Bertold Brecht foi uma referência incontornável para a geração «do 25 de Abril». O património do mais importante dramaturgo alemão do século XX, era conhecido antes do 25 de Abril de 74. Mas a libertação do regime de Salazar e Caetano, foi como uma barreira que o povo saltou. Ele libertou a sua criatividade artística e também o desejo de fazer o que antes «estava proibido» ou - pelo menos - que era aventura incerta. A sempre presente «comissão de censura» podia proibir ou truncar espetáculos de teatro, sem nenhuma consideração pelo trabalho dos Artistas.
Assim, apareceram numerosas encenações de peças de teatro, «A Boa Alma de Tsê-Chuan», a «Ópera dos Três Vinténs» , etc
Mas, o que tinham estas produções teatrais, para nós jovens do «25 de Abril», que as tornavam tão populares é que estavam na interseção do teatro «sério», do teatro de revista, do music-hall, e do teatro dito «de intervenção».
Traduzi, na altura, 2 poemas de Brecht. A Canção da Frente de Unidade, com música de Hanns Eisler e a Canção do Mercador (1), inserida na peça "Die Massnahme", também com música de Eisler.
Não creio, pelo menos no meu caso, que o estudo aprofundado da obra do grande dramaturgo, fosse devido a eu assumir uma posição política de marxismo revolucionário. Foi porque fiquei muito impressionado com a força da sua estética, com a força com que a sua arte veiculava as ideias (que também eram as minhas). Porque eu tinha muito pouca, ou nenhuma paciência, para o que passava por «revolucionário», mas não era senão um «desejo» de ser revolucionário.
Brecht ensinou-me o que é o compromisso do criador, do artista. A sua estética estava para além das vinculações ideológicas que a sua poesia e teatro transmitiam. Não se deve confundir com propaganda, no sentido de obras medíocres, destinadas a inculcar determinadas ideias no espectador. Hoje mesmo, é visível a imensa influência do teatro de Brecht, das suas «songs». Foi algo que perdurou, mesmo que já não exista uma «moda Brecht». A sua produção é retomada por variados criadores: Continua a cantar-se e representar-se obras Brecht. Tornou-se um clássico. Eu diria que um clássico é um autor de referência. Outros vêm beber à sua obra, inspiram-se nela, copiam algo da sua estética, umas vezes deliberadamente, outras vezes subconscientemente.
É muito conhecida, «Moon of Alabama», mas a versão de Lotte Lenya e do Berliner Theater parece-me incontornável:
Outra canção muito conhecida é Surabaya Johnny (com música de Kurt Weil), também interpretada por Lotte Lenya e o Berliner Theater
Yves Montand canta outro grande sucesso: «Bilbao Song» traduzido para o francês por Boris Vian:
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(1)
CANÇÃO DO MERCADOR
(letra de B. Brecht; trad. 1974)
Há arroz lá no fundo ao pé do rio
Nas províncias altas as gentes precisam de arroz
Se guardamos o arroz em armazém
O arroz irá tornar-se mais caro para eles
E os revendedores terão ainda menos arroz
Então poderei comprar o arroz ainda mais barato
O que é afinal o arroz?
Sei lá, sei lá o que é!
Sei lá quem o sabe!
Não sei o que é um grão de arroz
Só sei o seu preço
O Inverno chega, as pessoas precisam de agasalhos
É preciso comprar algodão
E não o distribuir
Quando chega o frio os agasalhos aumentam de preço
As fiações de algodão
Pagam salários mais altos
Aliás há algodão em excesso
Em boa verdade o que é o algodão?
Algodão, sei lá o que é!
Sei lá quem o sabe!
Não sei o que é o algodão
Só sei o seu preço
Ora o homem precisa de comer
E o homem torna-se mais caro
Para obter alimento são precisos homens
Os cozinheiros tornam a comida mais barata
Mas aqueles que a comem tornam-na mais cara
Aliás há muito poucos homens
O que é então um homem?
O homem, sei lá o que possa ser!
Sei lá quem o sabe!
Não sei o que é um homem
Só sei o seu preço
2 comentários:
Kurt Weil foi um dos compositores que trabalhou com Brecht. Os seus trabalhos conjuntos são muito célebres. Veja aqui:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2021/12/kurt-weill-youkali-e-denn-wie-man-sich.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2017/07/song-surabaya-johnny-brecht-weill.html
Álbum "LOTTE LENYA SINGT KURT WEILL"
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