sábado, 10 de dezembro de 2016

O EURO E A VIABILIDADE DUM PEQUENO PAÍS

O problema português não é a dívida. É a maneira como a dívida foi gerada.

Portugal nunca devia ter aderido ao Euro, pelo menos nos termos em que foi negociada a sua transição. O poder político de então negociou o nível de conversão da moeda nacional, o escudo, demasiado alto. Pelo contrário, o valor do DM (marco alemão) foi considerado relativamente baixo.

Uma moeda é um pouco um repositório do valor de uma economia. Tem um valor de troca, mas também de acumulação de riqueza. Todas as moedas, hoje em dia, estão relacionadas com o mercado da dívida soberana. A avaliação da segurança com que dado país consegue pagar a sua dívida é que determina os juros da mesma no mercado obrigacionista. Quando se diz que um país tem uma certa quantidade de dívida, está a referir-se o conjunto de títulos da dívida soberana (bilhetes, certificados, obrigações, etc. títulos emitidos por entidades estatais ou soberanas) na moeda de um dado país.

Os Estados mais fracos, como Portugal, na arquitetura da União Europeia, eram países cronicamente deficitários. As suas produções internas não eram suficientes para cobrir os défices decorrentes da importação de bens. 
O caminho saudável e difícil seria de aumentar a produção nacional, diminuir as importações sumptuárias ou dispensáveis, promover o autoabastecimento de produtos de primeira necessidade. 
O caminho fácil e causador de dependências, em Portugal, foi o de manter o fluxo excessivo de importações, cobrindo o défice com as remessas dos emigrantes, caminho esse já trilhado por Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e que continuou e se agravou depois, além de que se vendeu uma grande parte do ouro dos cofres do Banco de Portugal. Mas, mesmo assim, apesar destes influxos de dinheiro vindo dos emigrantes e da alienação de parte do ouro, as contas nacionais em geral e, nomeadamente, as do Estado, continuavam em défice.
A entrada na CEE e na EU foi proporcionar que Portugal tivesse mais fácil acesso aos mercados internacionais da dívida, ou seja, que pudesse colocar, em melhores condições, subscrições de dívida, sob forma de obrigações do tesouro, no mercado internacional. Assim, o Estado português podia continuar a financiar o seu défice. Ao se acumular dívida, acumulam-se também os juros a pagar, o serviço da dívida, os quais têm de ser incluídos no orçamento de Estado. O país com um serviço pesado da dívida não poderá dedicar parte substancial das suas receitas para outros fins: nomeadamente, para o investimento em infraestruturas, em serviços básicos e de bem-estar para as populações, etc.
A continuação e acentuar do défice crónico foi sendo perpetuada pela constante falsificação das contas do Estado, através da chamada «desorçamentação». A pretexto de flexibilidade, muitos setores públicos, desde universidades, a institutos públicos e organismos estatais diversos foram colocados em «regime de autonomia», obviamente falsa, mas que permitia encobrir os défices, com uma pirueta contabilística, pois estes organismos públicos podiam contrair empréstimos sem estarem sujeitos às regras de transparência e de responsabilidade do Orçamento do Estado.
As autarquias, como pequenos reinos ou domínios feudais, têm também estado fora de controlo, no que toca a contenção de despesas. Os autarcas gastam a torto e a direito, excedendo sistematicamente as receitas próprias das respetivas autarquias, recorrem ao crédito bancário. Eles endividam as autarquias e asseguram assim a sua reeleição, iludindo as populações ingénuas, que pensam que «o Sr. Presidente da Câmara tem feito muitas melhorias» …    
Vê-se, portanto, que a dívida acumulada foi devida a um excesso de despesismo, sobretudo durante a 1ª década do presente século, por muitos, não apenas ministérios, como institutos públicos e também autarquias.  
A banca foi parte interessada, obviamente, pois tinha uma fonte segura de lucro, com risco muito baixo. O Estado é a entidade que consegue obter sempre dinheiro, pela coação dos seus contribuintes a pagar os impostos.
O resultante sobre-endividamento, quer no Estado central, quer das autarquias, institutos e empresas públicas, o chamado setor empresarial do Estado, foi um crime económico planeado e executado pela oligarquia que reina neste país, a partir dos gabinetes de direção dos grandes bancos, sendo as sedes governamentais meras sucursais dos primeiros. Este excessivo endividamento foi possível graças a juros artificialmente baixos, que Portugal obteve nos empréstimos, decorrentes da nossa pertença ao Euro.
Estes juros estão agora ainda mais baixos, num grau completamente irracional, pois o BCE (Banco Central Europeu) se tem comprometido a comprar grande parte da dívida emitida pelos Estados. A dívida portuguesa não é avaliada nos mercados em função da sua capacidade intrínseca em honrar essa dívida, pagando os juros e o capital devido, mas pelo facto de que - por detrás- está o BCE, que «tudo fará» para que o Euro se mantenha e por isso mesmo, tem adquirido muitos biliões de dívida aos diversos países da Eurolândia.
A situação de capitalismo débil, de dependência em relação às forças do «centro nevrálgico» do capitalismo europeu, não irá ser invertida de um momento para o outro. Porém, a possibilidade de atrair mais e melhor investimento estrangeiro poderia minorar bastante duas grandes dificuldades presentes: Por um lado, reabsorvendo boa parte do desemprego e arrancando o país do marasmo, em termos produtivos, por outro lado, dando confiança aos mercados financeiros na sua capacidade de pagar a dívida.
Não seria uma coisa maravilhosa, mas tornaria possível a saída de um ciclo vicioso de sobre-endividamento. 

Eu sei que há razões para Portugal ser considerado como bom destino de investimento.
Portugal, apesar de reconhecidamente possuir ótimas condições nalguns planos, assim como apoios generosos do Estado e condições políticas bastante estáveis, não consegue - apesar disso - atrair investimento estrangeiro na proporção desse potencial.
É fácil compreender o que afasta os investidores estrangeiros: tem a ver com incertezas no que toca aos regulamentos, taxas, impostos, etc. tudo fatores cuja previsibilidade é fundamental para tomada de decisão. Por exemplo, se houver muita incerteza em relação ao nível dos impostos, que geralmente afetam a rendibilidade de um investimento, isso pode tornar arriscado investir-se num dado país. 
É o caso, se - a cada ano - o orçamento muda substancialmente as regras relativas a taxas e a impostos, assim como os regulamentos. Que interesse, em geral, terá um investidor estrangeiro num país incapaz de planear a médio e longo prazo, de garantir que não serão mudadas as regras a meio do jogo?
Se este problema for corrigido, haverá real possibilidade de Portugal atrair maior investimento e evitar as saídas de capitais – sem necessidade de imposição de controlos ou restrições. Inversamente, se este problema subsistir, não será uma saída do Euro que irá melhorar a situação, pelo contrário. Se tudo ficar como agora, não!

A saída do Euro será apenas interessante, se concomitante duma viragem estratégica.
Este país só tem viabilidade como país exportador - não como cliente, súbdito, vassalo, ou pedinte de países mais ricos - o que implicaria uma planificação real da economia, definindo prioridades em todos os setores, orientando o investimento público e privado, estabelecendo regras consensuais, por forma a dar mais estabilidade.

Seria bom, mas as pessoas não foram (ainda) educadas para exigir isso dos dirigentes, dos governantes, da «classe política».


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