A IIIª Guerra Mundial tem sido, desde o início, guerra híbrida e assimétrica, com componentes económicas, de subversão, desestabilização e lavagens ao cérebro, além das operações propriamente militares. Este cenário era bem visível, desde a guerra na Síria para derrubar Assad, ou mesmo, antes disso.
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domingo, 12 de maio de 2024

DIVISA DIGITAL DOS BRICS JÁ FOI ANUNCIADA; RESTA IMPLEMENTÁ-LA

 No domínio da guerra monetária, que se sobrepõe ou coalesce com a guerra financeira, de sanções económicas e de guerra híbrida, com focos de guerra aberta na Ucrânia e em Gaza, sobressai a crescente de-dolarização. 

Este processo carece de explicação para se compreender o significado de uma nova moeda, emitida e garantida pelos BRICS. Com efeito, a existência de uma divisa de um país (os EUA) como detentor da moeda de reserva mundial (o Dólar US) confere a este uma efetiva capacidade de tirar partido (abusivo) deste privilégio. No caso do dólar, o privilégio consistia em que todos os países, fossem eles ricos ou pobres, amigos ou não dos EUA, tinham de possuir em reserva dólares, pois as principais mercadorias, que se têm de negociar ao nível mundial, como combustíveis fósseis ou as matérias-primas estratégicas, são exclusivamente negociadas e transacionadas em dólares. Isto foi permitir que os EUA estivessem - décadas a fio - em défice, nas suas balanças comercial e do orçamento Federal, sem daí ocorrer uma catástrofe em termos de economia interna dos EUA e sem perder a possibilidade de efetuar toda a espécie de trocas comerciais internacionais. Esta situação simplesmente seria inacreditável, para um país - grande ou pequeno - que tivesse muitos anos seguidos de défice comercial e orçamental. Qualquer país, que não os EUA, iria entrar em colapso a breve prazo, pois os capitais internacionais, financeiros e outros, iriam  fugir de qualquer negócio com um país tecnicamente falido. É, porém, exatamente este o estado dos EUA, de bancarrota, com 34 triliões de dívida acumulada*, uma soma astronómica que nunca poderá ser paga no futuro. 

Ora, o dólar não apenas permitiu a situação constante de défice, ou seja, de dívida que se vai acumulando, perante credores internos ou exteriores à economia dos EUA, como foi utilizado pelo poder político como uma arma, como um instrumento de guerra, para efetuar sanções. Estas sanções são atos de guerra económica, sem qualquer legitimidade. Porém, como os EUA são ainda a potência dominante, podem impor a países terceiros que «cumpram com as sanções», ditadas por eles, americanos. Na ausência de cumprimento, eles podem provocar o estrangulamento económico, quando não uma guerra, contra esse país recalcitrante. Este estado de coisas impulsionou muitos países do Terceiro-Mundo a se aproximarem e a pedirem a adesão aos BRICS, pois nestes não existe exigência de conformidade com o poder mais forte, em termos do sistema económico ou político vigentes. Ou seja, um país, ao aderir aos BRICS, pode continuar a economia que tinha antes, o mesmo regime político, as mesmas instituições, sem que isso seja sujeito a interferência de outros membros, nomeadamente, dos mais fortes. 

Por outro lado, a criação de moeda que não seja pertença de nenhum país, como será a dos BRICS, terá como consequência que esta será sobretudo uma intermediária nas trocas, já não necessitando de complexas ponderações entre as divisas do país A e do país B, para determinada transação, ou mesmo, avaliações do valor direto das mercadorias, sendo trocadas sem intermediação de dinheiro, mas com ajustamentos efetuado em metais preciosos, para cobrir o diferencial entre as respetivas divisas desses países. Ambas as modalidades têm sido praticadas, com resultado satisfatório, por países que não desejam estar sujeitos à chantagem do dólar. Com efeito, a troca envolvendo dólares, vai implicar o escrutínio de um banco americano (nomeadamente dos bancos gigantes de Wall Street). Pode, por isso, o poder político dos EUA decretar sanções eficazes (até agora) contra um país (por exemplo, o Irão), pois as trocas, sendo feitas usando o dólar, passam por um processo de controlo e verificação duma empresa financeira americana, situada em solo americano e sob jurisdição americana. 

Agora, o tipo da divisa emitida pelos BRICS, ainda ninguém sabe qual será. Tem-se especulado que será um produto inteiramente digital, com as características de Divisa Digital Emitida por Banco(s) Central(ais); é muito provável que esta divisa seja adossada ao ouro,  a outros metais preciosos, a combustíveis,  e a outras matérias-primas.

A questão da convertibilidade direta em ouro, como existiu no passado, não se irá colocar, creio: Não me parece que os BRICS queiram fazer do ouro (novamente) a garantia de valor das trocas, mesmo que usando uma divisa em papel ou eletrónica, enquanto forma cómoda de substituir o ouro. 

Mas, o que é certo, é que esta nova divisa internacional irá satisfazer uma necessidade ao nível das grandes trocas entre os Estados ou entre organizações públicas ou privadas. Com efeito, as trocas usando o dólar como moeda de reserva estão sujeitas a imprevistos, tanto no domínio geopolítico, como económico: Quando um país faz um acordo em dólares num contrato de longo prazo e a sua divisa nacional se desvaloriza de maneira significativa, em relação ao mesmo dólar, esse contrato pode tornar-se muito desfavorável para este mesmo país. 

Agora, a estabilidade de longo prazo conferida pela nova moeda dos BRICS, irá com certeza minimizar as hipóteses de tal acontecer. Note-se que a flutuação de divisas, duma em relação às outras, não corresponde necessariamente a um melhor desempenho económico do país A, em relação ao país B: Pode muito bem haver contextos que provoquem a descida acentuada de uma divisa, como fatores económicos ou políticos, ou outras circunstâncias no contexto mundial, que escapam largamente ao controlo dos países em causa. 

A existência da nova divisa internacional, embora não assumindo oficialmente o papel de moeda de reserva, irá permitir maior estabilidade nos preços, nos contratos e nas trocas internacionais. Isto, em si mesmo, vai ser muito importante para o desenvolvimento global. Vai haver condições para que as trocas sejam mais favoráveis para os países pobres, que têm como quase único meio de obter divisas a exportação de matérias-primas. 

Não se pode deixar de falar do destino do dólar, neste contexto: O dólar será, provavelmente, mantido como divisa dos EUA e, nesta base, será utilizado e trocado de acordo com as necessidades do mercado: Como os EUA não vão deixar de ter uma dimensão considerável no domínio industrial, comercial e da inovação, não será de espantar que o dólar continue a ser usado numa fatia das trocas financeiras e comerciais internacionais. O que vai ser diferente, é que deixará de haver exclusividade: Já não haverá qualquer «obrigatoriedade» em comprar no mercado internacional, em dólares (a países, que não sejam os EUA) os combustíveis ou  os cereais, etc. 

A libra foi, durante cerca de século e meio (do início do século XIX, a meados do século XX), a moeda de reserva e comercial. Foi destronada pelo dólar, mas continuou a ter um papel nas trocas internacionais. 

A nova divisa dos BRICS não será a «panaceia», mas terá a virtude de permitir que as trocas se efetuem de modo mais equilibrado, que não haja nenhum país capaz de impor sua «lei», só pelo facto de ser emissor da moeda com o papel de reserva mundial. Também haverá maior dinamismo no comércio. Em particular, irá desaparecer a flutuação excessiva entre divisas, eliminando assim um risco que pode inviabilizar um negócio que se pensava ser rentável.


