OPUS VOL. III

30. DESTINO ERRANTE


Sonhos inacabados embotaram a memória

deste imóvel viajante de viagens estelares

Arrastando ilusões entre fantasmas irónicos

destroço de barca encalhada em praia remota



Cego contando contos à criança sábia

em dias iguais confundindo os passos

Ou voando com as aves migratórias

sobre horizontes em brasa de ocaso



Cumprindo a promessa de peregrino

de ir por bosques, rios e mares, sempre

pela senda sem parar, até ao seu destino

Coração e alma nus, na ficção do real.

 


29. DESALMADA



 Caminha pela rua, bamboleia-se 

Ao ritmo da música dos auscultadores

Imagina-se a deslizar numa onda, 

Surfando sobre a música, quase voando

Voando pelos ares irradiando energia

Não vê nada além do sonho

O sonho sem os limites do mundo


Tudo o que tem de fazer

É mover o corpo, esse avatar

Obedecendo ao ritmo 

Que se desprende incessante

Obsessivo, hipnótico

E, muito mais que isso,

Um espesso vidro, inquebrável


Vive no simulacro do corpo

Mas habitado pelo som 

Em todas as moléculas

Vibra e ondeia no espaço

No interior/exterior

Da sua fantasia


Evolui em espirais

Pelo espaço-tempo

Ao ponto muito elevado

De onde observa a rua

Com a sua banalidade


E as pessoas cansadas

Ou vagarosas, distraídas

Ou pensativas, raivosas

Ou sorridentes, enfim

Se elas soubessem 

Se elas acordassem

Se elas escapassem

Coitadas...

Só que nunca o fazem!


Um vulto no passeio

Avança com passos

Cadenciados gestos

Nos dedos e nas mãos

Trejeitos na boca

Oscilando a cabeça

Possuído pela música

Indiferente ao resto 



28. IMPENITENTE



Há um cadafalso que te espera

Impenitente verdadeiro

Fugidio relapso 

Insensato herege

Amante da vida 'té à morte

"Ela que entre", dizes sorrindo

"E nos teus braços se extinga 

O fraco pulsar do coração".


Murtal, Parede

Outubro, 2024



27. REGISTO



Vivi em parte incerta, em tempo remoto

Dos humanos desprezado, confidente dos bichos

Sua língua falei;  foi também a minha

Desenhei quantas nuvens se desdobram no céu

Fui escrivão de sonhos, as palavras eu comi

E o vento, d'erva fresca temperado, eu bebi 

Debaixo de terra permaneço; aqui fico

Tranquilo espero a eternidade.



26. METAFÍSICO



 Ah,  pudesse eu mais que em sonho abraçar-te

Se estivesses comigo agora, sentindo teu respirar 

Ser ou não ser, não importa mais qu'este  sofrer

O destino frio desta matemática ausência


Por que persigo o impossível com a aplicação

Dos loucos ou dos heróis, não posso desculpar-me.

A sombra que somente eu vejo não me esconde

É um sudário que recobre levemente o cadáver


Mas no espaço de infinitas dimensões, quem sabe?

Talvez nos encontremos, um átomo, um instante

Na impulsão de sonhar que nos propulsiona


Talvez nos encontremos em uma vida paralela

Á beira mar, com suave brisa e serena plenitude

Unida alma fluirá, bailando no céu de estrelas



25. SECRETOS PENSARES


SE outrora vivera em redoma de amor, há muito dela me esqueci

SE nosso espírito no corpo se compraz, é que estamos de boa saúde

SE pudesse voltar ao passado, já não seria o passado mas outro presente

SE hoje sou como sou, à história do mundo e do universo o devo

SE caminho pelos bosques e veredas, não admira que seja bicho do mato

SE a felicidade é ausência de dor, escolhi não ser feliz e loucamente amar

SE estes versos te parecem estranhos, percorre mais um pedaço da vida

SE o espanto da Natureza te assalta, é porque a criança em ti não morreu

SE alguém me ignora, eu não levo a mal; ele será incompatível comigo

SE a vida duns vale mais ou menos que a doutros, só Deus o sabe.

