domingo, 1 de abril de 2018

ESPIRITUALIDADE E RELIGIÃO

Numa ocasião, falando com um teólogo protestante, disse-lhe no decorrer da conversa, que afinal só podia haver um entendimento do monoteísmo, a meu ver: sob as mais diversas formas, o Deus a que todas as pessoas prestam culto, é único e sempre o mesmo... mesmo nas religiões politeístas. De outra forma, seria absurdo:  um Deus Cristão, outro Muçulmano, outro Budista, etc.

Eu sei que ele não gostou nada do que eu lhe disse, porque é muito difícil de o contestar, tendo em conta a própria doutrina cristã. Mas, no fundo, ele devia ter uma grande repugnância em aceitar aquela tese, porque imaginava que iria «abrir as portas para o sincretismo».
Ora, de facto, o sincretismo existe, em todas as grandes religiões monoteístas, a judaica, a cristã e a muçulmana. Existe... na sua própria origem. 
Por mais que os teólogos debatam, qualquer das religiões supra-citadas se organizou, surgiu no tempo, a partir de formas de pensamento religioso precedentes. 
Isto parece-me incontroverso, a menos de se aceite acriticamente que o Alcorão foi directamente ditado a Maomé, por Alá; tal como os escritos dos Profetas do Antigo Testamento (directamente inspirados por Deus) ou do Novo Testamento (os apóstolos e os evangelistas recolheram directamente a palavra de Deus em Jesus, ou foram inspirados por Deus nos seus relatos, epístolas...). 
Podem-se constatar numerosos elementos, presentes em muitos textos sagrados das supra-citadas religiões, que fazem referência ou são plágio de textos anteriores. São conhecidas -por exemplo - as descrições, sumérias e babilónicas, do Jardim do Éden.

A apropriação da espiritualidade por religiões codificadas, com seus dogmas e textos sagrados, é uma parte pesada das mesmas e causadora de grande sofrimento.
A espiritualidade não pode ser entendida como tal, apenas e somente na forma e conteúdo apresentados numa determinada religião. A espiritualidade humana está presente como elemento inconfundível, desde antes ou em simultâneo com o próprio surgimento do Homo sapiens. Note-se que se trata de uma escala de tempo da ordem dos 300 mil anos, segundo as avaliações mais recentes sobre o aparecimento dos Homo sapiens. 
As civilizações agrárias e as primeiras manifestações de Estados  organizados e de Religiões codificadas são de menos de 12 mil anos, ou seja, menos de 4% da História da espécie humana, propriamente dita. Os paleo-antropólogos e arqueólogos são muito prudentes ao atribuírem actividades de culto. Eles puseram em evidência claros sinais, não apenas no H. sapiens paleolítico, como até nos Neandertais, que surgiram cerca de 800 mil de anos e se extinguiram há 24 mil anos. 

As pessoas todas, mesmo as que se consideram ateias, são dotadas de espiritualidade. É uma propriedade que não tem que ver directamente com aderir-se, ou não, a uma religião. 
A espiritualidade não confinada a uma dada religião pode ser melhor compreendida e sentida no Animismo e no Xamanismo. Os povos em que estas formas espirituais/religiosas predominam estão gravemente ameaçados, de extinção, de etnocídio. Mesmo as religiões politeístas actuais, Hinduismo, Budismo, etc. com muitos milhões de adeptos, estão em recuo face aos monoteísmos.  Infelizmente, os monoteísmos dominaram politicamente as outras civilizações, cujo substrato era mais aberto à espiritualidade. 
No Taoismo, hoje muito minoritário na China e noutros países orientais, está ausente um modelo ou discurso do que seja Deus. Cada um, no Taoismo, é livre de ter a sua ideia sobre Deus, ou mesmo de omitir a existência de Deus no Universo.
Se «Deus foi feito à medida dos homens», como afirmam os materialistas, também será um facto que ser capaz de conceber, criar, cultivar, uma ideia de Deus é uma atividade muito peculiar do homem, que o distingue de quaisquer outros animais, incluindo das formas antropóides que antecederam, na evolução, o humano propriamente dito. 
A consciência de algo para além do imediato, do físico, tangível e perceptível pelos sentidos limitados, foi um passo muito precoce: está na origem da construção dos artefactos de pedra, mas foi igualmente o que desencadeou o comportamento de enterro ritualizado dos mortos, das pinturas parietais nas cavernas, da pintura ritual dos corpos (os antropólogos identificam em vários sítios de escavações o ocre, o negro, pigmentos vermelhos, etc).   Foi esta forma rudimentar de consciência que permitiu a sobrevivência dos humanos, mamíferos muito fracos, ao fim e ao cabo, face aos leões ou ursos das cavernas, por exemplo. Com efeito, a capacidade de imaginar é que forneceu, desde muito cedo, as «armas conceptuais» que permitiram aos grupos humanos superar os perigos mais diversos.

