Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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sexta-feira, 17 de novembro de 2023

4 FRAGILIDADES DO IMPÉRIO [parte I]

O poderio imperial americano, que se afirmou a partir da implosão da URSS e do sistema socialista mundial, como poder unipolar dispensador de benesses aos seus aliados/vassalos e guerreando os que considera inimigos, reais ou potenciais, assentou sobre quatro pilares, que são:
1/ sistema monetário
2/ recursos energéticos
3/ poderio militar
4/ média corporativa ou de massas


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PARTE I.



SISTEMA MONETÁRIO

O sistema monetário internacional ainda está baseado no dólar enquanto moeda de reserva e enquanto divisa mais frequente nas transações internacionais (financeiras e comerciais).
Porém, com a ascensão dos BRICS, aumenta a capacidade deste grupo (em breve, com 11 membros) com seus aliados, de comerciar entre si e fazerem acordos de longo prazo (nomeadamente energéticos) usando suas respetivas moedas nacionais, não recorrendo ao dólar.
Afirmei, há algum tempo, que o fim do petrodólar assinalaria o fim do Império americano. Verifico que a minha previsão se está a cumprir.
Quando Nixon (em 15 de Agosto de 19171) decretou unilateralmente o fim da convertibilidade dos dólares em ouro, de facto, traiu o acordo de Bretton Woods. Neste, a conversão dólar/ouro era central. Como resultado dessa medida, a instabilidade apoderou-se dos mercados financeiros, arriscando a quebra do sistema capitalista mundial.
Em 1973, o Rei da Arábia Saudita e Henry Kissinger acordaram um pacto, segundo o qual todo o petróleo comprado a este país seria pago em dólares, exclusivamente. Em contrapartida, os EUA garantiam a segurança do Reino Saudita com fornecimento de armamento, espionagem-informações, diplomacia e intervenção direta, se necessário. Nessa altura, a Arábia Saudita era o principal produtor mundial de petróleo e a OPEP, o cartel petrolífero que os sauditas dominavam. Rapidamente todos os países exportadores de petróleo, grande parte, monarquias do Golfo Pérsico, alinharam-se com a Arábia Saudita, apenas aceitando dólares em pagamento do seu petróleo.
Como ficaram com um excedente enorme de petrodólares em resultado das exportações para todo o mundo, acumularam «Treasuries», ou seja, obrigações do Tesouro americano, financiando assim a dívida dos Estados Unidos. Todos os países que comprassem petróleo tinham de possuir dólares em reserva, ou comprá-los no mercado internacional de divisas.
A partir deste ponto, os EUA passaram a ter défices crónicos, quer no orçamento de Estado, quer nas transações internacionais. Os «défices gémeos», tiveram como consequência que o governo dos EUA podia, sem arriscar um colapso, atribuir somas colossais às despesas militares e às guerras em que estava envolvido, assim como aos programas sociais nos EUA, como meio de neutralizar a agitação social.
Qualquer outro país que levasse a cabo tal política económica e financeira, entraria depressa em insolvência, ou seja, na bancarrota. Mas, os EUA possuíam a moeda de reserva mundial e podiam imprimir todos os dólares que precisavam, sem qualquer correspondência em aumento de produtividade. Depois, esses dólares serviam para pagar as matérias-primas e os produtos industriais importados;  eram absorvidos no mercado mundial. Todos os países, amigos ou hostis, tinham que ter reservas em dólares e comerciar em dólares. De uma forma direta ou indireta, estavam a nutrir o sistema do petrodólar.
O declínio do valor do dólar não é muito visível, superficialmente. Isto, deve-se ao facto de que os mercados de divisas e financeiros preferem adquirir dólares, como «moeda-refúgio», quando o sistema está em crise. Assim, as outras divisas vão descer e os dólares vão subir, na corrida para adquirir dólares e ativos denominados em dólares.
Porém, nos últimos tempos, as quantidades de dólares produzidas têm excedido tudo o que anteriormente tinha sido feito. O resultado, é que a capacidade aquisitiva do dólar (e das outras divisas) diminui  aceleradamente. Isto traduz-se por níveis muito mais elevados de inflação, em relação aos cerca de 2% de inflação, nas duas primeiras décadas do século XXI.
A partir de 2020, houve uma aceleração do «quantitative easing», ou seja, da produção de dólares sem contrapartida na economia real. Por outro lado, intensificou-se a utilização de moedas nacionais em detrimento do dólar, sobretudo, nas trocas e nos acordos de longo prazo entre países dos BRICS.
Nos EUA, a inflação vai ser cada vez maior e isto vai afetar a economia. Está já a acontecer, apesar da FED ter revertido o programa de impressão monetária e faça «quantitative tightening», ou seja,  sobe as taxas de juros, o que aumenta o custo do crédito.
Como os EUA já não possuem produção industrial própria, que lhes permita satisfazer as necessidades internas e atingir o equilíbrio nas contas externas, o único instrumento de que a FED dispõe é irrisório e, mesmo, contraproducente: Aumentar ou reduzir o dinheiro em circulação não vai realmente aumentar ou reduzir o consumo e, muito menos, a produção interna de bens.
Os bens materiais - matérias primas, produtos industriais, alimentos - vão continuar a ser importados do resto do Mundo para os EUA, mas com preços mais elevados, agravando a inflação e arrastando a subida acentuada dos juros, como já se está verificando. As «elites», no Departamento do Tesouro ou na FED, que manipulam as taxas de juro, são incapazes de mudar esta realidade.



