quinta-feira, 2 de outubro de 2025

EMMANUEL TODD: «a Europa é agora uma colónia dos EUA»


 Jeff Rich, o historiador australiano de «Burning Archive», analisa uma entrevista dada em francês por Emmanuel Todd (historiador e demógrafo), que tem a característica da clareza e da visão no longo prazo, embora enraízada no presente.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

A «LÓGICA» DA GUERRA




A «lógica» da guerra não é muito complicada de se perceber. Mas, para tal, é necessário fazer tábua rasa dos argumentos sobre «quem fez isto, quem fez aquilo» e deixar de se atribuir responsabilidades, consoante as simpatias ou antipatias pessoais, ideológicas e outras.

Com efeito, a guerra é um encadeamento de atos preparados meticulosamente, determinados pelos poderes, que estão convencidos de que precisam dessa guerra para chegar aos seus fins. Só que estes fins nunca são claros, nem são enunciados de forma que permita ao comum dos mortais entender o que se passa. O processo atual da guerra está relacionado, como sempre, com uma disputa pela hegemonia. Antes, a hegemonia era relativa a um espaço limitado geograficamente. Mas, a partir da 1ª Guerra Mundial, de forma reeiterada com a 2ª Guerra Mundial e desde então, com a chamada «Guerra Fria», tratava-se de um jogo global, destinado a obter o controlo dos principais recursos do planeta, ou seja, alcançar  a hegemonia mundial. 

Nos dias de hoje, a hegemonia que esteve nas mãos dos EUA e seus aliados/vassalos da OTAN, durante algum tempo (desde 1991 até à primeira década do século XXI), tem sido posta em causa. Tal controlo tem escapado cada vez mais aos ocidentais. Antes, muitos deles possuíram colónias ou eram senhores de países neo-coloniais.

Tem-se registado a perda de influência no comércio mundial, dos países do «Ocidente» e o aumento de utilização de divisas próprias pelo Sul Global, neste comércio e destronando o dólar. No desenvolvimento industrial e na capacidade de inovar em domínios de ponta, os países formando o «coração» dos BRICS, têm mostrado o seu dinamismo. Este tem sido tal, que exercem uma atração sobre os múltiplos países do «Sul Global». Surge a esperança de um contexto internacional mais equilibrado. Um sem número de fatores mostram que o Sul Global e os BRICS são uma força económica e estratégica em ascenção e que o chamado Ocidente, está em decadência, em colapso mesmo, a julgar pelas revoltas que se multiplicam. 

Tipicamente, nos países cujos governos estão ameaçados, a oligarquia que os domina transforma as leis e dispositivos legais, reforça os instrumentos de repressão, de modo a que a cólera dos descontentes não se transforme em insurreição. Para guardarem as aparências, vão impor estas restrições com um pretexto, que é o mesmo, desde sempre: O inimigo externo, os agentes de subversão a soldo desse inimigo externo, a necessidade de mais despesas militares e de cortes nos orçamentos sociais, para fazer face à ameaça (que pode ser puro delírio) .

A UE, sob a batuta de Ursula Von der Leyen, está em estado de quase ruptura; certas oligarquias nacionais não estão dispostas a «ir para o fundo com o navio» e já começaram a criticar as medidas tomadas pela presidente (não eleita) da Comissão Europeia. 

As sondagens de opinião mostram que os povos não têm confiança nos seus líderes; sabem que têm sido utilizados como rebanho de ovelhas, sujeitos a lavagem ao cérebro, sobre «os maus dos russos, o terrível Putin, etc.» 

A guerra é a saída para a oligarquia eurocrática, porque assim poderá impor as restrições que quiser às liberdades e ao funcionamento das instituições nos seus países, poderá espremer ainda mais os trabalhadores e a classe média, para obter os fundos necessários para as forças armadas. Terá um meio muito prático para calar quem discorde destas medidas, acusando essas pessoas de serem agentes do inimigo, traidores que merecem a condenação à morte. Deste modo, será fácil intimidar os que, não estando de acordo com as políticas, não se sintam dispostos a desempenhar o papel de mártires. 