SE , no entanto, queres um conselho meu, segue o teu caminho


24. VERSOS RECOLHIDOS NOS ESCOMBROS




Tantas luzes se consumiram

Nos fogos fátuos, na escuridão

Tantos corpos se quebraram

Num sopro, rente ao chão


Tantas vidas viveram

No Universo eterno

Tantos amores escolheram

Serem felizes no instante


Tantos falharam. Dizem

Aqueles que nem tentaram

Descolar os pés do chão


Promessas dos Prometeus

Brotaram obras nos cumes

Que os deuses para si

Mesmos reservavam


Por tudo isto e muito

Mais, nos confrontam

Águias depenadas

Mas com fortes garras;

Dominam

Ovelhas humanas

E aos penhascos as lançam

Pelo prazer de rasgar

Suas carnes tenras




Algum dia virá o fim

Das pulsões de morte

Algum dia chegará

Em segredo o Eros

Que vencerá o obscuro

Dentro dos humanos


Algum dia regenere

A Terra-Mãe

Dos estragos

Causados apenas

Por alguns, poucos

Mas que todos

Estamos sofrendo


Só há dois possíveis:

Ou projetas o teu ser,

Tua energia no futuro

Ou constróis, instante

A instante, o presente

De cada um e de todos


A construção, aqui e agora

Do Mundo Humano

É sempre possível

Mas fizeram-nos descrer

Homens, desta saída


Atirando a felicidade

A justiça e igualdade

Para um futuro incerto

Os poderosos enganam

Os povos, arrastados

Por novas/velhas utopias

Á procura de paraísos

Na Terra ou no Céu


Só se podem libertar

Aqueles que percebem

Como seus corações

Foram escravizados


Logo, libertos

No cosmos infinito

Voarão como anjos

Mas de carne e osso

Ensinando aos outros

A voarem, também



23.  ILUSÃO

 


Peguei no telemóvel 

Marquei aquele número que me disseram 

Uma voz maviosa respondeu

Ouvi um longo desfiar de frases

Que me preveniram supostamente

De todas as infrações / penalidades 

Eximia-se de qualquer responsabilidade 

E eu apenas tinha de dizer "sim"

Por fim, após uma musiquinha

Que se repetiu quinhentas vezes 

Veio a voz (real) de alguém 

Um homem que se identificou 

Mas não percebi seu nome

Da maneira como o pronunciou 

Apenas queria saber o meu nome

Completo, meu número da Seg. Social

Número fiscal, data de nascimento 

E depois perguntou-me:

"O que deseja?"

Já não sabia se desejava

Falar com alguém assim.

Afinal, tinha sido impulsionado

Por um agudo sentimento

Como se fosse uma vertigem,

Um mal-estar, de impotência 

Para continuar a arrastar

Comigo a sombra do passado

E de encarar o presente.

Estava realmente na ponta

Final da luta comigo próprio,

Mas a fatalidade jogava

Tudo para me empurrar 

Para dentro dum poço 

Sem fundo de meu

Desespero...

Não encontrei palavras

Para lhe responder.

Os pensamentos atravessavam

Meu cérebro como raios

U.V. e nem ouvia já 

Aquela voz insistente 

Ao meu ouvido

Que me repetia 

De maneira polida

"O que desejava ?"

Por fim, disse-lhe:

- Desculpa , não é nada.

E desliguei.




22.  DIÁLOGO ENTRE O REFLEXO E O REFLETIDO


- Se tu sabes, não digas.

- Confesso que não sei

Ignoro tudo, nada sei

Se olho prá Lua

Vejo um queijo

Cada coisa é nova

Inédita, um mistério

Um inexplicado

Movimento 

Sem causa aparente

- Muito bem, rapaz:

Vejo que aprendeste 

Bem e depressa; 

Mas, ainda melhor 

É ficares calado.



21. AQUARELA



O pincel desloca-se suavemente sobre o papel branco

Este absorve a tinta fixando espirais de cinzento

Recolhe mais tinta no tinteiro; aplica curtos traços

Nos intervalos brancos do papel; surge uma figura

Uma paisagem, um céu que se destacam do fundo

Como se sempre lá estivessem, mas invisíveis

Esta arte de pintar é toda em subtileza

A mais ambiciosa, na modéstia dos meios usados

Não admira que vejam nela meditação profunda.



Os esfumados que nos dão a espessura, os vazios

Que se enchem de luz, as linhas apenas sugeridas,

Os relevos de corpos gráceis ou pesados

As humanas formigas que descem a colina

Encosta abaixo, até aos telhados de colmo


Arte pensada, imaginada, antes de executada

Toda ela tensão entre o interior e o exterior

Poesia realista e onírica que mais aprecio

Mas que nunca alcançarei!


20. A CINZA DE GAZA


 Já não restam lágrimas, só cinzas

Que sobre as cabeças caem 

Vindas do céu mortífero

Da crueldade despejada

Sobre a cidade esventrada

Vê-se nos écrans digitais

Olhos vidrados já não veem

Outros olhos não querem

Outros são indiferentes 


O sangue das vítimas

inocentes espalha-se

Sobre as pequenas cabeças

Ensopa-lhes os cabelos

Escorre pelas faces


A degradação humana

Atinge esta civilização

Ela perdeu o senso moral

Demasiado poderosa

Totalmente impiedosa


A monstruosidade

e a cobardia

Não se apagarão:

Estão para sempre

por cima das cabeças

Dos que cometem 

Dos que abençoam

Dos que viram a cara


Haverá cinza suficiente,

Suficiente para enterrar 

A cinza dela própria

Sua autodestruição

Material e simbólica?




