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quinta-feira, 9 de junho de 2022

Que teoria política para o nosso tempo?

[REFLEXÕES DE MANUEL BANET] 


- A igualdade não é uma fórmula quantitativa. A liberdade não é  um conceito abstrato. Ambas estão em íntima relação.

A retórica habitual dos atores da política centra-se muitas vezes nestes dois conceitos de «liberdade» e de «igualdade». Mas nós não devemos entrar numa discussão nos seus termos sofísticos. Por isso, digo que a liberdade não é um conceito abstrato. Entenda-se a afirmação anterior, quando estamos a construir um programa, com objetivos claros e com estratégias exequíveis. Politicamente, a liberdade só pode ser avaliada como uma propriedade ou característica relativa ao funcionamento do sistema político no seu todo e nas suas partes; e isto, «desce» até ao nível dos indivíduos. A liberdade nunca pode ser «concedida», é uma propriedade integral do sistema, o qual será tanto mais pleno de liberdade, quanto mais ou melhor se verificarem tais e tais condições, para os indivíduos e comunidades. 

Do mesmo modo como afirmo relativamente à liberdade, também a igualdade deve ser vista como uma característica sistémica, nunca se poderá ver em isolamento, nem tem sentido reclamá-la sem que se verifiquem as condições de liberdade para assegurá-la. Igualdade sem liberdade, não faz sentido. O inverso, liberdade sem igualdade, também não. Isto significa que todas as retóricas que se destinam a dar prioridade a uma em detrimento da outra, são discursos vazios, sem substância ou coerência lógica. Não podemos medir a igualdade, mas podemos avaliá-la: Ela traduz-se, no concreto, em igualdade de meios e condições materiais* de que usufruem os indivíduos, não apenas no plano dos direitos e deveres cívicos ou políticos, como nos restantes. «Igualdade», em termos de discussão política séria, não pode significar uniformidade, não pode significar uma repartição «igual» da riqueza. Além de que a tentativa de alcançar este objetivo é contrária à manutenção da liberdade dos indivíduos e comunidades, logicamente tal implicaria uma classe de burocratas, fosse qual fosse a ideologia afixada, encarregues de administrar essa tal «igualdade». Pode-se compreender que tal burocracia, inevitavelmente, terá o essencial do poder (e com as benesses que daí decorrem), enquanto todos os outros ficarão sem poder: Logo, não existirá nenhuma igualdade, mas o contrário**. 

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*Alguns usam a expressão «igualdade de oportunidades», mas eu penso que esta formulação é enganadora. Pode parecer que um filho de rico e um de pobre, têm as «mesmas oportunidades», se frequentarem a mesma escola: Na prática, isso não é assim. Por outro lado, alguém com um melhor desempenho na sua profissão que outros, não seria justo que lhe fossem recusadas maiores oportunidades para potenciar a sua formação, etc. devido a um princípio rígido «igualitário». 

**Perante a experiência longa e penosa do regime saído da revolução bolchevique e de todos os seus avatares que surgiram sobretudo no século XX e debruçando-me em profundidade  sobre essa história, cheguei à conclusão de que foi feita a demonstração pela prática e em tragédias terríveis para os povos em causa, do que afirmei sinteticamente acima.

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-Preservar o máximo de conectividade e de autonomia. 

Na natureza, verifica-se que seres vivos, populações e comunidades  perduram no ecossistema, graças às estratégias que desenvolveram ao longo da evolução e que lhes permitem um máximo de resiliência. Ora, esta resiliência numa espécie social, como é o caso da nossa, equivale a manter um relacionamento, que será sempre diferenciado, com os outros: A família, os colegas de trabalho, o grupo de amigos, etc. Note-se que uma das tragédias maiores do nosso tempo, é o paradoxo da abundância material ao nível social, enquanto se assiste a um isolamento cada vez maior do indivíduo: Em vez da partilha, o fechamento; em vez do convívio, o isolamento; em vez da comunicação, a agressão, etc. Muitos médicos e cientistas sociais sabem que, nas sociedades contemporâneas, as patologias mais frequentes são de natureza social na sua génese.