RECURSOS ENERGÉTICOS


Nas últimas duas décadas, os EUA começaram a produzir, em grande quantidade, petróleo e gás de xisto, através de fracking. Assim, o seu aprovisionamento em petróleo «convencional», sobretudo, o do Texas que estava já em declínio, foi complementado pelo aumento notável do petróleo produzido «de forma não-convencional». O nível de produção total de petróleo nos EUA acabou por ser semelhante, ou até um pouco maior, ao da Arábia Saudita. Mas isto tem custos muito pesados no ambiente e compromete o futuro. O tempo de vida produtiva dum furo, em zona de xisto, ronda os dois anos. Assim, têm de constantemente fazer novos furos, para manterem o nível de produção. Muitas áreas ficarão totalmente estéreis depois de esgotadas as reservas de petróleo e gás de xisto. A obtenção de petróleo a partir de areias betuminosas, em Alberta (Canadá) e o seu transporte por pipeline para os EUA, também não será solução duradoura e respeitadora do ambiente.
Quanto ao sector das energias renováveis, nota-se que existe muito atraso técnico nos EUA em relação a estas tecnologias. Talvez a única exceção seja a indústria dos automóveis movidos a eletricidade, «EV». Mesmo neste caso, parece que a China está a tomar a dianteira; há indicações disso, tais como as  fábricas e a importância dos investimentos da Tesla na China. Por outro lado, há marcas de automóveis «EV» chinesas nos mercados asiáticos, e que podem conquistar fatias de mercados da Europa e dos EUA.
A rede elétrica nos EUA está decadente e os investimentos em infraestruturas tardam. As empresas privadas de energia elétrica ficam á espera que o Estado ponha a rede em condições, para elas depois operarem com menos custos. Muitas vezes são noticiados «apagões» (falhas gerais de energia elétrica), em cidades e regiões dos EUA. São devidos ao estado vetusto dos sistemas transportadores de energia elétrica e à sobrecarga destes. Não vejo que haja vontade política para solucionar o problema. Nos EUA, há um défice enorme de intervenção estatal, para satisfazer as necessidades coletivas.
Uma fragilidade de que se fala muito pouco, é do enriquecimento de urânio para as centrais nucleares americanas; este enriquecimento faz-se ... na Rússia! Não se compreende como é que eles irão operar as suas centrais nucleares se a Rússia, em retorsão dos roubos (de ouro, de contas bancárias...) e sanções brutais a que tem sido sujeita, decidir parar o fornecimento do urânio enriquecido.
Um outro sintoma claro da fragilidade dos EUA no setor energético é o facto de quererem retomar o «business as usual» com a Venezuela de Maduro. Isto, depois de terem feito tudo para o derrubar. Apesar da elevada produção global e de serem exportadores, os EUA têm défice  de petróleos «pesados» (do tipo dos petróleos venezuelanos), enquanto têm excedentes de petróleos «leves», resultantes da exploração do xisto.
O aprovisionamento da frota dos EUA no Mediterrâneo em apoio a Israel, neste momento experimenta dificuldades logísticas, de que se fala pouco. Os porta-aviões e os vários navios da marinha de guerra têm de ser abastecidos em  combustível nos portos de Itália do mar Adriático, tendo de fazer um constante vai-e-vem entre as costas de Israel e as do Adriático.
Também o roubo do petróleo sírio desde há vários anos, é outro caso sintomático. Os americanos instalaram-se em território sírio, com o pretexto de apoiar guerrilhas curdas que eles enquadram, subsidiam e treinam. O roubo do petróleo sírio foi inicialmente beneficiar pessoalmente o filho de Erdogan, presidente da Turquia. Agora, fala-se menos disso, mas continua a ser contrabandeado e vendido a baixo preço. Além de ir para a guerrilha curda e para Al-Quaeda, o dinheiro obtido com esse contrabando serve para a manutenção de cerca de dois mil soldados americanos estacionados em bases ilegais, na Síria. Há vários antecedentes, em relação ao comportamento predatório do poder imperial dos EUA: Quando ataca uma nação e a ocupa, costuma pôr os recursos petrolíferos a render, para custear as operações de ocupação militar. Veja-se o caso do Iraque, assim como o da Líbia.