19. IRREVERSÍVEL


Fotos desbotadas, imensa tristeza que vem da lonjura

Enterrada na presença pungente que dilacera o espírito 

Viver com lastro de tantas recordações, tantas presenças 

Ausentes para sempre, que povoam as memórias 

Algo que nunca imaginei na juventude , o mundo 

Parecia estável apesar de todos os redemoinhos

Mas foi retirando os entes que eu amava

Restando apenas a distância incomensurável 

De um passado e todo o absurdo de sermos

Passageiro único de um imenso navio

De um longo comboio sem vivalma

Atravessando planícies monótonas 

Para destino nenhum , velozmente.

E o passado, em sonhos esfarrapados

Que me agitam e fazem acordar,

Desfila em sequências caóticas .

Aprendi então a viver no meio

De meus fantasmas familiares 

E , enquanto posso, vou saboreando

Os instantes poucos que me restam

De alegria e gratidão, que sabedoria

Me dá, agora que juventude se foi.



18. ASSIM OS LEVA O VENTO



Era um tempo sem bússola 

De parte a parte parecia

Um mundo fictício 

Porém era real

Para onde quer que olhasse

Já não reconhecia 

Os meus amigos

Vivia num pesadelo

Acordando em suor

Com a memória 

Misturando-se de sonhos

E estes não eram doces

Mas de calafrios

As lindas criaturas

Transformadas em hienas

Meus leais companheiros

Em verdugos sádicos 

Oh! Meu Deus, serei

Eu o louco, afinal?

Não sei; as conversas

Com o Senhor do Universo

Têm estado difíceis 

Ultimamente 

Mas, ao acordar, recebi

Uma críptica mensagem :

"Assim os leva o vento"




17. AQUELE PUNHO FECHADO



 Aquele punho fechado inspira coragem

E vem com o braço e o pulso

Finos, delicados e fortes da mulher

Dela erguem-se palavras 

Soam e ressoam no meu espírito

Sem falsa retórica e sem ódio

 

Sabe falar da guerra e da paz

Não precisa de falsos argumentos

Só de três coisas precisa: Amor, 

Coragem e Verdade. 

 Mais força tem que um exército

Mais pontaria que atirador de elite 


Sua palavra abrasa corações 

Invencível: Sendo impossível

De suprimir, brota da terra 

Recobre o horizonte 

É brisa ou vendaval

Sai do peito daquela mulher


Mas palavras assim poderosas

Outras vozes as pronunciam

Quem recebeu tais palavras

Pode fazê-las suas 

E disseminar como semeador

Que lança na terra nova vida



16. VIAGEM


 Na poltrona viajo sem mexer

Ciente dos perigos da estrada

Enquanto os pesadelos do sonho

Só nos dão um mau acordar

Passageiro.


Só percorro vales e montes

Montado na imaginação e basta

A realidade já não é perigosa

Nem nos traz grandes surpresas: 

Tornou-se chata.


Percorrendo avenidas e atalhos

Recolho imagens únicas e vivas

Mais vivas que as da vida real 

De tão reais que as exteriores

Empalidecem.


E como a matéria colorida,

Também a matéria sonora

Um tango ou sinfonia,

Entra pelos ouvidos adentro: 

Sublime


Não aconselho viagens 

Com drogas ou licores 

O viajante dos sonhos

Deve estar ao leme

Do navio


E quando acordo na realidade

Que tem de ser, quotidiana

Acordo com profunda tristeza

De visionar um mau filme

É o que é!



15. Fábula: O CONSELHO DOS ABUTRES

Nota prévia:
Este poema foi escrito na sequência do 11 de Setembro de 2001.
Publiquei-o a 29 de Setembro desse mesmo ano.
Não tinha ilusão sobre a política de abutres grandes e pequenos
que iria desenrolar-se daí por diante.
Infelizmente, para todos nós, a minha intuição estava correta!

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Reuniu-se o Conselho Supremo dos Abutres,

Para decidir de magna questão:

O Abutre-chefe, bateu as asas e disse:

 "Senhores; a situação é grave.

 Há grande falta de carniça no mercado!"

 Virando-se para um dos seus generais,

 Interrogou: "Não haverá para aí nenhuma

 Guerra que se aproveite?"

 Ao que o general abutre respondeu: "De momento,

 Que se veja, não! Porém, temos planos para

 remediar tão penosa situação "

 "Dizei-me então", retorquiu o Abutre-Chefe,

 "tem de ser algo em grande, que nos sirva

 por muitos e bons anos!"

 G: "Recebi informação dos nossos amigos Chacais

 que um banho de sangue de carneiros se está

 preparando pelos abutres do outro lado"

 A-C: "Quais? Dizei-me tudo o que sabeis!"

