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segunda-feira, 17 de junho de 2024

EROTISMO NA CANÇÃO (Segundas-f. musicais nº5)


Muita gente conhece a canção de Serge Gainsbourg e Jane Birkin «Je t'aime, moi non plus». Tornou-se um enorme êxito comercial e propagou para uma fama ainda maior este par já bastante famoso. Porém, eu não considero que esta canção seja grande coisa, nem do ponto de vista musical, nem do ponto de vista da letra «erótica». O facto de uma letra falar explicitamente de sexo, de ato sexual, não a torna automaticamente merecedora de entrar na categoria de erotismo.
Compare-se com o bolero de Consuelo Velasquez «Besame»(1): Não há dúvida que é uma canção de amor com forte componente erótica (ela explicita somente beijos e abraços)...

Canta Lisa Ono


Bésame


Bésame, 
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Bésame
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte
Perderte después
Quiero tenerte muy cerca
Mirarme en tus ojos
Verte junto a mí
Piensa que talvez mañana
Yo ya estaré lejos
Muy lejos de ti
Bésame,
Bésame mucho
Como si fuera esta noche la última vez
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Bésame
Bésame mucho
Que tengo miedo a perderte, perderte después
Que tengo miedo a perderte, perderte después

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Com efeito, os surrealistas consideravam que era ingrediente fundamental da poesia erótica(2), esse erotismo estar recoberto dum véu, de haver ambiguidade, incerteza, duplicidade de sentido, que tornam o poema, ou peça musical, muito mais interessantes.
O auditor é confrontado com uma sensação análoga à que tem, quando os traços dum rosto são sugeridos, por detrás de um véu.
O contrário ocorre hoje, em particular nas praias, com o rosto e com o corpo todo, não deixando qualquer espaço para a imaginação.
Para os surrealistas, a Arte erótica era sugestão, provocação encoberta, o «dizer sem dizer»(3). Note-se que esta definição não era inspirada por uma moral puritana, antes pelo contrário. Eles, surrealistas, faziam na sua vida uma experimentação permanente, o desregramento sexual era "regra", não havia para eles tabus de qualquer espécie.

Retrato de 1926 por Man Ray

Porém, hoje em dia, se dissermos "erótico", provavelmente as pessoas irão pensar em sexo explícito, em obscenidades, em pornografia. Mas, estas características estão afinal nos antípodas do verdadeiro erotismo.
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(1) A minha versão preferida é a de Cesária Évora, na minha playlist, aqui: Talentos Latino-Americanos
(2) André Breton: « La beauté convulsive sera érotique-voilée, explosante-fixe, magique-circonstancielle ou ne sera pas »
(3) Aliás, é notável o número de artistas plásticas  femininas surrealistas; estas mulheres-artistas desenvolveram sua própria abordagem do erotismo.
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A canção seguinte, «In the mood for love(4)», sugere que ela está nesse estado quando está na presença do seu amado. Mas, quererá isso dizer que «está pronta para fazer amor»? Note-se que não é o que ela diz, realmente. O efeito sugestivo advém da música, lânguida e sensual, que reforça o caráter erótico da canção.
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(4) traduziria por «estou numa onda de amor» ou algo deste género.



Canta Sarah Vaughan


I'm In The Mood For Love 


I'm in the mood for love
Simply because you're near me.
Funny, but when you're near me
I'm in the mood for love.
Heaven is in your eyes
Bright as the stars we're under
Oh! Is it any wonder
I'm in the mood for love?
Why stop to think of whether
This little dream might fade?
We've put our hearts together
Now we are one, I'm not afraid!
If there's a cloud above
If it should rain we'll let it
But for tonight, forget it!
I'm in the mood for love

Compositores: Dorothy Fields / Jimmy Mchugh

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No poema «Pensionnaires», de Verlaine magistralmente posto em música por Léo Ferré, a situação é explícita e tem um pormenor tal, que se compreende quais as atividades a que se entregavam as duas irmãs. Se há um aspeto explícito de atos sexuais, por outro lado, há o contraste (musicalmente sublinhado) da criança no berço, muito contente e entretida, enquanto as duas amigas se entregam a rituais fogosos.
Escolhi-o, porque é, a meu ver, uma obra-prima poética e porque na arte não existem fronteiras estanques, nem regras absolutas: Apesar do aspeto explícito, parece-me algo só ligeiramente transgressivo. A arte do poeta e do músico, conseguem fazer-nos aceitar a letra como sendo erótica, não como pornografia.