A autonomia dos indivíduos, dos grupos e das sociedades, não é a antítese da conectividade. Há mesmo um efeito de potenciação de ambas. Se pensarmos quem é mais autónomo, não são pessoas com menos conexões, pelo contrário. E o mesmo se poderá observar em conjuntos maiores: Em famílias, comunidades locais, regionais ou nacionais. A autonomia não deve ser confundida com autarcia: São posturas essencialmente diferentes, apesar do prefixo «auto» ser comum. A autonomia significa que o indivíduo ou grupo não está dependente, em qualquer aspeto vital, dos outros quer estes sejam indivíduos ou grupos. Mas, não significa que o ser autónomo rejeite o intercâmbio, a realização conjunta de projetos. Aliás, verifica-se no concreto que, quanto maior autonomia do indivíduo ou grupo, mais está disponível para se abrir aos outros, ao exterior. A atitude que se pode classificar de autarcia, implica a vontade de isolamento e a organização dos diferentes aspetos da vida para realizar e manter esse isolamento. Num indivíduo, corresponde com frequência a uma patologia, a um autismo. Numa sociedade, traduz-se na redução ao mínimo dos contactos com o exterior, quer nos planos das trocas comerciais e culturais, ou na circulação dos indivíduos, etc. Em geral, quando se pensa a independência em termos de Estado, de Nação, é no plano da autonomia dessa Nação, em relação a outra ou outras, que é entendida, não se está a pensar em alcançar um estado de autarcia.

- Gerir ao nível local o que é adequado ao nível local.

A sociedade de hoje é demasiado complexa para poder viver em autarcia. Esta ocorre "naturalmente" pelas circunstâncias em que se encontrem pequenos grupos, tribos ou etnias, muito isoladas da civilização: Por exemplo, nalgumas tribos da Amazônia. Mas, em sociedades complexas, existem demasiados patamares a ter em conta, o que tem provocado dois movimentos contrários: Ou uma tendência centralizadora, impondo as soluções de cima para baixo, do centro para a periferia; ou a solução de atribuir autonomia de decisão e correspondente responsabilidade aos atores de cada um desses patamares. No caso primeiro, assiste-se a um estreitar ou mesmo anular da autonomia e das liberdades, em grau maior ou menor, consoante a violência com que essa centralização é imposta. No segundo caso, é condição para a gestão do grupo e da sociedade, no respeito dos indivíduos e coletivos. Digo condição, apenas, porque para que se realize tal funcionamento, em qualquer dos patamares, é necessário que os atores estejam conscientes dos valores e treinados no debater e agir coletivamente. 

- Construção orgânica dos diversos patamares com metodologias comuns, mas âmbitos legais distintos

Se a organização da sociedade for erigida desde a base, sem imposições de uma elite que se coloca como a «representante» (na realidade, a proprietária) da população, os diversos patamares de organização têm de obedecer aos mesmos princípios gerais. É portanto inútil e mesmo prejudicial estar a especular sobre o concreto dessa organização social, o fundamental é haver, ao nível da população, um entendimento consensual do que sejam os princípios de uma boa governança. Esta «governança», por oposição a «governo», seria sinónima de linhas-guia relativas aos processos de tomada de decisão, de execução das medidas acordadas e de avaliação. Note-se que, aqui, não há apelo a uma utopia, seja ela qual for: As utopias deram demasiadas vezes em tragédias, na história da humanidade. Pelo contrário, a construção orgânica é anti -utópica: O que socialmente é construído, está em potência nos princípios gerais adotados pela sociedade. Não existe nenhum plano prévio, de como se deva organizar e gerir. São os próprios povos interessados, que se mobilizam, debatem e chegam a consenso sobre os caminhos a adotar nas diversas tarefas de construção de instituições. Quanto aos «âmbitos legais distintos»: Significa que determinado patamar tem competência legal para gerir uma determinada área geográfica, ou setor de atividade. Os princípios gerais devem ser adaptados, a cada um desses âmbitos, o que - evidentemente - deverá ser feito pela sociedade, não por um indivíduo ou grupo de indivíduos.

