Mostrar mensagens com a etiqueta Nassim Taleb. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Nassim Taleb. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 17 de maio de 2022

DINHEIRO DIGITAL, INFLAÇÃO E OS MITOS ECONÓMICOS DO PRESENTE





Segundo Alasdair Mcleod, não existe nada mais difícil de explicar em economia, do que a subida dos preços. Vale a pena ler o seu artigo. Não irei repeti-lo ou resumi-lo, neste apontamento.

Apenas quero manifestar o meu estranhamento pela forma despreocupada como muitos cidadãos estão olhando para a presente vaga de inflação. 
Todos deveriam saber (mas não sabem) que a inflação é - em última análise - um fenómeno monetário. Ou seja, está correlacionada com a quantidade «excessiva» de moeda (papel/digital) em circulação dentro de um país e no mercado internacional. Essa massa monetária «anda à procura» de se investir em bens de consumo ou em ativos financeiros. A parte entesourada pode aumentar também (o dinheiro líquido, ou «cash») mas, este efeito não acontece em grande escala, no contexto atual. 
As pessoas são fortemente empurradas para investirem suas poupanças, quer em ações ou obrigações, quer em índices ETFs, como se estes ativos financeiros tivessem a propriedade «mágica» de superar crises e de serem capazes de conservar o seu valor, quando tudo estiver a ruir à sua volta. Não conseguem. 
O que acontece, é retornarem ao seu valor intrínseco, ou próximo dele: o valor do papel-moeda, nesta situação é zero, ou próximo de zero. Assim é com todos os ativos avaliados em termos de moedas «fiat».

 A única possibilidade de escapar ao efeito triturador da inflação sobre os ativos, é convertê-los em bens cuja existência seja independente dos acasos da finança especulativa: os terrenos, o imobiliário, os metais preciosos, os objetos de arte e coleção. 
Todos os outros estão sujeitos a que seu valor se reduza a zero. De que serve ser-se «trilionário» em dólares do Zimbabwé, se isto significa ter a capacidade aquisitiva para comprar três ovos de galinha?

A mudança em curso é desejada pelos bancos centrais. Não pensem que eles estão a fazer as coisas pelo melhor, mas que são «desastrados» ou «estúpidos» e sai-lhes tudo ao contrário! 
- Não, quem pensa assim é que está a ser estúpido! 
- Se analisarmos informação pública vinda do BIS (Banco Central dos Bancos Centrais), dos Bancos centrais principais (FED, BCE, Bank of England, PBC, etc.) e de governos, vemos claramente que estão numa corrida para DESTRUIR O VALOR DAS SUAS RESPECTIVAS DIVISAS. Isto parece absurdo, à primeira vista. Mas o contexto é tudo; é que se acumulou dívida, toda a espécie de dívida - pública, privada, corporativa, soberana, etc.
Estão desesperados por encontrar uma saída para esta dívida monstruosa, que já começa seriamente a afetar os seus negócios e portanto a sua taxa de acumulação. Encontraram a digitalização do dinheiro a 100 %, como fórmula mágica, que irá fazer «desaparecer» o problema. Na teoria, essa dívida nunca desaparece; mas na prática sim, porque quem não tiver capacidade para pressionar o sistema judicial e político, para reaver o que lhe devem, ficará espoliado, na prática. 

Por isso, fazem tudo para tornarem inadiável, impossível de evitar, a tal introdução das DIVISAS DIGITAIS EMITIDAS PELOS BANCOS CENTRAIS. Esta é a razão pela qual a oligarquia está freneticamente comprando terrenos, casas, bens diversos e ouro, muito ouro; porque ela sabe perfeitamente o risco de manter o grosso da sua fortuna em papéis sujeitos a especulação. 
Sabe perfeitamente que apenas se deve atribuir pequena fração dos ativos a investimentos muito arriscados. Nestes, também se inclui o bitcoin e todas as criptomoedas emitidas fora do controlo dos Estados. 
Isto porque, no momento que os governos e bancos centrais decidirem (de repente), esse instrumento deixará de possuir qualquer valor: basta que seja interdito ser transacionado por «moeda digital estatal», entretanto instaurada pelos Estados e Bancos Centrais. 
Neste momento, o detentor de criptomoedas «livres» pode usar essas, apenas e somente, como quando usa «notas de banco do Monopoly» só possuindo valor dentro desse jogo.