Nós todos podemos saber qual o momento em que uma dada guerra é desencadeada. Penso que todas as pessoas atentas concordam que as palavras de guerra estão em todas as bocas dos responsáveis políticos europeus.  Mas, ninguém pode prever quando uma guerra, seja ela qual for, irá terminar. 

As consequências mais terríveis duma guerra são para os pobres, para os trabalhadores, para as pessoas que não contribuíram para o estado de coisas presente. Por isso, é justo que a guerra - em si mesma- seja criminalizada: Os que a desencadeiam ficam nas suas poltronas, gabinetes, salas de imprensa, a fazer o papel de «chefes de guerra», como se fossem eles a lutar no campo de batalha. Entretanto, no verdadeiro campo de batalha (e fora dele, em «danos colaterais» envolvendo os não-combatentes), as pessoas são mortas, feridas, feitas em pedaços, mas pouco ou nada se fala delas; só para lhes dirigir palavras ocas de agradecimento, quando elas deram o que tinham de mais precioso, a própria vida. 

Não existe guerra justa, porque as guerras são fabricadas pelas oligarquias e destinam-se a ter os súbditos bem controlados. Os pretextos ideológicos, políticos, económicos, etc. são apenas pretextos. As somas gastas na guerra não servem para produzir mais riqueza, só servem para armas e munições e estas, ou ficam armazenadas, ou são utilizadas. Neste segundo caso, vão causar mais destruição de vidas e do que foi construído por gerações de trabalhadores pacíficos. Nenhum país pode melhorar sua economia com o chamado «Keynesianismo de guerra». É uma forma de levar as pessoas a acreditar que a guerra possa fazer sentido económico. Mas isto é uma enorme falácia!


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Relacionado:


PS1:

Veja o vídeo de 09 de Outubro de 2025 e repare como os factos relatados confirmam o que eu disse no artigo acima.


PS2: Leia o artigo abaixo, que nos dá a medida da evolução de um «Estado de Direito, democrático» para um «Estado de Excepção, totalitário»
https://www.rt.com/news/626425-eu-russia-war-scare/


PS3:

Prof. Jeffrey Sachs https://youtu.be/6-M2u6xMoGk?si=x8IwgUAjwbXc0-T3

XUEFEI YANG - «Canção de Inverno» de Baden Powell



 A impecável interpretação de Xuefei, põe em evidência o lirismo e a maturidade da composição de Baden Powell. Uma grande interprete da China, para um grande compositor do Brasil!

NOTA: CONSULTAR AQUI um artigo dedicado a Baden Powell

sábado, 27 de setembro de 2025

TODA A EVOLUÇÃO HUMANA TERÁ DE SER REESCRITA?










A origem dos Denisovanos e do Homo longi, estaria revelada num fóssil de crânio com um milhão de anos, encontrado em Yunxian. Este, teria vivido 400 mil anos mais cedo do que se pensava ser a bifurcação entre neandertais e homens «modernos». 
Além disso, também a origem da nossa linhagem poderá ser razoavelmente considerada como estando na Ásia e não em África, como era consenso geral, até há pouco tempo. 
Mas, a revolução na cronologia das formas ancestrais não se fica por aqui: Estudos recentes, reavaliando a datação de fósseis da Sima de los Huesos (Espanha), situam-nos anteriormente aos primeiros neandertais: Isto implica que a divergência entre neandertais e homens «modernos»  é necessariamente anterior à idade dos referidos fósseis da Sima de los Huesos. Se a emergência acima referida dos neandertais foi há cerca de 800 mil anos, a divergência entre linhagens conducentes ao «homem moderno» e aos neandertais, deve ter sido - no mínimo - há um milhão de anos.
Assim, a linhagem específica produtora dos H. sapiens, tem uma profundidade insuspeitada e que põe em causa um conjunto de relações filogenéticas do género Homo.
Estas descobertas recentes revelam igualmente a profundidade doutras linhagens, mais  diversas e mais antigas do que inicialmente postulado.
Estas evidências reforçam a nossa visão da evolução humana seguindo um «padrão arbustivo». Muitos ramos desenvolveram-se em paralelo, havendo introgressões (cruzamentos entre espécies diferentes mas próximas) e migrações numa enorme área geográfica (África e o continente Euro-asiático). 
 O facto de hoje haver apenas uma espécie humana, tem muito a ver com o acaso, visto que numerosas espécies aparentadas connosco viveram e prosperaram antes e durante a presença de H. sapiens.