- Não ter pressa nas deliberações e ter preocupação na implementação das decisões

Muitas pessoas confundem rapidez, com eficiência. Isso é consequência duma sociedade em que ser-se servido imediatamente, segundo o seu capricho, tornou-se «exigência» das pessoas, que se acham no seu direito, sobretudo se têm dinheiro e poder. As deliberações entre iguais, têm de ser conduzidas com respeito por todos os intervenientes, seja qual for a metodologia utilizada no debate. Isto é lógico, pois se um ou alguns intervenientes no debate não são respeitados, então é evidente que não existe, ou deixou de existir, igualdade. A obsessão com a «eficácia» é - muitas vezes - uma forma de mascarar vontade de poder sobre os outros e sobre a sociedade. Os ditadores utilizam o argumento da eficácia para alargarem as medidas arbitrárias, para outorgarem mais poder a si próprios, etc. A eficácia é medida por aqueles que tomaram as decisões, fazendo pontualmente ou constantemente a avaliação do modo como estas são implementadas. Isto aplica-se em todas as esferas de atividades humanas coletivas e em todos os patamares de organização. Quem monitoriza a aplicação das decisões, detém uma parte importante do poder, senão mesmo todo o poder. Portanto, à decisão coletiva deve corresponder também a monitorização coletiva da sua aplicação. Num novo modo de organizar a política na sociedade, este aspeto deve ser tido em conta desde o princípio. Os processos de monitorização coletiva das decisões não devem ser estabelecidos a posteriori, mas concomitantemente à  tomada de decisão coletiva. O conceito-chave é de que a coletividade, seja a que nível for, tenha sempre o controlo do processo: tanto na etapa de discussão duma proposta ou resolução, como durante sua implementação, incluindo a sua monitorização e avaliação.  

- Guardar o realismo na avaliação das situações

No geral, as pessoas mais empenhadas são voluntariosas, tendem a tomar os seus desejos pela realidade. Isto é compreensível psicologicamente mas é prejudicial ao fim e ao cabo, em qualquer grupo ou coletivo, pois impede que aquilo que não está a correr bem, seja retificado. Sem crítica permanente, bem acolhida no debate, não relegada para as margens, o realismo não pode existir, na prática. Nas sociedades autoritárias, a ausência desse debate livre, a não aceitação do papel da crítica, vão conduzir - inexoravelmente - a decisões nefastas para a sociedade e até, por vezes, para o próprio poder instituído. Daí que as sociedades autoritárias sejam, ao contrário do que muitos pensam, menos estáveis do que as sociedades onde a crítica, a aceitação natural dos pontos de vista divergentes, sejam prática corrente.   

-Reconhecer que a atitude inteligente é sempre a de cooperação 

Nós - humanos - não teríamos qualquer hipótese de ter sobrevivido enquanto espécie, sem termos criado coletivamente um ambiente que se diferenciou progressivamente do ambiente natural. Este novo ambiente, humanizado, constituiu-se como um nicho dentro do ambiente natural, tornando possível a vida da sociedade humana. Nos processos fundamentais da evolução humana, a entreajuda tem um papel central. Não digo que não houvesse competição; reconheço que a competição - num certo grau- foi importante para a evolução tecnológica existir. Porém, é preciso desfazer de vez a crença numa versão deturpada e totalmente ideológica do darwinismo, imposta pela classe dominante. Com efeito, sua ideologia difusa, o «neoliberalismo», tem sido arauto de chavões como: Temos de aceitar que há sempre «vencedores e vencidos», no mundo natural e nas sociedades humanas; deve-se aceitar a «lei» de que são selecionados os mais aptos, os melhores, através da competição. Ao fim e ao cabo,  qualquer biólogo ambiental e mesmo, qualquer espírito esclarecido, pode aceitar a premissa de que a competição não só é positiva, como é essencial para a sobrevivência da sociedade. Mas, curiosamente, são os difusores desta ideologia neoliberal que - na prática - fazem tudo para eliminar os seus competidores, para erigir um sistema monopolista na economia e uma falsa competição na política. Em muitos países, os partidos concorrentes aos lugares de poder partem das mesmas premissas básicas, são difusores da mesma ideologia.

