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terça-feira, 18 de abril de 2023

PORQUE NÃO SOU MARXISTA

 De facto, apenas «cri» nas teorias marxistas na adolescência. Já no início da idade adulta, colocava várias objeções pertinentes, em especial, às versões leninistas do marxismo. 

Com o meu afastamento da «religião» M-L (Marxista Leninista), pude ter abertura de espírito para ler clássicos da política, da economia política e da sociologia (secundariamente, pois eu estudava biologia, a minha maior paixão).

Devo dizer que conhecia bem as obras de Marx, Engels, Lenine, um pouco de Trotsky, de Mao e de outros. Muitos autores pró-marxistas eu li; também li muitos anti-marxistas, ou críticos das obras de Marx.

Foi importante para mim ler as obras críticas da ideologia marxista-leninista, de Dominique Lecourt, um filósofo francês. Também li outros autores. A hegemonia  do marxismo e das suas tendências ou correntes, era notória na minha geração. Mas, igualmente notória, a ignorância sobre o conteúdo concreto das obras dos que se idolatrava. 

Muito do que se passou (e passa) com o marxismo, faz-me pensar que, em termos sociológicos ou antropológicos, estamos perante uma religião sem Deus. Ou pior; que endeusaram «personalidades» dessa corrente política, sem o mínimo espírito crítico, mostrando assim que nem sequer o conteúdo objetivo das obras, tinham eles lido ou percebido. 

Hoje em dia, compreendo quais as razões psicológicas (mas não lógicas) do fascínio e adesão a tais teorias. É que elas abarcavam um todo: O «materialismo dialético» era uma explicação última e uma fórmula simples que permitia reivindicar o estatuto de cientificidade para uma teoria de dialética hegeliana, com pedaços de materialismo mecanicista

O século XIX, foi aquele em que se criou um culto da ciência. As pessoas acreditavam na «Ciência», acreditavam no papel libertador do ateísmo científico e  do mecanicismo. Foi este, o cocktail ideológico em que banharam as elites burguesas e os revolucionários, quase todos, oriundos da mesma burguesia ascendente ou triunfante.

Na verdade, tive o privilégio de estudar a fundo as ciências físicas e naturais. Não apenas a biologia, mas igualmente a física (em especial a termodinâmica), a química (também ao nível experimental), a ciência dos sistemas, etc.  A matematização dos modelos não me intimida; eu tive oportunidade de estudar muitos assuntos, que recorriam a modelos matematizados, da Biologia Populacional, à Teoria do Caos, aos Fractais...

Para mim, é evidente que o que se pensa ser a cientificidade da economia, em  especial, das teorias neokeynesianas e monetaristas,  deve-se ao uso de instrumentos matemáticos (por exemplo, os gráficos) mas sem assumirem ou explicitarem as enormes simplificações (o reducionismo) associadas. O não-iniciado fica impressionado com tanta matematização, do mesmo modo que fica impressionado com a matematização dos modelos da física, da química e mesmo da biologia. 

Mas, a quantificação e o tratamento dos dados em termos estatísticos ou usando outras metodologias é útil, sobretudo, para expor uma teoria. Estou a referir-me, obviamente, aos ramos do saber que não sejam diretamente «matemática», incluindo a «física matemática». Faz parte da estratégia de exposição nas ciências naturais, apresentar curvas e gráficos, em conferências ou em publicações científicas. Mas, na maior parte dos casos, as matemáticas têm uma função auxiliar.  

Em biologia, também se utiliza muito as matemáticas. Porém, o substrato último da biologia é experimental e continuará a sê-lo. Mais importante que a matemática, é a metodologia propriamente experimental utilizada, cujos dados podem ser traduzidos sob forma matemática, ou não. Os conteúdos das descobertas ou observações, podem ser descritos de diversas maneiras. Um excelente artigo na área de ciências biológicas pode nem sequer apresentar os resultados sob forma de dados estatísticos.