                              O conteúdo do vídeo acima, de Lena Petrova, é muito esclarecedor. 
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PS1: No vídeo seguinte, duas opções de criação de uma divisa dos BRICS são detalhadas:
https://www.youtube.com/watch?v=PF65jyA6qXc

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*A propriedade dessa dívida é a 80% propriedade do fundo de investimento da segurança social e outras entidades coletivas dos EUA.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

4 FRAGILIDADES DO IMPÉRIO [parte I]

O poderio imperial americano, que se afirmou a partir da implosão da URSS e do sistema socialista mundial, como poder unipolar dispensador de benesses aos seus aliados/vassalos e guerreando os que considera inimigos, reais ou potenciais, assentou sobre quatro pilares, que são:
1/ sistema monetário
2/ recursos energéticos
3/ poderio militar
4/ média corporativa ou de massas


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PARTE I.



SISTEMA MONETÁRIO

O sistema monetário internacional ainda está baseado no dólar enquanto moeda de reserva e enquanto divisa mais frequente nas transações internacionais (financeiras e comerciais).
Porém, com a ascensão dos BRICS, aumenta a capacidade deste grupo (em breve, com 11 membros) com seus aliados, de comerciar entre si e fazerem acordos de longo prazo (nomeadamente energéticos) usando suas respetivas moedas nacionais, não recorrendo ao dólar.
Afirmei, há algum tempo, que o fim do petrodólar assinalaria o fim do Império americano. Verifico que a minha previsão se está a cumprir.
Quando Nixon (em 15 de Agosto de 19171) decretou unilateralmente o fim da convertibilidade dos dólares em ouro, de facto, traiu o acordo de Bretton Woods. Neste, a conversão dólar/ouro era central. Como resultado dessa medida, a instabilidade apoderou-se dos mercados financeiros, arriscando a quebra do sistema capitalista mundial.
Em 1973, o Rei da Arábia Saudita e Henry Kissinger acordaram um pacto, segundo o qual todo o petróleo comprado a este país seria pago em dólares, exclusivamente. Em contrapartida, os EUA garantiam a segurança do Reino Saudita com fornecimento de armamento, espionagem-informações, diplomacia e intervenção direta, se necessário. Nessa altura, a Arábia Saudita era o principal produtor mundial de petróleo e a OPEP, o cartel petrolífero que os sauditas dominavam. Rapidamente todos os países exportadores de petróleo, grande parte, monarquias do Golfo Pérsico, alinharam-se com a Arábia Saudita, apenas aceitando dólares em pagamento do seu petróleo.
Como ficaram com um excedente enorme de petrodólares em resultado das exportações para todo o mundo, acumularam «Treasuries», ou seja, obrigações do Tesouro americano, financiando assim a dívida dos Estados Unidos. Todos os países que comprassem petróleo tinham de possuir dólares em reserva, ou comprá-los no mercado internacional de divisas.
A partir deste ponto, os EUA passaram a ter défices crónicos, quer no orçamento de Estado, quer nas transações internacionais. Os «défices gémeos», tiveram como consequência que o governo dos EUA podia, sem arriscar um colapso, atribuir somas colossais às despesas militares e às guerras em que estava envolvido, assim como aos programas sociais nos EUA, como meio de neutralizar a agitação social.
Qualquer outro país que levasse a cabo tal política económica e financeira, entraria depressa em insolvência, ou seja, na bancarrota. Mas, os EUA possuíam a moeda de reserva mundial e podiam imprimir todos os dólares que precisavam, sem qualquer correspondência em aumento de produtividade. Depois, esses dólares serviam para pagar as matérias-primas e os produtos industriais importados;  eram absorvidos no mercado mundial. Todos os países, amigos ou hostis, tinham que ter reservas em dólares e comerciar em dólares. De uma forma direta ou indireta, estavam a nutrir o sistema do petrodólar.
O declínio do valor do dólar não é muito visível, superficialmente. Isto, deve-se ao facto de que os mercados de divisas e financeiros preferem adquirir dólares, como «moeda-refúgio», quando o sistema está em crise. Assim, as outras divisas vão descer e os dólares vão subir, na corrida para adquirir dólares e ativos denominados em dólares.
Porém, nos últimos tempos, as quantidades de dólares produzidas têm excedido tudo o que anteriormente tinha sido feito. O resultado, é que a capacidade aquisitiva do dólar (e das outras divisas) diminui  aceleradamente. Isto traduz-se por níveis muito mais elevados de inflação, em relação aos cerca de 2% de inflação, nas duas primeiras décadas do século XXI.
A partir de 2020, houve uma aceleração do «quantitative easing», ou seja, da produção de dólares sem contrapartida na economia real. Por outro lado, intensificou-se a utilização de moedas nacionais em detrimento do dólar, sobretudo, nas trocas e nos acordos de longo prazo entre países dos BRICS.
Nos EUA, a inflação vai ser cada vez maior e isto vai afetar a economia. Está já a acontecer, apesar da FED ter revertido o programa de impressão monetária e faça «quantitative tightening», ou seja,  sobe as taxas de juros, o que aumenta o custo do crédito.
Como os EUA já não possuem produção industrial própria, que lhes permita satisfazer as necessidades internas e atingir o equilíbrio nas contas externas, o único instrumento de que a FED dispõe é irrisório e, mesmo, contraproducente: Aumentar ou reduzir o dinheiro em circulação não vai realmente aumentar ou reduzir o consumo e, muito menos, a produção interna de bens.
Os bens materiais - matérias primas, produtos industriais, alimentos - vão continuar a ser importados do resto do Mundo para os EUA, mas com preços mais elevados, agravando a inflação e arrastando a subida acentuada dos juros, como já se está verificando. As «elites», no Departamento do Tesouro ou na FED, que manipulam as taxas de juro, são incapazes de mudar esta realidade.