Neste momento,  já alguns compreenderam o jogo, fazem tudo para empurrar as pessoas da classe média empobrecida para o precipício das bolsas, dos índices, os hedge funds, das criptomoedas
Eles sabem que estão a arrastar as pessoas honestas e crédulas para algo muito mau, mas eles não fazem isso por maldade pura e gratuita. 
Fazem-no porque é a maneira deles próprios se «desencravarem», de vender tais ativos, que estão na «estratosfera» agora e ainda irão mais alto, isto é, até desaparecerem como fumo. 
Perguntem sempre a vocês próprios se alguém tem, ou não, interesse próprio («skin in the game» Nassim Taleb) ao fazer uma determinada projeção, ao sugerir esta ou aquela estratégia.



O meu interesse é simplesmente avisar os meus concidadãos. Sei que a crise será profunda, duradoura e destruidora. Talvez algumas pessoas amigas, conhecidas ou desconhecidas, me leiam e compreendam que eu não tenho motivação de lucro pessoal, para dizer o que estou a dizer. Tão pouco tenho motivação ideológica deste tipo. 
Apenas sei que quanto mais miséria, violência, destruição houver no mundo e - também - à minha roda, mais miserável vai ser a minha vida e a vida dos que eu amo.

Voltando ao artigo de A. Mcleod, penso que o título é irónico, pois a dificuldade de compreender a questão da inflação, é nula. A questão é que os interesses colocam todo um jogo de espelhos e de nevoeiro, para tornar incompreensível a questão da inflação ao «não-iniciado». Com efeito, é com a ignorância alheia que os trapaceiros conseguem manter seus «esquemas de Ponzi» a funcionar, é assim que continuam a enriquecer à custa da falência alheia.

sábado, 2 de maio de 2020

SISTEMAS ANTI-FRÁGEIS

Retomo a definição de Nassim Taleb para descrever sistemas que têm a capacidade de se regenerar, de tornarem-se mais robustos, atingirem maior estabilidade depois de terem recebido uns «safanões», de não terem soçobrado ou explodido aquando do encontro com algo inesperado, como esta crise integral dos sistemas económicos, financeiros e mesmo das instituições, nacionais e internacionais, que se está desenrolando diante dos nossos olhos.
Um sistema com tal propriedade de anti-fragilidade, tem de ter as características da vida e - em particular - a capacidade de integrar a mudança (as «mutações»), mantendo a estrutura de base, através de mecanismos de conservação fundamentais (analogia do património genético da espécie, resultando de «eons» de evolução).
Uma forma de organização anti-frágil não irá concentrar capacidades críticas em pequenos nodos de comando, ou seja, não terá um grau de centralização que torna o seu conjunto frágil, perante a eventualidade da destruição, falência, ou  avaria, de uma componente. Quanto mais este conjunto estiver capaz de se regenerar, mesmo perante a destruição de uma de suas partes, mais estará anti-frágil. 
Ora, não há dúvida de que existe um modelo social, com muitos milhares de anos de experiência, que corresponde a este tipo de adaptação flexível perante as vicissitudes da vida, sejam elas causadas por factores naturais ou humanos: estou a falar das comunidades aldeãs, com as propriedades agrícolas distribuídas por várias famílias, que tenham possibilidade também de providenciar alguns bens e serviços não agrícolas, mas muito úteis em várias ocasiões. 
A existência de um excedente em termos de produções diversas, permitirá a compra de bens e serviços exteriores, o que é desejável, mas tal não deve condicionar toda a produção para obter dinheiro para efectuarem essas compras. 
A diversidade pode trazer uma quase autonomia da comunidade, o que não significa «autarcia». Por outras palavras, será afinal uma questão de bom-senso saber se é mais vantajoso produzir isto ou aquilo na própria comunidade ou adquirir, por compra, ou troca, ou partilha, determinado bem ou serviço. 
Evidentemente, para ser anti-frágil, essa comunidade tem de estabelecer uma rede de relações, não apenas comerciais, mas também de entreajuda com outras comunidades. Que estas outras comunidades possuam um modo de organização mais ou menos semelhante, não é factor absolutamente necessário. 
Até pode ser vantajoso que, numa dada área geográfica, haja uma certa diversidade de organização interna e dos modos de produção, distribuição e consumo, nas várias comunidades que a habitam.
As pessoas capazes de iniciar este tipo de comunidades terão o meu apoio e estímulo, na proporção das minhas fracas capacidades. 
Penso que muitas pessoas têm dentro de si o gérmen para tal. Verifico que pessoas inteligentes e capazes exageram o seu grau de impotência, imaginam que será muito mais difícil do que na realidade é. 
O que já não me parece de todo viável - agora - é uma sociedade exclusivamente urbana, com um «hinterland» de agricultura industrializada e  «normalizada», exclusivamente virada para abastecer o mercado dos referidos centros urbanos. 
Não sou adepto de um ecologismo «beato» e sem a necessária utilização dos saberes científicos e técnicos, que podem fazer a diferença, para construção de projectos sustentáveis e viáveis no longo prazo, ou seja, que permitam as gerações, não apenas sobreviver, mas viver em plenitude e num certo conforto. 
As circunstâncias «fazem» os homens:  perante certos desafios, algumas pessoas contentam-se com o seguro, com aquilo que conhecem, enquanto outras, arriscam, lançam-se em projectos que envolvem um certo grau de incerteza. 