 G: Aqueles mesmos que nós preparámos e treinámos

 durante longos anos e que agora se têm rebelado

 contra o Vosso supremo comando;

 Vão causar um genocídio, dentro da nossa coutada,

 para mostrar que eles já não nos temem ou respeitam!"

 A-C: " Dentro da nossa coutada !?"

 Aí, pediu a palavra o velho Abutre que já tinha sido

 Conselheiro em inúmeras empresas de carne para

 canhão, e disse: "Pois bem, deixemos que atuem!

 Assim teremos pretexto para desencadear as nossas

 Operações!"

 Grande algazarra se elevou então no Conselho:

 Uns gritavam: "O quê? Deixar que soframos uma tal

 Humilhação?!"

 Outros: "Mas se desta vez os cachorros se puserem

 A ladrar que estamos feitos com o outro lado?"

 A maioria estava muito excitada, ao saber

 Que a grande crise estava prestes a terminar:

 Os abutres não se importam de onde vem a

 Carniça, sempre é bem-vinda, para satisfazer

 Suas grandes panças. 

 O Abutre-chefe ergueu-se então do seu trono,

 Voejando em torno da mesa de conferências,

  pousou no meio desta. Fez-se logo

  um silêncio sepulcral. Então disse:

" Sim; este é   o momento!

 Agora estamos em condições de ter abastecimento

 Copioso, tanto e tanto, que ainda vai sobrar pra

 Satisfazer a gula dos falcões, hienas, chacais e

 Todos os nossos amigos,

Eles são nossos aliados naturais!"

 Vamos organizar o cenário para uma guerra,

Com sua preciosa colaboração.

 O enviado dos falcões disse então: "Estamos

 De alma e coração convosco! Temos as nossas

 Esquadrilhas preparadas para atacar. Iremos

 Vestidos de pombas, como é nosso hábito,

 para que os cordeirinhos que estão cá dentro

 da cerca fiquem quietos e calados!"

 O Embaixador das Hienas, pediu a palavra

 E disse: "Se Vossas Senhorias me permitem,

 Devido aos longos anos que tenho de

 Experiência com as hostes cornudas, penso

 Que poderei dar um precioso contributo a tão

 Nobre causa; temos esquadrões bem treinados

 Para semear o terror nos rebanhos, receitas

 Infalíveis para os desorientar, para confundir

 Nossos dizeres com os apelos dos cães-pastores:

 Assim eles serão voluntários para irem imolar-se

 Pela nossa causa!"

 "Muito bem!" Disse o Chefe-Supremo: "Ordeno

 que ponham em marcha os preparativos

 da grande guerra que irá marcar com o nosso

 selo o início desta nova era! "

 Todos aplaudiram entusiastas, fazendo juras

 De eterna fidelidade Ao Céu dos Abutres,

 À civilização da Carnificina,

Ao Modo de Vida Necrófago.

Uma voz rouca, do velho abutre, fez-se

Ouvir, após a gritaria ter acalmado:

"Amigos: que tal  escolher uma data

simbólica? 

Para início da grande campanha ficava

a calhar 11 de Setembro:

 Sim , onze do nove de setenta e três!

 Com certeza se recordam da data,

 para a qual eu muito contribui

discretamente preparando 

aquele magnífico holocausto!"

 C-A: "Está bem, velho  e fiel amigo abutre"

 disse o Grande Chefe, "acho que é

 uma ótima ideia!"

 Dito isto, encerrou solenemente

 O Conselho dos Abutres,

 Com uma piedosa oração

 Ao Céu dos Abutres,

 E toda a assembleia se dispersou,

 Cada qual indo de imediato

 Cumprir a sua missão,

 para dar seguimento às ordens

 Emanadas do Chefe Abutre.





14. GRITO DOS OPRIMIDOS DA TERRA 


Quase todos se designam como ambientalistas

Está na moda; mas, quantos estão genuinamente

A lutar pelo ambiente, o que inclui os humanos?


Onde estão os ambientalistas quando se trata

De manifestar contra a guerra

Exigindo paz imediata, salvando vidas

E salvando a ecosfera, impactada

Pelo desastre ecológico das guerras?


Que protesto contra a hipocrisia 

Dos dirigentes que falam contra

Mas enviam armas e munições

A um dos lados, para eternizar

O bom negócio para a indústria

Dos armamentos?


Não lhes importa o ambiente

Nem tão pouco as pessoas

São ecologistas da treta

Que se indignam apenas

Com um dos lados e calam

Críticas a quem lhes paga!


A Terra, essa, não tem 

Quem a defenda

Apenas a regeneração

Natural, no longo prazo

Se os homens entretanto

Não tiverem conseguido

Tudo destruir!



