, mas também pelos arautos do chamado neoliberalismo. A razão destes é simples de se compreender: querem um espantalho para prevenir as pessoas de terem simpatias por correntes socialistas ou comunistas verdadeiras.
Aqueles poucos intelectuais que fundamentam as suas visões em raízes socialistas libertárias praticamente nada influenciam o pensamento contemporâneo, pois este está tomado pela comunicação de massas, serventuária do grande capital, proprietário dos grandes jornais e cadeias de informação.
Paradoxalmente, a queda de um poderoso império veio afinal hipertrofiar as tendências autoritárias ou mesmo totalitárias da nossa época. Triunfaram as forças portadoras de «não-valores», da ausência total de valores. Refiro-me aos adeptos da «ideologia de mercado», um totalitarismo de novo figurino, embora muito antigo na sua essência.

Servem-nos «o mercado» a toda a hora mas, às vezes, polvilham o seu discurso com açúcar dos direitos humanos. Assim se contribui para a continuidade da exploração dos humanos e da Natureza.