Existem meios para reduzir essa incerteza, para potenciar as hipóteses de sucesso. 
Parece-me óbvio, quando vejo esta crise e as catástrofes sociais que está a trazer, que não existe «salvação» individual, apenas salvação colectiva. Esta só existirá, se as pessoas puderem confiar umas nas outras, cara a cara, sem necessidade da intermediação de parasitas. 
Não há necessidade do Estado, ou do grande capital (banca, empresas monopolistas, etc...). As pessoas envolvidas nessas organizações têm tendência para reproduzir os modelos que elas aprenderam e dentro dos quais funcionaram. Será portanto necessário que elas não queiram trazer o Estado ou o capital e as suas «soluções» para estes projectos; isto não significa que não possuam bondade e integridade, a nível individual.


O essencial não é desenhar no papel o plano de uma comunidade utópica. Pelo contrário, aquilo que faz sentido e pode ser encetado desde já, é o seguinte: as pessoas com um certo grau de conhecimento mútuo, com experiência prévia de trabalho em comum, unirem-se e construírem «balsas de salvamento». Por outras palavras, trata-se de tomar em mãos a construção das suas próprias vidas, de decidir, por elas próprias, com todos os meios que possuem, como serão e como funcionarão essas tais comunidades... 

domingo, 30 de dezembro de 2018

QUANDO O EFÉMERO É JULGADO PERMANENTE

Nesta crónica de final de 2018, gostava de veicular aos meus leitores um pouco da minha estranheza, que se desenvolve a par de uma experiência de vida.

Há muito tempo que venho seguindo os mercados para eu próprio estar prevenido e saber como «tirar as castanhas do lume» a tempo. Embora não tenha uma instrução académica nas ciências económicas, tenho muita facilidade em compreender os seus mecanismos, pois estou preparado em termos conceptuais a pensar o funcionamento de sistemas complexos na biologia. Nesta, não apenas estudamos os mecanismos ao nível dos indivíduos, com as suas complexidades intrínsecas, como também as populações e os ecossistemas, sem a compreensão dos quais a vida dum qualquer organismo será  totalmente indecifrável. 
A analogia sistémica é particularmente apropriada aos sistemas sociais, construídos pela sociedade humana, desde que não se caia numa atitude redutora, ou seja, numa falsificação ideológica da biologia evolutiva, que aliás é comum nos comentaristas de meia-tigela. 
Não somos ingénuos, nem queremos convencer ninguém a adoptar as nossas teorias!

