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quarta-feira, 25 de outubro de 2023

NOVAS REALIDADES EM ÁFRICA

 Muitas vezes, os noticiários na Europa deixam de lado notícias relativas ao Continente Africano. Mas, o facto é que sem a África, a Europa (a ocidental, sobretudo) não seria aquilo que é. 

Com efeito, já não falando dos longos séculos de depredação e exploração colonial em África, que certas potências europeias levaram a cabo, do século XVI ao século XX, sob forma de colónias, é de notar que muitas independências africanas foram apenas nominais, ou seja, passou uma elite dos respectivos Estados recém-independentes a governar esses países, mas - na verdade - continuaram sujeitos à ex-potência colonial.  

Exemplo flagrante desta situação, é o das ex-colónias da França na África central. Elas mantiveram múltiplos laços, para além da língua francesa e doutros aspetos culturais: Estes países têm estado ligados à ex-metrópole através do sistema do «Franc CFA», que perpetuou a dependência, visto que a moeda utilizada em cada país africano era emitida pela Banque de France. Estes países não podiam realizar operações de câmbio com outras divisas diretamente, sem passar pelo Banco Central do Estado francês.

 Muitos recursos minerais e agrícolas foram extraídos, nas décadas após a era colonial, de tal maneira que os países africanos ficavam com uma parte diminuta, sendo o grosso do lucro recolhido pelas multinacionais, que exploravam e exportavam estas matérias-primas. Além do aspeto direto de rapina económica, acrescentava-se a dependência - cada vez maior - em relação à importação dos bens de consumo correntes, incluindo os alimentares, sendo as importações sistemáticas devidas ao não desenvolvimento de projetos autónomos de agricultura destinada ao consumo local, ou de indústrias que permitissem o aproveitamento dos recursos locais, agrícolas, minerais e energéticos. Este atraso provocou a dependência crónica em relação ao exterior e um défice constante na balança comercial em muitos países africanos, mesmo nos considerados «ricos». Tal défice era colmatado por empréstimos, negociados com o FMI ou Banco Mundial. Estes impunham condições: Determinado comportamento na economia, na administração pública e, em particular, na adoção de programas de privatização ou de «ajustamento estrutural», para «rentabilizar» os setores produtivos mas, na realidade, para as multinacionais vorazes se apropriarem dos mais interessantes. Assim, a dependência tem sido perpetuada, com a conivência dos vários atores, quer sejam as empresas multinacionais, os Estados ex-potências colonizadoras, as instituições financeiras multilaterais, ou os consórcios de bancos europeus e norte-americanos. 

A situação neocolonial destes países - sobretudo na África central ao Sul do Sahara, na região do Sahel - foi-se perpetuando. As condições de sobrevivência dos povos foi-se deteriorando, a desertificação progredindo. Os solos, demasiado frágeis, tornaram-se estéreis, tem havido miséria e fome nestas zonas, às quais se vieram acrescentar  guerrilhas, muitas das quais, de grupos islamistas radicais. 

Foram desencadeadas guerras civis entre várias facções das Forças Armadas,  pelo controlo do exército e do aparelho de Estado. Estes golpes são, muitas vezes, instrumentalizados por uma potência não-africana (EUA, França, Reino Unido, Rússia, China, etc.), interessada em manter ou derrubar determinada facção, para obter (ou manter) acesso a valiosos recursos minerais.

Desde 2020, houve golpes militares que derrubaram governos pró-ocidentais no Burkina Faso, Sudão, Guiné, Mali, Níger, Gabão e Chade. Estes golpes colocaram no poder governos neutrais, ou alinhados com a Rússia, ou com a China.
No mapa abaixo, retirado do artigo «The Battle for Strategic Resources in Africa Heats Up» por Nick Giambruno, pode verificar-se que os governos favoráveis à OTAN (azul escuro) são minoritários, enquanto a proporção de simpatizantes  ou membros dos «BRICS+» (cor verde) aumenta, tendo a maioria uma postura neutral (cor azul clara).


