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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

ENDOGAMIA E EVOLUÇÃO


A ideia muito divulgada de que os cruzamentos consanguíneos terão necessariamente como resultado o enfraquecimento das gerações futuras, é muito simplista e pode até induzir-nos em grave erro.

Primeiro, a existência de um par de alelos idênticos num indivíduo, só é problemática se estes forem de genes causadores de deficiência. No caso contrário, com genes alelos idênticos e «normais», ou seja, perfeitamente funcionais, esta homozigotia não deve apresentar problemas, nem para os seus portadores, nem para a descendência.

Só assim se compreende a existência de animais perfeitamente viáveis, seleccionados pelo homem, portadores de características próprias (as raças artificiais), que resultam de séculos de «apuramento», ou seja, da rejeição dos genes não-conformes ao padrão desejado e da reprodução selectiva dos animais portadores dos genes desejados. Se houvesse problemas graves resultantes da homozigotia numa extensa parte do genoma, estes animais não seriam viáveis, ou seriam de tal maneira frágeis, que não serviriam os propósitos dos criadores.

Num ambiente natural, pequenas populações isoladas não terão outro modo de subsistir e de perpetuar-se, senão através de cruzamentos consanguíneos, numa percentagem mais ou menos elevada. 
O conceito de especiação por «genetic drift» implica que a população isolada, possuíndo determinado conjunto de genes, irá cruzar-se entre si (endogamia), originando assim uma nova espécie, se o isolamento desta população for por tempo suficiente.
No caso da espécie humana (e englobando aqui os homininos que antecederam, ou viveram em simultâneo com Homo sapiens), a estrutura das populações seria de pequenos bandos isolados, em extensos territórios. Por vezes, dois bandos encontravam-se e haveria trocas, incluindo «noivos e noivas» de um bando que passavam para o outro, sendo automaticamente adoptados como novos membros do bando de acolhimento.

Deve ter sido tal norma que proporcionou encontros fecundos entre humanos modernos e neandertais, entre denisovanos e neandertais e entre homens modernos e denisovanos. Os estudos com ADN antigo mostram a existência de híbridos, assim como a integração, no genoma antigo, de pedaços de ADN mais ou menos extensos, vindos doutra(s) espécie(s).

O que é notável, neste caso, é que os genes conservados não sejam ao acaso. Isto significa que havia um certo grau de incompatibilidade genética entre estes híbridos. 
Nos humanos modernos, verifica-se a exclusão de certos conjuntos de genes de origem neandertal, por exemplo, os relacionados com funções reprodutoras.
Mas, outros genes de origem neandertal, conferindo imunidade, ou da cor da pele, do cabelo, dos olhos, etc, foram conservados. As populações euroasiáticas atuais contêm de 1 a 4% de ADN de origem neandertal, individualmente; mas, no seu conjunto, cerca de 40% do genoma neandertal está representado na população humana contemporânea. Isto quer dizer que houve uma selecção positiva para certos genes neandertais e uma exclusão por incompatibilidade, para outros genes da referida espécie, no ambiente genético prevalecente nos humanos (sapiens).

De qualquer maneira, duvido da tese segundo a qual os neandertais se terão extingido por excessiva endogamia. 
De facto, tanto os neandertais como os humanos modernos (sapiens) atravessaram fases extremamente difíceis para sua subsistência, devido ao clima e à escassez de alimentos. Estes fatores causaram um estreitamento dos efetivos populacionais, em populações que - normalmente - já viviam dispersas.

Nestas centenas ou milhares de anos de máximos glaciares, a endogamia seria absolutamente indispensável para dar continuidade à espécie. Nestas condições extremamente rudes, a selecção natural atuava em pleno: Ela excluía as combinações de genes deficitárias,  que incapacitam seu portador, face às rigorosas condições de existência. Se uma característica desfavorável resulta desse(s) gene(s), ele(s) seria(m) excluído(s), não havendo, em geral, oportunidade do seu portador chegar ao estado adulto e reproduzir-se. É a exclusão sistemática dos genes deficientes, que se observa hoje nas populações de animais selvagens. Ela mantém o grau elevado de adaptação destas populações, perante as exigências do ambiente.

Os genomas neandertais têm evidências de introgressões, resultantes de cruzamentos com H. sapiens. Em seguida à reprodução, um mecanismo complexo de exclusão, por incompatibilidade nos híbridos, parece ter existido. Ainda assim, seria necessário dispormos de evidências sólidas de que isto efetivamente aconteceu. Tal mecanismo iria operar segundo o princípio da exclusão dos híbridos (nas duas espécies). É um mecanismo ao nível cromossómico que acaba por levar à separação de populações, parcialmente interférteis, que - ao longo do tempo - foram divergindo, ao ponto dos seus genomas se tornarem incompatíveis em certas sequências. É uma forma de especiação observada em várias espécies, tanto no Reino Animal, como no Reino Vegetal.

A adaptabilidade às variações do ambiente tem sido a característica mais notável do género Homo. De outro modo, como viveriam eles  - originários dos climas tropicais equatoriais de África - durante as eras glaciares, na Europa e na Ásia, em climas semelhantes aos das estepes siberianas de hoje? Sabemos que os humanos (H. sapiens, ou espécies irmãs) estiveram próximos da extinção, em várias ocasiões. Se não houvesse recurso à endogamia, os pequenos grupos iriam extinguir-se e, com eles, seria  a extinção da própria espécie. 
Se a endogamia fosse causadora de extinção, então não haveria descendentes para repovoar o planeta, depois desses tais estrangulamentos populacionais (e sabemos que houve vários).
As causas da extinção dos neandertais (ou dos denisovanos), que foram durante milénios contemporâneos do homem «moderno»,  será sempre um mistério. Haverá evidências que irão favorecer mais uma hipótese, enquanto outras evidências apontam noutra direcção. Mas, os estudos sobre populações animais que, durante várias gerações, praticam endogamia, quer no estado selvagem, quer em cativeiro, não apoiam a tese da extinção por excesso de endogamia.

Creio que a «ciência popular» difundiu uma ideia errada: O incesto é mau porque perpetua «defeitos» genéticos. No fundo, trata-se dum moralismo encoberto por argumentação falsa, vinda da biologia, pois pretende «justificar biologicamente» o tabu do incesto nas sociedades atuais. Mas, querer justificar tais escolhas éticas e comportamentais do homem contemporâneo à custa de argumentos especiosos, não é nem etica, nem cientificamente defensável.