Nunca é demais sublinhar que as sociedades precisam da estabilidade. Que é a estabilidade que lhes permite inovar. As revoluções são, em regra geral, baseadas nalguma ideia de transformação profunda da sociedade, que seria absoluto dever levar-se a cabo. Esta ideia de revolução serve bem uma casta sequiosa de poder, seja qual for sua ideologia. Esta prepara-se cuidadosamente, muito tempo antes da revolução, antes das condições para tal revolução estarem maduras. O seu discurso oficial não revela suas intenções. Essencialmente, a casta quer dominar as massas, gerir a sociedade à sua maneira. O poder resultante da revolução é sempre, «por coincidência», o que favorece essa mesma casta, que a mantém no poder e a enriquece. Nalguns casos, consegue perpetuar os seus privilégios, até se tornarem hereditários, ou seja, uma classe à parte.

Pelos motivos acima, devemos difundir a pedagogia  de nos habituarmos a avaliar alguém, ou um partido, ou corrente, não pelo seu discurso, mas pela sua prática, por aquilo que fazem, não pelo que proclamam. Por exemplo, não basta que um grupo seja favorável à cooperação, em discurso. É preciso que a sua prática quotidiana, o seu modo de funcionamento interno, seu relacionamento com outros indivíduos ou grupos, sejam aplicações claras dos princípios de cooperação, de entreajuda, de troca igual, etc. Caso contrário, tal grupo, estará a construir um projeto de tomada de poder sobre a restante sociedade.

Não irei aqui fazer o elogio da cooperação, existem muitas obras que o fazem bem. Para mim parece-me algo evidente, que tem inúmeras vantagens sobre a competição egoísta, sobre a obsessão pela conquista do poder, etc. A minha intenção, neste curto texto de reflexão, foi de mostrar que as ideologias que exaltam o indivíduo acima e se necessário contra a sociedade, as que opõem bem-estar individual ao bem comum, como se estes fossem antagónicos, são - na realidade - o contrário do liberalismo genuíno, ou seja do liberalismo que surgiu no século XVIII, dos filósofos das luzes, e não do «liberalismo» que foi, depois disso, o estandarte ideológico da «política da canhoneira», levada a cabo pelo Império Britânico, ao qual sucedeu o Império Yankee.
No presente, de forma deliberada para falsear o debate, são excluídas, ou deturpadas até à caricatura, as formas de pensar as relações entre humanos, a política no sentido mais nobre da palavra: Nomeadamente, as correntes que preconizem a igualdade verdadeira (sem «igualitarismo»), a autonomia (que não significa «autarcia») e a cooperação (que não exclui, mas integra, a competição).
Se estas ideias tiverem uma significativa implantação nas sociedades contemporâneas ou, pelo menos, em segmentos destas, poderão demonstrar - pela prática - não apenas a sua viabilidade, como suas vantagens face ao modelo hierárquico, elitista, de exercer o poder.
É um problema difícil de resolver; não foi resolvido no passado, por muitos motivos, entre eles: A sabotagem de tais iniciativas, pelos poderes instituídos; a dificuldade dos próprios protagonistas das experiências de sociedade não-hierárquica, cooperativa e livre, em se desfazerem dos preconceitos ou erros conceptuais importados das sociedades das quais eram originários.