RECURSOS ENERGÉTICOS


Nas últimas duas décadas, os EUA começaram a produzir, em grande quantidade, petróleo e gás de xisto, através de fracking. Assim, o seu aprovisionamento em petróleo «convencional», sobretudo, o do Texas que estava já em declínio, foi complementado pelo aumento notável do petróleo produzido «de forma não-convencional». O nível de produção total de petróleo nos EUA acabou por ser semelhante, ou até um pouco maior, ao da Arábia Saudita. Mas isto tem custos muito pesados no ambiente e compromete o futuro. O tempo de vida produtiva dum furo, em zona de xisto, ronda os dois anos. Assim, têm de constantemente fazer novos furos, para manterem o nível de produção. Muitas áreas ficarão totalmente estéreis depois de esgotadas as reservas de petróleo e gás de xisto. A obtenção de petróleo a partir de areias betuminosas, em Alberta (Canadá) e o seu transporte por pipeline para os EUA, também não será solução duradoura e respeitadora do ambiente.
Quanto ao sector das energias renováveis, nota-se que existe muito atraso técnico nos EUA em relação a estas tecnologias. Talvez a única exceção seja a indústria dos automóveis movidos a eletricidade, «EV». Mesmo neste caso, parece que a China está a tomar a dianteira; há indicações disso, tais como as  fábricas e a importância dos investimentos da Tesla na China. Por outro lado, há marcas de automóveis «EV» chinesas nos mercados asiáticos, e que podem conquistar fatias de mercados da Europa e dos EUA.
A rede elétrica nos EUA está decadente e os investimentos em infraestruturas tardam. As empresas privadas de energia elétrica ficam á espera que o Estado ponha a rede em condições, para elas depois operarem com menos custos. Muitas vezes são noticiados «apagões» (falhas gerais de energia elétrica), em cidades e regiões dos EUA. São devidos ao estado vetusto dos sistemas transportadores de energia elétrica e à sobrecarga destes. Não vejo que haja vontade política para solucionar o problema. Nos EUA, há um défice enorme de intervenção estatal, para satisfazer as necessidades coletivas.
Uma fragilidade de que se fala muito pouco, é do enriquecimento de urânio para as centrais nucleares americanas; este enriquecimento faz-se ... na Rússia! Não se compreende como é que eles irão operar as suas centrais nucleares se a Rússia, em retorsão dos roubos (de ouro, de contas bancárias...) e sanções brutais a que tem sido sujeita, decidir parar o fornecimento do urânio enriquecido.
Um outro sintoma claro da fragilidade dos EUA no setor energético é o facto de quererem retomar o «business as usual» com a Venezuela de Maduro. Isto, depois de terem feito tudo para o derrubar. Apesar da elevada produção global e de serem exportadores, os EUA têm défice  de petróleos «pesados» (do tipo dos petróleos venezuelanos), enquanto têm excedentes de petróleos «leves», resultantes da exploração do xisto.
O aprovisionamento da frota dos EUA no Mediterrâneo em apoio a Israel, neste momento experimenta dificuldades logísticas, de que se fala pouco. Os porta-aviões e os vários navios da marinha de guerra têm de ser abastecidos em  combustível nos portos de Itália do mar Adriático, tendo de fazer um constante vai-e-vem entre as costas de Israel e as do Adriático.
Também o roubo do petróleo sírio desde há vários anos, é outro caso sintomático. Os americanos instalaram-se em território sírio, com o pretexto de apoiar guerrilhas curdas que eles enquadram, subsidiam e treinam. O roubo do petróleo sírio foi inicialmente beneficiar pessoalmente o filho de Erdogan, presidente da Turquia. Agora, fala-se menos disso, mas continua a ser contrabandeado e vendido a baixo preço. Além de ir para a guerrilha curda e para Al-Quaeda, o dinheiro obtido com esse contrabando serve para a manutenção de cerca de dois mil soldados americanos estacionados em bases ilegais, na Síria. Há vários antecedentes, em relação ao comportamento predatório do poder imperial dos EUA: Quando ataca uma nação e a ocupa, costuma pôr os recursos petrolíferos a render, para custear as operações de ocupação militar. Veja-se o caso do Iraque, assim como o da Líbia.

sábado, 21 de outubro de 2023

O DÓLAR PODERÁ SOBREVIVER; MAS O SISTEMA QUE O SUSTENTA ESTÁ CONDENADO


As pessoas estão condicionadas a pensar em termos de divisas-fiat*. Pensam que o dólar «sobe», em relação a outras divisas. Não compreendem que há uma descida geral do valor das divisas.

Porém, esta é que seria a maneira correta de avaliar e compreender a inflação. Se o preço de mercadorias sobe, isso significa que aumentam as unidades monetárias para comprar as mesmas quantidades desses bens. Portanto, cada unidade monetária - sejam dólares, euros, libras, etc. - perdeu parte do seu valor, perdeu capacidade aquisitiva.

A quantidade de dólares em circulação, no mundo inteiro, é enorme: Muitos deles, são criados fora do sistema americano: São resultantes de empréstimos em dólares, efetuados nos mercados internacionais, entre terceiros, não-americanos. Em todo o mundo, os bancos, quer os comerciais, quer os centrais, têm reservas de dólares-cash. Uma parte desses dólares, está sob forma de obrigações do tesouro dos EUA, as «Treasuries». Estas, recebem um pequeno juro; o que é melhor do que ficarem grandes somas de dólares à ordem, sem qualquer juro.

Nos últimos tempos, a de-dolarização manifesta-se por um excedente de venda de «Treasuries» sobre a sua compra, nos mercados internacionais. Este desfazer das obrigações do tesouro dos EUA pode ter causas diversas: Pode um país precisar de cobrir os seus défices comerciais, usando dólares em reserva. Pode precisar de pagar juros de dívidas contraídas em dólares, ou fazer pagamentos a diversas entidades. A não aquisição - pelos particulares ou por Estados terceiros - das Treasuries postas à venda no mercado internacional, obriga a que o Tesouro americano ou o Banco Central (a Fed) as adquiram. É um facto que - devido ao estatuto de divisa de reserva mundial - os EUA podem fabricar novos dólares (sob forma digital, muito maioritariamente) para cobrir as despesas enormes do orçamento americano e também comprar Treasuries e pagar o juro das mesmas.

Porém, este jogo não poderá continuar indefinidamente. Ele é limitado, pelo menos, por dois fatores: A confiança dos compradores/detentores de dólares e de Treasuries, por um lado; por outro, chega um ponto em que são necessárias somas incomportáveis do Orçamento Federal para pagar os juros das Treasuries e a própria dívida. Não há real opção da Fed deixar de comprar Treasuries. Ela faz isso para sustentar o seu valor que, no caso contrário, desceria a pique, enquanto os juros correspondentes subiriam às nuvens.

O dólar perdeu cerca de 97% do seu valor, desde que a Reserva Federal foi criada, em 1913. Outras divisas perderam ainda mais, algumas deixaram de existir; muitas vezes, seu valor foi completamente tragado por inflação galopante. O dólar é apenas uma divisa que conserva ainda algum valor, mas somente em termos relativos às outras divisas. Estas, têm um comportamento ainda pior que o dólar.

Os défices monstros dos EUA, em termos comerciais e do orçamento de Estado, desencadeiam produções astronómicas de dólares. Ultimamente, foi atribuída a soma de cem biliões de dólares (40 biliões de $ para Israel e 60 biliões de $ para a Ucrânia ), em excesso dos 33 triliões da dívida pública dos EUA. Até agora, os dirigentes dos EUA têm acumulado dívida de forma totalmente impune. Porém, estas políticas de hiper endividamento irão brevemente tornar-se hiper inflacionárias: É que as pessoas, os Estados e as empresas deixam de ter confiança na divisa dólar e, por extensão, nos veículos financeiros denominados em dólares.

O ouro e a prata atingiram, esta semana, novos máximos e, provavelmente, irão subir muito mais. Mas, quando pensamos assim, estamos a pensar no preço dos metais preciosos em termos de divisas. Na verdade, os metais não "sobem" nem "descem", não pesam mais, nem menos, não mudam de estado da matéria, nem de propriedades físicas. Deveríamos - pelo contrário! - cotar as divisas em termos de ouro, ou de prata. Um grama de ouro custa 63,7 € hoje; o mesmo grama, há 5 anos, custava 39,8 € . Na verdade, não foi o ouro que subiu, foi o euro (ou qualquer outra divisa) que desceu, que perdeu capacidade aquisitiva. Os metais preciosos são apenas um indicador, entre outros, da perda de valor das divisas fiat.

Um sistema assim, não pode continuar por muito mais tempo. A taxa verdadeira de inflação é muito mais alta que as percentagens divulgadas nos media e nas estatísticas oficiais.

É nestas ocasiões, que costumam surgir as guerras. As guerras têm sempre causas económicas (embora também tenham outras, claro). Uma das situações económicas mais comuns, é os dirigentes estarem a braços com uma grande crise e não saberem o que fazer, para ocultar sua responsabilidade nela. Então, lançam os seus países para a guerra, o que «soluciona» as dificuldades, desviando a atenção do povo para a(s) ameaça(s) externa(s). Muita gente não vê que a miséria do seu país resulta das políticas do governo.

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*Divisas-fiat são divisas que só estão sustentadas pela crença do público na palavra das autoridades, do governo.