Esta longa digressão serve para nos precavermos da insistência de certos propagandistas, seja qual for a sua ideologia, em «citar» a Ciência, dizendo que  estão «baseados» na Ciência, ou algo deste género. É confrangedor ver como esta evidente aldrabice funciona: Pois a Ciência não tem nada que ver com seus pronunciamentos políticos; aliás, a «ciência nunca prova nada» (G. Bateson). O pior é que eles são seguidos por muitas pessoas, fascinadas com as aparências. Mas isto não é novo; já no século XIX, usavam o mesmo «disfarce», para melhor levar o auditório a aderir às suas teorias políticas.  

De facto, os verdadeiros cientistas, sobretudo os da ciência experimental, quer estejam no laboratório, ou em «atividade de campo», não têm hoje - nem jamais tiveram - grande interesse pelo marxismo; isso deveria surpreender os que aderem ainda à ideia de que o marxismo «se baseia na ciência», ou mesmo «que é uma teoria científica». 

Marx era um filósofo, Engels, filho dum industrial e Lenine, de família de professores primários. Eles tinham a ideologia «silenciosa» do cientismo da época;  imbuíram as suas políticas de «teorias ad oc», que «justificavam cientificamente» suas teses propriamente políticas. Eles conseguiram arrastar consigo uma parte da intelectualidade da época, pois o discurso deles parecia científico e isso impressionava muitos. Ainda hoje, alguns se deixam impressionar. Se lerem, por exemplo, a obra «Materialismo e Empiriocriticismo », compreenderão que se trata de uma obra panfletária de Lenine, que discorre sobre questões fundamentais da natureza da matéria, segundo as teorias em debate na época . Mas, Lenine não percebeu realmente o debate entre várias correntes da física, nem estava à altura de poder discutir os méritos e fraquezas de cada uma. É um exemplo interessante, pois mostra como questões científicas, foram abusivamente enquadradas na moldura ideológica do «materialismo dialético». Lenine atribuiu adjetivos de «progressista» ou de «reacionária», a tal ou tal teoria e aos cientistas a estas associados.

O mesmo processo, mas em mais trágico, pois muitos cientistas foram mortos ou deportados, passou-se com o decretar da genética como ciência «burguesa», por Estaline e seu protegido Lysenko. Foi importante, para a minha formação, ler a obra sobre Lysenkismo de Dominique Lecourt. É daquelas «lições» que nunca se esquecem. E se nos esquecermos, há líderes e sociedades que voltam a cair nos mesmos erros. O lysenkismo foi nos anos 30 do século XX na União Soviética do estalinismo triunfante. Infelizmente, viu-se um ressurgir recente daquele comportamento no mundo contemporâneo: A histeria «covidiana», desencadeada pelo poder, a campanha de violência difamatória contra as pessoas com espírito crítico, a «caça às bruxas», etc. 

No que toca à teoria política, propriamente dita, é um facto que não existe libertação ou emancipação, se a sociedade estiver sujeita a um governo totalitário, que se considera incumbido duma tarefa «messiânica». Um poder que fala em nome da classe operária, do proletariado, não se importando, porém, de o esmagar da maneira mais rude, de lhe retirar todos os meios legais de contestação. Uma pessoa medianamente instruída e que tenha convicções socialistas/comunistas irá naturalmente divergir da teoria política marxista leninista, perante a observação da «práxis» dos mesmos, quando alcançam o poder. 

Eu estive muito interessado nos primeiros socialistas que eram, quase todos, da vertente «não-autoritária»: William Godwin , Gracchus Babeuf, Charles Fourier, Pierre-Joseph Proudhon, e muitos outros, vilipendiados por Marx e marxistas de hoje, que continuam a repetir as difamações de ignorantes, contra esses pioneiros. Na verdade, o que os primeiros socialistas não-autoritários «descobriram», foi retomado e aperfeiçoado por várias gerações de socialistas libertários ou anarquistas, pioneiros em associações não baseadas no lucro e na desigualdade, que estiveram largamente envolvidos na criação e desenvolvimento dos sindicatos, que fundaram muitas cooperativas, etc. A difamação foi pôr-lhes um rótulo («socialistas utópicos») que não lhes corresponde, que os ridiculariza: Marx era costumeiro disso, em dar etiquetas falsas,  em relação a pessoas  que ele detestava. 