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Gostaria muito de receber as vossas críticas e opiniões sobre este texto. Ele tem apenas como função despoletar a discussão. Não tenho dúvidas de que qualquer dos pontos tratados foi apenas aflorado; que seria necessário desenvolver e argumentar muito mais as minhas teses.
Por outro lado, penso que só a reflexão coletiva e a discussão, podem proporcionar a maturação das ideias, a partir deste esboço. Esta atitude está em coerência com o espírito de cooperação, de entreajuda. Escrevam o que pensam na secção de comentários por debaixo deste texto ou enviem-me as vossas opiniões sob forma de e-mail, para: manuelbap2@gmail.com

Aguardo, com sincero interesse, as vossas reflexões!












terça-feira, 1 de março de 2022

«LE DÉSERTEUR» DE BORIS VIAN // QUANDO A MÚSICA DÓI



Aqui, uma das músicas que nos encheram o espírito e o coração, nos idos anos sessenta do século passado. Ou foi há vinte séculos???
Elas estão mais esquecidas porque raramente são evocadas ou retomadas, ao contrário das produções do showbiz, a máquina do espetáculo. Não é por acaso que existe - vemos à nossa volta, agora mesmo - uma sociedade sem memória coletiva, sem conhecimento da história, descerebrada. 
Infelizmente, eu terei de ser um desertor, se isto continua a ir de mal para pior. Demasiados sinais vão nesse sentido.
Não compreendo bem como as pessoas se deixam tomar pela paixão a favor da guerra, mas penso que esteja relacionado com a manipulação dos instintos profundos de sobrevivência, do medo da morte e de serem ostracizadas. Poucos são os homens e mulheres que têm a coragem (sim, hoje em dia é precisa) de pensarem por si próprios/as e, igualmente, de serem coerentes consigo próprios/as. 
Apesar do meu ceticismo, apelo ao bom-senso, à humanidade, ao sentido de responsabilidade de todos/as que me leem:
Não vamos, intencionalmente ou não, assoprar os ventos da guerra. Agora, do lado dos poderes, há um desencadear de furacões e tornados. 
Se queres a paz, trabalha pela paz!
Uma paz dentro de ti, com os outros, com aqueles/as com quem te sentes em dissonância, especialmente. 
Este Mundo é para ser partilhado por todo o género humano, por todas as culturas e países. 
A guerra, seja a que nível for, é sempre uma má solução; ou melhor, não é realmente uma solução. 
Tudo o que deixa, é desespero, destruição, amargor e desejo de vingança, nos que a sofrem. Em geral, sofrem muito também os que não têm um mínimo de participação na loucura coletiva. 

O meu coração não pode ter sentimentos antagónicos contra os povos, sejam eles quais forem... Os povos ucraniano, russo, da União Europeia, britânico, dos EUA... Não tenho nada contra eles (e os restantes)! 
Mas, tenho contra os dirigentes, os líderes que, ao longo de décadas, nos têm coletivamente levado para o abismo, passo ante passo, falhando redondamente na promessa (explícita ou implícita) de criar condições de segurança coletiva, para as nossas sociedades, para o Mundo.

O que parece extremo, de minha parte, não o é, afinal. Sempre foi a mensagem do humanismo, da filosofia, da espiritualidade. Se procurarem, verão que temos exemplos claros disso, no presente e nas tradições dos diversos países, que estão agora tão apartados. 
Neste contexto, é preciso evitar o mal que consiste em diabolizar o outro, em colocá-lo (explícita ou implicitamente) num plano de «não humano». 