sábado, 1 de abril de 2023

Inflação: o imposto oculto

 Não existe ainda uma consciência na generalidade das pessoas, sobre o modo como o Estado obtém o financiamento para as despesas que faz. Teoricamente, ele funcionaria com o dinheiro dos impostos. Mas, é fácil constatar que ele gasta muito mais do que recebe e, ainda por cima, tem despesa que não está inscrita no Orçamento de Estado.

Como é que os Estados se mantêm, muitas vezes com défices orçamentais que se avolumam de ano para ano?

Existem vários mecanismos que levam a um aumento da receita de imposto, sem que isso se torne muito óbvio para a generalidade das pessoas. Assim, se houver um aumento geral dos preços, todos os produtos que têm o imposto de valor acrescentado (IVA) aumentam na mesma proporção. Dirão: mas o valor maior cobrado vai cobrir as maiores despesas do Estado, portanto em termos líquidos, não é propriamente um aumento.

- Certo, só que as despesas do Estado são, numa grande fatia, despesas fixas ou que pouco aumentam: Estou  a referir-me a despesa com ordenados dos funcionários e agentes do Estado, assim como as pensões de reforma e invalidez. Estas despesas deveriam aumentar na devida proporção do aumento do custo de vida, mas tal não acontece nunca. Um funcionário público, ou um pensionista do Estado, terão mais alguns euros no seu ordenado ou pensão, mas de forma nenhuma tais aumentos atingem o valor que corresponderia à inflação.

Além do mais, o índice de inflação não é objetivamente avaliado. Desta forma, o Estado não tem de desembolsar tanto como seria o caso, se a inflação fosse avaliada corretamente. Se o verdadeiro índice de inflação for de 12 % ao ano, o «cozinhado» que fazem com as estatísticas poderá dar um índice (falso) de 8%. Nestas circunstâncias, não apenas o Estado desembolsa menos 4% com ordenados e pensões, como vai buscar mais na receita do IVA. 

