Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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sexta-feira, 17 de novembro de 2023

4 FRAGILIDADES DO IMPÉRIO [parte I]

O poderio imperial americano, que se afirmou a partir da implosão da URSS e do sistema socialista mundial, como poder unipolar dispensador de benesses aos seus aliados/vassalos e guerreando os que considera inimigos, reais ou potenciais, assentou sobre quatro pilares, que são:
1/ sistema monetário
2/ recursos energéticos
3/ poderio militar
4/ média corporativa ou de massas


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PARTE I.



SISTEMA MONETÁRIO

O sistema monetário internacional ainda está baseado no dólar enquanto moeda de reserva e enquanto divisa mais frequente nas transações internacionais (financeiras e comerciais).
Porém, com a ascensão dos BRICS, aumenta a capacidade deste grupo (em breve, com 11 membros) com seus aliados, de comerciar entre si e fazerem acordos de longo prazo (nomeadamente energéticos) usando suas respetivas moedas nacionais, não recorrendo ao dólar.
Afirmei, há algum tempo, que o fim do petrodólar assinalaria o fim do Império americano. Verifico que a minha previsão se está a cumprir.
Quando Nixon (em 15 de Agosto de 19171) decretou unilateralmente o fim da convertibilidade dos dólares em ouro, de facto, traiu o acordo de Bretton Woods. Neste, a conversão dólar/ouro era central. Como resultado dessa medida, a instabilidade apoderou-se dos mercados financeiros, arriscando a quebra do sistema capitalista mundial.
Em 1973, o Rei da Arábia Saudita e Henry Kissinger acordaram um pacto, segundo o qual todo o petróleo comprado a este país seria pago em dólares, exclusivamente. Em contrapartida, os EUA garantiam a segurança do Reino Saudita com fornecimento de armamento, espionagem-informações, diplomacia e intervenção direta, se necessário. Nessa altura, a Arábia Saudita era o principal produtor mundial de petróleo e a OPEP, o cartel petrolífero que os sauditas dominavam. Rapidamente todos os países exportadores de petróleo, grande parte, monarquias do Golfo Pérsico, alinharam-se com a Arábia Saudita, apenas aceitando dólares em pagamento do seu petróleo.
Como ficaram com um excedente enorme de petrodólares em resultado das exportações para todo o mundo, acumularam «Treasuries», ou seja, obrigações do Tesouro americano, financiando assim a dívida dos Estados Unidos. Todos os países que comprassem petróleo tinham de possuir dólares em reserva, ou comprá-los no mercado internacional de divisas.
A partir deste ponto, os EUA passaram a ter défices crónicos, quer no orçamento de Estado, quer nas transações internacionais. Os «défices gémeos», tiveram como consequência que o governo dos EUA podia, sem arriscar um colapso, atribuir somas colossais às despesas militares e às guerras em que estava envolvido, assim como aos programas sociais nos EUA, como meio de neutralizar a agitação social.
Qualquer outro país que levasse a cabo tal política económica e financeira, entraria depressa em insolvência, ou seja, na bancarrota. Mas, os EUA possuíam a moeda de reserva mundial e podiam imprimir todos os dólares que precisavam, sem qualquer correspondência em aumento de produtividade. Depois, esses dólares serviam para pagar as matérias-primas e os produtos industriais importados;  eram absorvidos no mercado mundial. Todos os países, amigos ou hostis, tinham que ter reservas em dólares e comerciar em dólares. De uma forma direta ou indireta, estavam a nutrir o sistema do petrodólar.
O declínio do valor do dólar não é muito visível, superficialmente. Isto, deve-se ao facto de que os mercados de divisas e financeiros preferem adquirir dólares, como «moeda-refúgio», quando o sistema está em crise. Assim, as outras divisas vão descer e os dólares vão subir, na corrida para adquirir dólares e ativos denominados em dólares.
Porém, nos últimos tempos, as quantidades de dólares produzidas têm excedido tudo o que anteriormente tinha sido feito. O resultado, é que a capacidade aquisitiva do dólar (e das outras divisas) diminui  aceleradamente. Isto traduz-se por níveis muito mais elevados de inflação, em relação aos cerca de 2% de inflação, nas duas primeiras décadas do século XXI.
A partir de 2020, houve uma aceleração do «quantitative easing», ou seja, da produção de dólares sem contrapartida na economia real. Por outro lado, intensificou-se a utilização de moedas nacionais em detrimento do dólar, sobretudo, nas trocas e nos acordos de longo prazo entre países dos BRICS.
Nos EUA, a inflação vai ser cada vez maior e isto vai afetar a economia. Está já a acontecer, apesar da FED ter revertido o programa de impressão monetária e faça «quantitative tightening», ou seja,  sobe as taxas de juros, o que aumenta o custo do crédito.
Como os EUA já não possuem produção industrial própria, que lhes permita satisfazer as necessidades internas e atingir o equilíbrio nas contas externas, o único instrumento de que a FED dispõe é irrisório e, mesmo, contraproducente: Aumentar ou reduzir o dinheiro em circulação não vai realmente aumentar ou reduzir o consumo e, muito menos, a produção interna de bens.
Os bens materiais - matérias primas, produtos industriais, alimentos - vão continuar a ser importados do resto do Mundo para os EUA, mas com preços mais elevados, agravando a inflação e arrastando a subida acentuada dos juros, como já se está verificando. As «elites», no Departamento do Tesouro ou na FED, que manipulam as taxas de juro, são incapazes de mudar esta realidade.



