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quarta-feira, 13 de setembro de 2023

WOKISMO - ALGUMAS REFLEXÕES

 

                             Um vídeo de «Le Précepteur»

Tenho refletido bastante sobre este fenómeno de wokismo, embora isso não se tenha traduzido em escritos de minha autoria. 

Tenho veiculado alguns pontos de vista críticos do wokismo, sobretudo na perspetiva da política dita de classe. Isto é, os desenvolvimentos políticos associados ao wokismo não se limitam ao fenómeno de moda intelectual ou sociológica, mas penetram profundamente nos modos de fazer política, sobretudo nas classes desapossadas, oprimidas, sejam quais forem as suas identidades. 

Creio que há uma tendência que acaba por ser prejudicial nalgumas pessoas que adotam o ponto de vista de luta de classes (que também é o meu): É a tendência de ver na luta de todas as «frentes» - do feminismo, antirracismo, contra a homofobia, etc. -como conduzindo sempre a fracionar, dividir e isolar os membros de várias componentes das classes oprimidas. Esta visão é míope, pois a condição de opressão é evidentemente múltipla, é multidimensional; uma pessoa não é «somente» explorada economicamente, é também discriminada socialmente. Servem como fatores de discriminação: a «raça» (na realidade, a etnia), a orientação sexual, a exclusão duma educação elitista, etc.

A miopia nas pessoas que adotam a visão «woke», por seu turno, é a de excluírem qualquer aproximação, ou tentativa de convergência, com o que se chamava «o proletariado», pois o pensamento woke, frequentemente, prioriza a questão identitária sobre a questão da exploração económica. Na realidade, ao fazê-lo, inverte os termos da questão. Os operários estão dentro duma cultura diferente, estão imersos na sua cultura operária, com lados positivos e com preconceitos que se mantiveram no meio social a que pertencem.

No fundo, trata-se de combater a opressão numa frente ampla, reconhecendo que ela tem sempre uma forte componente económica, mas que não é apenas essa a sua natureza. Tipicamente, uma opressão reveste-se sempre de discriminação violenta, para as suas vítimas. Para resistirem, estas devem encontrar toda a gama de alianças de forma a lutar contra os inimigos de classe, muito mais fortes. Estes, são dotados de muito mais do que de capital: têm a seu favor a capacidade de influenciar maciçamente as mentalidades, de nos manipular: Fazem-no, pondo os explorados a lutar uns contra os outros, os espoliados a designarem como inimigos outros espoliados. 

Os oprimidos só podem vencer, quer em lutas parciais, quer nas suas metas de longo prazo, unindo-se. Isto implica aceitar a natural heterogeneidade, aos níveis social, cultural, identitário e ideológico. Tal princípio estratégico decorre, não apenas do desequilíbrio de armas (no sentido literal e metafórico), mas também porque a luta -para ser bem sucedida e não ser desviada - precisa de refletir a nova mentalidade, o novo modelo de sociedade. O trabalho de educação (e auto educação) nas fileiras dos excluídos do poder, tem de ser permanente. Um ponto fulcral, é aprender a ajuizar se tal ou tal iniciativa, campanha, etc., tem como resultante unir os oprimidos entre si, ou de os dividir ainda mais. Não chega proclamar ritualisticamente que se «deseja a unidade»; é uma daquelas coisas nas quais só se acredita vendo o comportamento quotidiano em coerência com tal proclamação. Caso contrário - independentemente da ideologia afixada - está-se, inconscientemente, a favorecer a exploração. 

Os da classe dominante são uma ínfima minoria, face ao número dos espoliados, oprimidos, marginalizados. Eles conseguem manter seu domínio, graças ao controlo sobre as mentes dos oprimidos, não apenas dos corpos: por isso, eles investem tanto na media de massas, que propaga as ideias e atitudes que eles querem que nós adotemos: isso permite a continuidade da sua dominação. 

A nossa resposta tem de passar, entre outras coisas, pelo desmascarar, junto dos da nossa classe, das técnicas e meios subtis utilizados para nos desorientar, nos alienar das lutas e alianças, que deveriam ser as nossas.

domingo, 10 de abril de 2022

A IRRELEVÂNCIA DA ESQUERDA É FRUTO DA SUA DERIVA NEOLIBERAL





Quando se souberem os resultados da primeira volta das eleições presidenciais francesas, haverá uma catadupa de análises, umas mais inteligentes que outras. 

