Henry Ford terá dito uma vez: «Ainda bem que o povo da nação não percebe o nosso sistema bancário e monetário, porque se percebesse, creio que haveria uma revolução amanhã de manhã»
Por muito complicada que pareça a cena económica e monetária, ela torna-se clara e transparente, se nós nos ativermos aos factos, tendo em conta, também, o vetor principal de qualquer política: o controlo conferido e exercido pelo poder. Isto é tão válido na análise do que se passa na China, como nos EUA, ou em qualquer país, desde uma grande potência, até um pequeno país. No momento atual, aquilo que é o grande cavalo de batalha dos globalistas é a questão das «moedas digitais emitidas por bancos centrais», que eu irei, no seguimento do texto, descrever pela sigla inglesa «CBDC».
A introdução das CBDC tem sido várias vezes anunciada, pelo FMI, pelo BIS, pela FED (EUA) etc., mas de facto, ainda não entrou em vigor em nenhuma das grandes potências ocidentais, nem nos países que estão sob hegemonia americana. De facto, sabemos que a China está muito mais adiantada, neste processo, pois já ensaiou o modelo em algumas províncias, onde milhões de pessoas usaram, durante algum tempo, em exclusivo a moeda digital, ou seja, conectada a contas individuais, sediadas no banco central, que forneciam o «dinheiro/crédito», necessário para todo o tipo de transações.
A não utilização do mesmo processo pelos poderes ocidentais, tem a ver mais com uma razão de ordem tática, do que devido a qualquer dificuldade técnica. Afinal de contas, os CBDC funcionam de modo muito semelhante aos cartões de crédito, os quais estão autorizados a debitar o montante duma despesa à conta bancária do detentor do cartão, para transmitirem essa soma à conta da entidade que forneceu a mercadoria ou serviço. Os CBDC não utilizam (necessariamente) o elemento fundamental das «verdadeiras» cripto-moedas, ou seja, o processo conhecido como «blockchain» [Para melhor esclarecimento sobre o que é a blockchain, ver AQUI].
No desenho das diversas cripto-moedas, a possibilidade de rastrear os movimentos duma soma, fica sob controlo de múltiplas instâncias. Isto torna impossível fazer uma fraude que não seja facilmente detetável, pois a origem e itinerário do dinheiro transacionado, estão - desde logo - completamente esclarecidos. Isto é um fator que aumenta muito a segurança das cripto-moedas, pois torna a fraude quase impossível.
Esta transparência desaparece num processo centralizado. Se bem entendi o desenho dos CBDC dos vários bancos centrais, haverá possibilidade de controlo e de rastrear os movimentos de dada quantia, mas somente pela entidade reguladora. Será impossível o comprador e o vendedor terem acesso a dados que permitem rastrear o itinerário da quantia de dinheiro envolvida, ao passar de uma conta para outra.
Isto não é muito diferente, em termos qualitativos, do «dinheiro eletrónico», que é já usado na grande maioria das transações correntes nos países do Ocidente, desde a compra dum café, à duma casa; hoje em dia, o dinheiro circula sobretudo sob forma eletrónica ou digital. Mas, se um dos intervenientes numa transação pretender verificar o que se passa no trajeto duma dada soma, só o poderá fazer indiretamente, através do banco comercial onde possui a conta ou, em caso de suspeita de ação criminosa, através de ordem judicial, que irá obter a abertura da/s conta/s, para escrutinar os movimentos nelas registadas.
A centralização do CBDC significa, no concreto, que cada conta associada está a ser monitorizada em permanência, para qualquer usuário. Um poderoso dispositivo de vigilância permanente fica assim instalado. Aquilo que os bancos centrais e os governos prometem e dizem é sempre tranquilizador, pois envolve a utilidade destes mecanismos, como potenciar o combate à criminalidade financeira, aos tráficos (de droga, de armas, etc.) e à evasão fiscal. Mas, aquilo que bem poucos sabem e que os poderes não querem que tu saibas, é que cada cidadão, em qualquer situação, tem sua vida devassada, bastando para isso retraçar suas despesas - pequenas ou grandes - que, afinal, traçam um melhor «retrato- robot» e mais completo, sobre quem é: O que faz, como emprega o seu dinheiro, com que frequência faz certas despesas, quais os locais que frequenta, quais as suas deslocações (internas ou ao estrangeiro).