Em geral, o Estado, sobretudo quando estiver em défice, cobre as despesas emitindo obrigações do Tesouro,  títulos de dívida que vencem a prazos de 2, 5 ou 10 anos, por exemplo. Nesse intervalo, o Estado vai dar um juro fixo. Se nesse intervalo de tempo houver uma inflação maior do que a taxa de juro fixo, o Estado vai pagar menos (em valor real) pelo empréstimo feito: nominalmente é a mesma coisa mas, tanto o principal da obrigação, como o juro a ela associado, terão menor valor real (menos capacidade aquisitiva). 

Os Estados do Euro, têm sido «premiados» com a compra automática das obrigações que colocam no mercado e que não encontraram comprador,  pois o BCE (Banco Central Europeu) comprometeu-se a comprar todos os títulos do Tesouro dos Estados aderentes ao Euro. Então, os juros foram baixando para estas obrigações, até ao ponto em que Estados muito débeis, em termos financeiros, como Portugal, tinham um juro associado a sua dívida semelhante, ou mesmo inferior, a Estados com melhor situação económica e financeira. Assim, Portugal estava obrigado a pagar juros da dívida no valor (por hipótese) de 3% em média durante um longo período, mas semelhante juro era o de obrigações estatais de países com muito melhor situação global. Era como se os compradores da dívida portuguesa aceitassem adquiri-la, embora o valor real das obrigações fosse muito menor. 

Com efeito, o valor de uma obrigação é tanto maior quanto mais baixo for o seu juro. Isto reflete o cálculo do mercado sobre os riscos que correm os compradores de - ao fim do tempo definido - não receberem pagamento do principal (situação de bancarrota do Estado), ou de haver interrupção temporária no pagamento dos juros, ou outro tipo de incumprimento. Nestas circunstâncias, o apoio sistemático do BCE através da compra de obrigações dos Estados mais débeis, reflete-se a vários níveis: Estes empréstimos têm comprador garantido, com juro mais baixo e com menor despesa nos orçamentos públicos desses Estados (Os juros da dívida pública são obrigatoriamente inscritos no orçamento de Estado).  

Os ordenados e pensões são sistematicamente depreciados: o seu «ajuste» é feito tardiamente, num intervalo que pode ser dum ano; é baseado num índice oficial de inflação fictício; nalguns casos, provoca o aumento no imposto (IRS), por mudança  de escalão, o que anula o pequeno aumento recebido. 

Os grandes capitalistas também aproveitam a inflação em seu favor. Não apenas nos ordenados que têm de pagar; mesmo aumentando-os, estes terão menos valor, em termos relativos. Eles «antecipam» as subidas de preços, colocando a mesma mercadoria, cuja compra foi ao «preço antigo», com preço inflacionado ou aumentando a margem de lucro porque decidem vender a um preço muito maior que a inflação, que eles próprios sofreram no processo de fabrico.  

Em Portugal, o Estado não tem verdadeiros motivos para se preocupar muito com a subida dos preços, até certo ponto. O ponto crítico é a capacidade da população em suportar uma forte descida do seu nível de vida. Esta descida pode significar a caída na pobreza extrema, para alguns, e o empobrecimento relativo para a imensa maioria. Penso que a generalidade das pessoas estaria de acordo que, em Portugal, o bem-estar económico tem diminuído para a grande maioria, desde há alguns anos, sobretudo desde há cerca de ano e meio, com o agravamento da inflação.

Há perdas acentuadas nos pequenos comércios e nos serviços, que são as empresas mais criticamente dependentes da retração brusca da clientela. Muitos têm de abrir falência, outros têm de reduzir pessoal para fazer face ao novo contexto. Esta concentração favorece os grandes grupos, por exemplo os hipermercados, ao eliminar a concorrência do pequeno comércio de bairro.  