Relacionado:







Algumas leis monetárias que todos devíamos saber

 


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

APOSTILA - «SE EU PUDESSE VOAR...» [Obras de Manuel Banet]



Se eu pudesse voar, levantava voo

De cada vez que troassem os céus;

Que reflexos metálicos, meus olhos

Subitamente captassem.

Não deixaria nem pluma

Nos pavimentos de sangue

Mental escorrendo dos carrascos.

Nem hesitaria procurar

Abrigo nas sombras do arvoredo

Certo de que a sombra é aliada

Quando o Sol ilumina

Infâmias, traições e cobardias




Se eu pudesse voar

Estaria numa ilha deserta

Junto dos meus semelhantes.

Com eles, mesmo doutras espécies,

Faria como que uma sociedade,

Mas nunca poderia integrar

As tropas de rapinadores

Só procurando destruição

Só interessados em sangue




Se eu pudesse voar

Não iria nunca descer

Aos antros das hienas

Em que se rasgam as carnes

Pelo prazer da destruição.

Ficaria junto de minhas gentes

Aladas, sobrevoando cidades

Campos, colinas e rios

...

Ah, se eu pudesse voar!





quarta-feira, 24 de setembro de 2025

ENDOGAMIA E EVOLUÇÃO


A ideia muito divulgada de que os cruzamentos consanguíneos terão necessariamente como resultado o enfraquecimento das gerações futuras, é muito simplista e pode até induzir-nos em grave erro.

Primeiro, a existência de um par de alelos idênticos num indivíduo, só é problemática se estes forem de genes causadores de deficiência. No caso contrário, com genes alelos idênticos e «normais», ou seja, perfeitamente funcionais, esta homozigotia não deve apresentar problemas, nem para os seus portadores, nem para a descendência.

Só assim se compreende a existência de animais perfeitamente viáveis, seleccionados pelo homem, portadores de características próprias (as raças artificiais), que resultam de séculos de «apuramento», ou seja, da rejeição dos genes não-conformes ao padrão desejado e da reprodução selectiva dos animais portadores dos genes desejados. Se houvesse problemas graves resultantes da homozigotia numa extensa parte do genoma, estes animais não seriam viáveis, ou seriam de tal maneira frágeis, que não serviriam os propósitos dos criadores.

Num ambiente natural, pequenas populações isoladas não terão outro modo de subsistir e de perpetuar-se, senão através de cruzamentos consanguíneos, numa percentagem mais ou menos elevada. 
O conceito de especiação por «genetic drift» implica que a população isolada, possuíndo determinado conjunto de genes, irá cruzar-se entre si (endogamia), originando assim uma nova espécie, se o isolamento desta população for por tempo suficiente.
No caso da espécie humana (e englobando aqui os homininos que antecederam, ou viveram em simultâneo com Homo sapiens), a estrutura das populações seria de pequenos bandos isolados, em extensos territórios. Por vezes, dois bandos encontravam-se e haveria trocas, incluindo «noivos e noivas» de um bando que passavam para o outro, sendo automaticamente adoptados como novos membros do bando de acolhimento.

Deve ter sido tal norma que proporcionou encontros fecundos entre humanos modernos e neandertais, entre denisovanos e neandertais e entre homens modernos e denisovanos. Os estudos com ADN antigo mostram a existência de híbridos, assim como a integração, no genoma antigo, de pedaços de ADN mais ou menos extensos, vindos doutra(s) espécie(s).

