domingo, 23 de junho de 2024

«SERAS-TU LÁ» FRANÇOISE HARDY no programa de André Manoukian «La vie secrète des chansons»


 

Ouvir também a PLAYLIST «FRANÇOISE HARDY - ULTIME HOMMAGE»

LETRA DE «SERAS-TU LÁ?»

  • Et quand nos regrets viendront danser
    Autour de nous, nous rendre fous
    Seras-tu là?
    Pour nos souvenirs et nos amours
    Inoubliables, inconsolables
    Seras-tu là?

    Pourras-tu suivre là où je vais? Sauras-tu vivre le plus mauvais? La solitude, le temps qui passe Et l'habitude, regarde-les Nos ennemis, dis-moi que oui Dis-moi que oui Quand nos secrets n'auront plus cours Et quand les jours auront passé Seras-tu là? Pour, pour nos soupirs sur le passé Que l'on voulait que l'on rêvait Seras-tu là? S'auras-tu vivre le plus mauvais? La solitude, le temps qui passe Et l'habitude regarde-les Nos ennemis, dis-moi que oui
    Dis-moi que oui?

CONCERTO PELA PALESTINA • Roger Waters • Yusuf Cat Stevens • Lowkey • AO VIVO

(O CONCERTO INICÍA-SE AOS 20' MINUTOS DO VÍDEO)

Roger Waters, Yusuf Cat Stevens e Lowkey, mais convidados especiais, para um concerto único em auxílio da paz, liberdade e justiça para a Palestina

sexta-feira, 21 de junho de 2024

SOBRE A EXTREMA-DIREITA EUROPEIA, NAS RECENTES ELEIÇÕES

 Quem está com o nariz sobre o assunto, frequentemente acaba por errar o diagnóstico, por estar demasiado focalizado em detalhes que são importantes, sem dúvida, mas que colocam de fora a realidade mais geral da dinâmica da sociedade. 

Quer queiram quer não,  sociedade está dividida em classes. Estas, têm antagonismo natural, visto que seus interesses fundamentais são contraditórios. Isto não significa que a classe dos oprimidos não se engane nas causas para as suas condições cada vez mais miseráveis e, particularmente, para a sua destituição da «cidadania»: Um conceito que apenas se aplica - em pleno - para a classe dominante, a burguesia, para os não proletários, para aquelas pessoas «naturalmente» candidatas ao poder (ou como auxiliares do mesmo).

A escola desempenha um papel, pois está sempre na situação ambígua de afirmar valores «republicanos» de igualdade, face às diversas etnias, às diversas origens sociais, por um lado. Mas, por outro, todo o sistema educativo é uma enorme máquina de selecionar os melhores serventuários do sistema.
Ou seja, está - em teoria - a proporcionar oportunidades para os destituídos (os seus filhos) se emanciparem mas, ao mesmo tempo, está criando e reproduzindo uma nova geração de serventuários, que não questionam sequer a classe dominante, seja porque pertencem a esta ou, mais frequentemente, porque pertencem a extratos que estão na orla do poder e desejam ascender a postos de prestígio. 
Os bons alunos reproduzem - inconscientemente, na maioria dos casos - os passos levados a cabo, na geração anterior, pelos seus pais. 
Por outro lado, os destituídos cedo reconhecem encontrar-se perante a falsa igualdade, de que a promessa de igualização das classes, através da educação que lhes é proporcionada. Ela está falseada à partida, pois o contexto social em que crescem as crianças, condiciona muitíssimo seu percurso escolar.
Na realidade, a chamada «escola republicana» é uma fábrica de fracassos, de excluídos. Aqueles mesmos que irão desempenhar as tarefas mais mal pagas e menos prestigiosas, de que o sistema, no entanto, precisa para se auto perpetuar.
É evidente que, se tivermos um pouco de empatia para com tais membros das classes ditas «inferiores», podemos compreender a sua revolta. 
Mas, isso não significa que eles próprios identifiquem corretamente o seu inimigo. Nem, tão pouco, que as soluções pelos partidos xenófobos e de extrema-direita, sejam as acertadas. 
Quer falemos de «pessoas de cor», de «gerações de filhos dos emigrados», ou de membros autóctones da classe operária, todos eles sempre foram exteriores ao padrão de cultura da escola. Estamos a falar daqueles que estão destinados, na imensa maioria, a preencher o papel social que tiveram os seus progenitores (não existe «ascensor social» para eles). Isto, faz parte da base do funcionamento concreto da sociedade de classes existente. 

