quinta-feira, 9 de agosto de 2018

REPORTÓRIO PARA O CLAVICÓRDIO (SEC.XVI - SEC. XVIII )

Apresento aqui duas excelentes gravações, por interpretes de grande erudição e qualidade musical: S.M. Kastner e M. Thomas. 
Ambas, permitem-nos avaliar a subtileza e versatilidade do clavicórdio.  

O clavicórdio, um instrumento de tecla hoje pouco cultivado  e apreciado, foi o mais popular instrumento de tecla e corda na península Ibérica, até aos finais do século XVIII. Havia uma grande abundância de oficinas de construção de clavicórdios, nesta época. A construção de cravos, pelo contrário, nunca foi muito desenvolvida. Somente as casas mais ricas os possuíam. Eram instrumentos caros, normalmente importados de Itália. 
A Escola de Tecla Ibérica está representada em disco mas, sobretudo, em gravações no órgão ou no cravo. 
Existem poucas gravações no clavicórdio dos compositores portugueses António Carreira e Manuel Rodrigues Coelho, ou dos castelhanos Cabezón e Correa de Araúxo,  como no histórico disco abaixo, com interpretação pelo musicólogo Santiago Macário Kastner.  

                                


A popularidade deste instrumento foi grande, não só na península Ibérica. Houve até uma moda do clavicórdio do Norte da Europa, na segunda metade do século XVIII. 
Muito do que é hoje tido como literatura para cravo, foi realmente composto e executado ao clavicórdio; existem evidências claras disso.
O disco de Michael Thomas apresenta obras de J. S. Bach especialmente adequadas para execução neste instrumento. Sabe-se que Bach possuía vários clavicórdios, um deles com pedaleira. Seu filho, Carl Philip Emmanuelmestre de capela na corte de Frederico da Prússia, foi um excelente compositor e intérprete deste instrumento. Deixou um tratado sobre como interpretar a música de tecla - « Versuch über die wahre Art das Clavier zu Spielen» - cujo conteúdo se aplica perfeitamente ao clavicórdio. 




quarta-feira, 8 de agosto de 2018

A POLÍTICA DE SANÇÕES, UM SINTOMA CLARO DA PERDA DE INFLUÊNCIA

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Quando é preciso exercer pressão, ameaçar, fazer guerra económica, isso significa que a liderança de um país não tem mais capacidade de provocar a adesão dos aliados e o respeito dos adversários.
As sanções unilaterais que Washington tem promovido como forma de impor a sua vontade, embora as apresente com o pretexto falacioso de que o faz para «punir» actos supostamente contra os direitos humanos das populações, são a maior evidência da decadência dos EUA e da complexa rede de dependências económicas, políticas, institucionais e militares que se tem auto-designado por «Ocidente». 
Os impérios são mortais, como a História o tem mostrado repetidamente. 

Está-se num ponto de transição em relação a todo um conjunto de parâmetros...

- Moeda de reserva: O dólar foi - desde Bretton Woods em 1944 - erigido em moeda de reserva, tendo mantido a sua paridade ao ouro (35 dólares por uma onça de ouro) até Nixon despegar o dólar desse compromisso, em 1971. A partir deste momento, todo o sistema monetário internacional entrou numa espiral de inflação e instabilidade. A conservação artificial dos diversos países no sistema dólar foi obtida graças ao acordo com a Arábia Saudita, conseguido por Kissinger em 1973, segundo o qual os EUA iriam sempre defender o regime saudita, enquanto este exigisse que seu petróleo fosse pago em dólares. Sendo a Arábia Saudita, nessa data (1973), o mais importante país exportador de petróleo da OPEP, todos os outros fizeram o mesmo; só aceitaram dólares em pagamento do seu petróleo.
O petrodólar está a perder a proeminência, pois vários países exportadores estão explicitamente a estabelecer contratos em que o petróleo (ou o gás) já não é pago em dólares: caso da Rússia, especialmente, com seus gigantescos contratos com a China. Mas também é o caso do Irão, da Venezuela, de Angola e mesmo do Catar. 
Não tarda muito que a própria Arábia Saudita aceite os yuan em pagamento de petróleo. A China é o maior comprador do petróleo saudita e instituiu recentemente um sistema «petro-yuan», em que as notas de crédito emitidas em yuan podem ser convertidas em ouro, no mercado de Xangai. A Rússia e o Irão, utilizando o referido petro-yuan, têm aumentado suas compras de ouro ou de produtos chineses. 

