quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A NOVA ROTA DA SEDA E A ESTRATÉGIA DO OCIDENTE

Na sequência da II Guerra Mundial, o campo socialista ficou fortalecido com a adesão da Rep. Popular da China, recém proclamada, para grande temor e fúria do imperialismo dos EUA e seus vassalos «ocidentais». 


                          

É uma ironia da História que o eixo Moscovo-Pequim, que parecia tão sólido pela uniformidade ideológica, foi afinal o elo fraco, explorado por Nixon e por Henry Kissinger, na sequência do afastamento dos dois gigantes, após a subida de Nikita Krutchev ao poder na URSS: os dois «irmãos inimigos» só se reaproximaram bem mais recentemente, após verificarem que a política dos EUA e apaniguados continuava numa lógica de Guerra-fria, que nada os fazia parar. 
A confrontação actual do eixo euro-asiático com o eixo anglo-saxónico não será ideológica, mas será na mesma um confronto total. Desde uma vintena de anos, o «Ocidente» apenas respeita o direito internacional quando lhe convém, apenas denuncia casos de violação dos direitos humanos em regimes que não se alinham por ele, tem como único «instrumento diplomático» a força armada, para esmagar todos os que não se conformam com a sua lei ... No entanto, na sequência do golpe de estado de Kiev, em Fevereiro de 2014, financiado e apoiado pelos EUA, a Rússia acelerou conversações para um acordo global, estratégico e económico com a China, vendo que os governos da Europa ocidental  tinham caído numa total vassalagem face aos EUA.

Assim, chega-se ao ponto da evolução em que o eixo de aliança estratégica entre os países que formam a Eurásia está a consolidar-se a olhos vistos. 
Recordo que a Organização de Segurança de Xangai, estabeleceu, há alguns anos, um acordo aprofundado na luta contra o terrorismo entre a Rússia, a China e várias repúblicas ex-soviéticas. 

O acordo Russo-Chinês concretizou-se no fornecimento por pipe-lines, a partir da Sibéria, de grande parte do crude e do gás natural de que a China necessita. Este será apenas um aspecto do vasto acordo estratégico entre Moscovo e Pequim. 
Este acordo é um formidável desafio ao petro-dollar(*), visto que o maior consumidor de crude e de gás natural terá como principal fornecedor o segundo maior produtor e tudo isto, usando divisas dos respectivos países, Yuan e Rublos, não usando o Dollar. 

Simultaneamente, a China lançou a nova Rota da Seda. Para isso, criou um Banco Asiático de Investimento, uma iniciativa de investimento dirigida a todos os países que quisessem aderir sem pressupostos outros que estabelecer relações comerciais mutuamente vantajosas. 
Num instante, a China obteve a adesão de mais de 60 países, como membros fundadores, nos quais se incluía o Reino Unido. Este, viu que o seu interesse no longo prazo era estar dentro do barco, que era inevitável a China tornar-se a primeira potência económica, sendo já dominante em muitos sectores do comércio internacional.

Um «Ocidente» relutante foi obrigado a aceitar o Yuan chinês no cabaz de divisas que formam os «Special Drawing Rights»  ou seja a moeda do FMI, a qual poderá segundo James Rickards, substituir o Dollar. 
A este propósito, deve-se compreender que a presente subida do Dollar não é devida a confiança na sua economia e na sua capacidade geo-estratégica, mas antes um corolário da enorme quantidade de Treasuries(**) (Obrigações do Tesouro US) que têm sido vertidas no mercado. Para que estas sejam vendidas, do outro lado tem de haver dispêndio de dollar: logicamente, vai haver uma falta de dolares no mercado. Foram vendidas, no ano transacto, quantidades astronómicas de treasuries, nos mercados. Os principais vendedores foram a China, o Japão, a Arábia Saudita. Esta subida do dollar, para além dos aspectos especulativos, é portanto o «canto do cisne», enquanto moeda de reserva mundial. 
A machadada final será dada quando os países petroliferos, Arábia Saudita e os diversos diversos Emiratos, começarem a aceitar outras moedas, além do dollar, pelo seu petróleo.
O Irão já se mostrou bastante audaz ao anunciar que vai começar a vender os seus dollars e a aceitar pagamentos noutras divisas. O famoso decreto de Trump que bania provisoriamente entradas de pessoas oriundas do Irão, um dos sete países do Médio Oriente visados, foi apenas o pretexto. 

Apesar de toda a incerteza gerada pela transição da presidência dos EUA, há porém desenvolvimentos altamente prováveis: 
. Vai reforçar-se a colaboração, a todos os títulos, entre Moscovo e Pequim. 
. Haverá um aprofundar de crise do Euro e - portanto - uma perda de influência da Europa nos assuntos económicos mundiais. 
. Pelo contrário, a China continuará, com seus numerosos acordos de comércio com países do Terceiro Mundo, a drenar uma parte importante das matérias primas, sustentando as economias desses países.
. Isto permitirá que os países fornecedores de matérias-primas se autonomizem, quer das ex-metropoles dos tempos coloniais, quer dos novos poderes que as substituiram.
. O eixo Euroasiático vai aprofundar-se no comércio, em particular, devido à complementaridade em termos de recursos energéticos, de matérias-primas.
. As diversas potências, grandes ou pequenas, no continente Euroasiático, verão como decisivo para a sua segurança e estabilidade globais, a cooperação em matérias de defesa, de luta contra o terrorismo, contra a criminalidade económica.

Em meados do século, teremos talvez um eixo continental Lisboa-Moscovo-Pequim, como o nascer de uma nova entidade geo-política no espaço euroasiático, que sempre foi uno geograficamente, mas demasiadas vezes fraccionado por guerras e rivalidades.
O eixo anglo-saxónico - essencialmente o Reino Unido, os EUA, o Canadá e a Austrália - irá disputar o terreno palmo a palmo, não hesitando em lançar uma guerra generalizada, na tentativa desesperada de manter a hegemonia. 
Porém, outro Mundo é possível (e preferível); um Mundo multipolar, como aliás tem sido, na maior parte da História.

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(*) É sabido que a hegemonia financeira do dollar tem sido mantida graças ao acordo do chamado petro-dollar, ou seja, a exclusividade de pagamento em dólares do petróleo da Arábia Saudita e outros países árabes que, em troca, receberam a garantia de protecção total por parte dos EUA. 

(**) As obrigações do Tesouro dos EUA são a forma habitual dos países manterem dólares em suas reservas financeiras nos bancos centrais. Terem dólares em reserva é uma necessidade, porque tem sido - até aqui - a moeda indispensável para compra, nos mercados mundiais, de combustíveis fósseis.

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