A TEMPESTADE PERFEITA
Tela a óleo de Turner* Tempestade de Neve no Mar
[PARTES ANTERIORES DA SÉRIE: VI ; VII ; VIII ; IX ; X ; XI ; XII ; XIII ]
A TEMPESTADE PERFEITA
Tela a óleo de Turner* Tempestade de Neve no Mar
[PARTES ANTERIORES DA SÉRIE: VI ; VII ; VIII ; IX ; X ; XI ; XII ; XIII ]
É melhor ficar sentado
e esperar que a loucura passe
àqueles que se agitam, ao luar de néon
Apenas reflectem os espectros
que habitam seu interior
Descurei viver demasiado tempo
agora contemplo pensativo
este mundo sem sentido
que não nos foi ofertado
Talvez um dia viaje de novo
apesar de saber que a Terra
é redonda e se move
igual a si própria, no vazio
Mas que me importa
se for para resgatar o sonho,
uma vez mais, das aves
agoirentas que pairam
no ar?
15- OUTONO NO MEU JARDIM
O Outono chegou pontualmente ao meu jardim. O Sol entre nuvens, lança tímido, um ou outro raio. Sua luz aquece, sem porém secar as folhas das árvores e plantas.
Os astros, indiferentes, olham para a Terra
Desde suas órbitas e dialogam uns com os outros.
Na conversa, ritmada pelos rodopios dos planetas,
Lançam, entre si, meteoros, ondas magnéticas.
Assim, trocam argumentos e pontos de vista
E, que dizem eles:
- Nada mais cómico do que ver a humanidade, estas formigas que se tomam por deuses: Estão tão convencidas da sua importância, que julgam que nós existimos para eles e suas paixões! Estão convencidos que os nossos percursos no espaço são apenas sinais de aquilo que os preocupa!
- É realmente cómico verificar que esta espécie, incompletamente amadurecida, tem constantes atitudes de total irracionalidade e - no entanto - se autointitulam de «animais racionais».
- Mas, não se fica por aí pois, no meio das desgraças, ainda tem energia para fabricar narrativas míticas onde deuses (nós!) se iriam imiscuir nas suas vidas de térmitas, de formigas, de bactérias...
- A sua soberba não tem paralelo, a não ser com a sua parcialidade. Consoante estejam a favor ou contra alguma nação, ou algum grupo dentro dela, designarão tal grupo ou nação de «bom» ou «mau», «justo» ou «pecador», «progressivo» ou «reaccionário». Enfim, seus juízos são sempre absurdos e sem qualquer justiça.
- Gostam de revestir-se dos mantos da legalidade e das leis. Deste modo, com esses mantos ilusórios, designam o «bode expiatório», do momento. Graças essa capa, vão cometendo os piores massacres e barbaridades, sempre com boa consciência.
- Não aprendem nada, pois vão repetindo até ao infinito as piores travessuras e os erros mais graves, cometidos ao longo da sua história. Têm conhecimento do passado, conhecem mesmo as causas das suas desgraças passadas. Mas têm uma doença estranha - amnésia social e colectiva. Basta uma geração, para que repitam os mesmíssimos erros do passado, que conhecem e às suas nefastas consequências.
- Que erijam alguns de sua tribo em profetas salvadores, nas suas variadas religiões, não surpreende por aí além. O que surpreende é que façam tudo para transgredir os ensinamentos e mandamentos das mesmas, e dos seus profetas respectivos. Então, que sentido faz adorarem esses profetas, esses ditos mensageiros dos deuses ...
Assim dialogam entre si os Corpos Astrais que sulcam o Cosmos, deveras divertidos com a grotesca farsa que os humanos representam, milénio após milénio, atribuindo as «culpas» aos astros, aos deuses ou às «forças malignas»!
Claro, eles próprios, humanos, causam suas desgraças, seus fracassos e infortúnios; mas a sua vaidade e egoísmo tem de os «isentar» - a todo o custo - de se verem eles próprios ao espelho de sua consciência!!!
Murtal, Parede, 25 de Dezembro de 2020
Dias estranhos vieram e parece que vão ficar. Mais dia, menos dia, as coisas mudarão, sim. Mas, entretanto, o tempo passa e nada daquilo por que ansiámos se realiza.