- A espiritualidade é meramente uma «emanação» da matéria ou a espiritualidade «nela se infunde»? 
- Esta parece-me ser uma discussão estéril. 
O facto insofismável é que este fenómeno existe, é reconhecido como um facto, mesmo por cientistas considerados ateus  e materialistas.
A matéria, sendo apenas uma condensação particular de energia, as formas do materialismo populares no passado estão completamente caducas, apenas destinadas a figurar na História das ideias. Opor «espírito e matéria», deixou simplesmente de fazer qualquer sentido. 
O próprio da ciência é de reformular ou mesmo abolir conceitos e configurações teóricas que se tornaram obsoletos, caducos. Muitos cientistas, naturalmente, têm adoptado uma atitude de grande prudência nestes assuntos, não excluindo nenhuma possibilidade, mas também não deixando que se tome por «ciência» as fantasias de pessoas (talvez bem intencionadas) que procuram novas abordagens do fenómeno do espírito.
Pessoalmente, não tenho nenhuma dificuldade em conceber o Universo pleno de energia radiante e onde esta se corporiza em formas que nós reconhecemos como sendo dotadas de vida...Mas, longe de mim a veleidade de «ter encontrado uma explicação para tudo»!

As crispações sectárias, que ocorrem nos mais diversos quadrantes intelectuais e filosóficos, dificultam o avanço da compreensão dos fenómenos naturais e sociais. Tais sectarismos são a base ou o pretexto para comportamentos de grande violência, o que obriga a que se reflicta no que se diz e sobretudo no como se diz.

sábado, 31 de março de 2018

J. S. BACH: PAIXÃO SEGUNDO S. JOÃO


 Sob o número de catálogo BWV 245, esta Paixão, ou Oratória específica para a época da Semana Santa, é a mais antiga das duas paixões sobreviventes compostas por Bach. Sabe-se que antes desta ele compôs uma outra, dita «de Weimar» (do período em que trabalhou em Weimar), mas considera-se perdida. 
A Paixão segundo S. João foi composta no primeiro ano de Bach como diretor da música de Leipzig. Sua estreia foi a 7 de Abril de 1724, no serviço de vésperas da Sexta-feira Santa.

A presente gravação foi efectuada na catedral de Graz, pelo Concentus Musicus de Viena, dirigido por N. Harnoncourt, em 1985.


                                              

sexta-feira, 30 de março de 2018

A GUERRA DE PROPAGANDA ANTECEDE A GUERRA A QUENTE

                   
                   o efeito da propaganda

Manter-se teimosamente em estado de denegação, recusar olhar o mundo tal como ele é, consiste na mais infantil e mais perigosa reacção a uma situação de perigo iminente:
Desde o Irão, hoje... até à propaganda anti-Rússia, construída peça por peça, como se pode comprovar no excelente artigo de «The Moon of Alabama»... Mas, passa também pelo miserável conluio da «democratíssima» UE, da «exemplar» Alemanha de Merkel, que pretende entregar Puigdemont  à vingança do governo e dos tribunais políticos espanhóis (que mantêm presos políticos catalães). Julian Assange foi silenciado por causa desta situação, pelo governo do Equador... pressionado por governos mais poderosos. 

                     A marcha pelo retorno, que mobiliza palestinianos durante 6 dias

Dá-me a impressão (oxalá me engane, mas temo que seja bem real) que as elites que dominam as corporações gigantes e governos do «Ocidente» estão à procura de casus belli, ou seja, daqueles pretextos, fabricados em geral, que permitem uma nação declarar-se «vítima» de agressão de outra, justificando assim um ataque «em resposta» a tal suposta agressão.

A indiferença da cidadania é a força dos poderosos: quem se recusa participar na urgente campanha pela paz, pela liberdade dos povos, pela não ingerência... está simplesmente a virar a cara.

quarta-feira, 28 de março de 2018

O SARCÓFAGO QUE AFINAL NÃO ESTAVA VAZIO...