RECURSOS ENERGÉTICOS


Nas últimas duas décadas, os EUA começaram a produzir, em grande quantidade, petróleo e gás de xisto, através de fracking. Assim, o seu aprovisionamento em petróleo «convencional», sobretudo, o do Texas que estava já em declínio, foi complementado pelo aumento notável do petróleo produzido «de forma não-convencional». O nível de produção total de petróleo nos EUA acabou por ser semelhante, ou até um pouco maior, ao da Arábia Saudita. Mas isto tem custos muito pesados no ambiente e compromete o futuro. O tempo de vida produtiva dum furo, em zona de xisto, ronda os dois anos. Assim, têm de constantemente fazer novos furos, para manterem o nível de produção. Muitas áreas ficarão totalmente estéreis depois de esgotadas as reservas de petróleo e gás de xisto. A obtenção de petróleo a partir de areias betuminosas, em Alberta (Canadá) e o seu transporte por pipeline para os EUA, também não será solução duradoura e respeitadora do ambiente.
Quanto ao sector das energias renováveis, nota-se que existe muito atraso técnico nos EUA em relação a estas tecnologias. Talvez a única exceção seja a indústria dos automóveis movidos a eletricidade, «EV». Mesmo neste caso, parece que a China está a tomar a dianteira; há indicações disso, tais como as  fábricas e a importância dos investimentos da Tesla na China. Por outro lado, há marcas de automóveis «EV» chinesas nos mercados asiáticos, e que podem conquistar fatias de mercados da Europa e dos EUA.
A rede elétrica nos EUA está decadente e os investimentos em infraestruturas tardam. As empresas privadas de energia elétrica ficam á espera que o Estado ponha a rede em condições, para elas depois operarem com menos custos. Muitas vezes são noticiados «apagões» (falhas gerais de energia elétrica), em cidades e regiões dos EUA. São devidos ao estado vetusto dos sistemas transportadores de energia elétrica e à sobrecarga destes. Não vejo que haja vontade política para solucionar o problema. Nos EUA, há um défice enorme de intervenção estatal, para satisfazer as necessidades coletivas.
Uma fragilidade de que se fala muito pouco, é do enriquecimento de urânio para as centrais nucleares americanas; este enriquecimento faz-se ... na Rússia! Não se compreende como é que eles irão operar as suas centrais nucleares se a Rússia, em retorsão dos roubos (de ouro, de contas bancárias...) e sanções brutais a que tem sido sujeita, decidir parar o fornecimento do urânio enriquecido.
Um outro sintoma claro da fragilidade dos EUA no setor energético é o facto de quererem retomar o «business as usual» com a Venezuela de Maduro. Isto, depois de terem feito tudo para o derrubar. Apesar da elevada produção global e de serem exportadores, os EUA têm défice  de petróleos «pesados» (do tipo dos petróleos venezuelanos), enquanto têm excedentes de petróleos «leves», resultantes da exploração do xisto.
O aprovisionamento da frota dos EUA no Mediterrâneo em apoio a Israel, neste momento experimenta dificuldades logísticas, de que se fala pouco. Os porta-aviões e os vários navios da marinha de guerra têm de ser abastecidos em  combustível nos portos de Itália do mar Adriático, tendo de fazer um constante vai-e-vem entre as costas de Israel e as do Adriático.
Também o roubo do petróleo sírio desde há vários anos, é outro caso sintomático. Os americanos instalaram-se em território sírio, com o pretexto de apoiar guerrilhas curdas que eles enquadram, subsidiam e treinam. O roubo do petróleo sírio foi inicialmente beneficiar pessoalmente o filho de Erdogan, presidente da Turquia. Agora, fala-se menos disso, mas continua a ser contrabandeado e vendido a baixo preço. Além de ir para a guerrilha curda e para Al-Quaeda, o dinheiro obtido com esse contrabando serve para a manutenção de cerca de dois mil soldados americanos estacionados em bases ilegais, na Síria. Há vários antecedentes, em relação ao comportamento predatório do poder imperial dos EUA: Quando ataca uma nação e a ocupa, costuma pôr os recursos petrolíferos a render, para custear as operações de ocupação militar. Veja-se o caso do Iraque, assim como o da Líbia.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A DESDOLARIZAÇÃO JÁ TEM EFEITOS TANGÍVEIS