PS1 (28/10/23): Jim Rickards faz uma avaliação interessante da situação da economia dos EUA e mundial. 

https://www.youtube.com/watch?v=WF0arRcGNrg

terça-feira, 19 de setembro de 2023

IMPLOSÃO MONETÁRIA NO JAPÃO

Praticamente, durante mais de 30 anos, o Japão viveu no marasmo, embora também numa relativa estabilidade de preços. Como é que foi possível este estranho equilíbrio, nos três decénios de marasmo?
É preciso recuar aos anos de 1990 e ao facto do Banco Central do Japão ter inaugurado uma política que - mais tarde - seria batizada de «quantitative easing». Como se sabe, consiste na impressão monetária pelo banco central, que utiliza as notas frescamente impressas (ou seus equivalentes digitais) para comprar Bonds (obrigações) do Tesouro. Assim, financia a dívida estatal (emissões de dívida através de «bonds do Tesouro»), mas também vai aumentar a massa monetária. No caso dos EUA, este aumento fica «diluído», apesar de muitos anos de política inflacionária, porque os EUA são detentores da divisa de reserva mundial. Isso significa que existe sempre procura para os dólares emitidos nos EUA mas - em grande parte - exportados para todo o Mundo.
Quanto ao Japão, tem sido mais ou menos o contrário disso. O ex-Império do Sol Nascente é um país de gentes muito trabalhadoras, disciplinadas, muito  poupadas (exatamente como os chineses e coreanos, nestes aspetos). A taxa de poupança dos japoneses é da ordem dos 40%. Isto significa que o seu próprio povo é o financiador da economia, com a sua poupança, que investe em contas a prazo, bonds do Tesouro, bonds de empresas, ou em ações da bolsa. A somar a isto, no Ocidente, os traders têm jogado com o par Yen/ Dólar, a chamada «Japanese carry trade»: Pedindo emprestado em Yen, obtinham capital para investir em ativos financeiros. Se bem aplicados, estes iriam dar lucro. Ainda por cima, havia o lucro adicional de devolução do empréstimo numa divisa cada vez mais fraca: O Yen desvalorizou-se cerca de 13 % face ao dólar, nos meses desde Janeiro deste ano, até agora. Se alguém obteve um empréstimo em Yen em Janeiro e com ele conseguiu gerar lucro, a devolução da dívida faz-se em Yen, ou seja, numa divisa valendo menos 13%, em relação ao momento do empréstimo*. E não é tudo, pois os juros são mais baixos que noutros países industrializados. Os juros dos bonds estatais japoneses - que dão a bitola para todo o espectro de juros bancários - têm um valor artificial, próximo de zero. Isto é consequência do constante «quantitative easing», ou seja, da compra dos bonds estatais pelo Banco Central do Japão. Este, na verdade, tem sido o único comprador de dívida estatal japonesa desde há muitos anos.
O endividamento deste país é dos mais altos do Mundo, mas mantém-se graças ao referido sistema artificial de auto-compra pelo banco central; assim, conseguem manter a economia a flutuar, apesar de mais de 30 anos de depressão/recessão.
Os trabalhadores são os que sofrem mais com a erosão - ainda mais severa, recentemente - do poder de compra dos salários. São eles que suportam o peso duma economia comatosa, há muitos anos.
              Gráfico: Inflação dos alimentos no Japão de Outubro 22, a Julho 2023

Os preços, apesar da estabilidade relativa no passado, têm recentemente aumentado, porque o Japão está dependente da importação de muitas matérias-primas, desde o petróleo até aos produtos alimentares. A sua economia, frágil por definição, depende de importação destes bens essenciais. Ela precisa de produzir muito, para exportar e gerar excedentes, obtendo assim divisas estrangeiras fortes. O que tem mantido a situação ao longo de décadas, é a produção industrial e a acumulação de dólares ,em mãos privadas ou públicas (Banco Central), nomeadamente sob forma de bonds do tesouro americano. Talvez o montante global de «US Treasuries» na posse do Japão, hoje ultrapasse o da China. A China Popular tem levado a cabo uma política de se desfazer dos bonds americanos, com o objetivo de fazer baixar o dólar. Tudo leva a crer que ela continue a mesma política, para viabilizar uma futura «moeda dos BRICS».
Porém, os japoneses, face ao aumento generalizado dos preços de matérias-primas nos mercados mundiais, têm de se desfazer dos bonds americanos por razões totalmente diversas. A sua subsistência económica está em jogo: Não conseguem exportar bens industriais, neste contexto de recessão mundial, em quantidade suficiente para obterem os dólares necessários para pagar os bens importados.

Nesta situação, todas as saídas são más:
- Se o Japão deixar que a inflação cresça ,isso vai pressionar um aumento dos juros dos seus bonds do Tesouro. Ora, o Japão está já está demasiado sobre-endividado. Um aumento significativo dos juros dos bonds estatais equivaleria a carregar  o orçamento do Estado com o pagamento de juros mais altos. Isso implicaria um aumento de impostos... Mas, os impostos já são muito altos; logo, inibiria a atividade económica, desde a produção, ao consumo, causando menor rendimento em impostos. Um círculo vicioso!
-Porém, se o Japão continuar a travar a inflação com auto- compra dos bonds do Tesouro, como tem feito durante décadas, haverá um efeito dramático na desvalorização do Yen. Ninguém, fora do Japão, quererá ter contas em Yen, pois sofreria perdas demasiado grandes. Seria, também, o fim da «Yen carry trade».

Se a moeda dum país é desvalorizada, escapando ao controlo do governo e do banco central, isto significa que este país está no caminho da hiperinflação.
Os bonds americanos detidos pelo Japão têm sido vendidos em grandes quantidades porque a economia japonesa está num beco sem saída. Só consegue pagar as suas importações à custa das reservas estratégicas em divisas (dólares), que são normalmente armazenadas em «Treasuries». Tais vendas maciças somam-se ao processo em curso de de-dolarização: Conjugam-se com a guerra monetária levada cabo pelos BRICS, em especial pela China, a principal detentora de «US Treasuries».
Não existe qualquer interesse dos países - quer sejam ou não vassalos dos EUA- em serem detentores de dólares/treasuries como reserva. Verifica-se que, agora, um país pode abastecer-se em petróleo no mercado internacional, comprando, quer à Rússia, quer a países do Golfo, quer à Venezuela, ou a outros, simplesmente pagando o petróleo com ouro, ou com sua divisa nacional, ou com produtos que os países petrolíferos vendedores precisem, etc. Estamos perante o ponto final do império do petrodólar. Tudo isto tem acontecido e não pode ser ignorado. O dólar, enquanto moeda de reserva mundial, está realmente no fim. A hegemonia está posta em causa, por duas razões principais:
A questão da estabilidade das cotações, por um lado: sempre existiu grande especulação com a cotação das divisas dos outros países, em relação ao dólar. Devido a este facto, o comércio e investimento tornam-se mais incertos.
Por outro lado, a utilização do dólar como instrumento de guerra na política externa dos EUA, com as suas sanções, embargos, extorsões, chantagens e roubos.
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(*) Uma visão da perda rápida do valor da divisa japonesa é-nos dada pelo gráfico da cotação do ouro em yen. Nestes últimos 5 anos, o valor de um quilo de ouro em yen duplicou: Agora é de 9.180.000 yen/kg; há 5 anos era de 4.500.000 yen/kg.