O problema que se coloca em relação aos partidos de extrema-direita, semelhantes em xenofobia a vários partidos do sistema, é que as suas direções têm sabido usar, com sucesso, a insatisfação dos excluídos do sistema para se guindarem ao poder. A serem os novos senhores da República, os novos capatazes do poder do dinheiro. 
Se conseguirem, serão uma nova versão de burguesia reacionária, que em vários períodos da História, tomou conta das «democracias» burguesas, perante a desmoralização destas, devido ao facto dos detentores diretos do poder político terem perdido toda a credibilidade. Tão abjectos, tão desavergonhados se comportaram eles, que se tornava urgente (para importantes setores da burguesia industrial) a retirada dessa fração da burguesia dos comandos do poder, para a substituir por outra.
Essas guinadas para a extrema-direita, no passado, vieram evitar que  tal situação se tornasse revolucionária. O descontentamento e a indignação perante a perda de direitos tem levado, em vários momentos da História, os destituídos a tomar as coisas em suas mãos e correr com os parasitas que ocupavam o poder.

É este o contexto de fundo das derrotas dos partidos de centro-direita e do centro-esquerda no xadrez político-eleitoral europeu. A extrema-direita aproveita, como seria de esperar. Mas, não se pode ter qualquer ilusão de que ela poderá servir genuinamente os interesses do povo, ela apenas utiliza o seu descontentamento.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

A UNIÃO EUROPEIA AINDA EXISTE? (por Manuel Raposo *)

 Com a reprodução desta extensiva análise, pretendo alargar a divulgação do texto aos leitores do blog «Manuel Banet, Ele Próprio». O texto de Manuel Raposo merece leitura atenta e debate aprofundado.


* Manuel Raposo — Jornal Mudar de Vida



Casa Branca, 7 fevereiro 2022. Biden faz saber a Scholz que o Nord Stream 2 será destruído. “We will bring an end to it”

As forças políticas que têm dominado as instituições da União Europeia deram-se por muito satisfeitas por terem conseguido manter a maioria no parlamento nas recentes eleições de 6 a 9 de junho. Mas não podem mascarar o rebuliço político resultante do crescimento, em países fulcrais como a França ou a Alemanha, de partidos que se opõem à linha seguida por Bruxelas, nomeadamente no que respeita à condução da guerra na Ucrânia e à subordinação da UE aos ditames dos EUA. 

Tudo indica que se entrou num período de viragem política com consequências profundas. Recuar às origens da União Europeia, lembrar os conflitos por que tem passado, poderá ser útil para avaliar a dimensão da mudança. Tanto mais quanto tal mudança não se resume à Europa, mas resulta de uma transformação que se está a dar no campo imperialista e nas suas relações com o resto do mundo.

Na origem, a reconstrução necessária

A União Europeia viveu sempre – desde os seus primeiros dias, nos anos imediatos à segunda guerra mundial – numa contradição que tendeu a dilacerá-la. 

Por um lado, a reconstrução económica de um território destruído pela guerra impunha-se a todos os países sem excepção como uma necessidade absoluta e de primeira urgência. A constituição de uma primeira Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo e Holanda, 1951) correspondia a esse esforço. 

Ao mesmo tempo, e a par da recuperação económica, a constituição da Europa como um bloco político era imprescindível ao Ocidente imperialista, já então capitaneado pelos EUA, para fazer frente aos desafios que a divisão do mundo em dois blocos iriam colocar. 

A NATO – reunindo regimes democráticos e fascistas e inclusive recrutando quadros nazis, mas fazendo-se paladino do “mundo livre” –  constituiu-se como o guardião militar desta recuperação europeia o que implicava ser a arma de combate à Europa de Leste e à URSS.

O desenvolvimento europeu, sob impulso do capital norte-americano (saído reforçado da guerra), seria um escudo contra as veleidades socialistas e revolucionárias que pudessem fazer curso na Europa e um importante braço dos EUA na sua busca de hegemonia no campo imperialista. 

Nos vinte anos seguintes à guerra, com efeito, o novo imperialismo que ganhava forma sob batuta norte-americana iria ter de enfrentar a vitória da revolução chinesa, as guerras da Coreia e da Indochina, as revoluções cubana e argelina, as lutas de independência das colónias africanas e asiáticas. O desenvolvimento económico impetuoso e a coesão política e militar conseguidos pelo capitalismo ocidental foram a base da constituição do bloco imperialista formado pelos EUA, pela Europa Ocidental e pelo Japão.

A ambição imperialista da Europa

Por outro lado, no entanto, o reerguer do capitalismo europeu, a coesão política que se forjava entre os principais dos seus países, encerravam uma ameaça para a hegemonia norte-americana. O natural expansionismo do grande capital europeu, que se procurava consolidar nas diferentes etapas percorridas pela UE, desafiava o domínio norte-americano, na medida em que o “projecto europeu” tendia a gerar um imperialismo concorrente dos EUA. 