Por fim, a injustiça desta taxa, ou imposto oculto, ressalta se verificarmos que as pessoas pobres, ou com rendimentos médios-baixos, têm como principal despesa a alimentação (e outras necessidades quotidianas): A inflação é sempre mais acentuada neste item. Ora, os ricos têm, proporcionalmente às despesas, muito menos impacto, com o aumento dos preços da alimentação:  A alimentação pode representar uns 60% do rendimento, numa família pobre e somente 20% numa família rica. 


Alimentos subiram 20% na UE, num ano.


domingo, 27 de novembro de 2022

DÍVIDA PÚBLICA DE PORTUGAL, ALGUNS DADOS ESTATÍSTICOS

 

Dívida Pública Portuguesa
Crescimento em espiral desde há 20 anos 
Valor da dívida pública em 27/11/2022:
                       309 171 508 215 € 


Juros da dívida, por ano 
 9 045 028 729€ 
                        por segundo 287€ 
Dívida pública por cidadão 29 802€ 
Dívida em % percentagem do PIB 154.73%
PIB de Portugal 199 809 976 417€ 
População de Portugal 10 374 289


COMENTÁRIO

A dívida pública portuguesa é monstruosa face às capacidades produtivas do país, isto é, a dívida é essencialmente incobrável. No mesmo plano, na Eurozona, estão a Grécia, a Espanha e a Itália. Não nos equivoquemos: O desenho do euro foi, desde o início, destinado a manter sob domínio alemão os países do Sul da Europa e permitiu 20 anos de superavit da economia alemã, enquanto as economias mais frágeis da Europa ou estavam em  recessão, ou mantinham o seu PIB ligeiramente positivo, devido a manipulações das estatísticas. 
Assim, agora que o Euro está «na agonia», as economias dos países mais fracos do euro vão ter de pagar a fatura, com aquilo que tiverem. Vai ser um fartote de privatização das últimas empresas públicas, isto é, sua venda ao desbarato, como modo de diminuir o enorme défice, que se foi avolumando nestes 20 e poucos anos de existência do Euro. 
Mas, a espiral descendente vai continuar, pois as pessoas vão ficar cada vez mais pobres, pelo que não poderá haver consumo suficiente para arrancar o país da estagnação económica, por mais sacrifícios que a população seja obrigada a fazer.
Os políticos e os barões da finança portuguesa sabem isto muito melhor que nós; têm mantido o rumo catastrófico da economia; são eles os beneficiários desta enorme burla (conjuntamente com seus congéneres da UE).
É para mim inacreditável que o povo continue a votar neles (os políticos em causa) e a confiar-lhes as suas parcas poupanças (os banqueiros ladrões)! 

sábado, 17 de setembro de 2022

A GRANDE ARMADILHA DA FINANÇA

                       A armadilha da finança, com computador e isco de dólares gratuitos 


Quando estamos a presenciar, nas bolsas, um movimento em alta (mercado altista ou «bull market»), na realidade, estamos a presenciar um movimento de descida do dólar e das restantes divisas ocidentais. O paradoxo é fácil de explicar: Sabemos que o dinheiro «fiat», não é mais do que crédito, do que dívida. Essa dívida é tanto mais procurada quanto os países emissores da referida dívida sejam considerados seguros, no que respeita a assumirem os seus compromissos. Ora, ninguém pode ignorar que os EUA e Europa estão a viver, há muito tempo, numa bolha artificial causada pelos respetivos bancos centrais. O volume da dívida é avassalador e, essencialmente, incobrável: Considera-se ser incobrável, quando atinge valores da ordem de 100% do PIB. Hoje, no Ocidente, existem vários Estados endividados a 130% ou mais do PIB. As obrigações soberanas de ambos os lados do Atlântico têm de subir, pois há cada vez menos investidores (são sobretudo institucionais: bancos, fundos de pensões, hedge funds) que desejem tomar essa dívida dos Estados. Os Estados têm pois que subir os juros oferecidos, sem o que não conseguirão compradores para sua dívida.