PS1: A economia do Japão, desde meados dos anos 80, revela-se como um enorme «esquema de Ponzi», que está agora a desmoronar-se. Pode ser a antevisão do que se vai passar com esquemas de Ponzi ainda mais monstruosos, que são as economias americana e da Europa. Veja o documentário seguinte, em francês:


quinta-feira, 10 de agosto de 2023

TODOS OS IMPÉRIOS TÊM UM FIM. PODERIO DOS EUA PERTO DO COLAPSO

Aconselho-vos a leitura dos artigos de Martin Armstrong e de Matthew Piepenburg:

- https://www.armstrongeconomics.com/world-news/civil-unrest/just-us-the-rising-tide-of-civil-unrest/

https://goldswitzerland.com/keeping-your-head-amidst-debt-blind-madness/

- Armstrong mostra como o sistema de justiça americano, ao contrário do estipulado na constituição, está permanentemente a produzir julgamentos monstruosos, nomeadamente porque o indiciado é fortemente pressionado a aceitar dar-se como culpado, em troca de uma sentença mais leve, mesmo quando ele está inocente, porque para poder provar sua inocência é preciso ter-se um grande poder económico, para se contratar um escritório de advogados com peso. Mesmo neste caso, não está garantido que a inocência do indiciado seja reconhecida, dado que a máquina da justiça está praticamente nas mãos do partido democrata e de seus homens de mão.

Matthew Piepenburg mostra como a política financeira e fiscal dos EUA têm sido um completo disparate, indo contrariar não apenas todas as escolas de economia, como o próprio bom senso. O facto da dívida ser cada vez mais pesada e ingerível, não parece incomodar quem controla as finanças do país: Tanto Powell, como Janet Yellen são demasiado cultos para «se enganarem» desta maneira. Eles apenas estão a fazer um exercício de ilusionismo junto do público. Porém, o presente agravamento da situação financeira e monetária, não pode conduzir a outro desfeche, senão à catástrofe. 

Ambos os artigo são dignos de uma leitura atenta. Mas, eu resumi o seu conteúdo para o que vem a seguir.

A denegação é um sintoma de psicose, de persistência no erro: Como dizia Einstein, um sinal de loucura é fazer-se sempre a mesma coisa, obtendo um mesmo resultado, mas repetindo na esperança de que seja diferente.

A população americana não é responsável inteiramente pelo que seus políticos andam a fazer, pois ela é doutrinada desde a infância sem ter - salvo exceções - possibilidade (ou curiosidade) de se confrontar com outras leituras das realidades política e económica. 

A media reforça constantemente as inanidades que passam por «reflexão» política e económica, tornando tudo o que se passa opaco à maioria. O seu domínio da narrativa equivale a um totalitarismo «brando», mas que cumpre a sua função de aceitação do status quo pelas massas. Estas nunca questionam o seu fundamento.

Quanto ao exercício do controlo internacional manu militari,  também conseguiram «naturalizar» isso.  Muitos americanos estão realmente convencidos da sua «excepcionalidade» e da «missão» do seu país em manter uma «ordem internacional baseada em regras».

As coisas funcionaram muito bem, com vantagem para os EUA, durante longo tempo. O dólar - desde 1944 - tem sido a moeda de reserva hegemónica (exorbitante privilégio, Giscard D'Estaign dixit). A instrumentalização do dólar foi possível graças ao poder militar: A capacidade de invadir, bombardear, subverter regimes que tivessem a veleidade de resistir à «versão americana da democracia». Este facto esteve e está diante dos olhos dos povos e de seus dirigentes. Sem esta superioridade militar esmagadora, não seria possível manter o modo de chantagem permanente a numerosos regimes, incluindo neutrais e mesmo aliados de Washington. Porém, o Mundo está a assistir a uma perda acelerada da eficiência militar, comprovada pelos fiascos das guerras do Afeganistão, Síria e até da Ucrânia. Os EUA já não são a potência com superioridade militar inquestionável que foram, até há bem pouco tempo. Com orçamentos muito mais baixos de despesas militares, tanto a Rússia como a China, têm mostrado a superioridade dos seus armamentos sofisticados. Vários países do Terceiro Mundo (Turquia, Arábia Saudita, e muitos outros) até há bem pouco tempo clientes exclusivos dos EUA, estão a fazer fortes jogadas para se aproximarem dos BRICS, têm adquirido sistemas de mísseis avançados aos russos e têm «de-dolarizado» a grande velocidade. Estas mudanças são muito significativas, estão realmente a acontecer diante dos nossos olhos e os dirigentes ocidentais sabem-no bem. Eles também sabem o que isso significa, mas vão continuar a fazer de conta, para iludir os cidadãos de seus próprios países.

Dizer que o colapso é inevitável, que o colapso fará com que o dólar não mantenha o poderio monetário e financeiro dos EUA, como também afetará todos os planos, não é mais do que uma constatação banal, hoje em dia. Mas, note-se que a mesma afirmação, há muito pouco tempo, suscitava um coro de críticas e sátiras, apodando quem se atrevesse a afirmá-lo de epítetos nada bonitos. Agora, os que, orgulhosos, «enchiam o peito» para proclamar a solidez do Império, estão calados ou estão a esgrimir com a realidade, num estilo realmente patético.

Foto aérea do Pentágono, símbolo do poderio militar dos EUA, retirado do artigo de Caitlin Johnstone

Espero que as pessoas que me lerem percebam que eu não estou a escrever isto com triunfalismo. Qualquer império acaba: Tem uma ascensão, até um zénite e depois um ocaso.  A minha preocupação é o grau de violência que acarreta a queda de um império. Não vale a pena retraçar o destino dos impérios, desde a antiguidade, neste curto artigo. Mas, podeis consultar obras que descrevem os acontecimentos históricos da decadência e queda de vários impérios. 

Na era nuclear, tanto nos países detentores de armas nucleares, como nos outros, é importante que  se erga uma consciência verdadeiramente cidadã e global: Isto será o maior dissuasor face aos responsáveis políticos e militares desses países, para que eles não subam a tensão com seus adversários e não se sintam «justificados» em utilizar armas nucleares.


terça-feira, 4 de julho de 2023

O FIM DO EXORBITANTE PRIVILÉGIO



04/07/2023

O regime presidido por Joe Biden não tem muito que ver com a imagem idealizada dos EUA, que hoje comemora mais um «4 de Julho», dia da Independência da antiga colónia, em relação à coroa britânica. 

Não há dúvida que estamos num virar de página da História, para os EUA e para o chamado mundo Ocidental.

Os escândalos amontoam-se, a corrupção generaliza-se, as leis são ditadas ao sabor dos grandes conglomerados de interesses agrupados em lobbies.  

Ao nível internacional há uma fuga dos mais fiéis aliados, virando-se para países  como a Rússia, a China e outros que dispõem de potencial militar e capacidade económica para dissuadir  qualquer presidente dos EUA (ou antes, os que mexem os cordelinhos em seu nome), de outra guerra, direta ou por procuração.

Os instrumentos habituais de relacionamento dos países uns com os outros, são: o comércio, a diplomacia e as relações multilaterais. Os horizontes destes três campos vão-se estreitando, de ano para ano, em relação aos EUA e seu governo. 

Estes, e muitos outros aspetos, indicam que se está no final de um ciclo. Ele surge com toda a clareza com o fim do dólar enquanto moeda de reserva universal e principal moeda das transações internacionais, comerciais e financeiras.

Porém, estes fatores não se podem analisar isoladamente. Tem igualmente de se evocar  em todo o «Ocidente» e em particular, nos EUA,  a retração do domínio da liberdade de expressão, do direito de se ter opinião própria, mesmo que esta negue a do governo, mesmo que esteja em contradição com a opinião da maioria. 

Com efeito, os ataques à liberdade de expressão e difusão do pensamento acabam por ter um efeito duplo: São, por um lado, a demonstração óbvia da falsidade de que são uma democracia, perdendo o seu regime apoio interno e - sobretudo - ao nível internacional. Por outro lado, fazem com que muitos indivíduos em altos cargos, públicos ou privados, tenham uma visão distorcida da realidade. Isto está na origem da multiplicação de decisões equivocadas ou francamente estúpidas, em diversos assuntos de importância fundamental para o regime..  