                


Que relação poderá existir entre:
- a recente crise de liquidez no mercado «ovenight» ou REPO* que obrigou a intervenção da FED, acorrendo com centenas de biliões, para garantir que este mercado se mantinha líquido,
- a intensa venda de treasuries (obrigações do tesouro americano) por parte de competidores mundiais dos EUA, como Rússia e China, 
- a aceitação de moedas outras que não o dólar em pagamento do petróleo, por vários países, incluindo certos emiratos do Golfo
-  a existência de uma indústria do petróleo e gás de xisto nos EUA, cuja produção actual ultrapassa a da Arábia Saudita, mas que tem um défice estrutural, pois a obtenção de cada litro desse petróleo faz-se com prejuízo em dólares, apenas colmatado com o constante bombear de dinheiro por Wall Street

Bem, tudo o que está descrito acima tem-se verificado, significando que o petro-dólar está nas suas últimas. Significa também que não tardará o dia em que os produtores de matérias-primas e de produtos industriais torcerão o nariz a pagamentos em dólares e dirão «não aceitamos pagamento com dólares US».
Para que funcione o sistema do petro-dólar, o qual é o fundamento do domínio financeiro dos EUA sobre o mundo, é necessário que haja uma constante demanda de dólares nos mercados. É assim que o dólar mantém a sua cotação, é assim que existem compradores para as obrigações do tesouro denominadas em dólares, etc. 
O sistema do petro-dólar tem funcionado, visto que há uma demanda constante no comércio internacional, nomeadamente por causa da exclusividade de cotação em dólares do petróleo (acordo de 1973 entre Nixon/Kissinger e Arábia Saudita, depois alargado a toda a OPEP).
Mas, ultimamente,  vimos a Rússia desfazer-se das suas reservas, sob forma de «treasuries» (obrigações do tesouro USA), vimos alguns produtores importantes de petróleo como o Irão, a Venezuela e a Rússia a aceitarem outras divisas - que não o dólar - em pagamento do seu «crude». 
Vemos também que a desconfiança de muitos investidores, incluindo gestores de fundos bilionários, em relação ao sistema do dólar tem aumentado e se exprime na compra (publicitada) de ouro e metais preciosos, com o objectivo de salvaguardar valor do capital, em face da crise sistémica vindoura, anunciada por muitos.
Por outro lado, a grande banca, sobretudo nos EUA, está realmente em grandes dificuldades, pois não consegue já ocultar que a sua rentabilidade mergulhou, que está cada vez mais exposta a investimentos tóxicos, nos quais se incluem os derivados, assim como outros investimentos não rentáveis. 
Entre estes, encontra-se a indústria do «fracking». Desde o primeiro dia desta indústria, o seu funcionamento e viabilidade dependia, não tanto da cotação do barril de petróleo ao nível internacional, como da capacidade dos bancos e entidades financeiras, atraírem dinheiro para a financiar. 
Assim, os pequenos investidores e os investidores institucionais (como seguradoras, fundos de pensões, etc...) foram atraídos a investirem numa indústria que nunca foi rentável, que acumulou sempre perdas. No final, os pequenos vão ficar «depenados», salvando-se os grandes magnates...  
Se a FED e o Tesouro (através do seu fundo financeiro de intervenção) precisam de intervir, baixando as taxas de juro, «imprimindo» dólares, comprando «treasuries», isto vai, obviamente, no sentido de aumentar a quantidade de dólares em circulação. Estes dólares não causam inflação, porque são «enterrados» em dois grandes «poços de dinheiro»: 
- as indústrias bélicas e as guerras, directamente ou por intermediários, pelo mundo fora.
- a indústria do fracking nos EUA, que dá a ilusão de uma grande autonomia energética, mas é sustentada de forma artificial pelo constante colectar de «capital fresco», junto dos investidores que procuram uma maior rendibilidade, a todo o custo**.