Mas, hoje, Domingo 10 Abril 2022 (antes de qualquer resultado ter saído das urnas), já posso afirmar com 100 % de certeza, quem perde, neste confronto eleitoral. É a esquerda política; arrastando consigo na sua queda a esquerda sociológica, ou seja, todas as pessoas espoliadas dos seus direitos, da sua cidadania e do fruto do seu trabalho. Ficarão a perder os trabalhadores, que não possuem um estatuto de privilégio, os que nem podem beneficiar das migalhas que os muito ricos distribuem para eles ficarem tranquilos, quando não para apoiar ativamente os candidatos escolhidos pelo sistema.

É este o resultado final da incúria de hierarcas de esquerda, sem dúvida alucinados com a possibilidade de partilhar o poder com a classe oligárquica. Quanto a esta, chamá-la burguesia já não seria correto, visto que a casta oligárquica se conta - num país como a França - pelas centenas de indivíduos, enquanto a burguesia inclui muitas dezenas de milhares, muitos deles empreendedores, muitos dos quais também esmagados pelo poder opressor dos monopólios e oligopólios que detêm o verdadeiro poder.

Mas, o pior deste período de ocaso da democracia ocidental, é a inexistência de verdadeiros contrapoderes. Não existe verdadeira força sindical autónoma nas mãos dos trabalhadores, ou se ela existe, tem uma expressão demasiado minoritária no seio das classes que é suposto defender. Não existe partido de esquerda no sentido de confronto contra o poder do capital, com expressão suficiente para poder desencadear a contestação eficaz contra medidas gravosas, por parte do governo e seus agentes. O que fica então, é uma representação teatral de esquerda. Resta uma esquerda esquálida, saudosa das glórias do passado, sem qualquer hipótese de ser protagonista em batalhas significativas do presente.

De qualquer maneira, não há verdadeira oposição de esquerda ao superestado da União Europeia, com o seu parlamento fantoche, suas instituições burocratizadas, sua rígida arquitetura e seu «tratado» de Lisboa. Este último, é - na verdade - uma constituição, contra a qual não existe um repúdio, uma vigorosa e organizada contestação, como seria de  esperar duma esquerda anticapitalista. Com efeito, este «tratado» obriga a que os países se rejam e se coadunem plenamente pelas regras do capitalismo.

É conveniente para a ínfima oligarquia, ter as forças antagónicas domesticadas, ao ponto da hipótese duma agitação séria, nos países que hoje constituem a UE, seja mais provável vinda de partes espoliadas e esmagadas da população, mas sem qualquer perigo. A castração da esquerda política e social significa, no pior dos casos, que haverá insurreições espontâneas, mas sem um rumo definido: apenas explosões de raiva e frustração. Quanto muito, estas manifestações, apesar dos guardiães de esquerda e direita da ordem neoliberal, serão recuperadas por grupos de ultradireita, de nacionalistas extremos, de demagogos arvorados em soberanistas. Mas, ao fim e ao cabo, isto é algo com que o poder está habituado a lidar.    

A deriva neoliberal, anti- luta de classes, anti- autonomia da classe trabalhadora, ocorreu num espaço de tempo dilatado, pelo menos numa geração (25-30 anos). 
As pessoas que estão enredadas na galáxia do que se chama «esquerda» hoje, são cultores do «wokismo», do pensamento «politicamente correto». Ao ponto de terem inteiramente substituído a luta de todo o povo explorado, dos oprimidos, dos proletários, pela «luta identitária», fazendo das «questões de género», de «raça», de «orientação sexual» o eixo da sua atividade militante. É exclusivamente por estas «causas» que estão ativos/as em estruturas partidárias ou sindicais.


É, portanto, uma vitoria absoluta para a classe dominante e uma terrível derrota com consequências duradoiras, para a classe dos oprimidos e explorados.



Murtal, Parede 14:30 de 10 de Abril 2022

terça-feira, 17 de setembro de 2019

QUEREMOS REALMENTE NOVAS GERAÇÕES CRIATIVAS, ORIGINAIS E CAPAZES DE AUTONOMIA?


