O seu ocaso estava já bem visível mais
de uma década antes, quando visitei a Polónia pela primeira vez, em 79 e
verifiquei a vivacidade do movimento clandestino Solidarnosc.
Testemunhei que se tratava de muito mais
do que uma onda passageira devida à eleição do papa João Paulo II.
Porém, quando regressei a Varsóvia no
ano seguinte, em 80, fui surpreendido pela amplidão e profundidade da revolução
pacífica, que começou com a greve nos estaleiros de Gdansk em 1980. Este
acontecimento iria inaugurar uma era de mudanças.
Tal como a Primavera de Praga, de 68/69,
esta abertura seria fechada brutalmente pelo golpe militar do interior do próprio
regime, liderado pelo general Jaruzelski.
Porém, as circunstâncias eram outras,
diferentes da Checoslováquia, que eu tinha visitado, onde a opressão do
partido «comunista» era bem visível em 75, nas ruas engalanadas com enormes dísticos
vermelhos e dourados em louvor da ditadura do proletariado, no medo dos cidadãos
em falar com os turistas e da omnipresença da polícia, em uniforme ou à paisana,
em todo o lado.
O triunfo do Solidarnosc acabou por
ocorrer, poucos anos depois do golpe autoritário de Jaruzelki. Era o evidente
sinal do fim da hegemonia soviética sobre os países do Leste europeu.
A tragédia de Chernobyl foi o seu golpe
de misericórdia: este acidente nuclear numa zona da Ucrânia que ficou
completamente inabitável e contaminou vastas zonas da Europa do Norte e do
Centro, não foi apenas uma tragédia humana e ecológica, mas também uma tragédia
política para os dirigentes soviéticos. Com efeito, a impossibilidade de
funcionamento do regime tornou-se patente, visto que na génese deste acidente
houve uma série de incompetências «convenientemente» ocultadas.
O regime soviético estava exausto pela
guerra do Afeganistão, o «Vietname» soviético. Estava a ficar para trás na
corrida aos armamentos face a um bloco Ocidental mais dinâmico e capaz de maior
investimento na investigação estratégica de ponta. Para cúmulo, observava
impotente a erupção de revoltas nos seus vassalos dos países do Pacto de
Varsóvia. Em breve, outros povos tomariam o exemplo da Polónia, como foi o caso
da Roménia e, por fim, da Alemanha de Leste, com a queda do muro de Berlim, em
89.
Não creio que devamos chorar pela queda
da nomenklatura da URSS e países satélites. Mas, nem por isso ficamos felizes
pela ascensão ao poder de uma outra cleptocracia, a das privatizações e das
suas máfias.
A grande mentira do «comunismo» ou
«socialismo» tinha historicamente que acabar. Mas este engano monstruoso, esta
deturpação vil de ideais, muito válidos em si mesmos, não podia ser explicado
por quase toda a esquerda ocidental. Ela estava infelizmente habituada a
«fechar os olhos» aos sinais inquietantes que vinham constantemente mostrar que
o tal «socialismo real» embora muito «real» não tinha grande coisa de
socialismo. A esquerda autoritária precisava de um modelo mítico para poder
avançar com a sua propaganda. Eles contribuíram para enganar as pessoas
simples, os operários e trabalhadores que eles diziam defender. Muitos,
cinicamente, diziam que «as massas» precisavam de ver uma concretização dos
tais ideais comunistas ou socialistas, naquilo que eles – quadros dos partidos
comunistas do Ocidente - sabiam que nunca tinham sido regimes assim, realmente.
Os regimes que foram varridos do mapa
político eram totalitarismos, fascismos vermelhos. Usavam uma linguagem socialista
nos discursos, na propaganda, na ideologia; nos factos eram indistinguíveis dos
regimes autoritários fascistas de que tínhamos sido reféns na Península Ibérica,
até há bem pouco tempo.
A mentira de que existiu um qualquer socialismo
ou comunismo nesses países do Leste Europeu e do espaço da ex-URSS continua,
não apenas mantido por nostálgicos do bolchevismo, mas também pelos arautos do chamado
neoliberalismo. A razão destes é simples de se compreender: querem um
espantalho para prevenir as pessoas de terem simpatias por correntes socialistas
ou comunistas verdadeiras.
Aqueles poucos intelectuais que
fundamentam as suas visões em raízes socialistas libertárias praticamente nada influenciam
o pensamento contemporâneo, pois este está tomado pela comunicação de massas, serventuária
do grande capital, proprietário dos grandes jornais e cadeias de informação.
Paradoxalmente, a queda de um poderoso
império veio afinal hipertrofiar as tendências autoritárias ou mesmo
totalitárias da nossa época. Triunfaram as forças portadoras de «não-valores», da
ausência total de valores. Refiro-me aos adeptos da «ideologia de mercado», um
totalitarismo de novo figurino, embora muito antigo na sua essência.
Servem-nos «o mercado» a toda a hora mas,
às vezes, polvilham o seu discurso com açúcar dos direitos humanos. Assim se
contribui para a continuidade da exploração dos humanos e da Natureza.