sexta-feira, 21 de abril de 2023

ORÍGEM DA VIDA; UMA DISCUSSÃO INTERMINÁVEL

 


Li, com interesse, um ensaio de Josh Mitteldorf,  que está bem estruturado em relação aos argumentos que apresenta, todos eles derivados dos conhecimentos científicos contemporâneos, para concluir que a vida só podia ser originada por uma inteligência que agisse sobre a matéria, isto é, Deus. 

O Autor está consciente da progressão (exponencial) dos conhecimentos em ciências desde a física e a química, até à evolução das Espécies. Porém, o Autor parece ignorar que existem questões fora do âmbito da ciência. Não por estar-se ainda num estádio insuficientemente avançado das ciências em geral e das ciências relacionadas mais diretamente com a origem da vida. Antes, porque a metodologia científica só pode aplicar-se em questões bem delimitadas, sobre as quais se podem construir hipóteses cientificas coerentes com o estado presente do nosso saber. 

É sobre tais hipóteses, que devem ser testáveis e descartáveis, caso os dados experimentais as contradigam, que os cientistas podem trabalhar. Por outras palavras, a ideia de Deus pode ser um assunto para especulação filosófica, o que é perfeitamente legítimo, mas não tem cabimento dentro do dispositivo de testagem experimental que a ciência oferece. Note-se que não deixa - por isso - de ser um instrumento poderoso do conhecimento, o método científico e a racionalidade da empresa científica no seu conjunto. Esta, tem a sua própria história, passou por muitas fases. O critério de cientificidade de um discurso não é assunto linear, nem simples. Mas eu posso tentar dar uma imagem, a imagem que possuo e que deriva de uma prática e dum estudo teórico. 

A afirmação de que algo é científico, não quer dizer que se está perante algo certo, correto, inegável, intocável. Pode dizer-se, seguindo Karl Popper: o discurso científico é aquele que é «falsificável» (invalidável), por uma série de experiências e/ou observações, elas próprias seguindo metodologias científicas. 

Filosoficamente falando, o cientista não procura a verdade, procura invalidar as várias hipóteses que existam sobre um determinado fenómeno. A hipótese que resiste aos vários testes destinados a invalidá-la, será a hipótese provisoriamente aceite. Nada impede que novas observações ou experimentações façam com que essa hipótese deixe de ser  aceite. Em geral, o processo implica a construção de nova hipótese, alternativa à que foi descartada. 

A característica principal da ciência, é que - para ela - não existem verdades definitivas, existem hipóteses que se mantêm, porque não foram encontrados (até hoje) factos que contradigam estas mesmas hipóteses.



Se nós tivermos em conta a visão acima da ciência, compreendemos que a «hipótese de Deus» é - em si mesma - impossível de testar. Será ela (hipótese de Deus) incompatível com a ciência?

Ela é compatível com a ciência, como Josh Mitteldorf afirma no seu ensaio. Onde não estou de acordo com o Autor, é quando ele tenta provar que Deus existe, que uma entidade exterior intervém e que, sem esta entidade (Deus), é inconcebível a origem da vida. É um erro, um pensamento deficiente, porque...

A) É impossível reconstituir as etapas que conduziram ao aparecimento da vida. É possível (e tem sido feito) simular etapas deste processo em laboratório. Pode-se construir uma narrativa que esteja de acordo com todos os dados que possuímos sobre tal origem, que esteja baseada na ciência. Porém, essa narrativa nunca será algo mais que uma hipótese (ou um encadeamento de hipóteses). Será possível um dia testar um por um, os passos da tal narrativa, o que se pensa que terá ocorrido? - Sim, é possível; mas, apenas se terá então uma hipótese (encadeamento de hipóteses), com um certo grau de verosimilhança e coerência. Não há possibilidade de testar diretamente a origem da vida: O que se pensa ter sido a evolução pré-biótica, ficará para sempre como hipótese. 