O fim do privilégio exorbitante, expressão primeiro usada pelo ex-presidente francês Giscard D'Estaing para caracterizar o estatuto de moeda de reserva do dólar dos EUA, parece não inquietar a classe política corrupta e pouco preocupada em disfarçar a sua corrupção. Ela parece só estar preocupada em exercer o poder para encher os bolsos, com dinheiro público, ou com doações (luvas) privadas ou de empresas. Quanto ao dinheiro público, ele é distribuído de acordo com os grandes interesses e sem qualquer controlo, beneficiando as grandes corporações da indústria farmacêutica ao armamento e às «novas tecnologias».

Mas não podem realmente impedir o facto de um novo sistema monetário internacional estar a ser construído, entre vários parceiros, com a garantia de que nenhum destes se aproveitará de uma posição de destaque ou dominância nas trocas comerciais ou com os seus trunfos estratégicos, para impor às outras nações um «diktat». 

Foi exatamente o que os EUA decidiram fazer com o dólar, a partir do momento em que julgaram que detinham a primazia, de que só eles tinham os meios e a «legitimidade» para impor ao resto do mundo a «rules made order» (ou seja; a ordem deles, feita com as regras ditadas por eles). 

É um caso típico de húbris, que lhes está a sair caro, pois os seus competidores e mesmo seus aliados compreenderam o perigo da instrumentalização do dólar: A brutal guerra económica contra a Rússia, em Fevereiro / Março de 2022, já estava a ser preparada de longa data. Se a Rússia não tivesse tomado, por sua vez e com grande antecedência, medidas para minimizar os ataques desenfreados das sanções, punitivas para toda a sua economia, estas teriam feito muito mais estragos à economia e ao povo da Rússia. Muitos acordaram e perceberam que os EUA eram capazes de fazer o mesmo com qualquer país que - em dado momento - não se conformasse com o seu domínio hegemónico. Foi assim que, os que governam os EUA, eles próprios enterraram o dólar. Conseguiram fazer com que o dólar deixasse de ser a divisa que todos gostavam de ter, para ser aquela da qual todos se querem ver livres, o mais depressa possível.

Está-se perante um notável exemplo de autoderrota duma grande potência. Isto é um caso de húbris, por terem avaliado erradamente o seu poderio, por acreditarem na sua própria propaganda. Isto diz-nos muito igualmente, sobre as «elites» do poder nos EUA.   

sexta-feira, 7 de abril de 2023

A DESDOLARIZAÇÃO ACELERA-SE

Para mim, e para muitas pessoas independentes, este movimento de desdolarização era inevitável. Porém, a velocidade a que a situação mudou, surpreende, tanto em termos monetários como das alianças geoestratégicas, tanto no sentimento das pessoas como no distanciamento de governos em relação aos EUA e ao dólar.
É que os EUA, nos últimos anos, acumularam erros estratégicos, fazendo com que inimigos e amigos se colocassem numa postura defensiva e acolhessem com grande interesse as propostas do bloco emergente, em que Rússia & China são pilares centrais, com os BRICS e com mais de uma centena de países, que entretanto aderiram a projetos das Novas Rotas da Seda.
Basta ver a perda de influência rápida dos EUA, primeiro na África a sul do Sahara e depois no Médio Oriente. Tendo os EUA - há duas décadas, apenas - uma situação hegemónica, agora, excetuando seus «vassalos/aliados», já não conseguem hoje impedir que os Estados procurem novas parcerias.
Nestas, procura-se a reciprocidade, os acordos «win-win» mas, sobretudo, sem interferências nos respetivos regimes políticos e no respeito pela soberania dos Estados, sejam eles fortes ou fracos, grandes ou pequenos.

Proponho ao leitor, que consulte os dois artigos abaixo, um de autoria de Alasdair Mcleod e o outro de Matthew Piepenburg. Dão-nos o contexto, assim como muita informação sobre a mudança tectónica em curso e esclarecimentos sobre o que já transparece sobre a nova arquitetura monetária mundial.
Creio que os povos do Sul têm a ganhar com a mudança, pois a utilização do dólar como moeda de reserva foi permitir que os governos americanos, sem escrúpulos, abusassem do privilégio.
Se eles não tivessem transformado o dólar em «arma de guerra», da guerra económica (ilegal e ilícita) e das sanções contra aqueles que lhes resistiam, talvez conservassem, por mais algum tempo, o predomínio do dólar, quer em termos de comércio internacional, quer em termos de moeda de reserva.
Assim, com a sua agressividade militar e a não menos brutal guerra económica, podem ainda fazer muito mal, mas não conseguem mais do que obter como «aliados», os que foram sujeitos a chantagem permanente.
Como conseguiram manter o dólar, nos últimos tempos? Pela força das bases militares que têm espalhadas nos 4 continentes e pelo terrorismo económico e financeiro, dos congelamentos e rapina de ativos dos Estados e particulares de países não submissos.
Estamos a viver uma mudança de paradigma, um momento histórico de mudança estrutural.



    Desde 2016, que o ouro é cotado e transacionado em Yuan, na bolsa de Xangai

https://www.goldmoney.com/research/time-to-trash-triffin

 https://goldswitzerland.com/golden-question-is-the-petrodollar-the-next-thing-to-break/





sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

[ALASDAIR MCLEOD] AS INTENÇÕES DA RÚSSIA ESTÃO A CLARIFICAR-SE

Russia's Prime Minister Vladimir Putin holds an ingot of gold as he visits the precious metals safe vault of the Central Bank in Moscow January 24, 2011. 
REUTERS/Alexsey Druginyn

Reproduzo abaixo o sumário do artigo de Alasdair Mcleod «Russia’s intentions are clarifying ». É um artigo de fundo, cheio de informação, pelo que aconselho os leitores deste blog a lê-lo na íntegra (1). 
Eu traduzi para português algumas partes e coloquei neste espaço abaixo: 

Temos a confirmação das mais altas fontes de que a Rússia e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) estão a considerar usar o ouro para pagamentos no comércio pan-Asiático, substituindo plenamente o dólar e o euro.

[...]

Agora que a aliança ocidental está a juntar tanques e outro material para os ucranianos, promovendo ativamente novas batalhas, com a OTAN ficando quase diretamente implicada. É esta situação que irá conduzir a uma subida dos preços das matérias-primas, enfraquecer os mercados financeiros do Ocidente, fragilizar as finanças destes governos e, por fim causar, o colapso das suas divisas.

[...]

