domingo, 4 de julho de 2021

A SOBERANIA DAS NAÇÕES E A CORRUPÇÃO DOS PRINCÍPIOS WESTEFALIANOS DA ONU

                   

Por ocasião do centésimo aniversário do partido comunista chinês Xi Jin Pin teve palavras duras de aviso aos que no «Ocidente» estão apostados em diminuir ou mesmo anular a força ascendente da República Popular da China. Igualmente, numa sessão aberta, o presidente Putin, da Federação Russa, deixou palavras de advertência aos que sonham fazer com que a Rússia se torne de novo um enorme território destinado a ser pilhado pelos interesses ocidentais, como foi nos tempos de Boris Yeltsin.

Sem dúvida que os discursos destes dois dirigentes têm muitos outros conteúdos relevantes, mas eu queria introduzir o tema das relações internacionais, pois eles são realmente muito apropriados ao momento em que o mundo vive.

Com efeito, a ordem internacional tem de ser aquela que está baseada em tratados internacionais, negociados, acordados e ratificados pela imensa maioria das nações soberanas à face da terra. Este entendimento foi também o do tratado de Westfália, que reuniu todos os grandes e pequenos poderes da Europa da época, para  encontrarem uma paz que se pudesse manter pelos séculos dos séculos. Infelizmente, isso não aconteceu, como todos sabemos, pois os séculos XVIII e XIX foram férteis em conflitos intraeuropeus, que envolveram territórios outros (colónias ou outras nações não-europeias). Quanto ao século XX e o presente século, são férteis em catastróficos conflitos globais, entremeados de guerras ditas locais ou regionais, mas onde as grandes potências têm participação, direta ou indireta. 

Porém, o tratado de Westfália foi um marco. O princípio muito claro de que os Estados deviam reconhecer mutuamente a soberania sobre os respetivos territórios, respeitar as fronteiras uns dos outros, abster-se de se ingerir nos assuntos internos dos outros, dando um estatuto especial às representações diplomáticas e às pessoas  acreditadas, em quaisquer circunstâncias ... Muito do que está atualmente consignado nos princípios e na Carta da ONU, assim como nas normas diplomáticas, internacionalmente aceites e praticadas, são produto direto deste tratado do final do século XVII.

Sendo tão importante, o tratado de Westfália não pode satisfazer tudo e ser a exclusiva fonte para a ordem internacional, para a construção de um direito público internacional e para adequada evolução das suas leis, de acordo com a evolução das sociedades. 

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, produzida e ratificada a seguir à IIª Guerra Mundial, é um dos outros pilares do direito internacional, reconhecido - formalmente, pelo menos - por todas as nações com assento na ONU.  Mas, existem muitos outros textos legais internacionais, que se incluem no direito internacional, por exemplo as Convenções de Genebra sobre a proteção das populações civis em casos de guerra, ou ainda, os princípios do direito marítimo, em que circunstâncias um navio de uma nação, pode cruzar as águas territoriais de outra, etc.

Nos tempos mais próximos, devido a um reacender das visões imperialistas, em particular nos Anglo-Americanos e seus aliados da NATO, sobressaiu a visão de que o mundo já não podia reger-se pelos princípios do tratado de Westfália, que deveria prevalecer a preocupação pelo direito «humanitário», o que podia implicar a brutal intervenção armada, para restaurar os «direitos humanos». Foi o caso das guerras da Jugoslávia e da Líbia, em que o pretexto era de que uma parte da população estaria a ser massacrada, violada, sujeita a genocídio, pelos seus respetivos governos. Ou, no caso do Iraque, montaram uma expedição (proibida pelo direito internacional) sob pretexto de evitar que o «monstro» no poder adquirisse armas de destruição maciça. No caso do Afeganistão, a expedição punitiva dos americanos e da NATO teve como pretexto prevenir que os fanáticos tivessem uma base para espalharem terrorismo fundamentalista.

 Também aqui, os poderes imperialistas não tiveram receio em infringir as leis que eles próprios tinham votado e ratificado, os princípios da ONU, a começar pela inviolabilidade das fronteiras. Uma vez que ocuparam ilegalmente esses países, fizeram (eles ou milícias ao seu serviço) massacres e torturas. Estes atos horrendos ficaram (por agora) impunes, mas ao menos, o mundo sabe hoje do que os dirigentes das «democracias liberais» são capazes. 