O que é notável, neste caso, é que os genes conservados não sejam ao acaso. Isto significa que havia um certo grau de incompatibilidade genética entre estes híbridos. 
Nos humanos modernos, verifica-se a exclusão de certos conjuntos de genes de origem neandertal, por exemplo, os relacionados com funções reprodutoras.
Mas, outros genes de origem neandertal, conferindo imunidade, ou da cor da pele, do cabelo, dos olhos, etc, foram conservados. As populações euroasiáticas atuais contêm de 1 a 4% de ADN de origem neandertal, individualmente; mas, no seu conjunto, cerca de 40% do genoma neandertal está representado na população humana contemporânea. Isto quer dizer que houve uma selecção positiva para certos genes neandertais e uma exclusão por incompatibilidade, para outros genes da referida espécie, no ambiente genético prevalecente nos humanos (sapiens).

De qualquer maneira, duvido da tese segundo a qual os neandertais se terão extingido por excessiva endogamia. 
De facto, tanto os neandertais como os humanos modernos (sapiens) atravessaram fases extremamente difíceis para sua subsistência, devido ao clima e à escassez de alimentos. Estes fatores causaram um estreitamento dos efetivos populacionais, em populações que - normalmente - já viviam dispersas.

Nestas centenas ou milhares de anos de máximos glaciares, a endogamia seria absolutamente indispensável para dar continuidade à espécie. Nestas condições extremamente rudes, a selecção natural atuava em pleno: Ela excluía as combinações de genes deficitárias,  que incapacitam seu portador, face às rigorosas condições de existência. Se uma característica desfavorável resulta desse(s) gene(s), ele(s) seria(m) excluído(s), não havendo, em geral, oportunidade do seu portador chegar ao estado adulto e reproduzir-se. É a exclusão sistemática dos genes deficientes, que se observa hoje nas populações de animais selvagens. Ela mantém o grau elevado de adaptação destas populações, perante as exigências do ambiente.

Os genomas neandertais têm evidências de introgressões, resultantes de cruzamentos com H. sapiens. Em seguida à reprodução, um mecanismo complexo de exclusão, por incompatibilidade nos híbridos, parece ter existido. Ainda assim, seria necessário dispormos de evidências sólidas de que isto efetivamente aconteceu. Tal mecanismo iria operar segundo o princípio da exclusão dos híbridos (nas duas espécies). É um mecanismo ao nível cromossómico que acaba por levar à separação de populações, parcialmente interférteis, que - ao longo do tempo - foram divergindo, ao ponto dos seus genomas se tornarem incompatíveis em certas sequências. É uma forma de especiação observada em várias espécies, tanto no Reino Animal, como no Reino Vegetal.

A adaptabilidade às variações do ambiente tem sido a característica mais notável do género Homo. De outro modo, como viveriam eles  - originários dos climas tropicais equatoriais de África - durante as eras glaciares, na Europa e na Ásia, em climas semelhantes aos das estepes siberianas de hoje? Sabemos que os humanos (H. sapiens, ou espécies irmãs) estiveram próximos da extinção, em várias ocasiões. Se não houvesse recurso à endogamia, os pequenos grupos iriam extinguir-se e, com eles, seria  a extinção da própria espécie. 
Se a endogamia fosse causadora de extinção, então não haveria descendentes para repovoar o planeta, depois desses tais estrangulamentos populacionais (e sabemos que houve vários).
As causas da extinção dos neandertais (ou dos denisovanos), que foram durante milénios contemporâneos do homem «moderno»,  será sempre um mistério. Haverá evidências que irão favorecer mais uma hipótese, enquanto outras evidências apontam noutra direcção. Mas, os estudos sobre populações animais que, durante várias gerações, praticam endogamia, quer no estado selvagem, quer em cativeiro, não apoiam a tese da extinção por excesso de endogamia.

Creio que a «ciência popular» difundiu uma ideia errada: O incesto é mau porque perpetua «defeitos» genéticos. No fundo, trata-se dum moralismo encoberto por argumentação falsa, vinda da biologia, pois pretende «justificar biologicamente» o tabu do incesto nas sociedades atuais. Mas, querer justificar tais escolhas éticas e comportamentais do homem contemporâneo à custa de argumentos especiosos, não é nem etica, nem cientificamente defensável.