sexta-feira, 17 de novembro de 2023
4 FRAGILIDADES DO IMPÉRIO [parte I]
quarta-feira, 25 de outubro de 2023
NOVAS REALIDADES EM ÁFRICA
Muitas vezes, os noticiários na Europa deixam de lado notícias relativas ao Continente Africano. Mas, o facto é que sem a África, a Europa (a ocidental, sobretudo) não seria aquilo que é.
Com efeito, já não falando dos longos séculos de depredação e exploração colonial em África, que certas potências europeias levaram a cabo, do século XVI ao século XX, sob forma de colónias, é de notar que muitas independências africanas foram apenas nominais, ou seja, passou uma elite dos respectivos Estados recém-independentes a governar esses países, mas - na verdade - continuaram sujeitos à ex-potência colonial.
Exemplo flagrante desta situação, é o das ex-colónias da França na África central. Elas mantiveram múltiplos laços, para além da língua francesa e doutros aspetos culturais: Estes países têm estado ligados à ex-metrópole através do sistema do «Franc CFA», que perpetuou a dependência, visto que a moeda utilizada em cada país africano era emitida pela Banque de France. Estes países não podiam realizar operações de câmbio com outras divisas diretamente, sem passar pelo Banco Central do Estado francês.
Muitos recursos minerais e agrícolas foram extraídos, nas décadas após a era colonial, de tal maneira que os países africanos ficavam com uma parte diminuta, sendo o grosso do lucro recolhido pelas multinacionais, que exploravam e exportavam estas matérias-primas. Além do aspeto direto de rapina económica, acrescentava-se a dependência - cada vez maior - em relação à importação dos bens de consumo correntes, incluindo os alimentares, sendo as importações sistemáticas devidas ao não desenvolvimento de projetos autónomos de agricultura destinada ao consumo local, ou de indústrias que permitissem o aproveitamento dos recursos locais, agrícolas, minerais e energéticos. Este atraso provocou a dependência crónica em relação ao exterior e um défice constante na balança comercial em muitos países africanos, mesmo nos considerados «ricos». Tal défice era colmatado por empréstimos, negociados com o FMI ou Banco Mundial. Estes impunham condições: Determinado comportamento na economia, na administração pública e, em particular, na adoção de programas de privatização ou de «ajustamento estrutural», para «rentabilizar» os setores produtivos mas, na realidade, para as multinacionais vorazes se apropriarem dos mais interessantes. Assim, a dependência tem sido perpetuada, com a conivência dos vários atores, quer sejam as empresas multinacionais, os Estados ex-potências colonizadoras, as instituições financeiras multilaterais, ou os consórcios de bancos europeus e norte-americanos.
A situação neocolonial destes países - sobretudo na África central ao Sul do Sahara, na região do Sahel - foi-se perpetuando. As condições de sobrevivência dos povos foi-se deteriorando, a desertificação progredindo. Os solos, demasiado frágeis, tornaram-se estéreis, tem havido miséria e fome nestas zonas, às quais se vieram acrescentar guerrilhas, muitas das quais, de grupos islamistas radicais.
Foram desencadeadas guerras civis entre várias facções das Forças Armadas, pelo controlo do exército e do aparelho de Estado. Estes golpes são, muitas vezes, instrumentalizados por uma potência não-africana (EUA, França, Reino Unido, Rússia, China, etc.), interessada em manter ou derrubar determinada facção, para obter (ou manter) acesso a valiosos recursos minerais.
terça-feira, 3 de novembro de 2020
[Manlio Dinucci] Fukushima espalha a pandemia nuclear
Não é o Covid, mas a notícia passou quase desapercebida: o Japão descarregará no mar mais de um milhão de toneladas de água radioactiva da central nuclear de Fukushima.
O acidente catastrófico de Fukushima foi provocado pelo tsunami que, em 11 de Março de 2011, atingiu a costa nordeste do Japão, submergindo a central e provocando a fusão dos núcleos de três reactores nucleares. A central foi construída na costa somente a 4 metros acima do nível do mar, com diques de protecção de 5 metros de altura, numa área sujeita a tsunami com ondas de 10-15 metros de altura. Além do mais, houve sérias deficiências no controlo das centrais efectuado pela Tepco, a empresa privada que administra a central: no momento do tsunami, os dispositivos de segurança não entraram em funcionamento.
Para arrefecer o combustível derretido, foi bombeada água pelos reactores durante anos. A água, que ficou radioactiva, foi armazenada dentro da central em mais de mil tanques enormes, acumulando 1.23 milhões de toneladas. A Tepco está a construir outros tanques mas, em meados de 2022, também estarão cheios.
Devendo continuar a bombear água nos reactores derretidos, a Tepco, de acordo com o governo, decidiu descarregar no mar a água acumulada até agora, depois de tê-la filtrado para torná-la menos radioactiva (porém não se sabe até que ponto) por meio de um processo que durará 30 anos. Também há lodo radioactivo acumulado nos filtros da central de descontaminação e grandes quantidades de solo e outros materiais radioactivos armazenados em milhares de barris de betão.
Como admitiu a própria Tepco, é particularmente grave a fusão ocorrida no reactor 3 carregado com Mox, uma mistura de óxidos de urânio e plutónio, muito mais instável e radioactiva. O Mox para este e outros reactores japoneses foi produzido em França, utilizando escórias nucleares enviadas do Japão.
A organização Greenpeace denunciou os perigos derivados do transporte deste combustível de plutónio ao longo de dezenas de milhares de quilómetros. Denunciou, igualmente, que o Mox favorece a proliferação de armas nucleares, pois o plutónio pode ser extraído com mais facilidade e, no ciclo de exploração do urânio, não há uma linha divisória nítida entre o uso civil e o uso militar do material físsil.
Já se acumularam no mundo (segundo estimativas de 2015), cerca de 240 toneladas de plutónio para uso militar directo e 2.400 toneladas para uso civil com as quais podem ser produzidas armas nucleares, além de cerca de 1.400 toneladas de urânio altamente enriquecido para uso militar.
Bastariam algumas centenas de quilos de plutónio para provocar cancro do pulmão aos 7,7 biliões de habitantes do planeta, e o plutónio permanece letal durante um período correspondente a quase dez mil gerações humanas. Acumulou-se assim um potencial destrutivo capaz de, pela primeira vez na História, fazer desaparecer a espécie humana da face da Terra.
Os bombardeamentos nucleares de Hiroshima e Nagasaki; mais de 2.000 explosões nucleares experimentais na atmosfera, no mar e no subsolo; o fabrico de ogivas nucleares com potência equivalente a mais de um milhão de bombas de Hiroshima; os inúmeros acidentes com armas nucleares e os acidentes ocorridos em centrais nucleares civis e militares, tudo isto provocou uma contaminação radioactiva que afectou centenas de milhões de pessoas.
Uma parte de cerca de 10 milhões de mortes anuais por cancro em todo o mundo - documentadas pela OMS - é atribuída aos efeitos a longo prazo da radiação. Em dez meses - novamente de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde - o Covid-19 causou cerca de 1.2 milhões de mortes em todo o mundo. Perigo a não subestimar, mas que não justifica o facto dos meios de comunicação mediática, em especial a televisão, não terem informado que mais de um milhão de toneladas de água radioactiva serão descarregadas no mar da central nuclear de Fukushima, resultando que, ao entrar na cadeia alimentar, aumentará ainda mais as mortes por cancro.
Manlio Dinucci
il manifesto, 03 de Novembro de 2020