- Armamento: A superioridade dos sistemas de mísseis russos é tal que, a Turquia e a Arábia Saudita, aliados tradicionais dos EUA, preferiram adquirir SS-300, aos equivalentes americanos.
 Por outro lado, a Rússia com um orçamento militar muito menor que o dos EUA, consegue modernizar e tornar operacionais todos os ramos das suas forças armadas, depois destes terem sofrido, durante a década de 90. 
A colaboração entre a China e a Rússia vai potenciar os sistemas de defesa de ambos. Por exemplo, a detecção precoce e resposta adequada a um ataque surpresa, na China, beneficia dum melhor desempenho, em relação a quaisquer outras potências,  devido à sua rede instalada de supercomputadores.
Além disso, os armamentos russos mostraram sua eficácia recentemente, na guerra na Síria. A superioridade de tais armas impressionou de tal maneira generais dos EUA e da NATO, que estes aconselharam maior prudência ao presidente.

-A perda de aliados: Em pouco tempo, vários países «emergentes» começaram a descolar da vassalagem em relação aos EUA e a fazerem acordos de cooperação militar (as Filipinas com a China, por exemplo), de investimento em infraestruturas, etc. É o caso dos mais de  60 países envolvidos na «Belt and Road Iniciative». É ainda o caso de numerosos países africanos, que têm feito acordos mutuamente  vantajosos, podendo ficar com portos, caminhos de ferro, etc. a troco de suas matérias-primas...
Mas o mais grave ainda, é a discordância que pode chegar a uma completa desautorização pelos parceiros da NATO. Nomeadamente, apesar da admoestação e ameaças de Trump, os alemães prosseguem com o projecto «Nord Stream 2», em parceria com a Rússia, negando-se a aceitar quaisquer sanções. Além deles, muitas outras vozes europeias vêm clamando pelo fim das sanções contra este país.

- Recuo da globalização: Embora explicitamente desejada pelo actual ocupante da Casa Branca, a retirada de vários acordos  em instâncias da globalização, traduz-se por perda de influência. São os casos da retirada, ou desistência, dos acordos TPP e TTIP, assim como as exigências de renegociação do NAFTA, a  possibilidade de saída da OMC ou de organismos especializados da ONU... tudo isto contraria o poderio dum Império que se vê na liderança do Mundo globalizado. 

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- A retirada dos EUA do acordo multi-partido com o Irão trouxe ao de cima uma contradição flagrante entre a vontade do poder dominante e dos seus aliados/vassalos europeus. Estes, além do aprovisionamento em petróleo e gás, estão muito empenhados em estabelecer contratos de todo o tipo, desde obras públicas à aeronáutica, com o Irão.

- A utilização da arma das sanções é apenas eficaz se os países se vergarem, se submeterem. Pois, se não se sentirem intimidados, a ameaça surge apenas como forma brutal de pressão, como injustiça feita em primeiro lugar aos povos, não aos líderes dos países sancionados. 
Quando as sanções são unilaterais, quando são decididas ilegalmente e à revelia da ONU, apenas têm um efeito de intimidação, mas não chegam a ser eficazes, logo à partida. 
De certeza que os EUA sabem isso, visto que experimentaram esta situação com suas sanções contra Cuba, que perduraram cerca de 50 anos! No final, tiveram de as levantar; tinham-se tornado um anacronismo grotesco.

Sendo esta política internacional o equivalente do proverbial «pau», sem a «cenoura» para amenizar,  amigos e inimigos concluem que é melhor reforçar laços com outros, diversificar as parcerias: ficar exclusivamente na órbita de Washington, só traz limitações e não resulta em vantagens de qualquer espécie. 
Longe vão os dias em que os EUA eram vistos - por alguns - como sinónimo de segurança e desenvolvimento!

BELÍSSIMAS ÁRIAS DE VIVALDI

[Há quem chame erudita à música de Vivaldi. Perdoem-me o atrevimento, porém eu considero que ele está muito mais próximo de uma sensibilidade popular, que atravessa séculos e modas. O título de «ROCK STAR DO BARROCO» assenta-lhe muito bem! Tanto as obras instrumentais, como as vocais, são exemplo disso...]


                                         


[solista: Philippe Jaroussky]
Vedrò con mio diletto l'alma dell'alma mia Il core del mio cor pien di contento. E se dal caro oggetto lungi convien che sia Sospirerò penando ogni momento... * I will see with joy, the soul of my soul heart of my heart full of content. And if from my dear object I be far away I will sigh, suffering every moment...