Quando, nos anos 60, o presidente de Gaulle retirou a França do comando unificado da NATO (dominada em absoluto pelos EUA) e falou de uma Europa do Atlântico aos Urais; e quando o chanceler Willy Brandt, na então Alemanha Federal, lançou a Nova Política a Leste (Neue Ostpolitik) ficou claro que as duas principais potências da então CEE encaravam a relação com os EUA não apenas em termos de colaboração, mas também, quanto possível, em termos de autonomia política e de competição. 

Ambos viam a Europa de Leste e a URSS, mesmo em plena guerra-fria, como territórios situados na esfera de influência da Europa, para os quais a CEE poderia desenvolver políticas próprias – não apenas no plano diplomático, mas sobretudo económico e político.

A continuidade geográfica entre a Europa e o território russo jogava a favor desta ambição, dando como “natural” a tentativa do capital europeu de beneficiar dos imensos recursos (industriais, agrícolas, minerais, energéticos) que se estendiam desde a “cortina de ferro” ao Extremo Oriente.

Os EUA contra a Europa

Os EUA sempre trataram de combater por todos os meios as ambições próprias das potências europeias. As suas principais armas foram, e continuam a ser, de natureza económica, tecnológica e militar. À medida, porém, que o poderio económico dos EUA decaía e que as vantagens tecnológicas deparavam com concorrentes à altura, o domínio militar ganhava preponderância, tornando-se o meio principal não só para enfrentar os inimigos, mas também para manter coeso, sob sua alçada, o campo imperialista. Os últimos 30 anos demonstram-no.

A aventura do imperialismo alemão nos Balcãs em 1991 (acolitado pela Áustria e pelo Vaticano) no sentido de fragmentar a Jugoslávia, teve como resultado a entrada em força dos EUA e da NATO na região para derrotar a resistência da Sérvia e mostrar quem manda nestas coisas da geopolítica. A maior base militar norte-americana fora dos EUA foi constituída por essa via no Kosovo e uma outra, da NATO, instalada na Albânia. As ambições imperiais alemãs, impulsionadas pelo processo de reunificação, tiveram de contentar-se com as estâncias de férias nas costas do Adriático. 

Com as duas Guerras do Golfo (1991 e 2003) os EUA afrontaram directamente o chamado eixo franco-alemão. Tomando conta do petróleo do Médio Oriente, pretendiam condicionar o crescimento económico e sujeitar politicamente todo o mundo – mas também a Europa, o Japão e demais “amigos”. Uma última resistência da Europa foi então protagonizada pelo presidente francês Chirac e pelo chanceler alemão Schröder que se opuseram à invasão do Iraque, sem a conseguir travar. França e Alemanha resignaram-se, que remédio, à preponderância dos EUA.

A machadada definitiva na “autonomia estratégica” europeia – económica, política ou militar – foi dada recentemente, já com a guerra na Ucrânia em curso. Primeiro, foi a chantagem para a imposição de sanções à Rússia, o que significou afundar a economia europeia numa crise sem precedentes e sem fim à vista. Depois, foi o golpe de misericórdia na economia alemã com a destruição pelos serviços secretos norte-americanos do gasoduto North Stream 2  sem que os dirigentes alemães ousassem piar.

Finalmente, depois de porem em pleno andamento a guerra na Ucrânia, os EUA tratam de empurrar para a Europa e para a UE os custos humanos e materiais dela decorrentes, degradando as condições de vida das populações europeias e conduzindo à liquidação do Estado Social europeu. Por via da guerra – seja no plano militar, político ou económico – os EUA transformaram a Europa num vassalo, em grau que nunca antes tinha sido conseguido.

Um passo mais esboça-se nos dias que correm com as pressões dos EUA para que a Europa siga os interesses norte-americanos no seu afrontamento com a China e corte laços económicos com Pequim.

O fim da contradição original

À vista dos sinais dados pelas últimas décadas, a contradição que marcou o nascimento e o crescimento da unidade europeia tende pois a ser resolvida pela submissão absoluta do capitalismo europeu ao capitalismo norte-americano. As ambições do (sub) imperialismo europeu perdem assim base para se afirmarem. A Europa e a UE são reduzidas à condição de peças do imperialismo norte-americano. 

Mesmo se os conflitos de interesses entre o capitalismo europeu e norte-americano não desaparecem, a sua manifestação política – que se tem traduzido na tentativa de criar um bloco europeu com identidade própria – é esmagada pelo amarramento da Europa e da UE aos estritos interesses hegemónicos dos EUA.