Entretanto, a Rússia foi atingida pela ameaça grave do golpe para-fascista de Maidan, na Ucrânia. Ele foi executado à vista de todos, com o apoio e ingerência clara e declarada dos EUA e da União Europeia, sendo este regime resultante do golpe, o causador duma guerra civil que se arrasta desde 2014, nos territórios povoados maioritariamente por populações russófonas, nas margens do rio Don, assim como pela secessão pacífica e referendária da Crimeia. Esta província russa, desde os finais do século XVIII (fora levianamente «oferecida» por Nikita Krutschov à república soviética da Ucrânia nos anos 60) tem sido pretexto para o «Ocidente» ostracizar o regime russo, sendo certo que eles não têm qualquer desejo de solucionar os problemas que eles próprios criaram e adensaram. Os americanos e europeus alinhados com eles apoiam, na Ucrânia, um regime que inclui nostálgicos do tempo em que fascistas ucranianos militarizados auxiliavam as SS de Hitler a «limpar» os territórios de judeus, polacos, russos e ucranianos antifascistas. Estes auxiliares dos nazis são hoje considerados «heróis», pelo poder de Kiev.

A ideia com que se fica é que os dirigentes ocidentais querem que nas fronteiras da Rússia exista uma instabilidade permanente. O que lhes dá o pretexto para continuar a fazer uma guerra híbrida, com sanções, boicotes, etc. 

Tentaram algo parecido com a Síria. Mas, desta vez, não conseguiram plenamente os seus intentos. Conseguiram destruir muitos milhares de vidas inocentes e, também, imensa destruição material, mas não conseguiram o seu objetivo de retirar Assad do poder e de colocar um regime dócil aos «ocidentais».

O mesmo tentam fazer com a China. Têm ainda menos sucesso, aparentemente, pois o povo chinês tem legítimas dúvidas em relação às «boas intenções» dos que foram, nos séculos XIX e XX, ocupantes e opressores nas guerras do ópio e na guerra civil, apoiando a fundo os nacionalistas chineses de extrema-direita, cujo exército derrotado se acolheu (sob proteção dos EUA), na Ilha Formosa, designada República da China. A república chinesa de Taiwan foi a representante «da China», no seio da ONU, até que a RPC (República Popular da China) viu reconhecido o seu direito à representação exclusiva na ONU.

Os americanos e seus aliados, na altura (anos 70), não hesitaram em aceitar que Taiwan deixasse de ser considerada como um Estado independente, com direito a representação própria na ONU. Não tiveram grandes problemas em trair seus fieis aliados da véspera, como condição para os capitais ocidentais poderem entrar na China, com a promessa de investimentos muito frutuosos e de mercados totalmente por explorar. 

Agora, estão a envenenar a situação servindo-se de todos os meios para criar tensões no interior e nas fronteiras chinesas. Eles fazem provocações quotidianas no Mar do Sul da China, passando a frota de guerra por águas territoriais chinesas. Eles não têm absolutamente nenhuma legitimidade para o fazer. 

O mesmo comportamento irresponsável e provocador foi protagonizado recentemente, pela marinha de guerra britânica, dirigindo um navio da Royal Navy para águas territoriais da Crimeia, portanto russas. 

Em quaisquer circunstâncias, o procedimento dos líderes ocidentais é irresponsável, é criminoso e não parece que estejam interessados em qualquer acordo com as outras potências. São atos provocatórios de quem está cheio de coragem para mandar os outros para a guerra. Porém, a verdade, é que eles já não são os senhores do mundo.

Perguntar-se-á: o que será de um mundo dominado pela China? Não creio que tal aconteça, por dois motivos: 

1 - A China não está interessada em ir além da sua esfera de influência natural. Tem demasiado a desenvolver adentro de portas. Seria um grande fardo e um enorme desperdício de energia serem os polícias do mundo, como os americanos tentam, em vão, ser.

2 - O mundo é muito mais complexo do que certos estrategas militares e políticos desejariam. É esta complexidade que torna inevitável que se volte aos princípios de Westfália, alargados e atualizados. Não é preciso fazer mais do que respeitar os princípios da ONU, reconhecer que os Estados devem usufruir da soberania e que a questão dos direitos humanos pode ser levantada, mas não pode ser pretexto para uma guerra de atrito, uma guerra híbrida, uma guerra de sanções económicas. 