                                                    [ solista: Romina Basso]

Se lento ancora il fulmine l'oltraggio mio non vendica cadra quell'empio, vittima del giusto mio furor. Ma sposa ancor ti sono ritorna e ti perdono; occhi versate in lacrime tutto l'affanno d'un tradito amor.

*
If the lightning is still slow To avenge the outrage I have suffered, Soon that wicked man will fall victim To my just anger. But I am still your wife: Come back, and I will forgive you. My eyes, pour forth in your tears All the affliction of love betrayed.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

BANCO CENTRAL EUROPEU - UM CÍRCULO VICIOSO INFERNAL INSTALADO NA ECONOMIA EUROPEIA

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A política monetária decidida pelos bancos centrais traduz-se em efeitos concretos nas economias, não apenas nas regiões correspondentes às divisas que emitem, como até globalmente, na economia mundial.
Como exemplo podemos citar a FED, Reserva Federal Americana, o banco central dos EUA. Com as sua política de subida progressiva das taxas de juro, o «tapering», desde há dois anos atrás, tem mantido o dólar bastante alto, mesmo ao ponto de este seu valor, face a outras divisas, ser prejudicial para os próprios EUA. Além disso, o alto valor do dólar tem sido desastroso para os países emergentes, que têm pedido dinheiro emprestado em dólares e vêm a sua dívida aumentar sem poderem fazer nada.

Do lado do banco central europeu (ECB) nada disso aconteceu, entretanto. Apenas uma vaga promessa de que iria reduzir o programa de compra sistemática das emissões de dívida dos países mais fracos do euro. Caso o ECB efectivamente cumpra a promessa, as obrigações destes países irão, sem dúvida, sofrer um tombo (e os juros das mesmas, uma subida abrupta). Veremos se irá aplicar mesmo esta medida que anda a anunciar há tanto tempo
Em consequência dos juros das obrigações soberanas desses países, a estrutura toda do crédito ficará afectada, provocando um arrefecimento brusco da economia. 
Mas a economia do espaço Euro está longe de estar «sobreaquecida»; esta travagem equivaleria a uma descida para nova crise de depressão. 
As economias dos países que beneficiam das compras sistemáticas de obrigações soberanas (Portugal, Espanha, Itália, Grécia) estão - neste momento - a sobreviver, com algumas dificuldades. O encarecimento brusco dos juros seria sinónimo de catástrofe para elas. A economia real sofreria imediatamente com isso e também os especuladores internacionais, «hedge funds», etc., iriam atacar o Euro e «abocanhar», por baixo preço, muitos activos rentáveis, denominados em Euros. 

O ECB causa e mantém uma estrutura artificial do crédito no espaço Euro, ao fazer as compras sistemáticas da dívida dos referidos países. As obrigações destes, estando artificialmente cotadas, vão influenciar o preço do dinheiro, a estrutura do crédito em toda a zona. 
A remoção deste amparo artificial irá fazer com que as obrigações de dívida dos países do sul europeu revertam para valores realistas, que reflectem o grau de confiança dos investidores internacionais nestes títulos e, por extensão, nas economias dos países emissores. 
Assim, criou-se uma dependência tremenda, entre o banco central e os países mais fracos da zona Euro. A continuação deste estado de coisas, que dura desde 2012, levanta a questão importante da alocação do capital: 
- Com efeito, num sistema capitalista, a maneira de avaliar a pertinência de um investimento é pelo retorno sobre o capital investido, o rendimento obtido depois de descontadas as diversas despesas, incluindo o custo do crédito. Ora, caso o crédito seja artificialmente baixo, a avaliação da adequação e rentabilidade dum investimento poderá ser muito falseada. 
Quanto mais tempo a estrutura do crédito estiver distorcida e der sinais errados à economia real, mais se irão multiplicar os investimentos equivocados, que resultarão em perdas em vez de lucros, logo num maior número de falências. 
Uma má alocação do capital, o seu desvio para muitos negócios que são apenas rentáveis na aparência e no curto prazo, verifica-se já hoje, em detrimento de outros investimentos, que poderiam ser realmente produtivos: 
- Vejam-se as valorações bolsistas, geralmente a níveis de 20 ou 30 vezes acima da avaliação das empresas cotadas, ou no imobiliário: trata-se de bolhas especulativas, portanto totalmente insustentáveis e destinadas a rebentar, mais cedo ou mais tarde.