Novas contradições, novos conflitos

Os poderes até agora instalados na generalidade dos países europeus têm na sua maioria seguido como carneiros por este trilho, particularmente desde o início da guerra na Ucrânia. As instâncias dirigentes da UE, por seu lado, são hoje mandatárias da política definida em Washington. A desconsideração a que são votadas pelas populações dos países membros mede-se pela maciça abstenção sistematicamente verificada nas eleições para o parlamento europeu (50% nas deste ano). 

Não é sem conflitos e dissensões que este caminho se tem feito. A UE, nomeadamente, tem sofrido abalos sucessivos mal mascarados pela aparente unidade exibida pelas suas instituições. Nacionalistas na forma, estes movimentos centrífugos dão sinal da desagregação interna do campo imperialista constituído na segunda metade do século XX.

UE, uma casca vazia

Cabe portanto perguntar se o propósito que, do lado europeu, alimentou a criação da União nas suas diversas etapas ainda tem pés para andar. A elite dirigente da UE faz tudo para parecer que sim, mas a realidade mostra que as divisões entre países membros se acentuam à medida que se agravam os conflitos de interesses causados pela perda de autonomia do capital europeu. 

É no patente domínio absoluto dos EUA, nas suas imposições ditatoriais – não apenas resultantes da guerra na Ucrânia, mas decorrentes do esforço para manter a hegemonia sobre todo o mundo – que em última análise tem de ser procurada a razão das divisões crescentes entre os países europeus que dilaceram e ameaçam partir a UE. A UE, em larga medida, já hoje é uma casca vazia. Os sinais são vários.

Adeus prosperidade, adeus paz

Desde logo, é evidente o descalabro económico e político causado pela guerra. As promessas de prosperidade e de paz eterna que alimentaram o “projecto europeu”, irremediavelmente comprometidas, transformaram-se no seu contrário: apelo ao sacrifício material e mentalização para a guerra.

Mesmo não havendo, por enquanto, uma opinião pública disposta a bater-se pelo fim do conflito, a pioria visível das condições de vida, o receio de alastramento da guerra, a pressão para o aumento das despesas militares, a ameaça às políticas sociais europeias que tudo isto encerra alarmam as populações. 

Estes têm sido motivos suficientes para que governos como o da Hungria ou da Eslováquia (membros da UE) ou da Sérvia (candidata à UE) tenham levantado fortes obstáculos às determinações da NATO e da subserviente camarilha dirigente de Bruxelas. Independentemente da cor política de cada um, o que marca a posição destes governos é a tentativa de assumir uma posição soberana face a uma UE enfeudada aos EUA e alheia aos interesses das populações europeias.

Renasce o nacionalismo

Não admira que, de forma mais geral, o nacionalismo (no sentido imediato de reforço de soberania para defesa de interesses nacionais) renasça e ganhe apoio em vários países. Com isto, é o sonho de uma federação europeia, alimentado pelas maiores potências, que cai por terra. Os resultados das recentes eleições para o parlamento europeu mostram um crescimento acentuado daquelas correntes, não apenas em países de segunda linha, mas em potências centrais como a França, a Alemanha, a Itália ou a Holanda. 

Não é apenas o nacionalismo de direita (“populista”, como os barões da UE gostam de dizer, como se fosse crime defender interesses populares!) que encarna essa resistência. O exemplo, embora solitário, da Eslováquia e da Sérvia mostra que o mesmo comportamento pode vir a ser personificado por outras forças políticas. 

O “eixo” quebrado

Mas não apenas o nacionalismo divide a UE. A própria acção directa dos EUA e mesmo das cúpulas da UE se volta contra a pretendida coesão da União. A constituição, em 2016, da Iniciativa dos Três Mares (Báltico, Adriático, Negro), reunindo doze países situados na frente leste da Europa, desde logo se tornou uma arma dos EUA no afrontamento da Rússia – longe dos propósitos anunciados de criação de uma mera “cooperação em questões económicas”. 

Os três países bálticos, a Polónia e a Chéquia, por exemplo, têm sistematicamente tomado posições ultramontanas a respeito da guerra, constituindo pontas de lança da NATO quando é necessário espicaçar outros membros da UE no apoio à Ucrânia, como sucedeu em dada altura com a Alemanha.

A cautela que até certo momento se pôde ver na posição francesa ou alemã a respeito da guerra (por exemplo, nas restrições ao fornecimento de armas) foi gradualmente derrotada pelos falcões da NATO e por forças internas dos próprios países. 