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A luta recente no Níger, que culminou com a expulsão da França, é particularmente importante. O Níger produz urânio desde 1971, durante mais de 52 anos. Embora seja um país dos mais pobres mundialmente, tem uma indústria de urânio bem desenvolvida. O Níger, hoje, fornece 5% da produção global de urânio, sendo crucial para o abastecimento da Europa. Os especialistas estimam que 24 % do urânio consumido na Europa provém do Níger. O nuclear em França, hoje, corresponde a cerca de 70% da energia elétrica gerada, sendo 33% das necessidades francesas cobertas com urânio do Níger. Em consequência do golpe militar hostil à França e à Europa, a segurança energética destas está agora em risco. 
As alternativas não são fáceis de encontrar, pois entre o momento da decisão de abrir nova mina de urânio e o início de sua produção, medeiam cerca de dez anos.

Como os países dos BRICS tipicamente fazem acordos «win win» (= com vantagens mútuas), construindo infraestruturas necessárias ao desenvolvimento dos países-parceiros e não estão interessados em dominar, ou interferir nas políticas internas deles, muitos países africanos viraram-se para acordos com os BRICS e para fora da esfera de influência ocidental.

A agressividade dos países imperialistas e das ex-metrópoles coloniais, que formam parte substancial do chamado «Ocidente», explica-se (mas não se justifica) pela perda de influência e de acesso às matérias-primas estratégicas de África que exploraram, em exclusivo, durante o período pós-colonial.