13. O POETA TRANQUILO


Escrevia como se respira

Muitas vezes o vi sentado

Naquela mesa de café

Olhando o vazio

Logo de seguida

Mergulhava num caderno

Onde rabiscava 

Misteriosos signos

Depois, sorvia o café

E ia dar um passeio

Ou recolhia-se em casa

Se o tempo fosse agreste

Não sei o seu nome

Para mim, é «o poeta tranquilo»



12.  ANTEVISÃO


Um tiro no escuro...

E o que restou desse tiro?

Estalido, ruído, tremor, temor?

Quando se alumiou a cena, o que ficou?


- Pois uma estranha peça de caça

Carcaça que estava congelada  

E logo se desembaraçou do gelo

Mas sem miolos, feitos em papa


Ergueu-se à custa dos músculos

E quis esmagar tudo e todos

Mas, acabará em desaire 

Inconsciente do que faz!


Deixá-lo! Já basta de bestas

Esta vai dar muitos socos

No vazio, coices nas paredes

Urrando ferozes ameaças


Mas, nós ficamos a olhar

Sem intervir, certos que ela

Desmiolada vai esgotar

As forças sem proveito


E que assim seja:

Que esmurre o vazio

Pois acabará por soçobrar 

Ante seu próprio peso!


Deixá-lo! Já basta de bestas

Que nos atormentam

É tempo de regressar

À paz, à vida, sem mais dor




11. PALAVRAS OBSCURAS


 Serão palavras obscuras,

As que eu tenho para te mostrar:


Amei a luz e o calor

Não vi o cortejo

De invejosos atrás de mim

Ofereci meu coração

E afeto, mas a quem

Não sabia dar de volta


Agora estou às voltas

Com o meu passado

Arrependimento?

Só de ter sido ingénuo

Pois amor não é pecado!


Neste mundo onde vivemos

Hipocrisia, cobiça e outros

Sentimentos venenosos

Involucraram-se

Nas massas cerebrais

Dos contemporâneos


Ao ponto de não saberem

Distinguir a realidade

Das suas narrativas 

Auto justificadoras.


Tenho pouca esperança

D'amanhãs que desencantam

Dedico-me a estudar e mergulhar

Na Natureza, ela me ensina


Meu otimismo está na fonte

D'onde a glória cósmica

Emana; nas sociedades

Contemporâneas

Em vão procurei

A fonte de Vida

Procurei longamente

No meio das trevas


Não tenhais ilusões

Procurai o bem e o justo

No interior de vós próprios

Não em discursos elogiosos

Mas no saber de si próprio


Só assim podereis 

Velejar na travessia

Do oceano turbulento.



10.    VENDAVAL DE ABRIL


Onde estão os dias da minha juventude

Em que dançávamos embevecidos pelos sons

Que nos pareciam dizer o que nos ia no coração

Em que as raparigas eram atraentes e prudentes

Para nos darem esperança de namoro somente

As infinitas discussões politicas, as ilusões 

Podeis rir ou desprezar; eu tenho boas recordações

São minhas, são vossas, rapazes e moças desses anos

Não importa que sejais avós, que estejais na reforma

Este período da nossa história coletiva foi

Entre exaltações, ilusões e trambolhões

O tempo único de florescimento

O desabrochar de mil canções

Que nos encheram corações e almas

De esperança

Não será isso o mais importante?

- Aquilo que nos faz viver,

Nos transporta além do nosso ego

- Aquilo que vence a estupidez

A mesquinhez e a cupidez?

Serei sempre adolescente

Na alma, não por passadismo

Mas por escolha, depois de ter

Visto a miséria em que se transformou

 Boa parte dos adultos de hoje:

O seu "ideal" é encaixar no sistema!


Perdoo tudo, menos a covardia 

O não ter coragem de fazer

O que seja preciso, para repor 

A justiça e dignidade no seu entorno

Podem ter muita "competência", etc. mas

 Onde está a vossa decência?

Se quiserdes, podeis viver "com a espinha direita"

É vossa escolha... 

Digo-vos ser bem pior

Viver rastejando e espezinhado. 


- Tudo o resto é bem pouco, indigno

E fracassado, não tenham ilusões:

O "vencer na vida" que eles apregoam

É vencer no concurso

Para escravo abjeto dos Senhores

Se é este  o vosso objetivo, lamento,

Mas não terei qualquer palavra de apreço

Pela vossa entrega ao serviço das bestas

Do momento;  só poderei lamentar.


Os outros que me seguem

Sabem que eu não lhes tento vender

Esta ou aquela ideologia

Apenas que sejam livres, humanos,

Dando e recebendo  amor

O amor verdadeiro que não 

Se vende nem compra

Que pode ter ou não ter

Uma componente física. 

Tem de ser genuíno.