A propaganda apoderou-se da media, sobretudo a media com meios mais poderosos de difusão. Em simultâneo, são censuradas informações e opiniões, que se afastem da ortodoxia ditada pelos poderes, nesta Guerra Global em que nos encontramos mergulhados. Estes mecanismos acabam por anular qualquer réstia de liberdade. Eles tendem a extravasar para aquelas áreas e assuntos que os poderes decidam que são «tabu». Porque, sem liberdade de informação e de opinião, não se pode manter nenhuma liberdade verdadeira.

Será que a humanidade se vai deixar levar - mais uma vez - ao matadouro? Desta vez, seria a vez definitiva; se houver vida, não haverá nada que valha a pena viver, no seguimento duma guerra nuclear. Note-se que é impossível haver uma guerra nuclear limitada. Nas circunstâncias atuais, há a certeza de que um primeiro golpe nuclear, por um dos adversários, não vai impedir que o outro conserve várias possibilidades de contra-ataque nuclear. 
Mesmo que não houvesse uma tal riposta, o «inverno nuclear», isto é, o arrefecimento brusco do clima e a diminuição duradoira da fotossíntese, devido às partículas de poeira radiativa em suspensão depois das explosões,  causaria o definhar lento, horrível e definitivo da espécie humana. 
Querem isso ... Ou preferem acordar da ilusão e do condicionamento e agir responsavelmente, como humanos? 



Le Déserteur

Le déserteur
Monsieur le Président
Je vous fais une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez le temps
Je viens de recevoir
Mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir
Monsieur le Président
Je ne veux pas la faire
Je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C'est pas pour vous fâcher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m'en vais déserter
Depuis que je suis né
J'ai vu mourir mon père
J'ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
Qu'elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers
Quand j'étais prisonnier
On m'a volé ma femme
On m'a volé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J'irai sur les chemins
Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens
Refusez d'obéir
Refusez de la faire
N'allez pas à la guerre
Refusez de partir
S'il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
Vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n'aurai pas d'armes
Et qu'ils pourront tirer

 

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

MEDICINAS ALTERNATIVAS E HUMANISMO

A HOMEOPATIA E RICHARD DAWKINS 

DAMÁSIO E A ESTRANHA ORDEM DAS COISAS  

Existe um fascínio, hoje em dia, que é muito bem explorado e publicitado, para tudo o que é «medicina alternativa», ou seja, afinal o quê?

Nós sabemos que a Medicina foi sendo codificada, ao longo do tempo, assim como a sua prática foi sendo regulamentada, de modo cada vez mais estrito. 
Os futuros médicos foram sujeitos a uma formação académica cada vez mais diversificada e rigorosa nos requisitos científicos, ao ponto de que, cada vez mais, a figura do médico se confunde com a dum «cientista», que passa os seus dias fechado no laboratório a fazer pesquisa.
Esta imagem ingénua é mais difundida do que se pensa. As pessoas continuam a ter uma veneração muito especial pelos que dispensam a «cura», como nos tempos dos alquimistas, que infestavam as cortes e propunham a monarcas e súbditos pseudo-curas, a começar pela «cura de juventude»... os famosos elixires que tinham essa propriedade mágica do rejuvenescimento. A transmutação dos metais como o chumbo em ouro, era apenas uma forma de confirmar o poder mágico dos alquimistas, detentores da «pedra filosofal», que tudo curava.

                                     

Em relação à homeopatia, vale a pena ver e ouvir este pequeno vídeo acima, realizado por Richard Dawkins, um autor que - com certeza - tem ideias bem definidas sobre o que seja ciência e racionalidade. Dawkins tem a coragem de questionar as suas próprias convicções, de ir buscar argumentos que dêem razão à parte contrária. Não é neutro, pois é impossível ser-se neutro neste domínio. 
Se, efectivamente, a homeopatia for uma pseudo-ciência, anda-se a vender uma falsa esperança a milhões de pessoas, anda-se a desviar também recursos escassos (não apenas dinheiro, como meios técnicos e humanos consideráveis), à conta do contribuinte!  