No Reino Unido, pelo menos, a media russa tem sido censurada, portanto o artigo de Glazyev no jornal russo Vedomosti não deverá estar acessível a leitores no Ocidente. Portanto, para facilitar a referência dos pontos principais, cito a tradução inglesa do artigo detalhado, que pode ser resumida como segue: 

Nos nove meses antecedendo Setembro, o excedente da Rússia com os membros da EAEU, mais China, Irão, Turquia, UAE, etc. era de um equivalente a $198.4biliões, para $123.1biliões para o mesmo período do ano passado. Por outras palavras, as sanções ocidentais não conseguiram suprimir os rendimentos do petróleo da Rússia, meramente redirecionando os rendimentos vindos dos países recetores.
O excedente comercial com os membros da SCO permitiu às companhias russas liquidar as dívidas externas, substituindo-as com empréstimos em rublos. [Glazyev não menciona este ponto, mas um retorno do padrão ouro iria reduzir os custos de empréstimo substancialmente (Nota de A. Mcleod)]
A Rússia tornou-se o terceiro maior país a usar renminbi (yuan, a divisa da China) para pagamentos internacionais, que dão conta de 26% das transações em divisas estrangeiras da Federação Russa. A parte de pagamentos e divisas dos próprios membros, parceiros de diálogo e associados do SCO, está crescendo, substituindo o dólar e espera-se que continue a crescer.
Visto que tais divisas estão sujeitas a taxas de câmbio e a possível risco de sanções, a melhor maneira de evitar esses riscos é comprar ouro não-sancionado da China, da UAE, da Turquia e possivelmente do Irão, e de outros países, em troca pelas divisas locais.
O ouro adquirido pelo Banco Central Russo pode ser armazenado em bancos centrais de países amigos para maior liquidez e o resto ser repatriado para a Rússia.
O ouro pode ser um instrumento único para combater as sanções ocidentais se for usado para atribuir os preços das principais mercadorias internacionais (petróleo, gás, alimentos, fertilizantes, metais e minerais sólidos). Isto seria a resposta adequada aos tetos de preços do Ocidente. E a Índia e a China podem tomar o lugar de plataformas de comércio global em vez de Glencore or Trafigura”.
O ouro (juntamente com a prata) esteve durante milénios no centro do sistema financeiro global, conferindo uma medida honesta do valor de moeda-papel e de ativos financeiros....Ele foi cancelado há meio século, ligando o petróleo ao dólar, mas a era do petrodólar está a acabar. A Rússia, junto com os seus parceiros do sul e do leste, tem a oportunidade única de sair do barco da economia centrada no dólar e na dívida.
A URSS, ao assinar mas não ratificar o Acordo de Bretton Woods, o «Rublo de Ouro 2.0» desempenhou um importante papel na industrialização soviética no pós- IIª Guerra. Agora, as condições para um «Rublo de Ouro 3.0» desenvolveram-se, objetivamente.
As sanções contra a Rússia voltaram-se como boomerang para o Ocidente. Agora, tem de fazer face á instabilidade geopolítica, ao aumento de preços para a energia e outros bens [isto significa mais inflação nos preços].
Em 2023, [vai haver uma mudança de] investimentos arriscados, de instrumentos financeiros complexos, para ativos tradicionais, primariamente o ouro. O banco Saxo prevê um aumento do ouro para $3,000 por onça, o que conduzirá a um aumento substancial dos valores e quantidades das reservas de ouro. Importantes reservas de ouro irão permitir que a Rússia “conduza uma política financeira soberana e minimize a dependência em relação a credores externos”. [Note-se que além das reservas oficiais, sabe-se que a Rússia possuí pelo menos mais umas 10 mil toneladas - mais do que é declarado oficialmente pelo Tesouro dos EUA]
Os bancos centrais estão a aumentar as suas reservas de ouro. A China tem uma proibição de exportação para todo o seu ouro minerado. Segundo o Shanghai Gold Exchange, os clientes retiraram 23 mil toneladas de ouro. A Índia é considerada a campeã na acumulação de ouro…. O ouro tem estado a fluir de Oeste para Leste...Estará o ouro do Oeste garantido, ou está empenhado através de «swaps» e de «leasing»? O Oeste nunca o diz e Fort Knox nunca consente em ser auditado.
Nos últimos 20 anos, a mineração de ouro na Rússia quase duplicou. A produção de ouro pode representar um aumento no PIB, de 1% para 2 ou 3% do PIB... No presente, a produção de ouro está prevista (ano de 2022) subir de 300 toneladas, para 500 toneladas… dando à Rússia um rublo forte, um orçamento sólido e uma saudável economia. [Note-se que nesta declaração, Glazyev revela que a maior parte do aumento do rendimento da mineração, será quando tal rendimento seja medido em dólares.]

[Sumário do Artigo de Alasdair McLeod pelo próprio:]

«Confiamos aos bancos centrais a garantia da integridade da rede de bancos comerciais. No mínimo, quando há produção acelerada de divisas e ocorre inflação do crédito, esperamos que venham apoiar o sistema financeiro titubeante, sobre o qual assenta a aliança ocidental, o que apenas pode ser feito de uma maneira - a expensas das respetivas divisas.

Que a aliança ocidental esteja a mergulhar numa crise de dívida, por ela própria fabricada, é inegável. A sua geoestratégia, a cargo do poder hegemónico de ontem, já resultou em tiro pela culatra, em benefício dos seus inimigos. Agora chegou o tempo para a Rússia dar o golpe de misericórdia financeiro. Isto porque a Rússia vai usar a cobertura da agressão ocidental e as consequências para os seus mercados, para realizar o disparo. A Rússia está a pensar para diante, enquanto a aliança ocidental, está em modo de  rancor belicoso.

Tal como não foram medidas de antemão as consequências do banimento da Rússia do sistema SWIFT, as consequências de uma nova fase da guerra na Ucrânia são descartadas. No início, pelo menos no ocidente, um movimento da Rússia em direção ao ouro poderia ser visto como a resposta defensiva para proteger o rublo e as exportações russas na Ásia. Um ataque deliberado às divisas-fiat do Ocidente não será suspeitado. A evidência será vista no preço do ouro a aumentar para além das expetativas.

A Rússia não fará anúncios formais sobre padrões ouro, porque não há necessidade disso. Nem a China: Em vez disso, irão anunciar qual o aumento das suas reservas de ouro. Tendo deixado cair a hipótese duma divisa da EAEU formada por um cabaz de divisas nacionais, como forma de substituir o dólar enquanto meio de pagamento,  a SCO (Organização de Cooperação de Xangai) irá adotar de facto o ouro, em seu lugar.

Inicialmente, o aumento do preço do ouro em dólares não irá criar alarme nos meios ocidentais: Afinal de contas, o ouro foi desmonetizado. Ele será seguido por desmentidos da sua importância. Mas, tal como Sergey Glazyev escreve no seu artigo, em Vedomosti, o ouro irá ser usado para cotar todas as principais matérias-primas (petróleo, gás, alimentos, fertilizantes, metais e minerais sólidos). Assim sendo, estes preços serão estáveis e haverá baixos juros, enquanto os preços e juros irão subir, em termos de dólares. Nessa altura, o público mais vasto  ficará consciente de que não são os preços que sobem, mas o dólar que está a colapsar. 

Então, à medida que as moedas-fiat, dólar, yen, libra, euro, perderem o seu poder aquisitivo, não apenas em relação ao ouro, mas perante todas as matérias-primas, é inevitável que se façam comparações com o sucesso relativo do eixo Rússia-China, concretizado em organizações como o SCO, a EAEU, e os BRICS. Impulsionada pelos chineses aforradores, pelo investimento de capitais, pelo desconto nas energias e por dinheiro real( o ouro),  a Ásia irá prosperar.
Pouco ou nada, a América e os seus aliados da OTAN poderão fazer, para evitar isto»

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(1) O meu artigo de 23-01-2023, embora mais genérico, também aponta para as mesmas conclusões que o notável artigo de A. Mcleod.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

«IN GOD DOLLAR WE TRUST» ?

 

                                    Nova Iorque: Empire State Building visto no ocaso


                       Gráfico retirado dum artigo de A. Mcleod, que pode consultar AQUI

Nós somos matraqueados permanentemente com a «força do dólar», em relação às outras divisas ocidentais, pelo menos, as que têm maior peso tanto no comércio, como enquanto membros de SDR,  a famosa «divisa» artificial, que é (de facto) um cabaz de divisas, usado na contabilidade interna do FMI.  Mas, o comércio e a participação dos países nas trocas globais não se resume ao «Ocidente». Este conjunto de países é denominado assim, embora devessem ser designados por aquilo que - de uma forma, ou de outra - são: Constituem os mais fieis aliados (ou vassalos) dos EUA; os países de língua inglesa (Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Canadá e EUA), a Europa da União Europeia, o Japão, a Coreia do Sul e pouco mais (cerca de 15% da população mundial).