 9.   AS AÇÕES TÊM CONSEQUÊNCIAS


  Há sempre um depois, isso tens de aceitar 

quer gostes ou não, tuas ações têm consequências

Assim, quando te lamentas de que não «esperavas»

estás a enganar-te pois já sabias que nada é garantido

O que pode uma mente e uma vontade em face

do destino? Pode muito ... mas não lamentar-se

Na tua postura reside o problema; tomas-te 

por outro, imaginas um personagem que não és tu

Mas vem o dia, um certo dia em que o teu sonho

se desmorona; podes tentar construir nova ilusão

ou varreres os escombros e construir algo novo

ou estás sempre a reproduzir os mesmos erros

ou tomas o leme e pões o teu ser noutra rota

A escolha é tua, mesmo que não te agrade escolher

sabes, no fundo, que podes sempre escolher

Embora fazer as escolhas no tempo certo seja o ideal

as oportunidades são mais que as marés

sobretudo para reerguer a tua vida e navegar

As escórias que nos dificultam o caminho

são fáceis de eliminar, só guardar o que tem valor

Os sentimentos e atitudes vitais e comuns 

que permitem potenciar a vida em comum

A vida social, a transação não comercial

entre pessoas chama-se amor

Mas está-se numa época muito contrária

a este simples elemento da vida humana

Só podemos viver a vida em plenitude,

ultrapassando as imposições exteriores

que nós interiorizamos e são muitas!

Reconhecer quais são essas, examiná-las

rejeitando as que nos amesquinham,

aproveitando as que sejam de disciplina

pessoal saudável, selecionando

aquilo que há de bom e suspendendo

o nosso julgamento do que não sabemos

ao certo,  ou com grau de certeza suficiente

sabendo que, se esperarmos, saberemos.

Poderemos deslindar e avaliar o valor

de ações, de juízos, de teorias, etc.

mas, não é possível avançar sem grande trabalho

sobre si próprio. Talvez esse seja o significado

profundo do mito de Sísifo. Ele rolava sempre

a pedra para o cume da montanha

Não foram os Deuses que o condenaram 

a fazer isso e a repeti-lo incansavelmente

Era a lei da vida; de se procurar acumular 

energia potencial, 

que se dissipa, inevitavelmente,

rolando pela encosta abaixo. 

Porém, nada nos pode demover de fazê-lo

ainda assim; porque se trata da lei da vida

e nós queremos estar vivos. Se perdemos 

esta vontade de rolar a pedra encosta acima

então só nos resta nos deitarmos e morrer.

E o dia depois de morrermos, como seremos?

Não haverá energia para «rolar a pedra»

por isso precisa a natureza de fabricar

novos seres vivos, substituindo

os que se foram.

Mas os que se foram deixaram uma obra

ela existe, em torno de nós

e chama-se sociedade, civilização, cultura

Então, este é o verdadeiro potencial,

transcendendo várias gerações. 


Por isso, devemos opor a nossa energia às forças de destruição

de anulação do potencial, construído pelas gerações presentes

e passadas; quem quer destruir tudo, são tresloucados

não se constrói, destruindo! 

Sim, é preciso escavar para construir um edifício, 

mas não se faz senão deslocar terra e rocha de um sítio para o outro! 

A destruição que eu falo é bem pior,

traiçoeiras bombas que eliminam vidas, que as ceifam

a destruição de incontáveis gerações humanas

quer sejam edifícios, quer sejam vidas e todo seu potencial

As destruições que se tem diante dos olhos não são sentidas

verdadeiramente pelos que não estejam debaixo das bombas

A solidariedade real, escasseia: a indiferença e egoísmo

face ao sofrimento alheio é uma destruição do que existe

de humano em nós. Colocam-se as imagens de violência, 

nos écrans das televisões e dos computadores, estão a ser

veiculadas ao nível subliminar como «espetáculo», 

mesmo os corpos mutilados e as cenas de desespero 

perante as câmaras, não são vistas como algo que nos diga respeito,

no mais íntimo. É precisamente neste aspeto, além do imediato

que a guerra (todas as guerras) tem um efeito global destruidor: 

Se a humanidade das pessoas desaparece, fica embotada, elas estão 

transformadas em robots «de carne e  osso», não são seres humanos,

pois deixaram de ter empatia, a capacidade de se colocar na pele do outro.

Tanto para os criminosos como para as suas vítimas, existe o depois:

Depois de feito o abjeto e criminoso ato, ele não será nunca apagado

seja qual for a sentença de tribunais humanos

O espírito universal não será condicionado por isso.

As consequências são incalculáveis para nós, humanos.