18- Quando eu estiver a fazer barro
Quando eu estiver a fazer barro
Sim, que resta de tudo o que este corpo desejou
Quando eu estiver num diálogo com os vermes
Que amor se acalenta ou se acabou?
Estamos sempre escutando aquela voz
Que nos diz sermos eternos
Porém, da vida eterna descremos
Não há coerência, nem senso
As coisas transitórias eu amo
Na sua transitoriedade,
A sua fugaz aparência
Não me ilude, mas encanta
Assim somos feitos, como sempre
Sem qualquer renúncia a tomar
O que é efémero, por eterno
E o eterno, menos que um sopro
Vogue eu, venhas tu,
Acordados neste sonho, para
Mais viajarmos em voo
Não de asa, mas de vento
Só nos cantos obscuros da mente
Encontro aquele fio de lã
Que nos dá o discernimento
De Ariadne nos Infernos
O resto é como uma barca,
Que se toma sonhando, no Verão
E as gaivotas deslizam audazes
Junto dos nossos mastros
Navego pelo sonho como pela vida
Sem distinguir, não vá eu acordar
Numa terra desconhecida
Acordar sim, mas no outro lado,
Naquele sereno céu estrelado
19 - LIBERDADE MINHA
21- PALAVRAS QUE SE EVADEM DO PRESÍDIO
Assim começa a história, assim se compõe a vida; somente um sopro de vela na vela da despedida
Como saber o que seria, se não fosses -tu- presença do quotidiano?
Sonhar outros mundos: assim se escapa da realidade, se esquece - por instantes - o olhar impiedoso do espelho.
Vou sinceramente procurar ser como um bicho, um animal que sente e reage e não pensa; não pensa, isto é... pensa, mas com as células todas do corpo.
Numa manhã de nevoeiro, imaginei-me a caminhar pela beira-mar. Não sei o que lá fazia; nem porquê. Apenas a brisa recolhia, que me beijava os lábios e os cabelos.
Sonho secreto dum eu que não se manifesta, que se esconde numa toca, uma doninha ou um coelho. Como viver, afinal? Respeitando o animal secreto, deixando-o tranquilo, lá na sua toca? Sim, sem dúvida!
Se tu não existisses, o mundo seria totalmente diferente; seria muito diferente, porque a tua existência é um facto indelével da realidade; é uma realidade indelével do real; sem ti, o mundo não seria o mesmo; porque o mundo precisa de ti, tanto como tu precisas do mundo. Com isto, não deves orgulhar-te nem encolher-te. Deves aceitar o facto, como um simples constatar de que a equação matemática está correta.
Oiço o teu respirar no silêncio da noite: é como se ouvisse a minha respiração... é a minha respiração.
22- ODE À MÚSICA ETERNA
Música, que nos comunicas calor na escuridão dos tempos,
Dás vida e desejo de prosseguir, em plena luz e d'alma inteira
Quero te adorar e te beber como criatura eternamente no Éden.
Sem ti, a sensaborona mediocridade arrastaria tudo para o abismo.
Imerso em ti, oceano sem limite, o espírito ressalta, retemperado.
Espontâneo, instintivo, o que desmascara o sorriso?
Desmascara o ser por detrás da máscara,
Com ou sem ela, tanto faz;
Estou satisfeito pelo contacto humano que revelas
Não te conhecia há instantes
Agora, levo-te comigo
Desconhecido velhote,
Ou desconhecida empregada de balcão,
Desconhecido miúdo de sacola às costas,
Ou senhora anónima passeando o cão.
Afinal, não estou sozinho, no mundo; há pessoas
Que sorriem, que devolvem os meus sorrisos.
São pessoas, não são robots, são pessoas sensíveis
Ao contrário de tecnocratas e sociopatas, embora
Estes também sejam homens e mulheres
Que também foram menino ou menina,
Completamente inocente.
O que lhes terão feito para serem soldados
No exército devorador das nossas vidas?
Assim vai o mundo. Mas só, isolado, eu não estou!