B) Todo e qualquer pensamento que se possa ter acerca da natureza de Deus, é impossível de o testar cientificamente. Não existe prova da existência ou inexistência de Deus. Não existe nenhum meio,  cientificamente válido, para testar a existência de Deus. É uma questão filosófica que não é delimitável de nenhuma maneira. É bastante estéril os cientistas ou filósofos tentarem encontrar resposta definitiva e cabal à questão da existência de Deus. 

Mesmo sem ser  delimitada em termos científicos, a questão da sua existência poderia ser «demonstrada» pela lógica e pelos argumentos filosóficos. Isso foi tentado muitas vezes. Mas, de facto, tais «demonstrações» da existência de Deus (em geral, tentadas por teólogos) são peças muito fracas: Recorrem à circularidade nos argumentos, quer este procedimento esteja visível, ou escondido.

Josh Mitteldorf  quis, no seu ensaio, exprimir a sua convicção subjetiva da intervenção da Divindade na criação da vida, apoiando-se nos conhecimentos científicos sobre a matéria: utilizou os conhecimentos de química, das propriedades emergentes da vida, etc. 

Muito bem! Ele tem toda a legitimidade para isso. 

Mas, o seu ensaio, embora bem documentado nas várias áreas científicas, não pode ser interpretado como demonstrativo da necessidade de Deus, pois isso é impossível demonstrar dentro da metodologia científica.  

O que ele - provavelmente - quis evidenciar, é que se pode aceitar a hipótese de Deus na Origem da Vida, tranquilamente, sem fechar os olhos às evidências científicas que se vão acumulando. Este conjunto de dados permite-nos especular sobre qual o cenário mais plausível, na transformação de certas moléculas em matéria viva.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

DMITRY ORLOV - Lúcido diagnóstico de doença terminal dos EUA

 Abaixo, link de artigo de Dmitry Orlov (em francês):

Artigo original, em inglês:

https://cluborlov.wordpress.com/2023/04/10/the-futility-of-american-protest/


COMENTÁRIO

A minha impressão depois de ler o artigo acima, é que as sociedades da Europa Ocidental estão de tal maneira colonizadas mentalmente (e de todas as maneiras) pelos EUA, que têm vindo a adotar - inconscientemente - a visão americana do mundo e da sociedade, que lhes era totalmente estranha. A mentalidade que se desenvolveu e prevalece nos EUA, é tipicamente derivada do protestantismo de raiz calvinista, na sua vertente mais fundamentalista (puritana). Essa mentalidade acaba por se entranhar nos diversos estratos da população, pois esta tem sido incessantemente matraqueada durante séculos, por igrejas, sistemas de educação, instituições públicas, empresas, publicidade e cultura de massas.

Para mim, uma grande diferença de mentalidades entre um americano típico e um europeu típico, é que o primeiro está convencido de que «God is on our side», leia-se: do lado da América e do povo americano. Ora, esta é uma crença religiosa:  Está na essência do calvinismo e também do sionismo, ao fazer distinção entre «eleitos»  (Deus está ao seu lado), e os outros (estão perdidos, são pecadores, são perdedores...). É um sistema religioso (a teologia calvinista), que está na base dessa ideologia do «povo indispensável». É aí que radica a lógica das igrejas protestantes fundamentalistas, serem as mais intransigentes apoiantes de Israel, como se o estado sionista, racista e colonial, instalado na Palestina, fosse a «vanguarda» do Reino de Deus na Terra.

No que toca à relação das pessoas com o dinheiro, aos aspetos psicológicos desta relação, como muito bem sublinhou Orlov: Nos EUA, o dinheiro é o critério de tudo. 

Em países de raiz católica, como são os países latinos do sul da Europa, a relação ao dinheiro e à riqueza é (ou era) diferente da relação que têm  os cidadãos dos EUA:

- Tradicionalmente, na Europa do Sul, o facto de alguém ser rico, é compatível com ser-se pessoa de bem, se tiver adquirido a riqueza por meios lícitos e morais. Mas não é automático; os cidadãos estão atentos aos casos de enriquecimento à custa de processos nada limpos. 