sábado, 18 de junho de 2022

MITOLOGIAS (VII) O GRANDE MITO DO NOSSO TEMPO



O pensamento sobre o mundo que nos rodeia é condicionado pela nossa experiência sensível. Mas não é essa experiência sensível. Esta, depende dos aparelhos sensoriais de que somos dotados, não se pode dissociar da «janela de realidade» à qual eles estão associados. Por exemplo: os olhos humanos estão limitados, na sua capacidade de  deteção, ao espectro visível das radiações eletromagnéticas; a gama de sons que os humanos conseguem ouvir está limitada a um certo intervalo de frequências.
Mesmo que a humanidade tenha superado muitas das limitações à perceção direta do real, através de instrumentos, estes são - afinal - órgãos sensoriais artificiais, como o microscópio, o telescópio, etc.: a perceção tem limites.
Mas, além disso, todo o equipamento científico contemporâneo é baseado nos pressupostos afirmados por uma elite científica nos vários campos e aplicam-se as leis da física. Estas leis, não apenas formam a trama da nossa compreensão do Universo, como são o fundamento sobre o qual construímos os instrumentos, físicos e concetuais, sobre os quais repousa o nosso saber científico.
O Bios é um domínio especial do Cosmos. Pode-se colocar a hipótese de que qualquer ser biológico esteja dotado de sensibilidade e duma forma de consciência, a qualquer nível de complexidade em que realizemos o nosso inquérito. Assim, em relação a bactérias, ou a células integradas num tecido do corpo, não se pode falar duma ausência de sensibilidade, mas de sensibilidade adaptada às suas funções vitais. Esta sensibilidade é finalizada: Claramente, possui um propósito que é o de viver, de continuar a existir enquanto conjunto coerente e integrado. Esta situação é comum a qualquer célula, seja com vida independente, ou integrada num conjunto mais vasto. Note-se que, todas as células estão relacionadas entre si pela descendência; uma célula descende sempre de uma outra, ou outras, células. Temos portanto, para cada célula, seja ela de vida autónoma ou integrada num organismo, a sensibilidade e a «genealogia»: Não serão estas duas características suficientes para determinar que estas unidades de matéria viva, possuem propósito e, mesmo, consciência? O problema é antes devido ao facto da nossa mente estar amarrada ao materialismo mecanicista persistente, disseminado como «senso comum» na nossa época.
Não podemos nos dissociar do instrumento de medida, para fazer uma medição de algo. O princípio da incerteza  de Heisenberg tem grande importância teórica na Física Quântica. Mas, ao nível da filosofia do conhecimento (ou epistemologia), devia-se também adotar o postulado de que não podemos nos debruçar sobre qualquer realidade, empírica ou conceptual, sem que o «aparelho conceptual/metodológico» que é o nosso, deixe de interferir na observação, na interpretação dos dados e na teoria que as enquadra. Trata-se de um vai-e-vem, pois a teoria é influenciada pelas observações do objeto sob investigação, mas o referido objeto não é «visível» sem  teoria explícita, ou implícita. O exemplo seguinte, dá uma ideia do que pretendo exprimir: Quando os humanos olham a Lua, veem mais do que um disco brilhante no céu; veem a Lua como planeta, como satélite do nosso planeta, cujas propriedades foram descobertas ou confirmadas pelas viagens do homem à Lua no século XX, etc. Os homens da antiguidade viam a Lua como Deusa, ou como uma manifestação especial da Divindade. Não há nenhuma civilização ou cultura que veja a Lua somente como um "disco esbranquiçado, no céu noturno". De facto, quando se olha para a Lua é impossível vê-la, simplesmente e somente, assim.
A um nível sistemático pode-se dizer que a observação direta ou mediatizada por instrumentos técnico-científicos, de um qualquer objeto, está profundamente imbuída do modo como nós - indivíduos dentro de determinada cultura, sociedade, época - vemos e pensamos o Mundo. Note-se que a conceptualização do objeto se enquadra dentro da nossa visão do real. 
Tenha-se em conta que existem muitos casos, na história das ciências, em que - literalmente - os cientistas observaram determinado ser ou fenómeno, sem o reconhecer enquanto algo digno de ser analisado, estudado, descrito em detalhe, investigado. Não foi por descuido ou miopia, mas porque não possuíam o conceito que lhes permitia isso: Este, foi criado e desenvolvido depois, noutra geração de cientistas. A partir desse momento e não antes, tal conceito poderá ter sido usado para descrever e estudar o referido objeto ou fenómeno. A transformação deu-se ao nível do domínio cognitivo  ou psicológico; quanto ao objeto, ele sempre foi igual, ou equivalente.
Assim, a realidade que nos dizem ser a «ultima ratio» da ciência, não é mais que um conjunto de visões ou preconceitos duma dada época. Não existe visão «objetiva» na ciência: Há pesquisas, mas elas ocorrem no interior dum certo aparelho ideológico/científico; existe um enquadramento dos fenómenos, das observações, das experiências, dentro do paradigma aceite.
