É atribuída a Napoleão a expressão de que «o dinheiro é o nervo da guerra». Ou, por outras palavras, é o fator que mais importa, numa guerra. O facto continua a ser verdadeiro, hoje. Embora as guerras do século XIX sejam tão diferentes, em muitos outros aspetos, das guerras atuais. Para não irmos demasiado longe, as guerras levadas a cabo pelo império Yankee, apenas no século XXI, tiveram todas elas uma forte componente económica por detrás:
- Antes de mais, a necessidade de vender equipamento militar, incluindo novos armamentos, que a indústria de guerra americana constantemente produz. O lobby da indústria dos armamentos é um dos mais poderosos com influência muito vasta em Washington;
- O acesso às matérias-primas e fontes de energia: O Afeganistão possui recursos minerais cobiçados por multinacionais, o Iraque, a Líbia, a Síria e o Iémen têm petróleo. O controlo das matérias-primas estratégicas, assim como dos combustíveis fósseis, é considerado um argumento válido para se fazer a guerra, para os falcões que enxameiam os estados -maiores e «think-tanks» da NATO. Lembro-me que, do lado americano, por alturas da invasão do Iraque, argumentavam que a «guerra se pagaria a si própria» com as «royalties» do petróleo. Estas, seriam vertidas nas contas dos EUA, como «indemnizações de guerra».
Note-se que os americanos não tardam em tomar de assalto o banco central nos países invadidos e a roubarem o ouro. Na sequência do golpe da Maidan, ficaram com as toneladas de ouro do banco central da Ucrânia, à sua «guarda» e não o devolveram, nem nunca o farão. O mesmo com o Iraque, a Líbia e o Afeganistão.
As motivações, na presente guerra Russo/Ucraniana, são mais complexas. Penso que o aspeto estratégico, na perspetiva russa, ultrapassa o aspeto económico, apesar deste estar presente, ao nível das sanções e contrassanções. Parece-me que estará fora das intenções dos russos anexarem a Ucrânia. Porque haveria, em tal hipótese, somente custos, sem quaisquer benefícios: Se ocupassem permanentemente a Ucrânia, teriam de reconstruir a sua economia, teriam de a sanear, visto ela ter sido profundamente depauperada em todos estes anos de corrupção. Eles querem apenas que a Ucrânia seja um Estado neutro, com um relacionamento normal e não hostil, com a vizinha Rússia.
Aqui, jogam considerações geoestratégicas, joga também uma visão integrada do que se passa na esfera económica. Em vez de uma guerra para tomada de matérias-primas, ou outros recursos*, trata-se de uma guerra imposta pela pressão constante dos EUA/NATO, sobre as fronteiras da Rússia. Esta, não podia continuar a fazer de conta que não era grave para a sua existência, enquanto nação independente. A história da guerra atual deverá recuar, pelo menos, a 1991. Deverá registar e analisar as muitas peripécias dramáticas e trágicas, incluindo o golpe de Maidan. Além disso, em todos os anos do Século XXI, os EUA e seus aliados estiveram envolvidos diretamente, ou através de forças por eles apoiadas, em guerras regionais.
Na perspetiva russa, a possibilidade da NATO incluir oficialmente a Ucrânia - já com extensa colaboração com a NATO - implicava o risco de que os russófobos mais extremos tivessem acesso a sofisticados mísseis e armamento nuclear. Com efeito, Zelensky na Conferência de Segurança de Munique de 2022, sugeriu que a Ucrânia deixaria de subscrever o acordo de Budapeste, segundo o qual a Ucrânia renunciava a possuir ou estacionar armamento nuclear. Por outro lado, a tresloucada declaração de Stoltenberg da NATO, com certeza incitada pelos americanos, de que a cada queixa russa, iram redobrar as forças e dispositivos da NATO, às fronteiras da Rússia, soou-me como uma declaração de guerra da NATO, como um momento funesto de húbris, de rejeição de qualquer abertura negocial e de provocação para o desencadear a guerra.
A invasão da Ucrânia, pode-se pensar que foi uma má jogada de Putin. Porém, ela foi explicada ao povo russo e este - na sua imensa maioria - aceitou a explicação. Segundo Putin, não podia ser de outro modo, pois os americanos e a NATO estavam a tentar realmente «apontar uma arma à cabeça da Rússia».