8.    O VEREDICTO 


Cada dia que passa, 

Cada hora, cada segundo   
Cada olhar de criança esfomeada 
Cada virar da cara 
Cada cobardia   
Cada fala perjura 
Cada encolher de ombros 
Cada esgar cruel 
Cada justificação do massacre 
Cada utilização da Bíblia 
Cada palavra de ódio 
Cada punição coletiva 
Cada genocida dum povo  

Cada uma das coisas
Que vemos acontecer 
Com o povo palestino
Recai em cima da 
"Civilização ocidental" 
Dos seus lideres políticos 
Governantes, magistrados, 
De toda a pessoa que consente 
Que aprova, que é indiferente  

Recai a condenação 
Do mundo inteiro, 
Agora e no futuro



7. VIVER É SOFRER



Sabe-se que viver é sofrer
Mas a maior parte das pessoas
Está tão ocupada com a simples sobrevivência
Que não tem possibilidade de filosofar

A vida é sofrimento, sente-se de vários modos:
Com o corpo e com a mente
Em várias circunstâncias
A ausência de sofrimento é assimilado
Ao bem-estar, ao prazer

Mas tal não é assim;
Seria antes o sofrimento
A reinar sobre nós
Como tortura sobre o corpo
E o espírito. 
De vez em quando,
Os sofrimentos materiais e morais
São menos intensos, não desaparecem
Mas podem ser esquecidos
Por instantes.
É nessas ocasiões que nos iludimos
E acreditamos que somos «felizes».

Além disto, quero dizer-vos
Que a ideia de que existem afortunados
Que não sofrem, ou sofrem pouco,
Porque são ricos, poderosos, inteligentes ...
É falsa. Não existe correlação entre o poder
E evitar o sofrimento.

Quem aguenta o sofrimento
e não fica tão traumatizado
Como os outros, tem maior resistência
Ou resiliência, a capacidade de enfrentar
As coisas duras da vida.

Não procuro sofrer. O sofrimento
Não me trouxe paz, trouxe-me
Um início de sabedoria
A vontade de evitar sofrimentos
Inúteis, em mim e nos outros.

Sei que soa a demasiado pouco
Mas, este evitar ou menorizar
Da dor e do sofrimento
É ensinamento de séculos e séculos
Da filosofia e da educação moral



6. OUVI O ANJO DA MORTE


Ouvi o Anjo da Morte;

 falou-me ao ouvido

Serena, amistosa, disse-me estas palavras:


" Não temas, homem, esta passagem

Ela parece difícil e terrível

Porque os humanos

A descrevem como algo horrendo 

No entanto, a vida (essa sim)

Pode ser horrível e bela

A morte é passagem, somente

Ela não te faz sentir nada

Tu deixas de sentir

Nem sentes, nem guardas consciência

 Como poderias sofrer  

Chega um momento de passagem

Para o Além

Não te posso dizer nada sobre o Além 

Nem o que lá irás encontrar

Só te digo que as imagens

De todas as Religiões

São infantis, são projeções  

Serena pois e prepara- te

Para esta jornada;

- Nada do que seja teu

Vai quedar-se tal qual

Teu corpo, teus pertences

Pessoais, teus bens, tua obra

Tudo vai cambiar e a marca

Da tua personalidade

Vai esbater-se, até mesmo

Nos entes queridos;

É assim e não vale a pena lamentar

A lei da vida inclui a morte: 

Descansa sobre a sabedoria

Destas palavras."


Assim me falou ela.

E como anjo belo 

Alevantou-se,

Retomando o caminho

Das nuvens.



5.   NA ROCHA DO TEMPO



 Na rocha do tempo contemplo o meu passado

Meço os meus passos pelo ritmo da asa

Que no céu bate até chegar ao destino

Sem o preconceito do homem civilizado

Mas com a certeza da vida e do querer


Na rocha do tempo estou realmente sozinho

Mas o sol também, e tal como o vemos

Ele não se ressente disso e continua

Imperturbável a iluminar o firmamento

Sempre, quer faça chuva ou nevoeiro


Na rocha do tempo me abrigo 

Sei que sou transitório e isso

Isso afinal não me assusta

Quando estou contemplando

O tempo, o tempo que não tem prazo

  


4.   SÓ O AMOR


 NÃO HÁ NADA QUE POSSA FAZER-ME ESQUECER

O QUE VIVI CONTIGO

SEM TI, O MUNDO SERIA CHATICE

SEM TI, SÓ PODERIA SOBREVIVER 

MAS ESTAREI CONTIGO SEMPRE

DE AGORA EM DIANTE

NEM A MORTE NOS PODE SEPARAR

ASSIM PROCLAMO AOS QUATRO VENTOS

E QUEM NÃO AMA, NÃO SABE


SÓ O AMOR NOS DÁ SABEDORIA

O VERDADEIRO AMOR

NÃO NOS PODE EXTRAVIAR

É LUZ QUE ALUMIA OS TÚNEIS 

DO PASSADO, PRESENTE E FUTURO

E SERÁ ETERNO OU NÃO SERÁ


POIS ELE TRANSCENDE A FINITUDE DO CORPO

ELEVA-SE AO ESPÍRITO ETERNO, UNIVERSAL

O TEU AMOR É QUE ME LIGA AO UNIVERSO

O TEU E O DE MAIS NINGUÉM!