O século XXI tem demasiados desafios próprios, para as pessoas ficarem tomadas pela «paixão pelas coisas mortas». Eu quero com isso dizer que o passado, a história, não são para ignorar, mas também não se devem mitificar. Não se ignorem as realizações, as teorias e as reflexões dos séculos anteriores, mas deve pôr-se tudo isso num contexto apropriado. 

A intolerância e o fanatismo, em pessoas que se dizem socialistas é exatamente tão contraditória, como em pessoas que se afirmam cristãs. Aliás, o cristianismo é uma das fontes e das inspirações do socialismo - comunismo - anarquismo: desde a Reforma no século XVI, passando pelos movimentos sociais dos séculos XIX e XX, até aos movimentos de hoje. 

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

QUE SURPRESA! TODOS OS PARTIDOS SÃO CLIENTELARES...

Na sequência de mais um escândalo, desta vez envolvendo a autarquia de Loures dirigida por comunistas, e um genro do secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa, verifica-se de novo aquilo que já era evidente (pelo menos) desde que se «consolidou» a democracia parlamentar neste país, por volta de finais dos anos 70: O poder dum partido está na proporção directa da percepção que o público tenha de que possa influenciar nos assuntos de Estado e nos negócios. 
Aderem muitos, na medida em que tal ou tal partido possa ser influência decisiva para arrancar um contrato ao nível autárquico, uma autorização para edificar em zona protegida, etc, etc... Sobretudo, através dos partidos muitos esperam obter emprego na máquina do Estado, algo que também foi notório durante a primeira República e ditadura. No fundo, nunca deixou de ser um forte «motivador» para as pessoas se inscreverem em partidos (durante a ditadura, a inscrição na Legião Portuguesa ou na União Nacional, era condição para aceder a muitos cargos de funcionários, mesmo os mais ínfimos, sem quaisquer funções decisórias).
O que me espanta é a aparente inocência (digo bem, aparente) dos escrevinhadores dos media, que se «escandalizam» com tais práticas, das quais eles próprios são participantes ou, no mínimo, testemunhas quotidianamente. 
Dirão que a democracia não é perfeita, mas que é o regime que permite um máximo de participação popular nos assuntos do Estado. Permitam-me discordar. 
A democracia, tal como é entendida no presente e nos nossos países europeus, é antes um processo para arredar os cidadãos da coisa pública. Quando cidadãos desencantados se erguem e clamam por mudanças, como acontece agora em França, com a revolta dos coletes amarelos, os partidos daqui calam-se, assobiam para o lado, enquanto a media é rápida a difundir imagens de comportamentos menos correctos, omitindo a imensa maioria de situações em que os coletes amarelos se comportam com a maior responsabilidade. 
Sobretudo, os media deste país não se atrevem a explicar ao povo português quais são as verdadeiras razões da revolta!

RAZÃO Nº1: Existe um défice profundo de democracia e de respeito pela cidadania: Os países da Europa foram metidos num colete de forças chamado tratado de Lisboa, que é afinal uma constituição anti-democrática, que nem sequer tem a coragem de dizer o seu nome. A razão de se mascarar assim, sob forma de tratado, aquilo de que, de facto, é uma constituição, tem tudo a ver com a rejeição em 2005 do tratado constitucional pelo povo francês e holandês, em referendos democráticos, que foram ignorados e espezinhados pelos respectivos dirigentes.

RAZÃO Nº2: Há uma perda de capacidade económica por parte de um número crescente de famílias trabalhadoras. Em face da perda progressiva da competitividade da economia, a reacção dos poderes dos diversos países, quaisquer que sejam as colorações políticas, foi de aumentar o endividamento dos Estados. Por este motivo, está-se numa situação de crise de dívida permanente, apenas disfarçada pela artimanha do BCE de comprar a dívida (quase toda) dos países do Euro do sul europeu. Mas este mecanismo está a partir de agora, oficialmente fechado.
Para fazer face a um aumento dos juros da dívida, perante um decréscimo de actividade industrial e uma fuga de capital para paraísos fiscais (que eles não querem verdadeiramente estancar pois são beneficiários) o único recurso que resta aos Estados é subir impostos. Como os impostos directos são proporcionais ao rendimento das pessoas, eles vão sobretudo abater-se sobre os impostos indirectos, as taxas sobre o gasóleo, o IVA, etc... 