Poema de Paul VERLAINE /Música e Canto de Léo Férré:



Pensionnaires

L'une avait quinze ans, l'autre en avait seize ;
Toutes deux dormaient dans la même chambre.
C'était par un soir très lourd de septembre
Frêles, des yeux bleus, des rougeurs de fraise.

Chacune a quitté, pour se mettre à l'aise,
La fine chemise au frais parfum d'ambre.
La plus jeune étend les bras, et se cambre,
Et sa soeur, les mains sur ses seins, la baise,

Puis tombe à genoux, puis devient farouche
Et tumultueuse et folle, et sa bouche
Plonge sous l'or blond, dans les ombres grises ;

Et l'enfant, pendant ce temps-là, recense
Sur ses doigts mignons des valses promises,
Et, rose, sourit avec innocence.


Este poema foi composto na prisão, juntamente com outros poemas eróticos. Veja abaixo a ilustração feita por Jean Berque, que também ilustrou outros poemas do livro «Amies», publicado em vida do autor sob pseudónimo:





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Françoise Hardy, que faleceu recentemente aos 80 anos, deixou-nos algumas das canções mais belas em língua francesa. Ela tinha um modo de cantar extremamente sensual. Além disso, era excelente compositora e letrista. Ninguém fica indiferente à sua beleza e à sua voz. Oiçam (letra em baixo):

Canta Françoise Hardy

A canção «Moi vouloir Toi» (letra e música de Françoise Hardy/ Louis Chedid), celebra o amor físico entre um homem e uma mulher, enquanto o melhor antídoto para descolar das chatices do mundo. Mas como não é explícita, cai dentro da minha definição de erotismo.
MOI VOULOIR TOI
Pour décoller d'la planète
y a des plans plus ou moins nets
comme les piqûres en cachette
l'alcool et les cigarettes
y a des pilules, des tablettes,
des salades sans vinaigrette
moi je suis toujours à la fête
chez toi

pour décoller d'la planète
et s'envoler à perpète
j'ai la meilleure des recettes
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

pour décoller d'la planète
autrement qu'en superjet
qu'en soucoupe ou en navette
en yogi ou en ascète 
pour perdre carrément la tête
sans presser sur une gâchette
exclusif, je regrette
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi

moi vouloir toi
de haut en bas
de bas en haut
sans bas ni haut
sans haut ni bas
moi vouloir toi



quarta-feira, 24 de junho de 2020

LÉO FÉRRÉ - POETA, COMPOSITOR, INTERPRETE

Eis uma lista de canções, musicadas por Léo Férré, quer dos seus próprios poemas, quer de poetas de várias épocas da literatura francesa. 
Esta antologia, partilho-a com os leitores, porque me parece que Léo Férré é tão importante, musical e poeticamente. 
Ele realmente transcende os géneros... popular, erudito? 
... Que significado tem isso, perante uma imaginação e prodigiosa capacidade de jogar com os sons? 
- Talvez seja um dos melhores meios de iniciação à língua francesa, a uma cultura viva e não académica. 

https://www.youtube.com/playlist?list=PLUv1WgIwP9IPTjPI4OwAPya_ijM6lD5X_



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

VERLAINE, FAURÉ ...ET FERRÉ

É verdade que Verlaine foi buscar o título «Romances sans Paroles» a uma célebre recolha de peças de Mendelssohn para piano.
Porém, não me parece que haja muito mais do que uma importação de título, neste caso. 