3.  ODOR IRRESISTÍVEL!




 Um odor que tresanda

Mistura de suor, sujidade, sangue, lixívia

E tanto mais forte, quanto as pessoas

Fingem não se aperceber de nada

De pouco serve perfume, desodorizante, ou loção 

É fedor que se escapa de certos corpos

Por mais que disfarcem 

De nada serve toda a técnica de ocultação

Atravessa os salões, insinua-se nos carros

Existem variantes, é certo

Mas, a camuflagem odorífera neles todos

Não disfarça a nota de fundo, o típico

Agridoce de cadáver no início do apodrecimento 

Será fortuito encontro, numa mesa de anatomia,

De pedaços de corpo humano e de animal

Será essa a nutrição de requintes perversos

Mas nem todas as pessoas são assim

É preciso ter o estômago bem resistente 

Esse odor que tresanda, mas encanta

Que ninguém repara, mas todos sentem

Que intoxica, mas que se respira

Material ou imaterial; em metal, papel

Ou digital, é disso que estou a falar:

O  odor do dinheiro


( 02- 14  ANNUS HORRIBILIS 2024)




 2. SUSSURRANDO


Ao teu ouvido

Amor

Estas palavras

Ofereço

São ínfimo som 

Só tu ouves

Mais ninguém

Não partilho segredos

Dos nossos enredos

Sacode os medos

Ouve a melodia

Da canção nossa

A letra sabemos

De cor, la la la

di di ri di

Em exclusivo

Até ao fim

Só nós sabemos

Essa letra e guardamos

Seu significado

Tu e eu

Até que o Mundo acabe


(Murtal, 12 de Janeiro 2024)



1. PARA QUE CONSTE


 Hoje, tempo de recordação. Hoje, tempo de ouvir os sons que me consolam na solidão. Hoje, só permito que beleza enforme o meu olhar. Para que conste, não estou a escrever senão pelo prazer de um improviso. Pelo prazer de levantar voo no dorso dum ganso de um conto de infância.


Não assentei quais os pergaminhos que irei recopiar, e os que deixarei apodrecer, nesta memória volúvel do tempo presente. Assim como assim, posso deitar algumas migalhas aos pardais: irão fazer um grande festim. Assim, como assim, tenho estado a apanhar, para mim próprio, alguns frutos do chão. Eles foram-me generosamente deixados pela árvore da vida. Não desprezo o meu sustento.

Há certas músicas que têm o condão de me pôr a delirar, de mansinho, como em sonho. Tenho-as na memória gravadas: irrompem subitamente, não solicitadas, movidas pela sua própria vida. Quando tal me acontece, eu aceito-as, naturalmente. Oiço o que me oferecem: um baile, um concerto ou uma serenata. Só preciso escutá-las, em silêncio; de prestar atenção; desenrolam-se reverberando na abóbada craniana; não há mais ninguém que as oiça, senão eu.

[Ao pé de mim, serenamente dormindo uma soneca, a minha cadela Oni.]

Eu disse que hoje só permitia que a beleza penetrasse no meu interior. As coisas belas são harmoniosas por dentro, quer sejam inertes ou vivas. A Natureza é sempre bela.

O bonito não é o belo. Diferencio sobretudo com a força que vem de dentro: se for belo, sente-se essa força. Mas o «bonito» é apenas o superficial: um boneco de peluche, ou um cãozinho de colo mimado e com lacinhos.

Há um olhar não trivial, para além das aparências: Um olhar que não julga, que não tece sentenças. Um olhar de pintor; de observador da Natureza e dos homens. Procuro exercitar este olhar interior sobre o que vejo. Sei que ainda estou muito longe da perfeição!

A perfeição desta Suite para o alaúde de J.S. Bach exerce em mim uma espécie de hipnose, enquanto estou a escrever o que me vem à mente. O sentido do que escrevo não está relacionado com a música. Porém, a forma como trabalho é diferente com música suave e serena. Ajuda-me a fazer subir à superfície a energia interior.

Não é música que embriague os sentidos, música com um marcado ritmo, com instrumentos de percussão, etc. A música «virada para fora» pode ser de excelente qualidade, mas - pelo menos no meu caso - distrai-me, impede-me de me concentrar plenamente do que quero exprimir.

Existem tantas categorias de música, quantas se quiser: afinal, é uma questão de classificação. Como música para acompanhar o trabalho físico, música «virada para fora»; para acompanhar o trabalho intelectual, «música reflexiva», meditativa.

Murtal, Parede, a 9 de  Janeiro de 2024





 





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