O sistema económico é eminentemente caótico, sendo isso uma característica independente do regime económico e político que vigore: 
- a Teoria do Caos estabelece que a complexidade de certos sistemas desencadeia respostas cujas determinações são imprevisíveis, pelo que estão sempre a surgir «cisnes negros» (na definição inteligente de Nassim Taleb). 
As pessoas têm o espírito feito de tal maneira que, seja por aprendizagem, seja por inclinação natural, procuram sempre «leis», «regularidades», daí que as suas visões sejam de continuidade a 100% (o preconceito da normalidade: O AMANHÃ SERÁ COMO HOJE, PORQUE HOJE FOI COMO ONTEM...).
Em situações de instabilidade maior, essa «certeza» efémera cai por terra; as pessoas entram em pânico, julgam chegado o fim do mundo, aquilo que afinal se resume à reestruturação dos capitais, uma nova distribuição das cartas e das fichas num jogo. 
Nem num caso, nem noutro, estão correctas: nem ao tomarem o efémero como medida segura das coisas, nem em vaticinar o fim do mundo, aquando dos grandes abalos, das grandes sacudidelas.

Hoje em dia, ao contrário de há vários anos atrás, os analistas de todas as tendências parecem estar de acordo em que 2019 vai ser um ano em que o potencial tectónico da dívida monstruosa vai finalmente exprimir-se através de uma crise, que se arrisca a ser maior e mais duradoira do que todas as outras que vivemos em nossas vidas. 
Isto significa que terá de ser - pelo menos - tão grande como a de 1929 (praticamente ninguém hoje ainda vivo, era adulto aquando daquela crise). 
De facto, existem muitos factos objectivos que apontam para tal. 
Muitas pessoas amigas gostariam que isso significasse o fim do capitalismo e o alvorecer de uma outra era, chame-se a tal novo modo de produção socialismo ou outro nome qualquer. 
Porém, uma previsão arrisco fazer: infelizmente para mim - e para os outros também, creio eu - o advento dum pós-capitalismo onde reinasse mais igualdade está completamente posto de lado, pois não existe uma força «subjectiva» que empurre as pessoas para formas igualitárias de organizar a produção e distribuição da mesma. 
Tal não era o caso nos inícios do século XX, em que existia esperança num mundo regido pelo lema «de cada um segundo suas capacidades, para cada um segundo as suas necessidades». 
As pessoas foram - no capitalismo globalizado -  transformadas em consumidoras ou produtoras passivas, intercambiáveis,  contabilizáveis: reduzidas a meras mercadorias (= o conceito de alienação na sua plenitude). 
No bicentenário de Marx, o único conceito teórico do marxismo que eu reconheço guardar actualidade, é o conceito de alienação. Todos os outros estão profundamente caducos, simplesmente porque a sociedade evoluiu e as suas visões eram adequadas e apropriadas a um determinado estádio de evolução do capitalismo. Quanto ao «materialismo dialéctico» e o «materialismo histórico», nem vale a pena falar, pois são completas fabricações ideológicas, muito ao gosto cientista do século XIX. 
Na minha forma de ver as relações entre os factos, a experiência e as teorias... aqueles vêm primeiro, as teorias vêm depois: estas devem ser construídas sobre um certo número de factos, pré-existentes à sua construção. 
Se determinada teoria não tem na devida conta TODOS os factos conhecidos, à data da sua elaboração, será irremediavelmente falsa à nascença. 
Mas, mesmo uma teoria que tenha em devida conta todos os factos relevantes pode - no futuro - revelar-se falsa ou caduca. Isso, aliás, acontece constantemente nas ciências ditas «duras» (a física, a química, a biologia...). 
Mas, por que razão é que  - nas ciências ditas «moles» (psicologia, sociologia, economia...) - existe tanta teoria defeituosa, que apenas reflecte a visão ideológica do autor e nada mais? 

A minha resposta é que...
(a) nós temos uma enorme atracção (intuitiva?) por «leis», por regularidades, por algo que nos permita tornar inteligível a realidade caótica que nos rodeia.  
(b) enquanto nas ciências duras é possível desenvolver dispositivos experimentais credíveis, ou seja, em que uma ou poucas variáveis sejam feitas variar, mantendo as restantes constantes...nos sistemas que têm como palco a sociedade humana, isso é impossível; apenas podemos fazer abstracções que servem mais ou menos a nossa ânsia da tal regularidade. 