Esse paradigma é difícil de modificar, muitas vezes: Se o pensamento dos físicos fosse realmente objetivo, eles teriam adotado, muito antes de Copérnico, a interpretação heliocêntrica. Existe prova segura de que tal teoria foi enunciada por filósofos gregos da antiguidade. Eles, aliás, forneceram muitos argumentos em apoio de tal teoria.
Uma situação análoga se verificou com a Teoria da Relatividade de Einstein: Muitos cientistas notáveis, na primeira década do século XX, recusaram a teoria de Einstein. Curiosamente, o próprio Einstein, que recebeu o Prémio Nobel, não pela sua Teoria da Relatividade, mas pela explicação do efeito fotoelétrico (um fenómeno quântico), era cético em relação às interpretações da Física Quântica, que outros cientistas desenvolveram na primeira metade do século XX. Ele recusava a existência duma indeterminação ontológica, no íntimo da matéria.
A abertura não é sempre caraterística do pensamento dos científicos. A ideia de que o cientista típico é alguém com grande criatividade intelectual, que pensa fora da rotina, do convencional, é muito romântica, mas totalmente errada, especialmente na nossa época. Com efeito, nos laboratórios de pesquisa ou departamentos científicos das universidades, o mais frequente são atividades de reprodução, com maior ou menor variação, é continuação dos caminhos já traçados. As propostas mais inovadoras são - com frequência - rechaçadas. Os cientistas em posições dominantes, decidem sobre a atribuição - ou não - de créditos para tal ou tal investigação. Eles têm receio de que um projeto envolvendo demasiadas incógnitas, não dê origem a resultados publicáveis. A investigação científica tornou-se convencional, dominada por carreirismos e pouco favorável - afinal - à verdadeira inovação. O único aspeto que mantém este sistema institucional, é a capacidade em atrair financiamentos (estatais e privados). Por outras palavras, os responsáveis pelos laboratórios e institutos especializaram-se em fazer «lobbying», em captar verbas para suas linhas de investigação, para suas instituições.
A ignorância científica, ao contrário do que muitos pensam, está em progressão na nossa sociedade e o fenómeno tem-se acelerado. Os programas do ensino secundário são cada vez mais «leves», nas componentes científicas. Os adolescentes não têm contacto com a ciência experimental, propriamente dita. O que chamam de «revolução» informática consiste em transformar jovens em «ratinhos de laboratório», conectados ao computador, que reagem a estímulos e são mantidos numa dependência (como a adição aos jogos de computador). Isto dá enorme satisfação aos adultos (os pais, ou os educadores), encantados, porque as crianças estão «muito sossegadinhas» em frente aos computadores!
Certos domínios, menos tecnologizados, como a epistemologia (a filosofia das ciências), podem ainda ter alguns progressos nesta civilização. Porém, a generalidade dos domínios tem uma produtividade real muito escassa. Porque razão afirmo tal coisa?  Porque, comparando resultados científicos de hoje com os dum passado não muito remoto (alguns decénios), verificam-se várias coisas imprevistas: Há uma multiplicação de artigos em publicações científicas, mas demasiados não correspondem a reais avanços nas respetivas ciências. Se fizermos uma medição qualitativa honesta, vemos que os investimentos e o número total de pessoas técnicas e científicas se multiplicaram, mas quanto ao progresso científico e técnico, deixam muito a desejar. Para uma mesma quantia investida, a ciência que se fazia há 50 ou mais anos atrás, era bem mais produtiva. Com menos, fazia-se mais, descobria-se mais e inovava-se mais. O aparelho dito científico tem, hoje, um papel de «validação» da sociedade tecnocrática. Isto é patente, por exemplo, em Medicina. Rios de dinheiro são gastos, sem real progresso na saúde da população geral. Este é o resultado mais visível.
Na sociedade futura, alguém que se debruce sobre a realidade da ciência do começo do Século XXI, irá espantar-se com os volumes de investimentos em investigação aplicada à medicina - que implicaram défices de investimentos noutras áreas - consentidos pelas pessoas e pelos Estados. Mas que são tragados por uma medicina devoradora de recursos,  ultra- tecnologizada e com resultados no inverso daquilo que seria de esperar. Com efeito, a população está cada vez mais doente. Está mais dependente dos cuidados de saúde, mais frágil, menos autónoma, em todas as faixas etárias, sobretudo nos países industrializados. 
Sabe-se perfeitamente que muitas doenças podem ser eficazmente combatidas com prevenção, educação e hábitos de higiene. Apenas esta abordagem é eficaz, ao nível populacional, para as doenças ditas «de civilização» (obesidade, diabetes, cancros, alcoolismo, doenças psíquicas, etc.). Isto não é do interesse das grandes farmacêuticas, pelo que as pessoas vão continuar a adoecer e consumir mais remédios, para lucro dos grandes acionistas destes empórios.