Por contraste, para a moral comum dos EUA, ter-se muito dinheiro significa que a pessoa foi «eleita por Deus», que despejou sobre ela riqueza, enquanto sinal divino de que ela estava salva.

 Na Europa, uma pessoa rica pode SER, OU NÃO SER, considerada virtuosa. Mas, nos EUA a riqueza só pode ser sinónimo de virtude.



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PS 1: Uma sociedade em decomposição é aquilo que se pode ver, mas não é noticiado nos media mainstream do lado de cá do Atlântico:

https://www.armstrongeconomics.com/international-news/north_america/chicago-is-a-blue-warzone/

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Chris Hedges: HAITI - A INSURREIÇÃO IGNORADA E DIFAMADA

 


terça-feira, 18 de abril de 2023

PORQUE NÃO SOU MARXISTA

 De facto, apenas «cri» nas teorias marxistas na adolescência. Já no início da idade adulta, colocava várias objeções pertinentes, em especial, às versões leninistas do marxismo. 

Com o meu afastamento da «religião» M-L (Marxista Leninista), pude ter abertura de espírito para ler clássicos da política, da economia política e da sociologia (secundariamente, pois eu estudava biologia, a minha maior paixão).

Devo dizer que conhecia bem as obras de Marx, Engels, Lenine, um pouco de Trotsky, de Mao e de outros. Muitos autores pró-marxistas eu li; também li muitos anti-marxistas, ou críticos das obras de Marx.

Foi importante para mim ler as obras críticas da ideologia marxista-leninista, de Dominique Lecourt, um filósofo francês. Também li outros autores. A hegemonia  do marxismo e das suas tendências ou correntes, era notória na minha geração. Mas, igualmente notória, a ignorância sobre o conteúdo concreto das obras dos que se idolatrava. 

Muito do que se passou (e passa) com o marxismo, faz-me pensar que, em termos sociológicos ou antropológicos, estamos perante uma religião sem Deus. Ou pior; que endeusaram «personalidades» dessa corrente política, sem o mínimo espírito crítico, mostrando assim que nem sequer o conteúdo objetivo das obras, tinham eles lido ou percebido. 

Hoje em dia, compreendo quais as razões psicológicas (mas não lógicas) do fascínio e adesão a tais teorias. É que elas abarcavam um todo: O «materialismo dialético» era uma explicação última e uma fórmula simples que permitia reivindicar o estatuto de cientificidade para uma teoria de dialética hegeliana, com pedaços de materialismo mecanicista

O século XIX, foi aquele em que se criou um culto da ciência. As pessoas acreditavam na «Ciência», acreditavam no papel libertador do ateísmo científico e  do mecanicismo. Foi este, o cocktail ideológico em que banharam as elites burguesas e os revolucionários, quase todos, oriundos da mesma burguesia ascendente ou triunfante.

Na verdade, tive o privilégio de estudar a fundo as ciências físicas e naturais. Não apenas a biologia, mas igualmente a física (em especial a termodinâmica), a química (também ao nível experimental), a ciência dos sistemas, etc.  A matematização dos modelos não me intimida; eu tive oportunidade de estudar muitos assuntos, que recorriam a modelos matematizados, da Biologia Populacional, à Teoria do Caos, aos Fractais...

Para mim, é evidente que o que se pensa ser a cientificidade da economia, em  especial, das teorias neokeynesianas e monetaristas,  deve-se ao uso de instrumentos matemáticos (por exemplo, os gráficos) mas sem assumirem ou explicitarem as enormes simplificações (o reducionismo) associadas. O não-iniciado fica impressionado com tanta matematização, do mesmo modo que fica impressionado com a matematização dos modelos da física, da química e mesmo da biologia. 

Mas, a quantificação e o tratamento dos dados em termos estatísticos ou usando outras metodologias é útil, sobretudo, para expor uma teoria. Estou a referir-me, obviamente, aos ramos do saber que não sejam diretamente «matemática», incluindo a «física matemática». Faz parte da estratégia de exposição nas ciências naturais, apresentar curvas e gráficos, em conferências ou em publicações científicas. Mas, na maior parte dos casos, as matemáticas têm uma função auxiliar.  