Creio que a melhor maneira de apoiar a defesa dos direitos humanos em qualquer país, é darmos o exemplo no nosso próprio país. Quanto mais respeito pelos direitos humanos houver em «casa de cada um», mais será difícil a um «vizinho» desrespeitá-los. Se trazemos a guerra, a violência, a destruição (que afetam sobretudo populações inocentes) a esse país, isto prova que a preocupação com direitos humanos era, afinal, um mero pretexto para ambições de domínio.

Nenhum poder, por mais forte que seja, poderá ser «Senhor do Mundo». É uma impossibilidade não apenas ética, mas também prática. Não compreender isto é estar no «grau zero» da política, da sociologia, da antropologia. 

Creio que a humanidade precisa de tomar conta de si própria e não de se entregar nas mãos de ambiciosos, narcisistas e egolátricos. Já é tempo de mudarem as coisas, os sistemas, as instituições, para uma distribuição de poder o mais disseminada possível. A concentração do poder, económico, político, ou outro, é que proporciona as condições para guerras e opressão dos povos.

sábado, 3 de julho de 2021

DERIVA TOTALITÁRIA NA UNIÃO EUROPEIA E NO «OCIDENTE»

O poder que abandonais, que colocais nas mãos dos governantes, serve para vos oprimir*.
                                

- Quantas vezes vos tenho dito isto? De quantas maneiras vos mostrei claramente o que estava em jogo?

- Será que vossa mente é obtusa? Não! Vós tendes tão boa inteligência quanto eu! Será que sou eu que estou a delirar? Não, senão não poderia fazer as previsões acertadas, que tenho feito! 

Quem são as pessoas que «preferem ignorar» as verdades que lhes ponho debaixo do nariz? 

Há dois grupos nesta categoria dos que «ignoram»:

Há aqueles que têm por hábito olhar o mensageiro e avaliá-lo. Consoante a avaliação do mensageiro, a mensagem será credível, ou não. São demasiado recetivos à propaganda do poder. Atribuem a credibilidade a quem detém o poder, veneram o poder. Existem outras pessoas, que «não querem saber», que «preferem ignorar», como crianças que têm imenso medo e fecham os olhos, num esforço desesperado e fútil de «fazer desaparecer» a visão horrenda. O povo diz, com razão, que «não há pior cego do que aquele que não quer ver» e estamos a transformar-nos num povo de «cegos», impotentes e cobardes, incapazes de recusar algo ao poder. 

A «crise do Covid» serviu, entre outras coisas, para mostrar isso mesmo. Serviu para por a nu a psicologia profunda dos contemporâneos, a sua anomia (ausência de vontade própria), a sua cobardia também. Existe - porém - um número grande mas indefinido, desorganizado, que está contra esta situação. Muitos estão a chegar a conclusões semelhantes às minhas. Mas, vai demorar um bocado até muitas destas pessoas conseguirem juntar-se e fazer voz comum, em relação ao mais importante, ou seja, desmascarar os mecanismos pelos quais o povo se deixa iludir, se deixa capturar. Vai demorar o seu tempo. 

Aqui, deixo alguns conselhos às pessoas que têm consciência do que se está a passar:

1- Tem de haver uma retirada da barafunda mediática, não no sentido de ignorar totalmente o que nos querem fazer engolir, mas antes para não ficarmos submersos pela propaganda. A propaganda tem efeito, mesmo naqueles que são contrários à mensagem que ela veicula, pois polariza a sua atenção, a sua indignação. Eles, ao colocarem-se numa postura antagónica, vão reagir em vez de agir. Pode ser exatamente isso que o manipulador deseja: pode ser esse o objetivo encoberto de uma determinada onda de propaganda. 

2- Trata os outros como gostas que te tratem a ti: Deve a pessoa esclarecida colocar-se num plano igualitário, em relação à outra pessoa, seja ela quem for. A condescendência, o paternalismo, a hipocrisia, são totalmente contraproducentes. O outro é tão inteligente como nós próprios. Nós não estamos num plano acima, nem abaixo do outro. Quem não extirpar de si próprio tais sentimentos falsos, não tem capacidade para estar em empatia com o próximo. E o próximo intui isso: ele tem inteligência emocional, que lhe permite distinguir se algo é sincero, ou se é mero teatro.