As pessoas ingénuas dizem que não se preocupam muito com isso, «porque nada têm a esconder»: Muito bem, mas o problema surge com maior acuidade, em duas circunstâncias que, aliás, podem estar muito relacionadas: A) Tomada de poder ou deriva autoritária pelo governo: Neste caso, as pessoas adversárias do regime serão facilmente «desmonetizadas», suas contas em CBCD serão suspensas ou canceladas, como forma de punição e para os obrigar a conformarem-se com o poder instalado. Este procedimento não é inédito nas chamadas «democracias ocidentais». Veja-se o caso dos camionistas do Canadá e seus apoiantes: Tiveram as suas contas congeladas, entre outros atos de repressão coletiva e inconstitucional. B) Os governos e bancos centrais passam a ter mais uma forma de manipular o modo como o cidadão gere e gasta o seu «dinheiro digital»: Os mecanismos para desincentivar a compra de certas substâncias (por exemplo, bebidas alcoólicas) e para incentivar a compra de outras (por exemplo, produtos que os poderes desejam que as pessoas consumam em maior quantidade), serão muito simples de efetivar neste sistema digital. Também é possível incentivar a poupança, ou o contrário: se houver caducidade do dinheiro digital presente nos seus porta-moedas eletrónicos, as pessoas irão apressar-se a gastar antes que caduque. Mas, se os poderes querem que as pessoas façam poupança, basta darem um juro (mesmo que pequeno) sobre as somas que as pessoas possuem nos mesmos porta-moedas.
«De um tiro, matam dois coelhos»:
1) Assim, destroem praticamente o valor das cripto-moedas «independentes», ou seja, das não criadas por qualquer Estado. Podem fazer isto, sem necessitar de as ilegalizar. De facto, a grande maioria dos utilizadores atuais de cripto-moeda, limita-se a utilizá-la como veículo especulativo, para fazer crescer sua conta em dólares ou euros, ou em qualquer outra divisa, através dum vai-e-vem, comprando quando a cripto-moeda estiver baixa, para a revender com lucro, quando esta atingir um valor bem acima do preço de compra. Nada diferente, na essência, do que se faz com a compra/venda (trading) das ações ou doutros produtos financeiros.
2) Podem os bancos centrais e governos realizar uma monitorização detalhada, permitindo ajustar o crédito às necessidades da economia, que estará inteiramente nas suas mãos. Controlarão aquilo que os cidadãos são incentivados ou desincentivados a comprar. Isto pode ser feito, não só em relação a gastos de consumo corrente, como nos investimentos em contas-poupança, ações, obrigações, fundos, etc.
Não é necessário recorrer a obras de ficção científica para se imaginar como tencionam moldar a sociedade de amanhã, de acordo com os interesses da aristocracia do dinheiro, um grupo restrito de pessoas que está ao comando de tudo e que, portanto, terá um poder ilimitado sobre todos e cada um de nós.
Não me parece inteligente que as pessoas entreguem a sua liberdade a troco duma ilusória «segurança».
É como o "racket" instituído por um gang mafioso, sobre o comércio duma cidade ou num setor da mesma: Cada comerciante entrega determinada soma («imposto» de proteção) ao grupo mafioso, a troco de não ser inquietado. Todos os que se recusam, veem o seu negócio ir pelos ares, à bomba ou por incêndio. Neste caso, a liberdade de fazermos o que entendermos com o fruto do nosso esforço, do nosso trabalho ou do que recebemos de outrem, está severamente posto em causa: Penso que isto é um perigo muito maior, do que o eventual benefício de tornar mais difícil a fuga ao fisco.