Em biologia, também se utiliza muito as matemáticas. Porém, o substrato último da biologia é experimental e continuará a sê-lo. Mais importante que a matemática, é a metodologia propriamente experimental utilizada, cujos dados podem ser traduzidos sob forma matemática, ou não. Os conteúdos das descobertas ou observações, podem ser descritos de diversas maneiras. Um excelente artigo na área de ciências biológicas pode nem sequer apresentar os resultados sob forma de dados estatísticos.

Esta longa digressão serve para nos precavermos da insistência de certos propagandistas, seja qual for a sua ideologia, em «citar» a Ciência, dizendo que  estão «baseados» na Ciência, ou algo deste género. É confrangedor ver como esta evidente aldrabice funciona: Pois a Ciência não tem nada que ver com seus pronunciamentos políticos; aliás, a «ciência nunca prova nada» (G. Bateson). O pior é que eles são seguidos por muitas pessoas, fascinadas com as aparências. Mas isto não é novo; já no século XIX, usavam o mesmo «disfarce», para melhor levar o auditório a aderir às suas teorias políticas.  

De facto, os verdadeiros cientistas, sobretudo os da ciência experimental, quer estejam no laboratório, ou em «atividade de campo», não têm hoje - nem jamais tiveram - grande interesse pelo marxismo; isso deveria surpreender os que aderem ainda à ideia de que o marxismo «se baseia na ciência», ou mesmo «que é uma teoria científica». 

Marx era um filósofo, Engels, filho dum industrial e Lenine, de família de professores primários. Eles tinham a ideologia «silenciosa» do cientismo da época;  imbuíram as suas políticas de «teorias ad oc», que «justificavam cientificamente» suas teses propriamente políticas. Eles conseguiram arrastar consigo uma parte da intelectualidade da época, pois o discurso deles parecia científico e isso impressionava muitos. Ainda hoje, alguns se deixam impressionar. Se lerem, por exemplo, a obra «Materialismo e Empiriocriticismo », compreenderão que se trata de uma obra panfletária de Lenine, que discorre sobre questões fundamentais da natureza da matéria, segundo as teorias em debate na época . Mas, Lenine não percebeu realmente o debate entre várias correntes da física, nem estava à altura de poder discutir os méritos e fraquezas de cada uma. É um exemplo interessante, pois mostra como questões científicas, foram abusivamente enquadradas na moldura ideológica do «materialismo dialético». Lenine atribuiu adjetivos de «progressista» ou de «reacionária», a tal ou tal teoria e aos cientistas a estas associados.

O mesmo processo, mas em mais trágico, pois muitos cientistas foram mortos ou deportados, passou-se com o decretar da genética como ciência «burguesa», por Estaline e seu protegido Lysenko. Foi importante, para a minha formação, ler a obra sobre Lysenkismo de Dominique Lecourt. É daquelas «lições» que nunca se esquecem. E se nos esquecermos, há líderes e sociedades que voltam a cair nos mesmos erros. O lysenkismo foi nos anos 30 do século XX na União Soviética do estalinismo triunfante. Infelizmente, viu-se um ressurgir recente daquele comportamento no mundo contemporâneo: A histeria «covidiana», desencadeada pelo poder, a campanha de violência difamatória contra as pessoas com espírito crítico, a «caça às bruxas», etc. 

No que toca à teoria política, propriamente dita, é um facto que não existe libertação ou emancipação, se a sociedade estiver sujeita a um governo totalitário, que se considera incumbido duma tarefa «messiânica». Um poder que fala em nome da classe operária, do proletariado, não se importando, porém, de o esmagar da maneira mais rude, de lhe retirar todos os meios legais de contestação. Uma pessoa medianamente instruída e que tenha convicções socialistas/comunistas irá naturalmente divergir da teoria política marxista leninista, perante a observação da «práxis» dos mesmos, quando alcançam o poder. 