Está, desde há vários anos, instalado um sistema de dependência mútua, mas destrutivo, porque a remoção destas compras sistemáticas pelo ECB poderá precipitar uma catástrofe; mas sua manutenção apenas origina distorção inflacionária dos mercados, que mais cedo ou mais tarde, acabam por reverter aos valores de longo prazo.

AMÁLIA LÊ «LIBERTAÇÃO» DE DAVID MOURÃO FERREIRA+ GRAVAÇÃO DE FADO AO VIVO (1952)


           Libertação
David Mourão-Ferreira



Fui à praia, e vi nos limos A nossa vida enredada, Ó meu amor, se fugirmos, Ninguém saberá de nada! Na esquina de cada rua, Uma sombra nos espreita. E nos olhares se insinua, De repente, uma suspeita. Fui ao campo, e vi os ramos Decepados e torcidos. Ó meu amor, se ficamos, Pobres dos nossos sentidos! Em tudo vejo fronteiras, Fronteiras ao nosso amor. Longe daqui, onde queiras, A vida será maior! Nem as esperanças do céu Me conseguem demover. Este amor é teu e meu, Só na Terra o queremos ter.



Estes dois documentos video complementam-se magnificamente.
No vídeo da leitura do poema, David Mourão Ferreira aparece por breves instantes, embora não fale. 
A gravação do fado foi feita ao vivo no café Luso, em 1952. Nesta gravação, pode-se apreciar a qualidade vocal de Amália e sua perfeita adequação ao conteúdo poético.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

J.S. BACH: SUITE Nº2 PARA ORQUESTRA



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                                 Dama tocando virginal de pé, por Vermeer

Jordi Savall dirige «Le Concert des Nations». Flauta solista: Marc Hantaï
https://www.youtube.com/watch?v=CQRA8_rg2Fs&list=RDCQRA8_rg2Fs&t=23


domingo, 5 de agosto de 2018

JOHANNESBURG: CIMEIRA BRICS PLUS

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Não é o facto da média corporativa ocidental fazer um quase black-out sobre a cimeira dos BRICS em Johannesburg, que acabou agora, que nos deve impedir de tomar conhecimento das decisões aí tomadas, das declarações feitas, do que será a grande cartada de uma integração dos países do «Sul global» para responder à hegemonia decadente e ameaçadora de Washington. Por exemplo: quem, no «Ocidente», sabe que a Turquia, a Jamaica e a Argentina foram convidadas de honra na referida cimeira?

Previamente à cimeira, o mundo tomou conhecimento da decisão do Banco Central da Rússia de vender, em Abril passado, basicamente todas as suas reservas em «treasuries» dos EUA, tendo a Rússia um discurso muito claro justificando o referido passo.      
  
               
A desdolarização da economia mundial, significando com isso que a divisa dos EUA deixa de ser «a moeda de reserva» internacional, tem consequências muito amplas ao nível da perda de controlo por uma potência do grosso do comércio e operações financeiras mundiais. 
Não menos significativa é a consciência clara de que os EUA deixaram de ser um parceiro fiável, como se pode constatar com a desastrosa retirada dos EUA do acordo multi-países que teria permitido levantar as sanções do «Ocidente» ao Irão. Esta retirada foi claramente um triunfo do lóbi sionista nos EUA, o lóbi com mais forte  influência na política internacional dos EUA.  
O Irão tem muito a ver com o acrescento «Plus» na designação dos BRICS. Sendo um país estratégico para a nova rota da seda, tem vindo a aproximar-se do eixo Pequim-Moscovo, sendo certo que irá - em breve - aderir formalmente à OSC Organização de Cooperação de Xangai. Igualmente, o Irão tem sido decisivo na resolução da tragédia da Síria, participando com a Rússia na Conferência de Astana, destinada a dar um futuro político a esse país, após uma guerra civil de sete anos.

As pessoas têm tendência a só atenderem às questões que são ventiladas na grande média: mas esta está, desgraçadamente, ao serviço das grandes corporações e do poder imperial. De maneira que o público dos países ditos «desenvolvidos» e «democráticos», perdeu acesso verdadeiro à informação, não tem portanto instrumentos reais para avaliar o mundo de hoje com realismo e formar um conceito próprio sobre a maneira como os dirigentes têm conduzido as políticas na arena internacional. 
É essa, precisamente, a razão de ser da fraca cobertura e do silêncio dos comentaristas de serviço, no caso da cimeira dos BRICS em Johannesburg e das decisões estratégicas que seus protagonistas têm adoptado, neste e noutros fórums que a precederam.