Podem celebrar o poeta como o genial autor dos Lusíadas, tanto quanto quiserem!
Eu, pessoalmente não me sinto - nunca me senti - impressionado pela versificação épica!
Além do mais, não consigo olvidar que para se fazer o exame do 7ª ano dos liceus, tinha-se de saber dividir as orações dos Lusíadas. Era assim nesse tempo, «matam-se dois coelhos de uma cajadada» (pensavam eles): «Ficam a saber fazer análise gramatical e aprendem os Lusíadas». Na realidade, nem uma coisa, nem outra: Muitos de nós, até os com maior inclinação literária, perante este exercício estúpido e mecânico criavam uma aversão tal, que «contagiava» os Lusíadas!
Felizmente, tinha em casa a recolha integral das Líricas, editadas e prefaciadas pelo Prof. Hernâni Cidade. Foi esse Camões que, desde muito cedo aprendi a apreciar: A beleza do soneto e da redondilha, a subtileza e o engenho dos poemas de amor.
Noutro tomo da mesma obra estava reunida a dramaturgia, peças de teatro quase completamente esquecidas, hoje. Porém, têm real valor com aquela truculência cómica na linha direta de Gil Vicente.
Tudo isto são impressões pessoais, mas não esperem de mim outra coisa, pois a poesia e os poetas têm sido os meus companheiros. Suas palavras mágicas habitam na minha mente: Isto significa que, às vezes, lembro-me dum verso, ou duma estrofe, a propósito ou despropósito.
Deixo-vos com Mário Viegas e com Amália Rodrigues, para vos fazer apreciar a música encerrada nos versos camonianos.
«Erros Meus» dito por Mário Viegas
Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!
e «Erros Meus...» cantado por Amália Rodrigues (música de Alain Oulman)
«Com Que Voz» cantado por Amália Rodrigues (música de Alain Oulman)
Bertold Brecht foi uma referência incontornável para a geração «do 25 de Abril». O património do mais importante dramaturgo alemão do século XX, era conhecido antes do 25 de Abril de 74. Mas a libertação do regime de Salazar e Caetano, foi como uma barreira que o povo saltou. Ele libertou a sua criatividade artística e também o desejo de fazer o que antes «estava proibido» ou - pelo menos - que era aventura incerta. A sempre presente «comissão de censura» podia proibir ou truncar espetáculos de teatro, sem nenhuma consideração pelo trabalho dos Artistas.
Mas, o que tinham estas produções teatrais, para nós jovens do «25 de Abril», que as tornavam tão populares é que estavam na interseção do teatro «sério», do teatro de revista, do music-hall, e do teatro dito «de intervenção».
Traduzi, na altura, 2 poemas de Brecht. A Canção da Frente de Unidade, com música de Hanns Eisler e a Canção do Mercador (1), inserida na peça "Die Massnahme", também com música de Eisler.
Não creio, pelo menos no meu caso, que o estudo aprofundado da obra do grande dramaturgo, fosse devido a eu assumir uma posição política de marxismo revolucionário. Foi porque fiquei muito impressionado com a força da sua estética, com a força com que a sua arte veiculava as ideias (que também eram as minhas). Porque eu tinha muito pouca, ou nenhuma paciência, para o que passava por «revolucionário», mas não era senão um «desejo» de ser revolucionário.
Brecht ensinou-me o que é o compromisso do criador, do artista. A sua estética estava para além das vinculações ideológicas que a sua poesia e teatro transmitiam. Não se deve confundir com propaganda, no sentido de obras medíocres, destinadas a inculcar determinadas ideias no espectador. Hoje mesmo, é visível a imensa influência do teatro de Brecht, das suas «songs». Foi algo que perdurou, mesmo que já não exista uma «moda Brecht». A sua produção é retomada por variados criadores: Continua a cantar-se e representar-se obras Brecht. Tornou-se um clássico. Eu diria que um clássico é um autor de referência. Outros vêm beber à sua obra, inspiram-se nela, copiam algo da sua estética, umas vezes deliberadamente, outras vezes subconscientemente.
Vem este título a propósito do excelente «happening comunitário», evocando as cheias de 1967, a peça «A lama nos bolsos», apresentada ontém, no teatro municipal Amélia Rey Colaço de Algés, em récita única (?).
Excelente trabalho colectivo da equipa, sobretudo de amadores, que actuou nesta peça e que pacientemente a montou, durante meses.
Curiosamente eu, com 13 anos na altura das cheias de 1967, tinha memórias desse acontecimento, mas não da dimensão trágica do mesmo.
Reflectindo hoje sobre o espectáculo que vi, veio-me a reflexão seguinte:
- As mais importantes mudanças que ocorreram nesta sociedade não são as mais visíveis, são as mudanças subterrâneas.
Digo isto porque as pessoas concretas, as comunidades, não esquecem as tragédias passadas e organizaram este evento de memória, em solidariedade para com as vítimas dos incêndios mortíferos e devastadores deste verão e outono, em Portugal.
um grande obrigado musical à mulheres e homens, que construíram este espectáculo