Leia-se a história verídica de um sarcófago supostamente vazio, transportado para a universidade em Sydney (Austrália), contendo uma múmia, que afinal ninguém suspeitara que lá estivesse.

                   

A múmia contém apenas 10% dos restos mortais de uma sacerdotisa, cujo nome está indicado no interior, na parede do sarcófago.

                       [imagem de TC com dedos dos pés da múmia]

Mesmo assim, apesar do estado de conservação da múmia não ser famoso, é interessante; abre a possibilidade de seu ADN ser estudado e comparado com outros ADN. 


terça-feira, 27 de março de 2018

BUÇACO: GRANDE BELEZA E BIODIVERSIDADE

              

A poucos quilómetros de Coimbra, encontra-se a Serra do Buçaco, com a sua Mata, no centro da qual está o hotel-palácio do Buçaco. Inicialmente mandado construir por D. Carlos I, como pavilhão de caça, acabou por ser adquirido e transformado em hotel, desde 1917. 
A arquitectura e decoração vão buscar os seus elementos ao Estilo Manuelino, com elementos copiados de monumentos do início do século XVI.


              

Os jardins, à francesa, evocam zonas equivalentes do palácio da Pena, em Sintra. Mas todo este luxo real não nos deve fazer esquecer que o Buçaco foi um local de vida espiritual e  árdua dos monges, em séculos anteriores.



               

Ainda se pode visitar o convento onde Sir Wellesley, futuro Duque de Wellington foi descansar, após a batalha do Buçaco de 1810, que foi decisiva para a derrota da terceira e última invasão napoleónica.


            

A natureza da vegetação desta altura das guerras peninsulares, era muito mais rala; não havia muitas árvores de grande porte; a vegetação era essencialmente formada por arbustos e ervas. 
A florestação desta zona começou em meados do século XIX. Muitas árvores de grande porte, que se podem hoje observar na Mata do Buçaco, foram plantadas no referido século.  


 


 A zona é muito abundante em água, que escoa durante todo o ano a partir de várias nascentes.


 

Como biólogo, fiquei  muito interessado na biodiversidade desta mata, embora saiba que uma parte das espécies não é vegetação autóctone. As espécies autóctones, porém correspondem às que povoavam a floresta primitiva ibérica; estes exemplares, assim como outros, vindos de outros pontos, poderiam fornecer as sementes para a plantação das áreas ardidas do Centro de Portugal, no ano passado. 
O eucaliptal não se pode designar como autêntica floresta, visto que não é uma formação natural, mas uma plantação. A sua substituição poderia proporcionar o restauro  e a regeneração do ecossistema, assim como o repovoamento humano. Os ecossistemas florestais são dos mais produtivos, quer em quantidade de biomassa, quer em biodiversidade. 

segunda-feira, 26 de março de 2018

SISTEMA DE «CRÉDITO SOCIAL», INVENÇÃO CHINESA

Sabemos que não existe totalitarismo «benévolo». Sabemos que o poder da elite reinante, em qualquer parte do mundo, é sempre dependente da boa-vontade ou do medo dos súbditos. 
A China tem de desenvolver-se na produção industrial,  dirigida ao mercado interno, proporcionando um bem-estar generalizado à população, condição sine qua non para subir a número um no pódio mundial.  
Com a abundância, ou a ausência de austeridade para o povo, vêm sempre exigências de democracia, normalmente expressas por sectores das classes médias e do operariado. 
A oligarquia que comanda o partido comunista (em cujas famílias se contam bilionários) está perante o dilema de ter que desenvolver a produção para o mercado interno, melhorando radicalmente o nível de vida do povo, ao mesmo tempo que conserva o controlo dos vários instrumentos do poder: forças armadas, polícia, sistema bancário, meios de comunicação social de massas... 
Por outro lado, a população chinesa é disciplinada e cívica, o que denota um estado civilizado profundo no seu povo. O poder sabe servir-se disso e, sobretudo, explora do reverso desta qualidade, que é o convencionalismo. Existe uma desconfiança que se traduz facilmente numa franca hostilidade perante alguém que saia fora da norma. É fácil na China obter-se uma «boa nota social» por fazer-se algo aparentemente «bem-comportado». Mas o comportamento original dos criadores e das pessoas insatisfeitas (os «dissidentes»), é facilmente confundido com individualismo, hooliganismo ou, mesmo, criminalidade.