A guerra que se está a desenvolver tem muitos aspetos militares complexos. Um dos mais notórios, é as forças russas terem começado por neutralizar toda a força aérea, todas as defesas antiaéreas e toda a frota dos ucranianos. Depois, graças a uma penetração muito rápida no Leste, para bloquear qualquer tentativa de invasão dos territórios separatistas do Don, o exército russo cercou, em grandes áreas, o que eles chamam «caldeirões», as forças ucranianas. Estas, estavam concentradas no Leste (cerca de 75 a 60 mil homens), prontas a atacar as repúblicas autónomas de Donetsk e de Lugansk. Progressivamente, as forças russas fecharam o cerco e agora estão a encerrar o remanescente das brigadas ucranianas em «caldeirões» mais pequenos. Esta é a ação militar mais relevante, no terreno, pois estas forças ucranianas são a melhor parte do seu exército.
A cidade de Mariupol, na costa do Mar de Azov, foi cercada e, perante a resistência das tropas sitiadas, tem vindo a ser conquistada em lutas urbanas. Não há utilização maciça da força aérea, pois os russos não pretendem arrasar a infraestrutura. É isso que leva alguns agitados ocidentais a gritar que as forças russas estão a encontrar dificuldades. Querem alimentar a falsa esperança, de que as forças ucranianas conseguem contra-atacar. Mas, isto é completamente ilusório.
No caso de Kiev, é particularmente notório que a estratégia russa tem sido de poupar a capital, de poupar o próprio governo, pois precisam de ter interlocutores com quem negociar um cessar-fogo e uma paz. Se eles quisessem arrasar as urbes, não teriam qualquer dificuldade em fazê-lo. Como prova disso, basta notar como os mísseis certeiros, disparados de enormes distâncias, liquidaram centenas de mercenários em dois acampamentos, que se situavam perto da fonteira com a Polónia.
O chinfrim sobre a «zona de exclusão aérea», era apenas propaganda dos mais extremistas da NATO, ou pró-NATO, sem substância alguma. Aliás, a impossibilidade de tal coisa, foi reconhecida pelo presidente Joe Biden. Se existe uma exclusão aérea, é aquela que os russos impuseram. Não há aeronave que possa cruzar o espaço aéreo ucraniano, sem ter autorização deles.
O número de falsidades propaladas pela media ocidental sobre o desenrolar da guerra, é também aumentado pelas mais incríveis histórias que são reproduzidas, sem «fact-checking»: São meras peças de ficção, oriundas do governo ucraniano, ou dos seus partidários. Acossado em Kiev, o governo Zelensky não é autorizado, pelos americanos, a negociar um cessar-fogo, só a arrastar as negociações. Os partidários do governo de Kiev fazem a «guerra informativa», já que perderam a guerra no terreno. É por demais evidente que os EUA e a NATO estão a assoprar os ventos da guerra, incitando à formação de legiões de mercenários e despejando armas de todo o tipo**. A esperança (vã) dos dirigentes dos EUA/NATO, é que a guerra se prolongue, o mais tempo possível. Isto implicaria mais mortes (inúteis) e destruições avultadas. Eles esperam que haja uma espécie de guerrilha mas, de facto, estão completamente enganados.
Não se trata do Afeganistão. Os russos conhecem muito bem o território e as gentes. Além disso, devem ter planeado a invasão com muita antecedência. Têm mostrado grande precisão no que toca à «inteligência militar»: Inúmeros depósitos de combustível, de munições, de partes suplentes para veículos do exército ucraniano, foram destruídos. O modo como as forças russas têm atuado, indica que querem sobretudo quebrar a resistência do exército. Para tal, manobram para cercar as forças militares ucranianas e depois bombardeiam até estas se renderem, ou ficarem fora de combate. Eles estão a evitar a tomada de cidades, com exceção de Mariupol e de mais duas ou três, de pequeno tamanho. Os russos querem evitar muitas baixas civis e grandes destruições. Tanto Kiev, como Kharkov, estão isoladas. Mas, não é um cerco total, há saídas possíveis, porque querem que o máximo de gente fuja destas cidades.
Do ponto de vista técnico-militar, vários especialistas militares americanos têm dito que a guerra - para as forças ucranianas - está perdida. Isto, porque não existe a possibilidade duma unidade (uma divisão, ou brigada) se coordenar com outra. Só assim poderiam travar a ofensiva russa e desencadear uma contraofensiva. Os que agitam histórias fantasiosas «a favor» da Ucrânia, não estão a fazer favor nenhum à Ucrânia e às suas forças armadas. Quanto pior for o estado das forças armadas sobreviventes, no fim da guerra e quanto mais durar a sua resistência, sem benefício tático nenhum, pior serão as situações, militar e política, futuras. Uma Ucrânia, como Estado independente, precisa de um cessar-fogo, de negociações e duma situação de paz. É isso que os imperialistas americanos mais temem: a paz. Pois, eles têm realmente uma visão imperial dos povos. O povo ucraniano só lhes serviu para desestabilizar a Rússia, esta é a sua obsessão.
