Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

NOVAS REALIDADES EM ÁFRICA

 Muitas vezes, os noticiários na Europa deixam de lado notícias relativas ao Continente Africano. Mas, o facto é que sem a África, a Europa (a ocidental, sobretudo) não seria aquilo que é. 

Com efeito, já não falando dos longos séculos de depredação e exploração colonial em África, que certas potências europeias levaram a cabo, do século XVI ao século XX, sob forma de colónias, é de notar que muitas independências africanas foram apenas nominais, ou seja, passou uma elite dos respectivos Estados recém-independentes a governar esses países, mas - na verdade - continuaram sujeitos à ex-potência colonial.  

Exemplo flagrante desta situação, é o das ex-colónias da França na África central. Elas mantiveram múltiplos laços, para além da língua francesa e doutros aspetos culturais: Estes países têm estado ligados à ex-metrópole através do sistema do «Franc CFA», que perpetuou a dependência, visto que a moeda utilizada em cada país africano era emitida pela Banque de France. Estes países não podiam realizar operações de câmbio com outras divisas diretamente, sem passar pelo Banco Central do Estado francês.

 Muitos recursos minerais e agrícolas foram extraídos, nas décadas após a era colonial, de tal maneira que os países africanos ficavam com uma parte diminuta, sendo o grosso do lucro recolhido pelas multinacionais, que exploravam e exportavam estas matérias-primas. Além do aspeto direto de rapina económica, acrescentava-se a dependência - cada vez maior - em relação à importação dos bens de consumo correntes, incluindo os alimentares, sendo as importações sistemáticas devidas ao não desenvolvimento de projetos autónomos de agricultura destinada ao consumo local, ou de indústrias que permitissem o aproveitamento dos recursos locais, agrícolas, minerais e energéticos. Este atraso provocou a dependência crónica em relação ao exterior e um défice constante na balança comercial em muitos países africanos, mesmo nos considerados «ricos». Tal défice era colmatado por empréstimos, negociados com o FMI ou Banco Mundial. Estes impunham condições: Determinado comportamento na economia, na administração pública e, em particular, na adoção de programas de privatização ou de «ajustamento estrutural», para «rentabilizar» os setores produtivos mas, na realidade, para as multinacionais vorazes se apropriarem dos mais interessantes. Assim, a dependência tem sido perpetuada, com a conivência dos vários atores, quer sejam as empresas multinacionais, os Estados ex-potências colonizadoras, as instituições financeiras multilaterais, ou os consórcios de bancos europeus e norte-americanos. 

A situação neocolonial destes países - sobretudo na África central ao Sul do Sahara, na região do Sahel - foi-se perpetuando. As condições de sobrevivência dos povos foi-se deteriorando, a desertificação progredindo. Os solos, demasiado frágeis, tornaram-se estéreis, tem havido miséria e fome nestas zonas, às quais se vieram acrescentar  guerrilhas, muitas das quais, de grupos islamistas radicais. 

Foram desencadeadas guerras civis entre várias facções das Forças Armadas,  pelo controlo do exército e do aparelho de Estado. Estes golpes são, muitas vezes, instrumentalizados por uma potência não-africana (EUA, França, Reino Unido, Rússia, China, etc.), interessada em manter ou derrubar determinada facção, para obter (ou manter) acesso a valiosos recursos minerais.

Desde 2020, houve golpes militares que derrubaram governos pró-ocidentais no Burkina Faso, Sudão, Guiné, Mali, Níger, Gabão e Chade. Estes golpes colocaram no poder governos neutrais, ou alinhados com a Rússia, ou com a China.
No mapa abaixo, retirado do artigo «The Battle for Strategic Resources in Africa Heats Up» por Nick Giambruno, pode verificar-se que os governos favoráveis à OTAN (azul escuro) são minoritários, enquanto a proporção de simpatizantes  ou membros dos «BRICS+» (cor verde) aumenta, tendo a maioria uma postura neutral (cor azul clara).


20230930-Africa-MapChart_Map.png



A luta recente no Níger, que culminou com a expulsão da França, é particularmente importante. O Níger produz urânio desde 1971, durante mais de 52 anos. Embora seja um país dos mais pobres mundialmente, tem uma indústria de urânio bem desenvolvida. O Níger, hoje, fornece 5% da produção global de urânio, sendo crucial para o abastecimento da Europa. Os especialistas estimam que 24 % do urânio consumido na Europa provém do Níger. O nuclear em França, hoje, corresponde a cerca de 70% da energia elétrica gerada, sendo 33% das necessidades francesas cobertas com urânio do Níger. Em consequência do golpe militar hostil à França e à Europa, a segurança energética destas está agora em risco. 
As alternativas não são fáceis de encontrar, pois entre o momento da decisão de abrir nova mina de urânio e o início de sua produção, medeiam cerca de dez anos.

Como os países dos BRICS tipicamente fazem acordos «win win» (= com vantagens mútuas), construindo infraestruturas necessárias ao desenvolvimento dos países-parceiros e não estão interessados em dominar, ou interferir nas políticas internas deles, muitos países africanos viraram-se para acordos com os BRICS e para fora da esfera de influência ocidental.

A agressividade dos países imperialistas e das ex-metrópoles coloniais, que formam parte substancial do chamado «Ocidente», explica-se (mas não se justifica) pela perda de influência e de acesso às matérias-primas estratégicas de África que exploraram, em exclusivo, durante o período pós-colonial.

5 comentários:

Manuel Baptista disse...

Um artigo do Global Times avalia a extorsão dos países capitalistas mais desenvolvidos sobre o Terceiro Mundo:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2023/05/artigo-extorsao-dos-paises-dependentes.html

Manuel Baptista disse...

Par se avaliar a mudança que está em curso, em África:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2023/04/a-africa-esta-emancipar-se-do-jugo.html

Manuel Baptista disse...

A longa e mal conhecida intervenção da OTAN (e países da OTAN) em África:
https://www.youtube.com/watch?si=mlBVYgJ8N_IOJs_T&v=1aAlELGTHO4&feature=youtu.be

Manuel Baptista disse...

Uma visão do que se passou no Níger, que aponta para uma colaboração dos EUA no golpe, para afastar a influência francesa, rival, no país e na região:
https://www.voltairenet.org/article219677.html

Manuel Baptista disse...

Thierry Meyssan explica como, desde há 12 anos, a França se tem colocado em África como «subcontratante» dos EUA. Isso, segundo ele explicaria a rejeição que a França tem experimentado na África francófona.
https://www.voltairenet.org/article219656.html