 


segunda-feira, 27 de março de 2017

UM CONTO PARA MEDITAR


«Fui convidado no outro dia para jantar em casa de um amigo de longa data da minha família, possuidor de uma fortuna considerável, embora não tenha a vaidade de se vangloriar da mesma, tendo por isso ele e sua família conservado, em sucessivas gerações, os bens e rendimentos acumulados, aumentando paulatinamente o capital, mau grado as crises, as guerras e outras ocorrências na esfera política e económica.
A certa altura, na conversa após o excelente jantar, falou-se da preservação do valor das poupanças, do facto de se estar constantemente dependente de um sistema bancário que nos impõe taxas ridiculamente baixas de depósito a prazo. Com efeito, a remuneração do capital neste contexto desaparece, pois a maior parte das pessoas não arrisca o seu dinheiro no «casino» da bolsa de valores e os poucos que o fazem, ficam quase sempre depenados.
Neste contexto, argumentava eu: "que resta à pessoa da classe média, senão gastar o seu dinheiro, em bens e serviços que lhe dão um suplemento de prazer, conforto, etc. enquanto esse mesmo dinheiro conserva algum poder de compra?" Para reforçar o meu argumento, lembrava episódios de hiperinflação, muito mais frequentes na História do século XX do que a maior parte das pessoas julgam saber. "Além do mais", dizia, "temos diante dos olhos o triste exemplo da Venezuela: um país com tanta riqueza (nº 1 em reservas de petróleo a nível mundial!), com sua economia completamente destruída". Outros, em roda da mesa, avançaram com as suas próprias visões e experiências relativas a este assunto.
O nosso anfitrião – depois de ouvir todos os seus convivas - replicou, dando como exemplo o caso da sua família. 
Nesta, por tradição e gestão criteriosa, os bens herdados eram transmitidos à geração seguinte, ou algo equivalente a estes mesmos bens, em rendimento e valor. A este património acumulado de anteriores gerações, acrescentava-se o excedente acumulado na geração presente.
Como regra empírica, tinha-se adoptado uma distribuição de activos diversificada,  que se pode resumir em três grandes categorias: bens financeiros (acções, obrigações, depósitos bancários, participações em fundos); bens fundiários e imobiliários (terras, imóveis) e bens móveis (ouro, prata, jóias, arte).
Cada categoria desempenhava a sua função: os bens podiam articuladamente proporcionar um rendimento suficiente para manter o nível de bem-estar, mesmo em tempos conturbados, pois - quando determinado item baixava de valor, ou tinha rendimento menor - havia outros que, pelo contrário, aumentavam. 
Assim, a gestão de património resumia-se a dosear a proporção atribuída a cada categoria e, dentro desta, a compreender a dinâmica dos mercados respectivos. 
Para o nosso anfitrião, ser sábio - em termos económicos e financeiros - equivalia a compreender a dinâmica dos vários mercados (monetário, de acções, de obrigações, de matérias-primas, de metais preciosos, do imobiliário, etc).
Face a esta exposição franca do «segredo» desta família abastada, um dos convivas perguntou-lhe então qual a distribuição de bens que tinham adoptado, no presente.
- O nosso anfitrião respondeu: «Nós decidimos, face às grandes incertezas nos mercados financeiros, converter grande parte dos activos em património não financeiro, exceptuando certas acções e obrigações de empresas sólidas, com capacidade de gerar rendimento, mesmo em contexto de crise. Tudo o resto foi convertido em bens não financeiros: imobiliário, propriedade agrícola, metais preciosos (ouro e prata) e antiguidades e arte, cotadas nos mercados internacionais.
Se o nosso prognóstico de crise vindoura se revelar incorrecto e se - após uma ligeira contracção da economia mundial - se voltar a um novo ciclo de expansão, teremos perdido algumas oportunidades de investimento, mas não teremos perdido nada de substancial, em termos de património global. 
Porém, caso os vaticínios de numerosos economistas - de várias tendências e escolas de pensamento - sejam correctos e estivermos à beira de um período de grandes convulsões económicas, com as consequentes repercussões na esfera política e social, então a mudança operada em bom tempo pela gestão familiar terá toda a sua razão de ser e será evidente a sua sensatez. Num contexto em que muitas fortunas ficam reduzidas a quase nada, os poucos que conseguem manter o seu património - somente esses - poderão prosperar, assim que for ultrapassado o tempo de crise.»


Esta história é inventada, mas o seu conteúdo reflecte exactamente o que têm feito as famílias de «riqueza antiga».

Os meios de comunicação económicos (jornais, revistas, televisões…) não revelam o quadro geral, antes dão uma ideia parcelar e geralmente «rósea» do panorama económico. Não informam nem esclarecem o público sobre a extrema alavancagem do crédito, das operações arriscadas com «credit default swaps», com a sobre-cotação das acções em bolsa por auto-compra das mesmas pelas próprias empresas, o sobre-endividamento das economias aos níveis familiar, empresarial e estatal.
A acumulação da dívida pública, em muitos Estados, a começar pelos EUA e a maioria da Europa Ocidental, tornou-se um problema insolúvel na ordem vigente.
Estas dívidas são potencialmente detonadoras de uma crise sistémica com dimensão inédita. Basta pensar no efeito «bola de neve» que terá uma crise da dívida, num país médio ou grande, nos mercados monetários e financeiros.
Porém, os políticos fazem como se estas dívidas pudessem ser «roladas» indefinidamente, o que é obviamente impossível. A única razão porque eles – políticos e a média – mantêm tal ficção, é porque são directos beneficiários deste estado de coisas.