Eu estive muito interessado nos primeiros socialistas que eram, quase todos, da vertente «não-autoritária»: William Godwin , Gracchus Babeuf, Charles Fourier, Pierre-Joseph Proudhon, e muitos outros, vilipendiados por Marx e marxistas de hoje, que continuam a repetir as difamações de ignorantes, contra esses pioneiros. Na verdade, o que os primeiros socialistas não-autoritários «descobriram», foi retomado e aperfeiçoado por várias gerações de socialistas libertários ou anarquistas, pioneiros em associações não baseadas no lucro e na desigualdade, que estiveram largamente envolvidos na criação e desenvolvimento dos sindicatos, que fundaram muitas cooperativas, etc. A difamação foi pôr-lhes um rótulo («socialistas utópicos») que não lhes corresponde, que os ridiculariza: Marx era costumeiro disso, em dar etiquetas falsas,  em relação a pessoas  que ele detestava. 

O século XXI tem demasiados desafios próprios, para as pessoas ficarem tomadas pela «paixão pelas coisas mortas». Eu quero com isso dizer que o passado, a história, não são para ignorar, mas também não se devem mitificar. Não se ignorem as realizações, as teorias e as reflexões dos séculos anteriores, mas deve pôr-se tudo isso num contexto apropriado. 

A intolerância e o fanatismo, em pessoas que se dizem socialistas é exatamente tão contraditória, como em pessoas que se afirmam cristãs. Aliás, o cristianismo é uma das fontes e das inspirações do socialismo - comunismo - anarquismo: desde a Reforma no século XVI, passando pelos movimentos sociais dos séculos XIX e XX, até aos movimentos de hoje. 

segunda-feira, 17 de abril de 2023

O BANCO DOS BRICS FAZ EMPRÉSTIMOS EM DIVISAS DOS PRÓPRIOS PAÍSES


Nunca será demais sublinhar, como o faz Ben Norton ,  que a dominação neocolonial dos países do Sul tem sido mantida pelos dispensadores de «ajudas» em dólares, World Bank/IMF. Estas instituições são responsáveis pelos planos de austeridade, as reestruturações e privatizações em múltiplos países, que se veem obrigados a pedir empréstimos. Têm sede em Washington e estão sob controlo dos EUA, desde a sua criação em 1944, em Bretton Woods.

O facto de ser possível - agora - países do chamado «Terceiro Mundo» obterem empréstimos que não sejam em dólares, vai permitir que eles se desenvolvam. Oiça as explicações de Ben Norton. São muito claras e dão uma perspetiva de como a desdolarização vai ocorrer na prática, graças ao NDB (New Development Bank) presidido pela ex-presidente do Brasil, Dilma Russeff.

 

domingo, 16 de abril de 2023

CASO ASSANGE: AUTORIDADE MORAL DOS EUA ESTÁ MORTA E ENTERRADA



               https://caitlinjohnstone.com/2023/04/16/us-moral-authority-is-dead-and-buried/

Excerto do artigo de Caitlin Johnstone

« A questão não é que a perseguição movida a Assange faz os EUA parecerem mal, mas antes que a perseguição prova que os EUA são o mal.

E, claro, não precisávamos da perseguição a Assange para chegarmos por nós próprios a esta conclusão. Os EUA são o único governo na Terra que gastou o século 21 a matar pessoas aos milhões em guerras pelo domínio geoestratégico, que tem condenado populações à fome em consequência das sanções e bloqueios, em todo o mundo. A única potência que envolve o Planeta com centenas de bases militares, com o objetivo de domínio global e tem estado a aumentar constantemente o risco de catástrofe nuclear com a escalada das suas agendas, orientadas para manter sua hegemonia unipolar. O caso de Assange, apenas faz com que a completa ausência de moral do governo dos EUA sobressaia muito mais claramente.»