O chamado eixo franco-alemão, apontado como o motor da UE – quer no plano económico, quer no plano da sua definição política – simplesmente já não existe, e o que se vê hoje é uma rasteira disputa entre Macron e Scholz para ganhar os favores dos EUA como seus representantes na Europa. 

A batalha vital do imperialismo

O imperialismo norte-americano trava a sua batalha vital contra a China e a Rússia. Defronta cada vez mais a desconfiança e a oposição dos países do mundo dependente. Não pode dar-se ao luxo de ter aliados inseguros ou que ambicionem seguir uma política movida por interesses próprios; precisa de os ter ferreamente amarrados para os colocar ao serviço do único desígnio que o norteia: travar a queda da sua hegemonia sobre o mundo. 

Neste sentido, estamos a assistir ao processo que levará ao fim do imperialismo formado no pós-guerra tal como o conhecemos até agora.

A submissão de todos os, até aqui, aliados é condição para isso. “Que se foda a UE”, disse Victoria Nuland em 2014 quando comandava o golpe de estado em Kiev. Biden disse praticamente o mesmo quando anunciou publicamente, diante de um chanceler alemão aparvalhado, o fim próximo do North Stream 2. 

Tal submissão, de sentido estratégico, dá-se em todos os campos – económico, político, militar, diplomático – assumindo os contornos de uma ditadura voluntariamente aceite pelos ditos “aliados”. Esta ditadura norte-americana sobre o campo imperialista leva ao inevitável esvaziamento (possivelmente à desagregação) da UE como potência económica e como entidade política.

O fim de uma época

O enfeudamento do capitalismo europeu ao imperialismo norte-americano (algo semelhante se passa a respeito do Japão) tem consequências notáveis. 

a) Aquilo a que se tem chamado a Tríade Imperialista (EUA-UE-Japão) tende a tornar-se um bloco imperialista com uma única cabeça e com uma única estratégia: garantir a sobrevivência da hegemonia norte-americana de que a Europa e o Japão, sem campo para se afirmarem por si próprios, se tornam inteiramente dependentes.

b) Uma certa divisão de tarefas e uma certa divisão de espaços de influência que existiu até recentemente entre os três pólos da Tríade tende a apagar-se em favor de um domínio exclusivo dos EUA. No entanto, o declínio económico e o crescente descrédito político não conferem aos EUA nem tempo nem capacidade para assumir tamanha missão. Os riscos de guerra generalizada crescem na medida em que o imperialismo norte-americano, confiado no seu potencial militar, possa tentar correr contra o tempo numa fuga para a frente.

c) O corte de relações comerciais com a Rússia, nomeadamente a perda das suas fontes de energia barata, sujeita a Europa à condição de cliente obrigatório dos EUA a preços muito mais elevados. No imediato, isto representa um óptimo negócio para as companhias norte-americanas, mas, a prazo, quer dizer que o capitalismo ocidental, todo ele, vai ficando privado de recursos do resto do mundo, muito mais abundantes e baratos – na rapina dos quais, lembremos, se baseia a sua condição de capitalismo imperialista. Se a isto se juntar a demarcação comercial com a China, como pretendem os EUA, e ainda a resistência de países dependentes a cederem os seus recursos como até aqui, será certo que a saúde económica do imperialismo irá de mal a pior.

d) Ao submeterem a UE e a Europa, os EUA ganham um vassalo obediente, mas deixam de ter um aliado com vontade e capacidades próprias. O mesmo se pode dizer a respeito do Japão. Em certo sentido, o imperialismo corta o ramo em que tem estado sentado desde há 80 anos.

e) Perde sentido a ideia de que relações privilegiadas do chamado Terceiro Mundo com a UE poderiam ser alternativa ao domínio dos EUA, o que torna os países dependentes menos propensos a miragens de “neutralidade” nas relações internacionais. Estreita-se o campo para   não-alinhados, tende-se para a divisão do mundo em dois blocos antagónicos.

f) O resto do mundo procura organizar-se por si, fora da órbita imperialista, em função de interesses nacionais ou regionais (BRICS, Organização para a Cooperação de Xangai, associações de âmbito regional) buscando apoio em potências como a China e a Rússia. Este caminho tornou-se possível pelo desenvolvimento industrial ocorrido em muitos dos países ditos subdesenvolvidos, que assim puderam dar passos para sair do atraso ancestral em que foram mantidos pelo colonialismo e pelo imperialismo. A globalização capitalista, impulsionada pelo Ocidente imperialista com o final da guerra-fria, gerou no resto do mundo condições materiais que agora põem em causa o domínio imperialista.

g) A contradição maior do mundo de hoje, entre o imperialismo e os povos dependentes, ganha uma dimensão nunca antes atingida.