3- É preciso identificar os mecanismos de manipulação das massas, compreender os processos utilizados pelos poderes. Uma vez que se atingiu tal compreensão, que implica um pouco de conhecimento em psicologia, fica-se imune à propaganda. A partir deste ponto, os que manejam a propaganda não conseguem que tu sejas um foco de disseminação da mesma. O mecanismo é análogo à infeção viral: os que estão imunizados ao agente infecioso, vão destruí-lo, de cada vez que o vírus entrar no seu organismo. Também não pode haver difusão de um vírus (... ou de uma falsa informação) por uma pessoa que seja resistente a este.

4- Sendo o propósito do poder o de manter as pessoas cheias de medo e divididas, é preciso desenvolver uma pedagogia - não uma contrapropaganda! - que combata o medo, que propicie a reconciliação entre as pessoas e onde se manifeste o que há de mais profundo no ser humano, o amor.

5- A História é importante. Ela ensina-nos o que os poderes passados fizeram para oprimir, para esmagar, para enganar, para dividir e colocar uns contra os outros, os que tinham interesses básicos comuns. Ela ensina-nos os caminhos para a libertação da opressão: Como as pessoas souberam desmascarar falsos amigos e se organizaram para vencer a força bruta, ou insidiosa. A História é a disciplina marginalizada, o «parente pobre» no ensino básico, secundário e universitário. Mesmo nos casos em que é ensinada, é-o segundo o ponto de vista dos vencedores, não dos vencidos, ou seja, seu ensino institucional é uma construção ideológica.

6- Agir com conhecimento é elementar. Os poderosos têm um domínio muito grande, pois têm uma visão de conjunto, têm informantes ao seu serviço e  são eles, muitas vezes, a tomar a ofensiva. Portanto, para uma ação eficaz contra a corrente opressora, devem as pessoas estar bem informadas, capazes de antecipar as «jogadas» deles, como num jogo de xadrez: Devem debater entre si, com vista a chegar a um consenso, quais são as melhores táticas, face ao jogo dos oponentes.

7-  Um otimismo sem triunfalismos, é um ingrediente necessário. Deve-se compreender que os adversários cometem erros, que o seu poder é finito e sua inteligência, também. Um efeito estranho, mas comum, é um dos lados se colocar, logo desde o início, na atitude mental do derrotado. Isto é diferente de colocar-se na defensiva. É, pelo contrário, não ser capaz de resistir: é entregar a «partida de xadrez» ao adversário, por capitulação psicológica. Por isso, é importante ter sempre presente que não há poder invencível, não há ditadura que dure sempre, não há inteligência (malévola, neste caso) infinita, não há crueldade que não acabe por revoltar, até quem apoiou o poder tirânico.

.............

* Ver leis de censura, 1933 e 2021:



PS: Ver clip de Snowden, explicando como se chega a um estado mundial de vigilância estatal  https://www.youtube.com/watch?v=Y6xByTqeygY

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Recital de Xuefei Yang na Guitarra Clássica, com o Tenor Ian Bostridge


 Recital no âmbito do Festival de Música China-Reino Unido. 
Inclui uma introdução, com entrevista a Xueifei Yang. Ela interpreta versões para guitarra clássica de canções dos Beatles  ... 

quinta-feira, 1 de julho de 2021

«LA NOTTE» CONCERTO PARA FLAUTA E ORQUESTRA, DE VIVALDI

 «La Notte» é uma joia da música descritiva, tão bela como os concertos para violino das «Quatro Estações». 
A peça pode ser interpretada na flauta transversal, mas também na flauta de bisel, como é o caso nesta gravação ao vivo.
No barroco, é frequente que instrumentos diferentes realizem a parte solística, sem afetar a autenticidade e - sobretudo - a beleza da música