Desafio as pessoas a sorrirem-me, a falarem-me,
Convido-as a não terem medo umas das outras.
Querem um antídoto para o vírus mortífero
Da estupidez?
Aqui têm: Sorrir...
Sentirmos que somos humanos,
Que a simpatia para connosco
E de nós para com os outros
Nos faz viver e ter esperança.
24- SONHOS QUE SÓ EU SONHEI
Emergi do sonho, ainda estonteado pela vertiginosa corrida, que fizera na dimensão onírica, onde tudo é possível e onde nada é aquilo que parece.
A pouco e pouco, as imagens maravilhosas esfumam-se.
Viro-me para o outro lado, na cama. Mas o sonho foi-se, nada o poderá fazer regressar.
Ficou-me o sabor a insólito, a sensação de segunda vida, o quarto secreto que se fecha quando voltamos ao quotidiano banal.
As respostas que tanto ansiava, tardavam em chegar, e os dias iam passando.
Só as noites eram minhas, e dormindo acordava no reino onde outra vida - forte - desabrochava.
Tudo o que me interessava estava para além do racional, da experiência sensível comum.
Mas não buscava o esotérico, nem sensações estranhas, ou visões alucinogénias.
Estava à beira de desvendar um grande mistério, não havia ponto de referência nesse oceano cósmico
Em suspensão durante o dia, em que todas as tarefas se repetiam sem surpresa, levantava voo nas asas do sonho
Realmente, não é demasiado difícil vogar assim.
Exercitava manter o equilíbrio entre o sonho e o real, naqueles instantes quando se está prestes a acordar
Agia por intuição, não de forma deliberada. O que me atraía?
Um mundo onde as coisas e pessoas se moviam, comunicavam, de forma semelhante à nossa realidade «vulgar».
Porém, nada era vulgar, nele. Tudo se revestia duma solene e tranquila sabedoria.
Eu emergia dessas viagens imóveis, inspirado, pousando lúcido olhar sobre os meus problemas diurnos.
Pelo sonho, vinha-me a chave para a melhor forma de enfrentar a vida.
Se isto tudo é ilusório, se é real, não sei!
Serão descargas de neurónios cerebrais, ou reflexo de universos paralelos, onde nos movemos? Não sei!
Possuo esta fonte de beleza, de sabedoria e de força anímica dentro de mim, e conto com ela.
Não quero - nunca me passou pela cabeça - domá-la, mas estou grato por ela zelar por mim,
À Deusa Cósmica, que desce em silêncio, que se manifesta no sonho e se despede de mim, quando estou semiacordado.
25 - MEDITAÇÃO, OUVINDO CHOPIN
26 - AS MONTANHAS DA LUA
através da janela mais bem situada
o espetáculo sempre renovado
da natureza não desnaturada
que sempre me dá razão de viver
As montanhas da Lua
erguem-se maciças, tranquilas
com um relevo semelhante
à Deusa reclinada e esquecida
Ela veste-se de Sol e nuvens
de escuras nuvens de tempestade
ou de suave manto branco
pelas secretas encostas desenrolado
É para junto dela que vou procurar
a frescura do arvoredo, no Verão
a cálida fermentação foliar
no Outono, o uivo do vento
nas árvores, no Inverno
na Primavera, pérolas d' orvalho
irisadas nas verdes ervas
Sempre esteja eu próximo de ti
Deusa-Natureza, do oceano
à terra, dos astros à montanha
27 - TESTAMENTO
Não quero morrer sem escrever um testamento.
- Mas, afinal, já não tenho dúvidas, nenhumas, desde que vi a manjedoura,
as palhinhas onde repousou o Salvador
e nos disse:
«Aqui estou, entre vós
Humilde e humano
Sem mal ou astúcia
Enviado pelo nosso Pai
Que vós, meus irmãos,
Escutais ou esqueceis,
Mas que não adorais,
Não seguis, nem amais!»
Mais, não me disse Ele.
Fechou-se o pedaço de céu aberto, na grisalha de Dezembro.
Paciente vou caminhando.
O Tempo Novo virá, Ele nos prometeu!
29- Desejo de azul
(Murtal, Parede, Jan. 2017)