Aliás, a realidade é que essa fuga ao fisco e outras entorses graves à lei e ao bem-estar coletivo, já são correntes, por uma simples razão: Existe uma prática de fechar os olhos e não ser eficaz contra esses crimes e, sobretudo, não atuar sobre contas resultantes desses diversos crimes (corrupção, fuga ao fisco, tráficos diversos, desde tráfico de seres humanos a tráfico de substância ilícitas, etc.).
Os chamados «paraísos fiscais» apenas existem, porque os diversos Estados onde estão situados têm um comportamento muito indulgente, de conivência mesmo, em relação às instituições bancárias e fundos financeiros, onde estão alojadas tais contas. Por outro lado, os países onde ocorre evasão fiscal pouco têm feito, na prática, para reprimir essa criminalidade. Os países onde têm abrigo bancos e instituições financeiras receptoras, "vendem sua soberania" a essas mesmas instituições.
Alguém que tinha um montante elevado, transitoriamente, numa conta à ordem, duma dada instituição bancária, foi abordado por um funcionário da instituição, no sentido de abrir conta numa sucursal «offshore» do mesmo banco, para «gerir» esse capital.
Para perceber o grau de generalidade da história, investiguei um pouco a situação das fugas de capitais em Portugal. Fiquei a saber que todos os bancos (incluindo, o banco comercial propriedade do Estado português, a CGD) possuem sucursais em paraísos fiscais, onde contas de empresas e cidadãos abonados ficam fora de controlo do fisco português. Tudo isso é feito com pleno conhecimento e proveito, tanto da classe empresarial, como política.
Nada nos garante que - com políticos deste quilate - as coisas não se mantenham, ou se agravem, quanto à evasão fiscal e recetação de dinheiro «sujo», uma vez que sejam adotadas as CBCD. Um sistema controlado centralmente, é muito virtuoso ou muito corrompido, dependendo de quem o administra, isto é, de homens e mulheres em lugares estratégicos operacionais, de controlo e decisão.
A privacidade dos cidadãos é um bem precioso, do qual só se reconhece o valor, quando este se perde. É exatamente como com a liberdade: Só se aprecia plenamente o seu valor, quando se é privado dela. Porém, as pessoas são iludidas e o matraquear duma propaganda discreta, dá uma conotação positiva às divisas digitais controladas pelos bancos centrais. Assim, já não aparecem como séria ameaça à autonomia dos indivíduos e à sua liberdade, mas a sua introdução é tornada inócua ou sedutora através de mecanismos de publicidade e de incentivo...
A minha leitura do processo do «Great Reset» é de que se trata de um conjunto de manobras estratégicas da oligarquia globalista, para nos forçar a adotar universalmente estas CBDC. Dentro deste processo, torna-se evidente a lógica da perda constante de valor do «dinheiro-fiat», ou seja do dinheiro corrente que usamos, sejam dólares, euros, yens, libras, etc... Note-se que nos últimos três anos, a quantidade de dinheiro eletrónico «imprimido» foi tal que nenhuma hipótese haverá jamais deste ser absorvido em atividades produtivas. São portanto os bancos centrais e os governos ocidentais que estão deliberadamente a liquidar o valor das suas próprias divisas. Quando eles acharem que o valor destas desceu suficientemente baixo, irão introduzir CBCDs com grande pompa. As pessoas serão incentivadas a «trocarem» o seu dinheiro-papel, que quase não valerá nada, por «valioso dinheiro digital», antes que se feche o prazo. Todas as pessoas irão, a correr, trocar o tal dinheiro «sujo e em papel», que está sempre a valer menos...
Quando isso ocorrer, o «RESET» estará completado no que toca aos aspetos financeiros e monetários. E, a partir daqui, o RESET político e institucional estará praticamente ganho. Pois, que força haverá para se opor eficazmente a um poder hegemónico sobre todos os aspetos da economia, desde os grandes bancos sistémicos, até às compras no dia-a-dia?