                                       

Não é a quantidade irrisória do aumento da taxa de juro de referência da FED (ou do ECB) que vai mudar algo substancial. Na realidade, o aumento dos juros de referência dos bancos centrais segue sempre a tendência altista dos juros no mercado geral de obrigações (que inclui as obrigações de empresas).
Estamos perante um dilema impossível de resolução. Porque, sendo a dívida pública (e privada) tão elevada, havendo obrigação de inscrever nas contas públicas dos Estados os juros das obrigações que emitiram, é evidente que se chegou ao ponto onde já não se pode manter esta situação com o simples «renovo» («roulement») da dívida, ou seja, pagar dívidas que chegam a termo, com empréstimos frescamente obtidos.
Existe uma acumulação de dívida. Ela vai subindo de forma praticamente contínua, dada a degradação da situação económica em geral (crise devida à desindustrialização no Ocidente). Além disso, há circunstâncias particulares (crise do COVID, guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia) que surgem, fazendo com que os governos despejem a rodos mais e mais euros ou dólares. Com isso, estão a adiar, no melhor dos casos (e podem até apressar), o colapso inscrito não «nos astros», mas nos factos económicos puros e duros. Nunca uma crise da dívida poderá ser resolvida com a acumulação de mais dívida.
Se o valor de uma moeda é realmente correspondente àquilo que uma determinada unidade dessa mesma moeda consegue comprar, então o dólar e todas as moedas «fiat» existentes têm perdido valor. A inflação não deve ser vista como fenómeno de «aumento dos preços» das mercadorias, mas como perda da capacidade aquisitiva da divisa. Assim, os que têm um rendimento fixo - sejam assalariados, ou pensionistas - vão perdendo o seu poder de compra de maneira acelerada, pois - geralmente - não possuem suficiente força para obrigar os patrões a fazer os ajustamentos devidos aos montantes de seus salários e pensões. Mas, para o Estado e para os grandes capitalistas que são, em geral, grandes devedores, a inflação é uma benesse pois, graças a ela, o que realmente terão de pagar, quer em juros, quer o montante próprio da dívida, vai representar cada vez menos em valor real, até se tornar irrisório.
Em todos os casos, as divisas fiat vão sempre diminuindo de valor: umas vezes, de modo suave e dificilmente quantificável e outras, de modo brusco, aquando de crises económicas (como agora).
Mas, no Ocidente, a classe política e os governos estão exclusivamente interessados no curto prazo. Eles fazem o raciocínio seguinte:
- os eleitores têm de estar contentes e satisfeitos no curto prazo;
- assim, irão votar em nós e manter-nos no poder nas próximas eleições;
- no curto prazo, a injeção de dinheiro na «economia» (= nos bancos e nas bolsas) irá criar uma «sensação de crescimento»;
- o estado real da economia deve ser camuflado, para evitar o descontentamento popular;
- os défices das contas públicas vão-se aprofundando, mas a dívida só será paga pelas gerações futuras, quando nós tivermos morrido, ou quando estivermos reformados.
A «economia da dívida» gera um enorme travão ao crescimento autêntico e induz à estagnação, porque implica  um desinvestimento no que seja inovador e produtivo. O que os Estados têm feito, essencialmente, é uma gestão cosmética das finanças, para poderem agradar aos eleitores. Claro que isto também agrada muito aos grandes capitalistas financeiros, que sabem obter vantagens da situação, mesmo quando se lamentam na comunicação social.
Assim, entrámos num período de «stagflation» (inflação com estagnação), ou seja, temos o pior dos dois mundos. Porém, esta situação não se irá manter por muito tempo. É praticamente uma certeza, que se irá entrar - não a longo prazo - numa espiral hiperinflacionária.
A situação da economia mundial é não previsível, no curto prazo; mas, nas suas grandes linhas, há coisas que são certas. Considera a seguinte metáfora: Não há maneira de sabermos exatamente o trajeto duma bola, quando atirada ao ar; mas, todos os trajetos possíveis estão condicionados pela gravidade e, portanto, sabemos que a bola irá acabar por cair no chão.