A MANIPULAÇÃO: Aquilo que se quer fazer passar por retorno a visão de extrema direita, reaccionária, classificando os que contestam de forma pejorativa como soberanistas ou ainda populistas, nada mais é do que a reacção dos povos, fartos de serem espoliados por uma elite, seja ela de «esquerda» ou de «direita», que se arroga os comandos do Estado para favorecer - de todas as maneiras - a sua própria ascensão e manutenção ao estatuto de aristocracia. Nos tempos presentes, esta aristocracia é apenas a do dinheiro, sendo essa a medida de todas as coisas, no espírito e na letra do capitalismo financeiro e especulativo.

PROPOSTAS POLITICAS E ECONÓMICAS

As propostas dos coletes amarelos de reforma constitucional, permitindo um referendo de iniciativa cidadã, nada têm de democracia directa «radical», pois se baseiam nas formas muito tradicionais de democracia directa da República Helvética, cuja população vota, pelo menos, duas ou três vezes por ano em referendos nacionais e num número maior de referendos nos cantões ou municípios. 
Por outro lado, a diminuição da carga total das taxas ou impostos indirectos, substituíveis por um agravamento dos escalões superiores (imposto sobre fortunas) e sobre os lucros das firmas, não pode agradar ao 1%. Tem esta pequeníssima minoria ditado a campanha mediática para denegrir toda e qualquer iniciativa que venha das bases e pretenda reformar os aspectos mais «indecorosos» do sistema. 

Por ganância ou miopia, a reforma é tornada impossível pelos de «cima». São eles que criam as condições de uma revolução: claramente, ao inviabilizarem qualquer reforma dentro do sistema, estão a empurrar os de baixo a se radicalizarem a cada recusa de atenderem as suas reivindicações. No momento em que as massas vêem claramente que o poder apenas tem como objectivo a contenção e não a resolução dos problemas, dá-se uma explosão social, com perda completa da confiança dos governados nos respectivos governos


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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A REVOLUÇÃO LUTERANA TERÁ SIDO A MAIS IMPORTANTE DA MODERNIDADE

Não é em vão que coloco a hipótese do título:  A REVOLUÇÃO LUTERANA TERÁ SIDO A MAIS IMPORTANTE DA MODERNIDADE.

A cultura atual é sobretudo uma cultura que despreza o sacro, os assuntos de religião, mesmo entre aqueles que intelectualmente ainda se dizem possuir religião. 
Por isso, é bastante difícil fazer compreender aos contemporâneos que Lutero, ao abrir a Bíblia, lê-la e interpretá-la, ao traduzi-la em alemão, língua vernácula, não tem paralelo em importância na história das ideias do nosso tempo. Sim, ele foi contra o papado dessa altura, mas nisso não foi único, não foi o único que se rebelou contra os privilégios do clero, que os denunciou. Jan Hus, Zwingli e muitos outros antes e depois dele, fizeram-no nos termos mais enérgicos. 


Porém, aquilo que ele faz quebra a ideia de que o indivíduo apenas pode se aproximar de Deus sob a condução da igreja instituída, sob a orientação do poder eclesiástico, o qual se confunde com o poder temporal, nesse momento do fim do século XV e princípios do século XVI. 

