O
problema português não é a dívida. É a maneira como a dívida foi gerada.
Portugal
nunca devia ter aderido ao Euro, pelo menos nos termos em que foi negociada a
sua transição. O
poder político de então negociou o nível de conversão da moeda nacional, o
escudo, demasiado alto. Pelo contrário, o valor do DM (marco alemão) foi
considerado relativamente baixo.
Uma
moeda é um pouco um repositório do valor de uma economia. Tem um valor de
troca, mas também de acumulação de riqueza. Todas as moedas, hoje em dia, estão
relacionadas com o mercado da dívida soberana. A avaliação da segurança com que
dado país consegue pagar a sua dívida é que determina os juros da mesma no
mercado obrigacionista. Quando se diz que um país tem uma certa quantidade de
dívida, está a referir-se o conjunto de títulos da dívida soberana (bilhetes, certificados,
obrigações, etc. títulos emitidos por entidades estatais ou soberanas) na moeda
de um dado país.
Os
Estados mais fracos, como Portugal, na arquitetura da União Europeia, eram
países cronicamente deficitários. As suas produções internas não eram
suficientes para cobrir os défices decorrentes da importação de bens.
O caminho
saudável e difícil seria de aumentar a produção nacional, diminuir as
importações sumptuárias ou dispensáveis, promover o autoabastecimento de
produtos de primeira necessidade.
O caminho fácil e causador de dependências,
em Portugal, foi o de manter o fluxo excessivo de importações, cobrindo o
défice com as remessas dos emigrantes, caminho esse já trilhado por Portugal
antes do 25 de Abril de 1974 e que continuou e se agravou depois, além de que
se vendeu uma grande parte do ouro dos cofres do Banco de Portugal. Mas, mesmo
assim, apesar destes influxos de dinheiro vindo dos emigrantes e da alienação
de parte do ouro, as contas nacionais em geral e, nomeadamente, as do Estado, continuavam em
défice.
A
entrada na CEE e na EU foi proporcionar que Portugal tivesse mais fácil acesso
aos mercados internacionais da dívida, ou seja, que pudesse colocar, em
melhores condições, subscrições de dívida, sob forma de obrigações do tesouro, no
mercado internacional. Assim, o Estado português podia continuar a financiar o
seu défice. Ao se acumular dívida, acumulam-se também os juros a pagar, o
serviço da dívida, os quais têm de ser incluídos no orçamento de Estado. O país
com um serviço pesado da dívida não poderá dedicar parte substancial das suas receitas
para outros fins: nomeadamente, para o investimento em infraestruturas, em serviços
básicos e de bem-estar para as populações, etc.
A
continuação e acentuar do défice crónico foi sendo perpetuada pela constante
falsificação das contas do Estado, através da chamada «desorçamentação». A
pretexto de flexibilidade, muitos setores públicos, desde universidades, a
institutos públicos e organismos estatais diversos foram colocados em «regime
de autonomia», obviamente falsa, mas que permitia encobrir os défices, com uma
pirueta contabilística, pois estes organismos públicos podiam contrair
empréstimos sem estarem sujeitos às regras de transparência e de responsabilidade
do Orçamento do Estado.
As
autarquias, como pequenos reinos ou domínios feudais, têm também estado fora de
controlo, no que toca a contenção de despesas. Os autarcas gastam a torto e a direito,
excedendo sistematicamente as receitas próprias das respetivas autarquias,
recorrem ao crédito bancário. Eles endividam as autarquias e asseguram assim a
sua reeleição, iludindo as populações ingénuas, que pensam que «o Sr.
Presidente da Câmara tem feito muitas melhorias» …
Vê-se,
portanto, que a dívida acumulada foi devida a um excesso de despesismo, sobretudo
durante a 1ª década do presente século, por muitos, não apenas ministérios,
como institutos públicos e também autarquias.
A banca
foi parte interessada, obviamente, pois tinha uma fonte segura de lucro, com
risco muito baixo. O Estado é a entidade que consegue obter sempre dinheiro,
pela coação dos seus contribuintes a pagar os impostos.
O resultante
sobre-endividamento, quer no Estado central, quer das autarquias, institutos e
empresas públicas, o chamado setor empresarial do Estado, foi um crime económico planeado e executado
pela oligarquia que reina neste país, a partir dos gabinetes de direção dos
grandes bancos, sendo as sedes governamentais meras sucursais dos primeiros.
Este excessivo endividamento foi possível graças a juros artificialmente baixos,
que Portugal obteve nos empréstimos, decorrentes da nossa pertença ao Euro.
Estes
juros estão agora ainda mais baixos, num grau completamente irracional, pois o
BCE (Banco Central Europeu) se tem comprometido a comprar grande parte da
dívida emitida pelos Estados. A dívida portuguesa não é avaliada nos mercados em
função da sua capacidade intrínseca em honrar essa dívida, pagando os juros e o
capital devido, mas pelo facto de que - por detrás- está o BCE, que «tudo fará»
para que o Euro se mantenha e por isso mesmo, tem adquirido muitos biliões de dívida aos
diversos países da Eurolândia.
A
situação de capitalismo débil, de dependência em relação às forças do «centro
nevrálgico» do capitalismo europeu, não
irá ser invertida de um momento para o outro. Porém, a possibilidade de atrair mais
e melhor investimento estrangeiro poderia minorar bastante duas grandes
dificuldades presentes: Por um lado, reabsorvendo boa parte do desemprego e
arrancando o país do marasmo, em termos produtivos, por outro lado, dando
confiança aos mercados financeiros na sua capacidade de pagar a dívida.
Não
seria uma coisa maravilhosa, mas tornaria possível a saída de um ciclo vicioso de sobre-endividamento.
Eu sei que há
razões para Portugal ser considerado como bom destino de investimento.
Portugal,
apesar de reconhecidamente possuir ótimas condições nalguns planos, assim como
apoios generosos do Estado e condições políticas bastante estáveis, não consegue - apesar disso - atrair
investimento estrangeiro na proporção desse potencial.
É
fácil compreender o que afasta os investidores estrangeiros: tem a ver com incertezas
no que toca aos regulamentos, taxas, impostos, etc. tudo fatores cuja previsibilidade
é fundamental para tomada de decisão. Por exemplo, se houver muita incerteza em
relação ao nível dos impostos, que geralmente afetam a rendibilidade de um
investimento, isso pode tornar arriscado investir-se num dado país.
É o caso,
se - a cada ano - o orçamento muda substancialmente as regras relativas a taxas
e a impostos, assim como os regulamentos. Que
interesse, em geral, terá um investidor estrangeiro num país incapaz de planear
a médio e longo prazo, de garantir que não serão mudadas as regras a meio do
jogo?
Se
este problema for corrigido, haverá real possibilidade de Portugal atrair maior
investimento e evitar as saídas de capitais – sem necessidade de imposição de
controlos ou restrições. Inversamente, se este problema subsistir, não será uma
saída do Euro que irá melhorar a situação, pelo contrário. Se tudo ficar como
agora, não!
A saída do Euro será apenas interessante, se concomitante
duma viragem estratégica.
Este
país só tem viabilidade como país exportador
- não como cliente, súbdito, vassalo, ou pedinte de países mais ricos - o que
implicaria uma planificação real da economia, definindo prioridades em todos os
setores, orientando o investimento público e privado, estabelecendo regras
consensuais, por forma a dar mais estabilidade.
Seria
bom, mas as pessoas não foram (ainda) educadas para exigir isso dos dirigentes,
dos governantes, da «classe política».