Por um lado, o dólar não pode estar em excesso nos mercados mundiais, senão ele vai perder cotação, face a outras moedas e face ao ouro.  
Mas, por outro lado, não podem os bancos (nomeadamente os grandes, que estão no centro do mercado REPO ou «overnight») ficar com falta de liquidez. 
A subida dos juros do «overnight» (nalguns casos, atingiu os 10%, quando o valor «normal» era em torno dos 2%) assinala ao mundo que é difícil obter financiamento, que há falta de liquidez (como aconteceu no desencadear da crise de 2007/2008). 
Daí a injecção de centenas de biliões nesse mercado, por parte da FED. Agora, a FED quer servir-se do pretexto de assegurar a liquidez no mercado REPO, para fazer novo QE (Quantative easing) envergonhado.

Esta «engenharia financeira» global, apenas pode funcionar por algum tempo. 
Assim que existam alternativas viáveis ao dólar, tais como as notas de crédito para pagamento de combustíveis em Yuan, é só uma questão de tempo até o mundo reconhecer que o sistema do dólar já não oferece nenhuma garantia, porque seu valor é mantido artificialmente. 
A força bruta, o poder militar, não podem estar em todo o lado, simultaneamente e em força. 
Não pode o Império do Dólar coagir tudo e todos a usarem a sua moeda, quase em exclusivo, nas relações comerciais e financeiras internacionais, como aconteceu no passado, durante largas décadas, nem manter uma hiper-valorização artificial dos «bonds» americanos, com rentabilidade bem acima das dos bonds de  muitos países, cujas obrigações soberanas oferecem um juro menor e, portanto, são menos atraentes para os investidores.
É só uma questão de tempo, até o império do dólar se desmoronar**. 
Pode ser uma experiência muito dolorosa para o mundo, pois os EUA têm tido a habilidade de «exportar» a sua crise para outros parceiros, nomeadamente, o Japão e a UE. 
Outros países, ditos em desenvolvimento, poderão ficar com as suas economias seriamente afectadas. Por exemplo, muitos países endividaram-se em dólares quando o juro dessa dívida era mais atraente e sobretudo  quando o dólar estava «barato» em relação a outras divisas. Depois, o dólar subiu e manteve-se alto, o que obrigou esses países a fazer um esforço maior no pagamento dos juros e do capital em dívida. 

Penso que os bancos centrais de muitas regiões do mundo, não apenas das «super-potências competidoras» China e Rússia, mas também de muitos outros países, incluindo aliados dos EUA, estão a tomar precauções face a uma enorme crise financeira, que está à vista. 
Não é por acaso que os bancos centrais de vários países  alinhados com os EUA e membros da NATO, como a Turquia ou a Polónia, estão a comprar grandes quantidades de ouro; é porque vêem «o que está escrito na parede»...
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Notas:

* O «REPO» é um mercado de empréstimo dos bancos entre si, de curta duração (por isso o termo overnight): um banco pode precisar de liquidez momentaneamente, sendo normalmente oferecido (a juro baixo) o empréstimo necessário, mediante colateral. Este normalmente, o colateral é sob forma de algo com cotação «triplo A» como obrigações do tesouro dos EUA ou equivalente...

**Ler W. Engdahl «The New American Oil Empire Built on Sand» em: 

*** Para maior esclarecimento, pode-se consultar o recente vídeo de entrevista de Greg Hunter a Rob Kirby: 
https://www.youtube.com/watch?v=xAF6_9_WS8g&t=1227s