Novos desafios para a esquerda

À esquerda anticapitalista depara-se uma situação com novos contornos que ainda há dois-três anos não se colocava. 

Neste momento, na Europa, a oposição às forças no poder é encabeçada pela direita e pela extrema-direita. O nacionalismo que arvoram, no entanto, mostra a estreiteza dos seus propósitos políticos, uma vez que os problemas que se colocam – resultantes das transformações que se dão na própria orgânica do imperialismo, no crescente papel dos países dependentes e na divisão do mundo em dois – não têm solução no âmbito nacional de cada país. 

O êxito da extrema-direita decorre, portanto, de encontrar campo aberto para a sua demagogia nacionalista. Para isto contribui o facto de a esquerda institucional ter desertado da luta anti-imperialista, e de a esquerda anticapitalista não ter nem programa coerente nem presença política para assumir a liderança de um movimento popular, necessariamente inter-nacional, que tome a tarefa em mãos.

A nova realidade aponta para a necessidade de identificar sem reticências o imperialismo norte-americano como o inimigo a combater; de apoiar os povos de todo o mundo sem excepção na sua luta de rejeição do imperialismo; de encarar a UE como um serventuário sem vontade própria destinado a sucumbir sob o mando dos EUA; de combater a ilusão estúpida de querer “reformar”, “renovar” ou “democratizar” uma UE que o próprio interessado, o grande capital monopolista, já não mostra ter meios ou vontade para defender. 

Reerguer a luta popular anticapitalista e anti-imperialista é condição para não dar livre trânsito às forças fascistas, de direita ou burguesas nacionalistas na resistência contra os desmandos de um imperialismo em fim de vida.

 


quarta-feira, 19 de junho de 2024

CRÓNICA (Nº28) DA IIIª GUERRA MUNDIAL: UM ANIMAL É MAIS PERIGOSO SE ESTÁ FERIDO DE MORTE

Os imperialistas estão furiosos; a «ordem emergindo do caos», saiu-lhes furada. Estão como animais feridos de morte, que sabem que vão morrer; batem-se com o desespero de quem já não tem hipóteses de ganhar. 

Mas, repetem a ficção de que Ucrânia pode ganhar aos russos: A OTAN, recentemente, pela voz de Stoltenberg (seu Secretário-geral), reafirmou o compromisso em admitir a Ucrânia como membro da OTAN. 

Só que este país precisava de satisfazer um requisito imprescindível: tinha de vencer a guerra contra os russos. Ora, aqui está um exemplo de hipocrisia e maldade, eternizando o que os dois povos (Ucraniano e Russo) já sofreram. Os próprios estatutos da OTAN proíbem a adesão de um candidato, se este estiver em guerra. Portanto, a OTAN aposta na guerra «eterna» com a Rússia, usando a Ucrânia.

Entretanto, o petrodólar já recebeu a sua sentença de morte. E foi MBS que veio dar a estocada final. Lembrem-se do caquético e servil Biden vir, há um ano atrás, pedinchar ao príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman, que este se juntasse ao embargo do petróleo russo e - ainda por cima - fizesse baixar substancialmente os preços, inundando de petróleo saudita o mercado mundial. 

 https://www.youtube.com/watch?v=IVijYJlMf_8      LENA PETROVA

A «cimeira» da Suíça foi um enorme fiasco e a prova provada da incapacidade dos súbditos do Império em fazerem a política da paz (verdadeira) . Para eles, a paz significa a capitulação da Rússia. Isto não está sequer remotamente dentro dos possíveis. 

Como alguém que «busca encarecidamente a paz», apressaram-se a fazer afronta atrás de afronta, roubando as reservas russas em divisas à guarda dos bancos ocidentais e entregando esses ativos, pertencentes ao povo russo, ao regime criminoso e mafioso de Kiev. 

Não satisfeitos com isso, assumem armar a junta resultante do golpe fascista de 2014, com mísseis de cruzeiro, capazes de alcançar qualquer ponto dentro da Rússia. Para quem quer fazer figura de «pacificador», não está mal, não senhor!  

https://www.youtube.com/watch?v=hJGsRBdFMpA   NEUTRALITY STUDIES

O pânico dos poderes dominando o Ocidente, ou seja, as chefias dos países vassalos do imperialismo e que já foram - no seu tempo - potências de primeira-grandeza, possuidoras de vastos domínios coloniais, mostra como são totalmente desapiedados, em relação à população civil palestiniana, que eles olham como se «não fosse em seu poder parar esses massacres imediatamente». 