Creio que a Rússia está muito bem preparada para enfrentar o boicote, o embargo total pela Europa e pelos EUA; muito melhor do que estes jamais pensaram. A arrogância dos que se julgam (ainda!) donos do mundo, está levá-los a descolar completamente da realidade. As sanções contra a Rússia só têm fortalecido a aliança Sino-Russa. Contrariamente à mentira propalada no Ocidente, muitos países continuam a ter relações diplomáticas, comerciais e outras, com a Rússia. Pelo contrário, devido à vaga de sanções anti Rússia, o Ocidente já «garantiu» para si próprio, uma recessão severa que se irá abater, sobretudo, na Europa ocidental.
Do ponto de vista global, tanto no plano económico, como das alianças políticas e militares, o bloco ocidental fica cortado de toda a espécie de trocas com mais de metade da população mundial e de boa parte das matérias-primas estratégicas. Perde também mercados importantes para seus produtos. Mas, o pior seria o seguinte: Se houver uma escalada de sanções contra a China e, em retaliação (muito provável), cessarem as exportações chinesas para os EUA e Ocidente, será o golpe mais devastador para as nossas economias.
A loucura dos dirigentes ocidentais deve-se ao seu sentimento de superioridade, a um racismo muito profundamente entrincheirado no seu subconsciente, que transmitem aos seus povos respetivos. Daí, a onda de histeria, que se observa agora nas populações ocidentais. Os que glorificam os dirigentes imperialistas ocidentais e demonizam Putin e o povo russo, os que mentem, não somente impedem que o público tenha uma imagem objetiva do que se está a passar; estão a ser coniventes de crimes.
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(*)Embora, caso os russos capitulassem, os imperialistas iriam explorar os recursos riquíssimos da Rússia, tal como fizeram na era de Yeltsin e como têm feito no Terceiro Mundo.
(**) o perigo destas operações é que as armas vão parar ao mercado negro, as que não são destruídas pelos russos, assim que passam a fronteira.
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PS1: Faço notar que o Mundo já estava a braços com uma crise profunda, a qual não foi causada pela guerra na Ucrânia, nem pela pandemia covidiana. Os media irão martelar que as subidas de preços, a escassez de bens essenciais, o desemprego e todo os males do mundo se devem exclusivamente à situação de guerra. Porém, a realidade dos mercados mundiais mostra-nos que o mesmo se passaria, quer houvesse, ou não, crise ucraniana, pois as raízes do mal são profundas e têm a ver com o sistema financeiro mundial. Leia o esclarecedor artigo de Egon von Greyerz sobre esta questão:
https://goldswitzerland.com/all-hell-will-break-loose/
PS2: Publiquei sob o mesmo título genérico, «CRÓNICA DA TERCEIRA GUERRA MUNDIAL», os seguintes artigos neste blog:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_0396436697.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial_13.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2022/03/cronica-da-terceira-guerra-mundial.html
PS3: Em resposta à exigência russa de pagamento em rublos para as suas exportações de combustíveis, sobretudo gás, a UE estabeleceu contrato com os EUA para entrega de gás liquefeito LNG, em navios-cisternas.
PS4: O vídeo AQUI coloca a questão da divisa de reserva (o dólar, até agora) e a sua relação com os sistemas de pagamento SWFT, o sistema CIPS, chinês e o significado das mudanças em curso.
PS5: Fala-se de «nova Guerra Fria» e do consequente aumento das despesas militares. Porém, nos piores momentos da Guerra Fria Nº1 (guerras da Coreia e Vietname), a despesa militar dos EUA foi menor do que AGORA !
https://consortiumnews.com/2022/03/25/warnings-for-washington-about-cold-war-2-0/
PS6: Ontem o jornal britânico de grande tiragem Daily Mail confirmou a informação oficial russa, de que encontraram provas de que Hunter Biden estava envolvido no financiamento dos laboratórios secretos na Ucrânia, que efetuavam pesquisa aplicada de bio armas por conta dos EUA
PS7: Falham-me as palavras, tal é o meu espanto! E o espanto é que a verdade vem pela boca de um tonto. Veja:
PS8: Uma exposição clara, em artigo de Joe Lauria, de Consortium news sobre os esforços de vários presidentes americanos para desestabilizarem a Rússia. As afirmações recentes de Biden, na Polónia e Bruxelas, são suficientemente transparentes. Se postas em contexto, não deixam dúvidas sobre qual a estratégia dos imperialistas de USA/NATO, para chegarem aos seus fins: Sanções, prolongamento da guerra na Ucrânia, desestabilização do regime russo, derrube de Putin, colocação de governo dócil e subjugação completa da Rússia, incluindo seu desmembramento.