Pelo contrário, já a atmosfera das três peças de Gabriel Fauré, intituladas do mesmo modo e publicadas posteriormente à recolha de poemas de Paul Verlaine (recolha de poemas agrupados em três partes), se coaduna com a atmosfera de poesias de Verlaine, não apenas de «Romances Sans Paroles», como de outras recolhas. 

O impressionismo musical foi buscar tanto ao impressionismo pictórico quanto aos poetas «parnassianos», do qual Verlaine foi o expoente. 
A musicalidade dos versos de Verlaine inspirou muitos músicos a musicarem os mesmos. 
Se a poesia é toda ela música, não existe, a meu ver, poeta mais musical, em língua francesa. 
                                                         

  Romances sans paroles de G. Fauré                    
                                     

             Green

Voici des fruits, des fleurs, des feuilles et des branches
Et puis voici mon coeur qui ne bat que pour vous. 
Ne le déchirez pas avec vos deux mains blanches
Et qu'à vos yeux si beaux l'humble présent soit doux.

J'arrive tout couvert encore de rosée
Que le vent du matin vient glacer à mon front.
Souffrez que ma fatigue à vos pieds reposée
Rêve des chers instants qui la délasseront.

Sur votre jeune sein laissez rouler ma tête
Toute sonore encore de vos derniers baisers ;
Laissez-la s'apaiser de la bonne tempête,
Et que je dorme un peu puisque vous reposez.



Soleils couchants

Une aube affaiblie
Verse par les champs
La mélancolie
Des soleils couchants.

La mélancolie

Berce de doux chants
Mon coeur qui s'oublie
Aux soleils couchants.

Et d'étranges rêves,

Comme des soleils
Couchants, sur les grèves,
Fantômes vermeils,

Défilent sans trêves,

Défilent, pareils
A de grands soleils
Couchants sur les grèves.








Art poétique



De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.
Il faut aussi que tu n’ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise :
Rien de plus cher que la chanson grise
Ou l’Indécis au Précis se joint.
C’est de beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi ;
C’est par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles !
Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la couleur, rien que la Nuance !
Oh ! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor !
Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine !
Prend l’éloquence et tords-lui son cou !
Tu feras bien, en train d’énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l’on y veille, elle ira jusqu’où ?
Ô qui dira les torts de la Rime !
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d’un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime ?
De la musique encore et toujours !
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à d’autres amours.
Que ton vers soit la bonne aventure
Éparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym…
Et tout le reste est littérature.
                   
                             Léo Ferré chante Verlaine






quinta-feira, 21 de julho de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] COLLOQUE SENTIMENTAL - VERLAINE, FÉRRÉ, JAROUSSKY


                                         

 Dans le vieux parc solitaire et glacé
Deux formes ont tout à l'heure passé. Leurs yeux sont morts et leurs lèvres sont molles, Et l'on entend à peine leurs paroles. Dans le vieux parc solitaire et glacé Deux spectres ont évoqué le passé. - Te souvient-il de notre extase ancienne? - Pourquoi voulez-vous donc qu'il m'en souvienne? - Ton coeur bat-il toujours à mon seul nom? Toujours vois-tu mon âme en rêve? - Non. Ah ! les beaux jours de bonheur indicible Où nous joignions nos bouches ! - C'est possible. - Qu'il était bleu, le ciel, et grand, l'espoir ! - L'espoir a fui, vaincu, vers le ciel noir. Tels ils marchaient dans les avoines folles, Et la nuit seule entendit leurs paroles. Verlaine Les fêtes galantes



Não existem fronteiras para o passado 
Somente as que colocamos no nosso coração 
A música vem-nos banhar 
com sua atmosfera d'encantamento d' eras passadas, 
d' ondas vibrantes, ecos d' épocas doiradas, 
magia da infância, p'ra sempre abandonada...

A minha voz fica embargada 
com o sentido profundo da melodia unida às palavras
 entretecidas do poema em nostálgica e sábia meditação.

Serei náufrago do passado por opção, 
deliberadamente, no presente de banal e infinita chateza... 
prefiro os espectros dum revisitado passado 
que nunca se foi, junto a vultos cimeiros da Arte.