Como estão, aliás, muito preocupados com os ucranianos; Têm-se esmerado em prolongar a guerra, uma guerra com zero hipótese do regime de Kiev vencer, com ou sem armas estrangeiras, com ou sem tropas «mercenárias» (militares que despiram a farda, mas que continuam a ser pagos pela OTAN). 

Dizem fontes insuspeitas que, pelo menos, morreram 500 mil soldados ucranianos nesta guerra de atrição («meat grinder» = moedor de carne). 

Muitos mais irão morrer inutilmente, para satisfazer a gula insaciável do complexo militar-industrial (principalmente dos EUA) e não menos insaciável gula de Blackrock, Vanguard, Monsanto e congéneres. Desde o princípio desta guerra, têm sido aqueles, os grandes compradores de terras ucranianas de primeira qualidade, para somar aos seus avultados investimentos em muitas áreas, desde os fundos financeiros aos terrenos agrícolas, nos EUA e um pouco por todo o lado. 



A característica saliente neste fim de império e de novo milénio, é que as guerras imperiais constantes não são lançadas para serem ganhas, são guerras "eternas", ou seja duram muito para melhor encherem os bolsos dos contratadores, das empresas abutres, grandes bancos «sistémicos», fundos de investimento financeiro e, claro está, das fábricas de armamento. Eles sabem que não podem vencer, então vão provocando os seus adversários que entretanto se organizaram.

Como? Como fazem eles o «cerco a 5 dimensões» à hidra imperial?

- Monetária-financeira (divisa dos BRICS usando «blockchain»)

-Desenvolvimento em infraestruturas e tecnologias (BRICS);

-Integração dos sistemas de defesa;

-Aumento da capacidade nas tecnologias de ponta (ex.: semicondutores);

- Trocas comerciais com todo o mundo, numa base de reciprocidade e interesse mútuo.

Face a estas iniciativas estratégicas, o que tem o Ocidente para oferecer?

-Mais neocolonialismo;

-mais «revoluções coloridas»;

-mais ameaça de invasão aos recalcitrantes;

- mais sanções

-mais propaganda

https://strategic-culture.su/news/2024/06/18/hegemon-orders-europe-bet-on-war-and-steal-russia-money/      PEPE ESCOBAR



segunda-feira, 17 de junho de 2024

EROTISMO NA CANÇÃO (Segundas-f. musicais nº5)


Muita gente conhece a canção de Serge Gainsbourg e Jane Birkin «Je t'aime, moi non plus». Tornou-se um enorme êxito comercial e propagou para uma fama ainda maior este par já bastante famoso. Porém, eu não considero que esta canção seja grande coisa, nem do ponto de vista musical, nem do ponto de vista da letra «erótica». O facto de uma letra falar explicitamente de sexo, de ato sexual, não a torna automaticamente merecedora de entrar na categoria de erotismo.
Compare-se com o bolero de Consuelo Velasquez «Besame»(1): Não há dúvida que é uma canção de amor com forte componente erótica (ela explicita somente beijos e abraços)...

Canta Lisa Ono


Bésame


Bésame, 
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Bésame
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte
Perderte después
Quiero tenerte muy cerca
Mirarme en tus ojos
Verte junto a mí
Piensa que talvez mañana
Yo ya estaré lejos
Muy lejos de ti
Bésame,
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Que tengo miedo a perderte, perderte después

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Com efeito, os surrealistas consideravam que era ingrediente fundamental da poesia erótica(2), esse erotismo estar recoberto dum véu, de haver ambiguidade, incerteza, duplicidade de sentido, que tornam o poema, ou peça musical, muito mais interessantes.
O auditor é confrontado com uma sensação análoga à que tem, quando os traços dum rosto são sugeridos, por detrás de um véu.
O contrário ocorre hoje, em particular nas praias, com o rosto e com o corpo todo, não deixando qualquer espaço para a imaginação.
Para os surrealistas, a Arte erótica era sugestão, provocação encoberta, o «dizer sem dizer»(3). Note-se que esta definição não era inspirada por uma moral puritana, antes pelo contrário. Eles, surrealistas, faziam na sua vida uma experimentação permanente, o desregramento sexual era "regra", não havia para eles tabus de qualquer espécie.