O visionamento de um vídeo de entrevista com o Prof. Richard Wolff, um celebrado economista e professor universitário dos EUA, sobre o sistema classificativo/ notação, pelo qual passam inúmeros alunos em todos os graus de ensino, que os arrumam em «casas» de acordo com a «avaliação» que professores fizeram deles, dá-nos apenas um aspecto, mas um aspecto muito sintomático, de como funciona - realmente - a instituição escolar.
Mas - para além da instituição escolar - na sociedade também, nas empresas, na função pública, etc. o papel da classificação dos indivíduos vai muito além do trivial de «separar os competentes e os sabedores, dos menos adaptados». O problema é que aquilo que este tipo de ensino faz, nada mais é que internalizar as desigualdades, atribuindo o «sucesso» e o «fracasso» sempre ao indivíduo, visto como uma espécie de máquina de responder a testes, ou de fazer os trabalhos mais apreciados pelos seus avaliadores. O controlo das pessoas é assim máximo, pois a instituição no seu todo (e até as pessoas individuais que se sentam em lugares de comando e de selecção) decide quem, como e quando... Decide se determinado indivíduo vai, ou não, entrar como estudante ou empregado/a. Obviamente, as pessoas sabem que assim é: todas mimetizam os gestos, recitam as fórmulas encantatórias, etc. que passam por «saberes». No domínio da realidade nua e crua, estão de facto a mostrar até que ponto vão a extremos de absurdo para conseguirem o que pensam ser a sua «tábua de salvação». 
Entregam-se nas mãos de avaliadores, entregam-se para serem avaliadas, ou seja classificadas, seleccionadas (eventualmente) para... para... serem exploradas! 
Elas sabem todas isso, de uma forma confusa, ou até de forma perfeitamente lúcida. Não importa! 
- Estão convencidas de que não existe outra escolha, de que não existe outro caminho para singrar, para ter o seu pequeno quinhão, que lhes permitirá sobreviver e - talvez -constituir família! 
Elas darão ao empregador o seu trabalho, a sua energia, o melhor delas próprias, a troco de um bocado de «pão», mas tudo é virado do avesso, para que se sujeitem a fazer o que, de outra maneira, seria considerado indigno fazerem. Alguém se submeter a escravatura, a ser propriedade de outros, será algo invejável? 
- Pelos vistos sim, pois há imensa gente jovem, saída das classes médias ocidentais (e não só) que se submete voluntariamente, em troca de um diploma, de um certificado que diz (no sub-texto) «Fizeste tudo aquilo que consideramos necessário para nos garantir a tua conformidade com a norma, tua submissão,tua aceitação acrítica do sistema, tua disponibilidade infinita para seres explorado/a e agora damos-te este certificado/diploma, para que vás competir com outras pessoas como tu, por empregos em que os lugares estão disponíveis, não para os criativos, não para os originais, não para os sérios trabalhadores, mas para pessoas submissas como tu».
As pessoas só se submetem, porque lhes deram uma matriz falsa (a «meritocracia») que lhes impede de VER a sua condição de exploradas, de servas ao serviço de um semi-deus qualquer, seja numa empresa, ou no Estado...».

É isto que esta sociedade faz, aos seus próprios filhos e filhas. 
Além disso, as pessoas individualmente, sempre com óptimas autojustificações, tentam «furar» os princípios e pressupostos das tais «regras» de competição, através da cunha, da corrupção, do compadrio, do nepotismo... 
A existência generalizada deste fenómeno da corrupção em todas as regiões geográficas e em todas as camadas sociais, mostra como é impossível de reformar o sistema por dentro, com «reformas» para deixar tudo o resto intacto!
Qual a alternativa?
Há a capacidade de auto-organização dos indivíduos, quer em associação formal ou informal. Há a possibilidade de ser membro da socidedade, de não se ser um(a) marginal, sem no entanto cair debaixo do jugo do novo feudalismo. Mas, isso implica analisar até que ponto nos baixámos, vendendo-nos (e vendendo nossos filhos e filhas) ao moloch, ao deus dinheiro/deus lucro. 
Se alguém reflectir bem sobre como se chegou a este ponto, se compreender quais os mecanismos que perpetuam as nossas cadeias, talvez seja muito mais fácil do que parece, esse alguém construir alternativas, aqui e agora, que funcionem e que tenham viabilidade económica e social. 
O medo de falhar é inibitório e existe muita gente que não consegue ter confiança na sua própria energia, embora saiba que tem energia suficiente para ser explorada e dar o seu trabalho por uma soma de «papel» ou de dígitos electrónicos... 

O processo de apoderamento é complexo e longo: eu assimilo-o ao tratamento de um adicto de «drogas duras», que precisa de apoio. 
Mas, à diferença do que é comum com a adicção «química», o processo de libertação psíquica em relação ao sistema, pode fazer-se sem que restem sequelas no paciente.