O mundo financeiro não é nada sem a economia real. A finança é uma espécie de parasita da economia real e consegue sugar muita energia e produtividade, causando prejuízo à sociedade, em geral, aos que trabalham, que investem o seu esforço e criatividade.
Porém, as pessoas são atraídas para o casino das bolsas, para o lucro sem esforço e sem contribuir com algo (além do dinheiro, que é somente um símbolo). Como todo o mundo da finança, as bolsas, as atividades especulativas, não criam - em si mesmas - nem «um grama de valor».
Então, de onde vêm os grandes lucros gerados? Eles têm de vir de algum lado: por um lado, foram arrancados a muitos ingénuos que foram atraídos pelo casino bolsista e ficaram depenados. Mas, a maior quantidade de valor foi desviada, roubada do nosso bolso e sob os nossos olhos:
- Desde as isenções fiscais aos muito ricos e às grandes empresas, até às «privatizações», ou seja, o roubo organizado ao património das empresas públicas, pago durante gerações com os nossos impostos. As «joias da coroa» do setor público, são empresas do Estado, que dão lucro garantido ou que, potencialmente, poderão fazê-lo.
O Estado fica com as empresas não rentáveis. Mesmo o governo mais favorável aos interesses privados aceita isto. Compreende que é essencial manter a funcionar esses serviços, para a própria sobrevivência da sociedade e do Estado. O interesse dos capitalistas numa privatização deste tipo de empresa estatal é muito baixo: Só pode ser estimulado com a garantia de benesses constantes, da parte do Estado, que assim torna «rentáveis», empresas que não têm, ou deixaram de ter rentabilidade. Pense-se no caso dos caminhos-de-ferro: A rede ferroviária, pouco ou nada rentável, é dificilmente privatizável. Mesmo quando há privatização, é frequente ser parcial. Os carris continuam a pertencer a uma empresa estatal, enquanto os comboios, incluindo os de alta velocidade, são privados ou pertencem a parcerias público-privadas.
Mas, para voltar ao tema deste artigo: A finança está interessada em extrair valores seguros de empresas dos setores industriais, estatais, ou do imobiliário*. Ela sabe quais são os investimentos que terão um bom valor, após o «Reset», ou seja, após a queda programada das moedas que conhecemos, a sua colocação fora de circulação e a instauração da moeda digital sob controlo dos bancos centrais.
Para se capitalizar ao máximo, a alta finança tem atraído os capitais pertencentes a pessoas da classe média, que irão perder o seu património, com a vã esperança de se tornarem «ricas». O jogo é portanto de predação, só que esta não se traduz em guerras diretas (até agora...) entre imperialistas; haverá, quanto muito, guerras por procuração. Sob capa da crise financeira e das outras crises, trata-se duma guerra aos pobres: «Não terás nada e serás feliz». Mas, o que Klaus Schwab e seus epígonos não nos dizem, é que os super-ricos, caso triunfe o tal «Great Reset», irão ficar com tudo. Tendo em conta esta tomada de controlo económica, pode-se facilmente prever quais os seus reflexos políticos: Seria o advento dum totalitarismo planetário.
Felizmente, o fiasco do neoliberalismo** é cada vez mais notório; não consegue mobilizar o entusiasmo dos povos. Mas, como os muito ricos malthusianos têm grande poder de influência, graças à media e aos governos (que eles compraram), não se deve «baixar a guarda», mas expor o mais possível as manobras desta oligarquia para que ela fique cada vez mais isolada.

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(*) Não é por acaso que os fundos financeiros Blackrock e Vanguard (gigantes mundiais) se tornaram nos maiores proprietários de imobiliário para arrendamento, nos EUA. Nem que Bill Gates se tenha (recentemente) transformado no maior proprietário de terrenos agrícolas nos EUA. 
(**) O lema do neoliberalismo é o seguinte: «privatização dos lucros, socialização dos prejuízos»