Antonio Vivaldi: "La Notte", Flute Concerto in G minor, RV 439 Support us on Patreon: http://www.patreon.com/bremerbarockor... Follow on Instagram: http://www.instagram.com/bremenbaroqu... Bremer Barockorchester: http://www.bremer-barockorchester.de Largo: 0:00 Presto (Fantasmi): 1:47 Largo: 2:35 Presto: 3:30 Largo (Il sonno): 4:33 Allegro: 6:17 Solo Recorder: Dorothee Oberlinger Violin I: Tomoe Badiarova, Meelis Orgse, Annie Gard, Naomi Burrell Violin II: Anna Stankiewicz, Marina Kakuno, Ana Vasić Viola: Alice Vaz, Luis Pinzón Violoncello: Néstor Fabián Cortés Garzón Double Bass: Eva Euwe Bassoon: Martin Jaser Lute, Guitar: Hugo de Rodas Harpsichord: Nadine Remmert


quarta-feira, 30 de junho de 2021

[Craig Murray] EXPOSTA A FALSIDADE DA FABRICAÇÃO DO FBI CONTRA ASSANGE

Este meu artigo é essencialmente o resumo da notícia (ver acima) de 29-06-2021 por Craig Murray, ex-diplomata britânico, que tem seguido assiduamente as sessões do julgamento de extradição de Julian Assange e tem feito um ótimo trabalho de informação, que a imprensa não faz

Graças a Murray, ficamos a saber que a fabricação urdida pelo FBI de associar (falsamente) Assange com «hacking» de bancos e das contas de cidadãos particulares, foi desmoronada pela confissão de  Sigi Thordarson, um islandês, personagem muito pouco recomendável: Foi condenado por abuso de rapazes menores, assim como por ter-se imiscuído na rede de Wikileaks e ter-lhe roubado 50 mil dólares. Foi julgado e condenado por estes crimes, na Islândia. Thordarson revelou recentemente, a um órgão de imprensa, que tinha feito um acordo com o FBI para acusar, falsamente, Assange de estar na origem de «hacking» contra contas bancárias de particulares, sem qualquer relação com as atividades de denúncia do complexo militar-industrial, das agências de espionagem, enfim, como se estivesse envolvido em cibercrimes e sem qualquer laivo de altruísmo, ou de querer desmascarar os poderes. 

 O pedido de adição das pseudo-provas, trazidas pelo FBI ao processo, foi aceite pelo tribunal. Mas esta adição extemporânea foi contestada na altura pela defesa, à qual - aliás - não foi concedido tempo mínimo necessário para investigar e construir uma resposta a essas novas alegações. 

O extraordinário, é aquilo que deveria - normalmente - ter ocorrido e não aconteceu. 

Agora, que o pedófilo condenado, Thordarson, veio confessar ao magazine islandês que as acusações tinham sido fabricadas de acordo com o FBI, em troca desta agência não avançar com um processo contra ele, o normal seria o tribunal considerar que o procedimento usado tinha anulado toda a base da acusação, por falsas alegações. Decorreria daí que Assange tinha de ser libertado. 

A má fé da juíza e do tribunal são por demais evidentes, pois recusou reabrir o processo, como tinha sido pedido pela defesa. Há cinco meses que dura a situação de indefinição, continuando Assange preso, apesar de não haver qualquer contestação da parte das autoridades dos EUA. A juíza encarregue do julgamento continua a pretender que ignora as declarações de Thordarson, que toda a gente conhece e que invalidam o processo. 

Todas as peripécias deste processo, o mais torcido, o mais parcial, que se possa imaginar, têm tido o efeito paradoxal de desmascarar a brutalidade, falsidade e hipocrisia dos perseguidores de Assange, assim como a negação dos princípios de respeito pelos Direitos Humanos, de Justiça e de Estado de Direito, pretensamente atributos do Estado e instituições britânicas. 

PS1: Veja a manifestação em solidariedade com Julian Assange, aquando do seu 50º aniversário: 

https://www.youtube.com/watch?v=YuPSUjSvN0E


PS2: Um artigo de opinião por Alex Lo, que todos os políticos, todos os jornalistas, todos os cidadãos, deveriam compreender a fundo: 

https://www.scmp.com/comment/opinion/article/3140962/example-must-be-made-julian-assange


PS3: Uma análise do comportamento do tribunal britânico que não encontrará de certeza na media corporativa: 

https://www.wsws.org/en/articles/2021/07/12/assa-j12.html?pk_campaign=newsletter&pk_kwd=wsws

domingo, 27 de junho de 2021

AINDA NÃO SABE, MAS A SUA NOTA DE 20 € EM BREVE, VALERÁ APENAS 2


                                             (... e a moeda de 2€, valerá 20 cêntimos, claro!)