Os pobres irão ficar na miséria, os remediados irão ficar mais pobres e os muito ricos continuarão com o nível de riqueza que já usufruíam ou aumentarão ainda mais os seus patrimónios.

sábado, 10 de dezembro de 2016

O EURO E A VIABILIDADE DUM PEQUENO PAÍS

O problema português não é a dívida. É a maneira como a dívida foi gerada.

Portugal nunca devia ter aderido ao Euro, pelo menos nos termos em que foi negociada a sua transição. O poder político de então negociou o nível de conversão da moeda nacional, o escudo, demasiado alto. Pelo contrário, o valor do DM (marco alemão) foi considerado relativamente baixo.

Uma moeda é um pouco um repositório do valor de uma economia. Tem um valor de troca, mas também de acumulação de riqueza. Todas as moedas, hoje em dia, estão relacionadas com o mercado da dívida soberana. A avaliação da segurança com que dado país consegue pagar a sua dívida é que determina os juros da mesma no mercado obrigacionista. Quando se diz que um país tem uma certa quantidade de dívida, está a referir-se o conjunto de títulos da dívida soberana (bilhetes, certificados, obrigações, etc. títulos emitidos por entidades estatais ou soberanas) na moeda de um dado país.

Os Estados mais fracos, como Portugal, na arquitetura da União Europeia, eram países cronicamente deficitários. As suas produções internas não eram suficientes para cobrir os défices decorrentes da importação de bens. 
O caminho saudável e difícil seria de aumentar a produção nacional, diminuir as importações sumptuárias ou dispensáveis, promover o autoabastecimento de produtos de primeira necessidade. 
O caminho fácil e causador de dependências, em Portugal, foi o de manter o fluxo excessivo de importações, cobrindo o défice com as remessas dos emigrantes, caminho esse já trilhado por Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e que continuou e se agravou depois, além de que se vendeu uma grande parte do ouro dos cofres do Banco de Portugal. Mas, mesmo assim, apesar destes influxos de dinheiro vindo dos emigrantes e da alienação de parte do ouro, as contas nacionais em geral e, nomeadamente, as do Estado, continuavam em défice.
A entrada na CEE e na EU foi proporcionar que Portugal tivesse mais fácil acesso aos mercados internacionais da dívida, ou seja, que pudesse colocar, em melhores condições, subscrições de dívida, sob forma de obrigações do tesouro, no mercado internacional. Assim, o Estado português podia continuar a financiar o seu défice. Ao se acumular dívida, acumulam-se também os juros a pagar, o serviço da dívida, os quais têm de ser incluídos no orçamento de Estado. O país com um serviço pesado da dívida não poderá dedicar parte substancial das suas receitas para outros fins: nomeadamente, para o investimento em infraestruturas, em serviços básicos e de bem-estar para as populações, etc.
A continuação e acentuar do défice crónico foi sendo perpetuada pela constante falsificação das contas do Estado, através da chamada «desorçamentação». A pretexto de flexibilidade, muitos setores públicos, desde universidades, a institutos públicos e organismos estatais diversos foram colocados em «regime de autonomia», obviamente falsa, mas que permitia encobrir os défices, com uma pirueta contabilística, pois estes organismos públicos podiam contrair empréstimos sem estarem sujeitos às regras de transparência e de responsabilidade do Orçamento do Estado.
As autarquias, como pequenos reinos ou domínios feudais, têm também estado fora de controlo, no que toca a contenção de despesas. Os autarcas gastam a torto e a direito, excedendo sistematicamente as receitas próprias das respetivas autarquias, recorrem ao crédito bancário. Eles endividam as autarquias e asseguram assim a sua reeleição, iludindo as populações ingénuas, que pensam que «o Sr. Presidente da Câmara tem feito muitas melhorias» …    
Vê-se, portanto, que a dívida acumulada foi devida a um excesso de despesismo, sobretudo durante a 1ª década do presente século, por muitos, não apenas ministérios, como institutos públicos e também autarquias.  
A banca foi parte interessada, obviamente, pois tinha uma fonte segura de lucro, com risco muito baixo. O Estado é a entidade que consegue obter sempre dinheiro, pela coação dos seus contribuintes a pagar os impostos.
O resultante sobre-endividamento, quer no Estado central, quer das autarquias, institutos e empresas públicas, o chamado setor empresarial do Estado, foi um crime económico planeado e executado pela oligarquia que reina neste país, a partir dos gabinetes de direção dos grandes bancos, sendo as sedes governamentais meras sucursais dos primeiros. Este excessivo endividamento foi possível graças a juros artificialmente baixos, que Portugal obteve nos empréstimos, decorrentes da nossa pertença ao Euro.
Estes juros estão agora ainda mais baixos, num grau completamente irracional, pois o BCE (Banco Central Europeu) se tem comprometido a comprar grande parte da dívida emitida pelos Estados. A dívida portuguesa não é avaliada nos mercados em função da sua capacidade intrínseca em honrar essa dívida, pagando os juros e o capital devido, mas pelo facto de que - por detrás- está o BCE, que «tudo fará» para que o Euro se mantenha e por isso mesmo, tem adquirido muitos biliões de dívida aos diversos países da Eurolândia.
A situação de capitalismo débil, de dependência em relação às forças do «centro nevrálgico» do capitalismo europeu, não irá ser invertida de um momento para o outro. Porém, a possibilidade de atrair mais e melhor investimento estrangeiro poderia minorar bastante duas grandes dificuldades presentes: Por um lado, reabsorvendo boa parte do desemprego e arrancando o país do marasmo, em termos produtivos, por outro lado, dando confiança aos mercados financeiros na sua capacidade de pagar a dívida.
Não seria uma coisa maravilhosa, mas tornaria possível a saída de um ciclo vicioso de sobre-endividamento. 