A reportagem abaixo deve ser um alerta; não está excluído que esta «inovação social» não venha a ser copiada por múltiplos governos. 
O facto do governo da China ser nominalmente «comunista», tranquiliza muitos, que pensam  que as medidas tomadas não podem ser retomadas em Estados ditos «democráticos». 
Com este raciocínio as pessoas enganam-se muito, pois a forma de governo é essencialmente a mesma, uma oligarquia = o governo de poucos, literalmente. 
A ideologia só vem como capa, como cobertura para o mesmo bolo, que é essencialmente o mesmo.  



domingo, 25 de março de 2018

DO MOVIMENTO «#ME TOO» À RUSSO-FOBIA INSTITUCIONAL

Creio que ninguém que me conhece suspeita sequer que sinto a mínima simpatia por predadores sexuais. No entanto, a campanha que foi - há uns meses - erguida por feministas radicais do outro lado do Atlântico, a partir do desmascarar de Harvey Weinstein e outros empresários de Hollywood, transbordou muito rapidamente as marcas, tornando-se uma nova versão de «caça às bruxas/os». 
Porventura, muitas mulheres foram efectivamente vítimas de abusos sexuais diversos. Mas igualmente o arrastar na lama de muitos homens, sem outra evidência para serem considerados uns «predadores sexuais» que as alegações (verdadeiras ou falsas, mas não provadas) das supostas vítimas... fez muito mais mal, quer à justiça em geral, visto que muitos homens inocentes viram as suas vidas destroçadas, quer à causa do verdadeiro feminismo: portador dos valores da igualdade de direitos e de dignidade entre géneros, não dum histerismo em considerar a priori qualquer homem heterossexual como um potencial suspeito de crime hediondo!
A responsabilidade cabe também à  imprensa «tablóide» e a toda ela afinal, pois já não conseguimos distinguir qualquer ética e exigência de rigor nos títulos que tinham reputação de sérios. 
A média foi amplificando este movimento, seguindo o seu princípio de que «quanto mais escandaloso, melhor». Quanto aos acusados dos tais actos sexuais, por vezes de há vinte ou trinta anos, eles que «se defendam». 
O que significou que o chamado «ónus da prova» foi deslocado do acusador para o acusado. O acusado, ao ter de se defender de um alegado crime na praça pública, acaba por adensar as suspeitas em relação à sua inocência. Os que sofrem estas difamações são irreversivelmente destruídos, em termos de imagem pública, de relacionamento familiar, de carreira profissional. As acusadoras têm praticamente garantida a impunidade, não sendo possível, na prática, demonstrar que as suas acusações foram apenas uma perversa mentira, destinada a  atingir alguém que se odeia.
A inversão do dever de prova está agora perigosamente a ocorrer entre Estados, nomeadamente com o governo britânico a exigir à Rússia que esta faça «prova» de que nada tem a ver com uma tentativa de assassinato de dois cidadãos russos, em solo britânico, para logo decretar que o governo russo é culpado, agitando uma série de sanções, diplomáticas e económicas, exigindo que os aliados da Grã-Bretanha se guiem pela mesma bitola.
Aqui também, a ampliação mediática da histeria governamental tem um efeito de ampliação e reforço da convicção no público: para pessoas assustadas, desinformadas e sujeitas a propaganda, os russos são «evidentemente» os responsáveis, não havendo argumentação sensata e equilibrada, que queiram ouvir. 
O público, tal como no caso das denúncias contra alegados «predadores sexuais», aceita tudo como «verdade inquestionável», apenas por as autoridades governamentais afirmarem a sua «convicção» sem provas, seguida no imediato de sanções.

Tristemente, tenho de dar plena razão a Voltaire («difamem, difamem, ficará sempre qualquer coisa»),  mas não significa que esteja conformado com a ditadura de tipo orwelliano que se vem instalando nas chamadas «democracias ocidentais». 
Significa que tenho de assumir que muitas pessoas são tão manipuladas, alienadas, que já nem têm consciência disso. Não sou inteiramente pessimista, porque sei que existem pessoas que conservam o seu espírito crítico no meio destes ventos de histeria colectiva. 
Uma notícia, ao ser veiculada por algum órgão de comunicação ou opinião com o qual temos simpatia, não nos deve impedir de exigir que esse mesmo órgão seja rigoroso e dê provas do que afirma, mormente se são acusações graves, com consequências muito para além dos factos em si mesmo.