Na verdade, estou interessado em procurar um caminho de empatia, quer para com os pacientes, quer para com os terapeutas, especialistas em terapias ditas «alternativas». 

Isto, porque acredito na eficácia do efeito sobre o paciente da convicção do terapeuta; do facto do paciente compreender que o terapeuta é uma pessoa com grande desejo de ajudar, que se preocupa em ouvir o paciente, que o examina com cuidado, etc. 

Se, por cima deste efeito de empatia, temos um efeito concreto das terapias ensaiadas ou não, é algo que pode ser sujeito a teste, a verificações objectivas, tratadas estatisticamente, para se verificar se, sim ou não, existe um mecanismo bioquímico ou biofísico no paciente que o conduz à cura, ou à regressão dos sintomas. 
Foi o que vários estudos tentaram fazer, mas os resultados destas avaliações são ambíguos, não esclarecem de facto, ao contrário do que  Dawkins diz no referido vídeo.

O complexo da questão reside no facto de estarmos perante um ser que sente e pensa, o paciente, o qual tem uma psique, que exerce um poderoso efeito sobre o «corpo» ou a «soma»: os efeitos psicossomáticos são muitos e complexos. Aliás, têm sido estudados muito a sério pela medicina e psicologia. 

O efeito placebo, nomeadamente, é tão importante, que os estudos para testar a eficácia terapêutica de qualquer medicamento, antes de ser aprovado, obrigatoriamente têm de incluir ensaios-controlo, em que todas as variáveis são iguais, excepto que a substância supostamente terapêutica, é substituída por algo inócuo, «um placebo», que não tem nenhuma acção curativa da doença, mas que também não afecta os voluntários. 
Assim, grande parte da melhoria observada nestes sujeitos é apenas devida a um efeito psíquico, o «efeito placebo»: o indivíduo, convencido de que está a tomar algo que terá efeitos positivos, tende a melhorar significativamente. 
Há um mecanismo misterioso e complexo que se põe em marcha, que fortalece as defesas endógenas do organismo, melhora o funcionamento dos órgãos, numa série de retro-controlos que se exercem, numa escala de complexidade impossível de se analisar. Impossível, porque não faz sentido fragmentar um todo, que é o ser, o indivíduo, com a psique unida ao corpo.

Agora, o que me parece cardeal é tirar a lição razoável das medicinas alternativas. 
Em vez de procurar denegrir/deslegitimar/ilegalizar algo que tem marcados efeitos benéficos em certos indivíduos, pelo menos, os médicos convencionais deveriam aprender dos terapeutas «alternativos», as formas mais atenciosas, mais pessoalizadas, do trato com o paciente.                                                  
Eu acredito que o paciente irá fazer muito caso das prescrições  e recomendações terapêuticas que o médico (convencional ou «alternativo») fizer, se e somente se plenamente convencido de que o terapeuta é uma pessoa realmente idónea, empenhada, que deseja sinceramente ajudar. 
Se o médico ou terapeuta se mostra apressado, distraído, ausente, nervoso, impaciente... o que estamos à espera? 
- Qualquer pessoa sensível irá sentir-se diminuída, na sua própria essência, sentirá que, ou se «submete» ao tratamento que não é questionável, ou então abandona. Muitos fracassos terapêuticos têm mais que ver com a falta de convicção do paciente do que com outros aspectos. 

As pessoas deveriam - de forma acessível ao seu nível de compreensão dos conceitos da biologia - receber uma explicação honesta das razões porque se fez um determinado diagnóstico, porque se segue um determinado tratamento. 
Há que convencer, que fazer com que o paciente assuma a sua quota-parte de responsabilidade, não no mero sentido do médico se descartar, para o caso de as coisas correrem mal, mas no sentido da cura ou melhoria ser comparticipada pelo paciente.
É evidente para mim que, se o paciente tiver a compreensão das causas da enfermidade e dos meios de sua superação, ele irá participar, conscientemente e também com o seu sub-consciente, no processo de cura. 
A terapêutica, seja ela qual for, terá maior eficácia, desta forma. Pois, só assim poderá conseguir mobilizar o organismo a operar internamente as transformações que conduzirão à derrota dos factores patogénicos. De facto, é assim que a terapêutica pode ir ao encontro do ser profundo; é assim que ambos se aliam, se conjugam e harmonizam. Quer a doença seja causada por factores intrínsecos ao indivíduo, ou por agentes externos, ele vai produzir moléculas que interferem com os agentes patogénicos. 