Nessa época, também, os reis de Portugal estavam empenhados em continuar e aprofundar uma expansão do poder régio, por terras então desconhecidas (para os europeus ocidentais). Os «descobrimentos» portugueses e espanhoís, foram uma enorme abertura ao mundo, foram uma transformação brutal nesses países colonizados a ferro e fogo, uma acumulação de riquezas que iniciou a era capitalista na Europa, etc. 
Mas o facto de que a Escritura pode ser lida, pode ser ponderada e meditada por todos os que saibam ler e escrever, mudou a própria concepção do que seja o ensino. O escolástico ou académico típico passou a englobar no seu estudo a análise criteriosa das fontes, a discutir o rigor das traduções, etc. 
O legado do luteranismo, como ramo da religião cristã, sendo rico e contraditório, não o pretendo ter avaliado aqui. Apenas desejo sublinhar a enorme importância da ruptura operada por Lutero, uma ruptura, muito para além dos aspectos institucionais da Igreja, das relações com o poder civil, etc. Uma ruptura que, sendo essencialmente espiritual, sendo baseada num desejo de maior fidelidade à Escritura, vai arrastar múltiplas consequências: 

- O Iluminismo, em grande parte, nasce em consequência da Reforma, pois esta coloca como questão fundamental que a Bíblia tem que ser um livro aberto, um livro que os olhos e espírito do crente podem e devem ler, sobre o qual ele deve meditar, seria e constantemente. A Natureza, dirão os Iluministas, é um livro aberto também e Deus deu-nos a capacidade de conhecimento e temos de exercitá-lo estudando a Sua Obra, que é a Natureza.

- O princípio da educação popular, já não é apenas bom para o povo saber ler e escrever. É mesmo uma missão dos soberanos luteranos espalharem ao máximo a educação, por forma a que o povo tenha pleno acesso à leitura da Bíblia. Não foi com considerações materialistas, utilitárias, que as escolas para o «povo miúdo» foram fundadas, mantidas e expandidas. Foi na base de uma noção teológica, de criar as melhores condições possíveis para os súbditos aprenderem a Palavra de Deus. 
Nos países católicos, pelo contrário, a instrução elementar era tida como conducente a atitudes sediciosas, a questionar a autoridade: só uma pequena minoria, privilegiada social e economicamente (ou não, mas destinada ao baixo clero) tinha acesso a aprender a ler e escrever. A elevada taxa de analfabetismo continuou como uma chaga durante vários séculos, até bem dentro do século XX, no Sul da Europa [Portugal, Espanha, Itália (do sul)...]

- O princípio da liberdade religiosa; a fé cristã é afirmada com rigor nos países do Norte da Alemanha e Escandinávia, a versão luterana da mesma é abraçada pelos monarcas, aristocracia e altos funcionários, mas não se vê uma conversão forçada, na generalidade dos casos, não se vêem perseguição e autos de fé, como em países católicos, com a Inquisição, que condenaram muitos intelectuais à fogueira por «ideias protestantes, heréticas». 
A liberdade religiosa permitiu, mais tarde, a liberdade política; apenas depois de ser admitido que se poderia ser leal ao soberano, apesar de não se professar a mesma religião ou confissão, se tornou aceite que a dissidência política não era sinónimo de traição à pátria. 
Isso demorou muito tempo a ser aceite, mas veja-se que os países com melhor e mais longo registo de liberdade política, também são os que tiveram maior tolerância em termos religiosos, entre eles os de confissão luterana maioritária.

Evidentemente, muito do que aconteceu em 600 anos, foi devido a enormes forças sociais que se desenvolveram, mas certos acontecimentos da vida intelectual, como o pregar as 95 teses na porta da Universidade de Wittemberg, assim como a Bíblia traduzida para o alemão por Lutero, têm uma marca simbólica muito grande. 

Como acontecimento intelectual, só consigo encontrar paralelo no «De Revolucionibus» o célebre tratado de Copérnico, que desencadeou uma controvérsia científica, a qual foi desde cedo «misturada» com argumentos teológicos.

Em Portugal, alguns espíritos, apesar da Inquisição, ousaram estudar as teses luteranas. 
Um deles, Damião de Goís, teve a audácia de falar com o próprio Lutero e seus adeptos. 

Ele era um diplomata, um cronista (historiador) do Reino, alguém com cargos oficiais. Isso foi a sua proteção, pois quando foi denunciado ao Santo Ofício, não terá sido violentamente interrogado; mas não deixou de ser condenado, de sofrer prisão e humilhação, por ter encetado o diálogo com luteranos. 
Goís, provavelmente, era um erasmiano ou seja, advogava uma reforma por dentro da Igreja, sem ruptura.