Leia o artigo completo AQUI:

 

BERTOLD BRECHT E O «25 DE ABRIL»

 Bertold Brecht foi uma referência incontornável para a geração «do 25 de Abril». O património do mais importante dramaturgo alemão do século XX, era conhecido antes do 25 de Abril de 74. Mas a libertação do regime de Salazar e Caetano, foi como uma  barreira que o povo saltou. Ele libertou a sua criatividade artística e também o desejo de fazer o que antes «estava proibido» ou - pelo menos - que era aventura incerta. A sempre presente «comissão de censura» podia proibir ou truncar  espetáculos de teatro, sem nenhuma consideração pelo trabalho dos Artistas. 

Assim, apareceram numerosas encenações de peças de teatro, «A Boa Alma de Tsê-Chuan», a «Ópera dos Três Vinténs» , etc

Mas, o que tinham estas produções teatrais, para nós jovens do «25 de Abril», que as tornavam tão populares é que estavam na interseção do teatro «sério», do teatro de revista, do music-hall, e do teatro dito «de intervenção». 

Traduzi, na altura, 2 poemas de Brecht. A Canção da Frente de Unidade, com música de Hanns Eisler e  a Canção do Mercador (1), inserida na peça "Die Massnahme", também com música de Eisler

Não creio, pelo menos no meu caso, que o estudo aprofundado da obra do grande dramaturgo, fosse devido a eu assumir uma posição política de marxismo revolucionário. Foi porque fiquei muito impressionado com a força da sua estética, com a força com que a sua arte veiculava as ideias (que também eram as minhas).  Porque eu tinha muito pouca, ou nenhuma paciência, para o que passava por «revolucionário», mas não era senão um «desejo» de ser revolucionário. 

Brecht ensinou-me o que é o compromisso do criador, do artista. A sua estética estava para além das vinculações ideológicas que a sua poesia e teatro transmitiam. Não se deve confundir com propaganda, no sentido de obras medíocres, destinadas a inculcar determinadas ideias no espectador.  Hoje mesmo, é visível a imensa influência do teatro de Brecht, das suas «songs». Foi algo que perdurou, mesmo que já não exista uma «moda Brecht». A sua produção é retomada por variados criadores: Continua a cantar-se e representar-se obras Brecht. Tornou-se um clássico. Eu diria que um clássico é um autor de referência. Outros vêm beber à sua obra, inspiram-se nela, copiam algo da sua estética, umas vezes deliberadamente, outras vezes subconscientemente.  

É muito conhecida, «Moon of Alabama», mas a versão de Lotte Lenya e do Berliner Theater  parece-me incontornável: 


Outra canção muito conhecida é Surabaya Johnny (com música de Kurt Weil), também interpretada por Lotte Lenya e o Berliner Theater



Yves Montand canta outro grande sucesso: «Bilbao Song» traduzido para o francês por Boris Vian:



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(1)

CANÇÃO DO MERCADOR

(letra de B. Brecht; trad. 1974)


Há arroz lá no fundo ao pé do rio

Nas províncias altas as gentes precisam de arroz

Se guardamos o arroz em armazém

O arroz irá tornar-se mais caro para eles

E os revendedores terão ainda menos arroz

Então poderei comprar o arroz ainda mais barato

O que é afinal o arroz?

Sei lá, sei lá o que é!

Sei lá quem o sabe!

Não sei o que é um grão de arroz

Só sei o seu preço


O Inverno chega, as pessoas precisam de agasalhos

É preciso comprar algodão

E não o distribuir

Quando chega o frio os agasalhos aumentam de preço

As fiações de algodão

Pagam salários mais altos

Aliás há algodão em excesso

Em boa verdade o que é o algodão?

Algodão, sei lá o que é!

Sei lá quem o sabe!

Não sei o que é o algodão

Só sei o seu preço


Ora o homem precisa de comer

E o homem torna-se mais caro

Para obter alimento são precisos homens

Os cozinheiros tornam a comida mais barata

Mas aqueles que a comem tornam-na mais cara

Aliás há muito poucos homens

O que é então um homem?

O homem, sei lá o que possa ser!

Sei lá quem o sabe!

Não sei o que é um homem

Só sei o seu preço