Sabemos como é complexo o mecanismo da imunidade, a vários níveis. Sabemos como são complexas e subtis as regulações homeostáticas  nos seres vivos, dos mais elementares (bactérias), aos mais complexos (humanos).

                                                   Bertrand.pt - A Estranha Ordem das Coisas

António Damásio produziu um belíssimo ensaio, cuja leitura aconselho a todos: «A estranha ordem das coisas». 
No decurso da sua leitura pude reafirmar ou fundamentar melhor as minhas convicções de longa data, como biólogo e como apaixonado da ciência da evolução. Foi uma ocasião para eu reflectir sobre conceitos biológicos que nos apresenta este autor, sob forma inteligível, incluindo as surpreendentes formas que a vida inventou para conseguir alcançar seus objectivos. Refiro, nomeadamente, os conceitos de sentimento, de autonomia, de homeostase, e muitos outros. É verdade, trata-se de uma «estranha ordem», quer para leigos, quer para estudiosos de biologia.

Se os princípios da homeoestasia, da simbiose e da empatia tomam cada vez maior importância na ciência de hoje, como parece ser o caso, tenho esperança de que algo se passe ao nível da relação das pessoas com a sua saúde, em geral. 
Tenho esperança que as pessoas assumam as suas responsabilidades na manutenção do equilíbrio corpo-espírito e que tomem parte activa na recuperação deste equilíbrio, quando caem doentes. 
Haverá maior preocupação na sociedade, em seguir os princípios da sabedoria? Assumiremos cuidar de nós próprios e dos outros, com verdadeiro amor?
Da parte dos profissionais de saúde, espero que haja mais humildade, maior respeito pela natureza. Esta é tão mais sábia, tão mais subtil nos seus fenómenos e processos, do que os saberes e técnicas, disponíveis ao nível médico-científico! 
Maior humanismo também, se deveria esperar de todos os agentes de saúde, médicos ou não, não esquecendo nunca que o paciente é um ser humano, digno da maior consideração.
  

sábado, 7 de janeiro de 2017

ENTREVISTA COM GRAHAM HANCOCK

UMA LIÇÃO DE HUMILDADE E DE SABEDORIA...



Na longa entrevista de cerca de hora e meia, Graham Hancock revela-se como uma personalidade rica de experiência e de coração. A sua procura por caminhos tidos como «heréticos» ou «esotéricos» é fascinante e parece-me muito bem documentada. Não li ainda o livro Magicians of the Gods, mas prometi a mim próprio fazê-lo, logo que surja a oportunidade. 

Estranhamente, antes de ouvir falar deHancock e de suas hipóteses, tinha a intuição de que Atlantis era muito mais do que mera construção mitológica, que tinha base num longínquo estado de civilização, destruído por cataclismo(s). A confirmação de que existem boas razões para crer que a história narrada por Platão não é apenas uma «invenção», mas tem uma base muito real, permite-nos abrir o campo interpretativo do passado distante. 

Gosto também do humanismo que ele demonstra ao longo da entrevista. Identifico-me com a sua visão pela emancipação da tutela das pessoas e dos povos em relação a líderes, que ele afirma não serem necessários. A humanidade pode viver sem líderes, diz ele a certa altura. Acho este ponto de vista muito apropriado e sensato; se é "radical", será no sentido de ir à raíz dos problemas. 
Um autor e uma obra a descobrir!