A exemplificar isso, cabe aqui um parêntesis sobre o conceito de «mercado livre»: os fundadores da teoria económica liberal, Adam Smith, David Ricardo, e outros, viam neste conceito uma figura do espírito, uma propriedade da sociedade ideal, que eles sabiam perfeitamente não existir. 
Porém, os seus sucessores trataram de transformar esta vista do espírito, esta «experiência teórica», num «facto». Agora, são capazes de dissertar horas a fio sobre a «liberdade» do mercado. Fazem-no, creio,  mais como mantra, que os identifica com uma dada corrente. O mesmo se passa noutros sectores, só que com outros conceitos, incluindo obviamente sectores anti-capitalistas de várias conotações. 
Nesta época, paradoxalmente, é pouco apreciada a liberdade de espírito, a independência de juízo: Aquilo que permite reconhecer que um pensador, com o qual discordamos em muitos aspectos, acertou em cheio num dado ponto... Era esta atitude muito mais frequente, quando a difusão do pensamento era feita ao passo pachorrento dos cavalos atrelados a uma diligência e não à velocidade da luz, como agora! 


Estou convencido que as leituras de autores clássicos, em História, Filosofia ou na Literatura de ficção, no Romance, possam trazer imenso prazer a leitores do século XXI, caso estes se debrucem sobre as tais obras exactamente como sendo (e são, na verdade!) minas de ouro de sabedoria e de reflexão acumuladas.
O «capital de saber» é imaterial e não está dependente linearmente da disponibilidade económica de cada um. 
Saibamos usar os aspectos positivos da era da Internet, das comunicações globais instantâneas, o que implica também usar filtros que permitam descartar a «palha», sem perdermos os bons frutos.

BOM ANO DE 2019!

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A BRANCURA DO CISNE - AS INDUÇÕES FALSAS

Creio que foi Hume que avançou com o exemplo do Cisne, para ilustração do quão deficiente era a lógica indutiva:

- Todos os Cisnes que conhecemos são aves brancas, portanto o cisne pode ser erigido em símbolo de brancura (e, por extensão, de pureza, etc., visto brancura e pureza estarem associadas na cultura ocidental e noutras).

             


- Porém, quando os Europeus descobriram o continente Americano, verificaram que existiam lá cisnes negros, tão «normais» como os cisnes brancos da Europa. Esta nova raça de cisnes negros, tornava a  expressão proverbial «branco como um cisne» bastante ridícula. Tornava também ridículo o raciocínio indutivo, pois ele toma sistematicamente a parte pelo todo, inferindo que os objectos que não conhecemos são exactamente como os que conhecemos.

Porém, o pensamento contemporâneo é fortemente influenciado pela indução. Basta pensarmos nas estatísticas, nas amostragens que são feitas, na validade ou não de tais estatísticas como «prova» de que determinadas tendências na economia,  na opinião pública, etc. são detectadas e escrutinadas, são avaliadas «objectivamente». 

Talvez a crise das crises, seja afinal, mais profundamente, um colapso da indução como método de raciocínio lógico. Uma incapacidade de avaliar o risco, porque nos colocamos a observar o real com premissas erradas. 
Nassim Taleb retomou a metáfora do «cisne negro» com profunda ironia e sentido de humor, sabendo muito bem que os leitores de Hume identificariam a ligação entre o seu argumento e o enorme espanto da sociedade do século de Hume, ao descobrir, no Novo Mundo, uma raça de cisne negro, da ave símbolo de brancura!

Mas eu pretendo ir além de Hume e de Taleb para ir ao encontro da questão de como nós construímos a nossa realidade. Nós construímo-la ao nos movimentarmos nela. Ela não é um quadro rígido e definido nos quais nós temos de nos encaixar. É antes a nossa própria perceção de nós próprios e do mundo que «constroí» ou «fabrica» o mesmo mundo. Ou seja, teremos que dar razão - até certo ponto - ao filósofo Berkeley, que apontava a impossibilidade de nós conhecermos realmente o real, pois os mecanismos pelos quais alcançamos ou julgamos alcançar a compreensão das coisas e do mundo são apenas os sentidos e o raciocínio. Ora, tanto um como outro, são fruto na nossa disposição (genética) dos órgãos, tecidos e células, assim como das formas particulares que estes tomaram no decurso das nossas vidas. O mundo exterior, a realidade, podem ser postulados como sendo independentes dos meus órgãos dos sentidos e do raciocínio.  Mas, justamente, tal realidade exterior não pode ser conhecida e cognoscível sem recurso aos ditos órgãos, pelo que é legítimo pensar-se que uma parte ou até a totalidade do que vemos, do que experimentamos, é ilusório.