Retrato de 1926 por Man Ray

Porém, hoje em dia, se dissermos "erótico", provavelmente as pessoas irão pensar em sexo explícito, em obscenidades, em pornografia. Mas, estas características estão afinal nos antípodas do verdadeiro erotismo.
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(1) A minha versão preferida é a de Cesária Évora, na minha playlist, aqui: Talentos Latino-Americanos
(2) André Breton: « La beauté convulsive sera érotique-voilée, explosante-fixe, magique-circonstancielle ou ne sera pas »
(3) Aliás, é notável o número de artistas plásticas  femininas surrealistas; estas mulheres-artistas desenvolveram sua própria abordagem do erotismo.
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A canção seguinte, «In the mood for love(4)», sugere que ela está nesse estado quando está na presença do seu amado. Mas, quererá isso dizer que «está pronta para fazer amor»? Note-se que não é o que ela diz, realmente. O efeito sugestivo advém da música, lânguida e sensual, que reforça o caráter erótico da canção.
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(4) traduziria por «estou numa onda de amor» ou algo deste género.



Canta Sarah Vaughan


I'm In The Mood For Love 


I'm in the mood for love
Simply because you're near me.
Funny, but when you're near me
I'm in the mood for love.
Heaven is in your eyes
Bright as the stars we're under
Oh! Is it any wonder
I'm in the mood for love?
Why stop to think of whether
This little dream might fade?
We've put our hearts together
Now we are one, I'm not afraid!
If there's a cloud above
If it should rain we'll let it
But for tonight, forget it!
I'm in the mood for love

Compositores: Dorothy Fields / Jimmy Mchugh

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No poema «Pensionnaires», de Verlaine magistralmente posto em música por Léo Ferré, a situação é explícita e tem um pormenor tal, que se compreende quais as atividades a que se entregavam as duas irmãs. Se há um aspeto explícito de atos sexuais, por outro lado, há o contraste (musicalmente sublinhado) da criança no berço, muito contente e entretida, enquanto as duas amigas se entregam a rituais fogosos.
Escolhi-o, porque é, a meu ver, uma obra-prima poética e porque na arte não existem fronteiras estanques, nem regras absolutas: Apesar do aspeto explícito, parece-me algo só ligeiramente transgressivo. A arte do poeta e do músico, conseguem fazer-nos aceitar a letra como sendo erótica, não como pornografia.

Poema de Paul VERLAINE /Música e Canto de Léo Férré:



Pensionnaires

L'une avait quinze ans, l'autre en avait seize ;
Toutes deux dormaient dans la même chambre.
C'était par un soir très lourd de septembre
Frêles, des yeux bleus, des rougeurs de fraise.

Chacune a quitté, pour se mettre à l'aise,
La fine chemise au frais parfum d'ambre.
La plus jeune étend les bras, et se cambre,
Et sa soeur, les mains sur ses seins, la baise,

Puis tombe à genoux, puis devient farouche
Et tumultueuse et folle, et sa bouche
Plonge sous l'or blond, dans les ombres grises ;

Et l'enfant, pendant ce temps-là, recense
Sur ses doigts mignons des valses promises,
Et, rose, sourit avec innocence.


Este poema foi composto na prisão, juntamente com outros poemas eróticos. Veja abaixo a ilustração feita por Jean Berque, que também ilustrou outros poemas do livro «Amies», publicado em vida do autor sob pseudónimo:





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Françoise Hardy, que faleceu recentemente aos 80 anos, deixou-nos algumas das canções mais belas em língua francesa. Ela tinha um modo de cantar extremamente sensual. Além disso, era excelente compositora e letrista. Ninguém fica indiferente à sua beleza e à sua voz. Oiçam (letra em baixo):

Canta Françoise Hardy

A canção «Moi vouloir Toi» (letra e música de Françoise Hardy/ Louis Chedid), celebra o amor físico entre um homem e uma mulher, enquanto o melhor antídoto para descolar das chatices do mundo. Mas como não é explícita, cai dentro da minha definição de erotismo.
MOI VOULOIR TOI
Pour décoller d'la planète
y a des plans plus ou moins nets
comme les piqûres en cachette
l'alcool et les cigarettes
y a des pilules, des tablettes,
des salades sans vinaigrette
moi je suis toujours à la fête
chez toi

pour décoller d'la planète
et s'envoler à perpète
j'ai la meilleure des recettes
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

pour décoller d'la planète
autrement qu'en superjet
qu'en soucoupe ou en navette
en yogi ou en ascète 
pour perdre carrément la tête
sans presser sur une gâchette
exclusif, je regrette
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi



sábado, 15 de junho de 2024

ACORDO DO PETRODÓLAR - DA ARÁBIA SAUDITA COM OS EUA - TERMINOU


 Talvez seja a notícia mais importante do ano de 2024. 

O Reino da Arábia Saudita não renovou o acordo dito do «petrodólar» com os EUA. Como tal, está caducado. Kim Iversen explica os pormenores.