Eu sei que há razões para Portugal ser considerado como bom destino de investimento.
Portugal, apesar de reconhecidamente possuir ótimas condições nalguns planos, assim como apoios generosos do Estado e condições políticas bastante estáveis, não consegue - apesar disso - atrair investimento estrangeiro na proporção desse potencial.
É fácil compreender o que afasta os investidores estrangeiros: tem a ver com incertezas no que toca aos regulamentos, taxas, impostos, etc. tudo fatores cuja previsibilidade é fundamental para tomada de decisão. Por exemplo, se houver muita incerteza em relação ao nível dos impostos, que geralmente afetam a rendibilidade de um investimento, isso pode tornar arriscado investir-se num dado país. 
É o caso, se - a cada ano - o orçamento muda substancialmente as regras relativas a taxas e a impostos, assim como os regulamentos. Que interesse, em geral, terá um investidor estrangeiro num país incapaz de planear a médio e longo prazo, de garantir que não serão mudadas as regras a meio do jogo?
Se este problema for corrigido, haverá real possibilidade de Portugal atrair maior investimento e evitar as saídas de capitais – sem necessidade de imposição de controlos ou restrições. Inversamente, se este problema subsistir, não será uma saída do Euro que irá melhorar a situação, pelo contrário. Se tudo ficar como agora, não!

A saída do Euro será apenas interessante, se concomitante duma viragem estratégica.
Este país só tem viabilidade como país exportador - não como cliente, súbdito, vassalo, ou pedinte de países mais ricos - o que implicaria uma planificação real da economia, definindo prioridades em todos os setores, orientando o investimento público e privado, estabelecendo regras consensuais, por forma a dar mais estabilidade.

Seria bom, mas as pessoas não foram (ainda) educadas para exigir isso dos dirigentes, dos governantes, da «classe política».