Creio que o mundo e a realidade estão para além da capacidade humana de os compreender extensivamente. Só Deus poderá, por definição, ter essa propriedade. Mas existe a capacidade humana de compreender e de dar conta de «pedaços» do real, pedaços deste mundo, que são alcançáveis, que estão em coerência com outros pedaços, assim como num puzzle. 
O nosso conhecimento do mundo será sempre imperfeito em relação ao Todo (Teorema de Goedel), mas ao nível de sub-sistemas pode efectivamente melhorar, aperfeiçoar-se, como se verifica nos domínios das diversas Ciências físicas e naturais.
Nós somos espíritos encarnados, não somos simplesmente corpos, não somos (somente) uma mecânica subtil, de moléculas, células e tecidos, formando órgãos e organismos. Embora sejamos os «habitantes» de corpos, não somos isso. 

sexta-feira, 5 de maio de 2017

WANG, MENDELSSOHN, TALEB E O «DAR O CORPINHO AO MANIFESTO*»

(*HAVING YOUR SKIN IN THE GAME)

Eis um ponto muito importante, a razão pela qual eu não tenho a mínima consideração por certas pessoas, que se arvoram em defensoras de ideias... as quais, nalguns casos, até compartilho!
... é que elas não dão o corpinho ao manifesto, como explica Taleb, aplicando esta noção aos intervencionistas...


Seja-me permitido ilustrar o assunto dando o exemplo contrário:




 Yuja Wang, o maestro e os músicos da orquestra que interpretaram magistralmente este concerto para piano de Mendelssohn e o próprio compositor... deram o corpinho ao manifesto:


 Com efeito, como poderiam eles fazer de outro modo? Expõem-se à critica, aos aplausos ou pateada do público, estão vitalmente dependentes do que fazem e de como o fazem. 



Não tenho nenhuma hesitação em dizer que os admiro e respeito muito acima de outros contemporâneos: políticos, opinadores, académicos, generais, «CEOs», etc. Mesmo os artistas com talento bem mais modesto que os exemplos aqui escolhidos são superiores, moralmente, aos que - desde um lugar seguro - comandam as tropas, no sentido próprio ou figurado.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

UM FATOR QUE PODERÁ MUDAR TUDO

É bem conhecido o conceito de «Cisne preto» de Nassim Taleb. Resumindo, ele assume que - em qualquer situação - existe sempre um risco não avaliado e impossível de avaliar. O risco de algo devastador vem então, muitas vezes, de um acontecimento com muito pouca probabilidade estatística, ou que é percebido como irrelevante pelo público, ou ainda cujo grau de verosimilhança é considerado muito baixo. 


Porém, existe outro conceito, o de «Dragão branco», ou seja, quando um acontecimento é praticamente certo, está à vista de todos, mas cuja importância é sistematicamente menorizada, cujo desenlace não é considerado. Este conceito também está relacionado com o preconceito de que «o que foi ontem, será também hoje e de novo, amanhã», o preconceito da normalidade.

Tudo isto vem a propósito de momentos ímpares que estamos a viver na História Mundial e... Não, não me estou a referir à disputada eleição para a presidência dos EUA entre Trump e Clinton! Este fenómeno, os prognósticos que enchem a média do mundo inteiro, é o epifenómeno, o qual não mudará um iota ao conteúdo do «Dragão branco». 
Justamente, os factos que irei brevemente descrever são importantes, são relevantes, estão à vista de todos, porém apenas algumas pessoas conseguem avaliá-los ao seu justo valor. Poucos conseguem ver para lá do instante presente, conseguem equacionar corretamente este momento como sendo um momento charneira do Mundo.