O sistema de Bretton Woods, foi instaurado quando os EUA eram a potência tecnicamente vencedora da 2º Guerra Mundial. A URSS e muitos outros países que lutaram contra as potências do Eixo (Alemanha hitleriana e potências suas aliadas) estavam de rastos. A sua vida económica e social sofreu de tal maneira, que não estavam muito melhor que os países vencidos (Alemanha, Japão, Itália, e outros.)

Assim, quando foram assinados os acordos de Bretton Woods em 1944, e nos anos imediatos, os EUA dominavam o comércio mundial (cerca de 50% deste), possuíam a maioria das reservas de ouro em bancos centrais (cerca de 70 % do ouro guardado nos bancos centrais) e tinham uma infraestrutura industrial intacta e em plena expansão. 

Um sistema de Bretton Woods não poderá voltar a ser reinstalado, não porque seja impossível reinstaurar um padrão-ouro (embora seja uma má solução), mas porque não existe nenhuma potência com o poderio hegemónico dos EUA à saída da IIª Guerra Mundial.

Um futuro multipolar será sempre mais instável, que um futuro unipolar. Mas, um sistema global unipolar não dará a um conjunto de países, possuindo a maioria da população mundial e dos recursos em matérias-primas, a possibilidade de fazerem valer os seus interesses e de poderem negociar em termos aceitáveis, a sua participação no comércio, no investimento e na repartição do bem-estar individual e social, ao nível mundial. Por muito injusto que seja um mundo multipolar, como o foi em diversos períodos da História, para aqueles povos submetidos a um império ou a uma nação mais forte,  nada se compara com a força bruta e a ausência total de consideração pelos direitos e pela dignidade dos mais pobres, num império mundial único, hegemónico. 

O império liderado pelos EUA tem demonstrado isso, neste pequeno intervalo de tempo, que vai da implosão da União Soviética (1991), até hoje. No entanto, reveste o seu desprezo absoluto, com a hipocrisia típica da civilização de comerciantes, aventureiros e donos de escravos - que foram os impérios Português, Espanhol, Britânico, Holandês - especializados na guerra de razia e de rapina, que foi o modo como se expandiram e enriqueceram estas potências coloniais desde o século XVI até hoje. 

Não é por o comércio internacional ser feito em tal ou tal unidade de valor, vulgo «moeda», que a troca é mais ou menos desigual. Desde Ricardo, que se reconhece que determinadas nações têm determinadas vantagens competitivas, no comércio internacional, em relação a determinados produtos industriais, agrícolas ou minerais. É sobretudo o preço do trabalho que conta, por agregado. Assim, os países onde o trabalho é mais barato, foram aqueles que receberam as indústrias deslocalizadas dos países industriais tradicionais, os países europeus ocidentais e os EUA, sobretudo. 

Mas o globalismo, ideologia associada ao neoliberalismo, está completamente posto em causa. Este globalismo «reinou» durante um curto período, em que as potências industriais europeias e norte-americanas exportaram as suas indústrias para beneficiarem da mão-de-obra barata dos países ex- coloniais, ou que tinham uma grande diferença no seu grau de desenvolvimento. Estes países, entretanto, fortaleceram-se e tornaram-se mais capazes de impor suas condições a países outrora dominantes. 

Esta mudança entra em colisão com a mentalidade colonialista e imperialista, das classes dirigentes dos países ocidentais, que também se transmitiu a extratos explorados desses mesmos países.  Órfã de uma instância política que formalmente a representasse, a classe trabalhadora dos países do Ocidente virou-se para os demagogos de extrema-direita, ou confinou-se na rejeição da política. O abstencionismo crónico tem sido maior na classe trabalhadora marginalizada,  do que na «classe média», ou classe trabalhadora integrada, que tradicionalmente vota à esquerda.

Do ponto de vista do império dominante, este já percebeu que é demasiado tarde para inverter a tendência global. Trump não foi bem sucedido, porque - em parte - não conseguiu o entusiasmo interclassista e patriótico que ele esperava para a sua campanha de fazer regressar as indústrias ao solo americano. Sem dúvida, ele foi sabotado pelo «establishment» de Washington, mas também não conseguiu uma adesão significativa dos setores da indústria, ditos «high-tech», tecnológicos. 

As mutações do sistema monetário são sempre consequência de um duplo jogo de forças: As forças relacionadas com o capitalismo mais dinâmico - hoje, a China e outros países asiáticos, principalmente - por um lado, e por outro, com a capacidade militar global: Sabe-se que as simulações duma guerra Russo-Chinesa / Americana (NATO), realizadas no Pentágono, deram invariavelmente resultados negativos para as forças americanas e suas aliadas. 

Assim como a arquitetura de Bretton Woods foi consequência da prevalência dos EUA no comércio, indústria, finanças e domínio militar, após a IIª Guerra Mundial; também a nova arquitetura global do sistema monetário terá de refletir a realidade das trocas comerciais, das forças produtivas, das capacidades de defesa e da inovação tecnológica, que os diversos atores mundiais terão alcançado, na atualidade. 

O facto de o dólar surgir como «forte», em relação a outras moedas ocidentais não significa que a divisa dos EUA continue a possuir a mesma prevalência mundial. Existe uma diminuição significativa das trocas efetuadas em dólares, numa parte importante do Mundo, o que significa que há rutura, face ao período de trocas efetivamente mundializadas. Significa que os países da esfera político-económica do dólar, estão encerrados numa de matriz de tipo neocolonial em que a potência dominante tem a possibilidade (e exerce-a) de dizer o que esses países devem comerciar e com quem, com que tipo de mercadorias e com que formas de pagamento. O sistema de sanções montado pelos EUA é muito astuto, no curto prazo, porém a impossibilidade das empresas europeias comerciarem com países possuidores de grandes reservas de energia (como o Irão) ou com a Rússia e China, que possuem certos produtos praticamente insubstituíveis, no curto prazo (certos metais, como o titânio, ou terras raras, ou ainda, os «microchips»), traduz-se numa perda de competitividade  da União Europeia, nos mercados mundiais. Isto é válido para todos os seus membros, em especial, para o gigante industrial, a Alemanha.

Por contraste, os países dos BRICS+ e das Novas Rotas da Seda têm reais perspetivas de desenvolvimento, de alargamento dos mercados. Os países da «velha Europa» não estarão em condições de competir, devido à diminuição da sua parte nos mercados, ao acréscimo de custos de produção e devido à «mão de aço» da potência «hegemónica regional» , os EUA. Por enquanto, estes comportam-se como o senhor feudal (o suserano) em relação aos vassalos. 

Mas, embora o feudalismo tenha durado alguns séculos, o novo feudalismo dos EUA, perante outro sistema multipolar, não poderá manter uma «hegemonia regional», durante muito tempo. Uma tal situação é intrinsecamente instável, não poderá durar mais do que alguns decénios.

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(1) O  «SDR» significa Special Drawing Rights, em português, Direitos de Saque Especiais.

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PS1: Para compreenderes a estratégia globalista em todas as suas vertentes, lê:

https://www.globalresearch.ca/globalist-cabal-meets-again-prepare-world-domination/5805836

PS2: Os dementes que estão no poder não se importam que seja desencadeada uma guerra nuclear; por outro lado, os povos estão de tal maneira doutrinados, que não percebem realmente o que representa a generalização do conflito Rússia/Ucrânia.  

https://caitlinjohnstone.com/2023/01/25/hardly-anyone-is-thinking-logically-about-the-risk-of-nuclear-war/