Comentário de Manuel Banet:
Neste vídeo - muito pedagógico e falado em francês - Charles Sannat expõe a característica fundamental das divisas «fiat», que apenas estão baseadas na palavra do governo: daí o termo latino «fiat», que quer dizer confiança; a palavra «fiador» tem a mesma raiz.
Como dizia Voltaire, toda e qualquer moeda em papel tende a reverter ao seu valor intrínseco, que é zero.
No seu tempo (século XVIII), o comércio era feito em parte com notas de crédito, o que permitia que comerciantes e negociantes não tivessem de transportar consigo grandes quantidades de moedas de ouro.
No século XIX, o ouro continuou a ser o dinheiro verdadeiro e as notas de banco, um substituto do ouro: Uma pessoa podia ir ao banco trocar o dinheiro-papel por quantidade equivalente em ouro. A taxa de conversão era fixa, o que tinha como efeito não haver especulação monetária: todas as moedas - sendo representação de uma dada quantidade de ouro - estavam deste modo numa relação constante entre elas.
A fase atual, em que as divisas estão em oscilação permanente, umas em relação às outras, foi iniciada com a retirada do dólar US da convertibilidade em ouro, por Nixon, em 15 de Agosto 1971.
Agora, quase 50 anos depois dessa data, está-se a chegar ao fim de um ciclo. Pode ser que este sistema dure ainda algum tempo. Mas, as entidades que decidem ao nível monetário (Bancos Centrais, BIS, FMI...), já estão plenamente convencidas e já anunciaram publicamente medidas para substituir este sistema.
Porém, as fórmulas apresentadas não incluem (ainda?) repor o ouro no centro do sistema mundial financeiro e monetário. Mas, as cripto-moedas centralizadas (dos Estados), a digitalização total das trocas comerciais (desaparecimento do papel-moeda, das notas de banco, de circulação) e outras medidas anunciadas, não irão -por si só - dar estabilidade ao sistema. Estas reformas não são as que poderiam incutir uma renovada confiança nas moedas emitidas pelos Estados.
Uma moeda tem de ser confiável, enquanto meio de pagamento, unidade de contabilidade e repositório de valor.
O dinheiro digital não trará confiança aos atores económicos: poderá ser inflacionado a uma velocidade ainda maior que o dinheiro «em papel» atual.
Ora, estamos a assistir à deliberada destruição do valor das principais moedas ocidentais, o dólar, a libra, o euro, o yen. Isso está a ocorrer pela impressão monetária descomunal, que faz subir os balanços dos bancos centrais respetivos a valores astronómicos. Mas, muitos dos ativos adquiridos nas operações de «quantitive easing», são de valor muito questionável. Não são mais do que dívidas, na grande maioria.
Isto significa que o aumento de dinheiro posto em circulação não tem uma verdadeira contrapartida num aumento de produção. Por outras palavras, os próprios bancos centrais estão a levar a cabo operações de contrafação. Neste caso, serão os consumidores que irão «pagar», pois o excesso de dinheiro para adquirir bens, cuja produção não aumenta (ou até diminuí), desencadeia a subida acentuada da inflação.
Por definição, todos os episódios de inflação são transitórios, mas nesses períodos inflacionários, são os mais poderosos capitalistas que enriquecem, à custa da falência dos mais pequenos, do desemprego de massa, do empobrecimento acelerado da grande maioria da população.

Se a memória não me falha, Henry Ford dizia que «Se o homem da rua suspeitasse de como o dinheiro é realmente criado e como entra em circulação, haveria uma revolução no dia imediato». Por sua vez, Lenine dizia que «Não existe maneira mais eficaz de enfraquecer o capitalismo, do que socavar o valor da moeda».

Estamos numa época estranha, em que as forças de destruição superam as de criação. Em que cientistas, políticos e filósofos têm diante dos olhos o que se está a passar - a destruição das condições de subsistência dos mais fracos - mas não fazem grande coisa para mudar a situação.
Há um certo fatalismo na sua visão, porque estão fixados numa ideologia travestida de ciência, a economia que se ensina hoje nos cursos superiores, um pouco por todo o lado: Afinal, trata-se de pseudo-ciência com o seu deus, o mercado. Pensa as relações dos humanos entre si, e destes com a Natureza, como se fossem regidas por «leis» do mercado. São apenas enunciados ideológicos, que servem como justificação às políticas neo-liberais. Enunciam teorias usando modelos matemáticos, o que lhes dá a aparência de ciência. Porém, esquecem que a ciência tem como base a observação e a descrição rigorosa dos factos, não dos modelos.