Não estou a exagerar: a dívida mundial - quer privada quer dos Estados - está fora de qualquer noção humanamente concebível, dizem-nos os especialistas em finanças que atinge os quatriliões.
maior devedor do Mundo inteiro é sem sombra de dúvida os EUA, sendo a sua dívida PÚBLICA per capita muito maior do que chamadas «repúblicas bananeiras». Este grande devedor é, perigosamente, detentor do maior arsenal de armas nucleares e outras armas de destruição maciça, além de que o seu orçamento bélico ultrapassa as despesas armamentistas dos restantes países do globo combinados. Os gastos com «defesa» nos EUA equivalem a 37% desses gastos no mundo inteiro.
O banco central dos EUA tem liderado a hiperinflação monetária, ou seja, a produção de dinheiro eletrónico sem qualquer contrapartida, o qual vai para as contas dos bancos mais poderosos. Ele é acompanhado, verdade seja dita, pelos bancos centrais da maior parte dos países «ocidentais» (Japão incluído), fazendo a compra de ativos tóxicos dos diversos bancos, permitindo assim que bancos tecnicamente falidos continuem a existir e  - pior ainda  -permitindo que o valor do dinheiro seja completamente sabotado por dentro. Isto traduz-se na maior investida contra as poupanças, contra os direitos das pessoas a receberem as suas pensões, na proporção daquilo que ganharam durante uma vida de trabalho. 

Tudo isto terá em breve um fim inevitável, pois não existe de facto, nenhum mecanismo para eliminar uma dívida de maneira real e autêntica, além do seu pagamento. A política dos bancos centrais ocidentais é supostamente para «ajudar» a economia, a retoma económica. Desde quando é que a inflação e deflação conjugadas podem causar «um choque, uma chicotada» para fazer disparar a economia? É evidente, mesmo para quem não tem a mínima noção do funcionamento da economia que esta é uma justificação absurda! Não, eles procedem assim para tornar os juros da dívida mais suportáveis e pensam também que, se cada dólar, ou euro, ou outra divisa, valer muito menos, embora nominalmente a dívida desse banco ou desse Estado se mantenha, ela diminui na prática, será mais fácil pagá-la. Mas, ao se atribuírem o poder de destruir o valor do dinheiro (que é uma representação de valor: ou seja,  o dinheiro é valor que foi recebido  - algures no passado - em troca de bens ou serviços) estão a destruir a base do sistema financeiro capitalista, no qual assenta a ordem económica mundial.

A desordem é causada, não por imperícia, não por estupidez, mas por cálculo: a ordem mundial não pode perpetuar-se mais nos termos em que está. A oligarquia que nos governa percebe isso. Está apostada em modificar o sistema mundial, não para nosso benefício, mas para manutenção do poder imenso de meia-dúzia. Tem estado a socavar, a destruir a base monetária do sistema, porque se considera capaz de substitui-lo por um novo sistema, mais favorável ainda do que o anterior.
No sistema ainda em vigor, os ativos de qualquer espécie eram/são contabilizados numa moeda. Esta moeda (seja ela qual for) funciona aqui como unidade de contabilidade. Mas ela também é um repositório de valor. A situação catastrófica de hiperinflação é aquela em que uma pessoa recebe o seu salário e no dia seguinte ele já vale muito menos, em termos de poder de compra. Isto faz com que as pessoas vão tentar livrar-se do dinheiro o mais depressa possível, comprando coisas que necessitam ou que pensam venham a necessitar algum dia, ou mesmo que pensem que poderão de futuro trocar por outras coisas, antes que esse dinheiro do salário perca ainda mais valor. 
Ao fornecer somas colossais aos bancos comerciais para os manter «a flutuar», os bancos centrais estão, não apenas a criar dinheiro a partir de nada, como estão a fazer crescer um risco, o de que o tal dinheiro passe das contas dos mesmos bancos e seja «lançado na corrente» da economia real, nos negócios, nas empresas, nas famílias... É como um rio que está bloqueado por uma barragem: a montante, a água vai acumulando-se e apenas corre para jusante uma quantidade pequena e controlada; mas uma brecha pode fragilizar o betão da barragem e esta pode ceder à enorme pressão da água... Todas as terras a jusante serão inundadas bruscamente, sem possibilidade de salvar seja o que for. Este é o risco que os bancos centrais dos países ocidentais estão a criar. 
Mas, pior ainda, é isto: Eles estão conscientes, fazem isso deliberadamente para obterem a justificação para a tal nova ordem mundial em que a respetiva divisa internacional e de reserva seria apenas e só uma... 
Tem todas as probabilidades de ser decalcada sobre o SDR (Direitos de Saque Especiais - moeda contabilística do FMI) controlada por um FMI «reformado», transformado para o efeito numa espécie de «ONU financeira». 
Enquanto divisa de reserva mundial não seria possível ser possuída por pessoas ou instituições privadas, seria antes uma moeda inteiramente digital, regulada pelo consórcio dos bancos centrais. Dentro de cada país continuaria a circular a respetiva moeda; mas eles querem abolir o papel-moeda, para que nenhuma transação deixe de ser processada digitalmente, o que poria os cidadãos inteiramente à mercê dos bancos e dos Estados. O câmbio duma moeda nacional noutras já não poderá flutuar, porque quaisquer moedas nacionais terão como referente essa tal divisa única mundial (no fundo, um retomar da ideia do «Bancor» de Keynes, que ele não conseguiu fazer vingar em Bretton Woods).

Este é o plano. Parece-me muito perigoso, pois muitos milhões de pessoas ficarão empobrecidas, nomeadamente, as pessoas que detêm grande percentagem do seu património sob forma de ativos financeiros, como obrigações (quer de empresas, quer de Estados), ações, contas-poupança, participações em fundos de investimento: todos estes ativos poderão ser desvalorizados, em termos reais, na ordem de 50 a 70%.
As alternativas aos ativos financeiros são diversas; irei apresentar os casos do imobiliário, dos metais preciosos, da terra agrícola, da arte e objetos de coleção:
- Podia-se pensar que o imobiliário é um valor-refúgio. Porém, no imobiliário também há uma grande parte que está inflacionada. Inevitavelmente, neste setor, a porção mais inflacionada - o setor de imobiliário de luxo ou de elevadas rendas - sofrerá: porque é este que está sujeito a uma maior perda de valor quando a hiperinflação se libertar.  
- Outras pessoas apostam em metais preciosos como forma de contrariar a grande onda de desvalorização acelerada das moedas. O risco, neste caso, é a dificuldade em conseguir uma transação justa. Um metal precioso (ouro ou prata) é visto como repositório de valor, uma função tipicamente monetária, mas é negociado como mercadoria, matéria-prima, sujeito a momentânea variação de preço, em função da oferta e da procura. 
Os países do Oriente (Estados e particulares) estão a comprar grandes quantidades de ouro, nomeadamente na China, pois estimam que podem assim contrariar os desígnios dos países ocidentais de levar as divisas próximo de zero. Além do que é comprado oficialmente, no caso da China, há muito mais ouro que é comprado e mantido fora das estatísticas oficiais. Desde a transição de Deng Xiao Ping e sobretudo desde os anos 2000, que os chineses são encorajados pelo próprio governo a adquirirem ouro.  
- Outras pessoas apostam nas terras cultiváveis, com rendimento agrícola no presente ou que possam facilmente ser cultivadas. Há também notícia de grandes investidores privados e de Estados (novamente, o caso da RP da China) a comprarem terras em múltiplos locais: principalmente, na América Latina e África subsaariana, mas noutros locais também, na Europa e nos EUA.  
- Um mercado que tem estado a crescer imenso é o das obras de arte e de objetos de coleção, mas no segmento de mercado dos preços apenas abordáveis por bilionários, ou bancos, ou grandes firmas. Uma obra de dezenas de milhões torna-se um veículo de investimento, na medida em que daqui a uns poucos anos o seu detentor possa vendê-la de novo por uns milhões mais do que seu valor de compra atual. Para peças de baixo valor (abaixo de 5 mil euros, por exemplo), por contraste, tem havido uma descida ou estagnação dos preços. Neste último caso, os compradores potenciais serão sobretudo pessoas da classe média, a que tem estado a perder mais com a crise.   

Para a esmagadora maioria das pessoas, o que se está a passar é realmente um pesadelo económico, um acréscimo de incerteza e um aumento de angústia em relação ao amanhã. 
Muito poucas têm consciência clara de quem são os atores e as forças realmente responsáveis pela crise mundial. 


A média corporativa tem tido um papel avassalador: de facto, estão constantemente a emitir propaganda favorável aos grandes interesses corporativos e financeiros. Porém, esta é apresentada como sendo «notícias»! A imensa maioria das pessoas ainda não percebeu como está a ser manipulada na sua perceção. Se as pessoas comuns tivessem uma noção clara da realidade que se descreveu acima, o jogo dos poderosos não seria tão fácil ou mesmo, não seria possível.