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quarta-feira, 21 de maio de 2025

PARADOXOS DA GUERRA ECONÓMICA CONTEMPORÂNEA

 

                                                         Foto: Vista de Xangai

Na realidade, são um feixe de contradições que vêm pôr de rastos construções ideológicas, que passaram por ciência económica «bona fide», no passado recente e continuam presentes, quer no discurso político oficial, quer na media mainstream, ou ainda na academia.

A contradição maior é a China, país governado por uma direção comunista, experimentar um desenvolvimento capitalista vigoroso.  Hoje, é inegável a rapidez com que passou a estar no primeiro lugar em domínios de ponta, onde a excelência e a inovação vão de par com uma estrutura industrial em permanente renovação. 

Nestes domínios da «high-tech», os EUA e países ocidentais em geral, já não estão em primeira linha numa série de indústrias, tanto em termos de qualidade, como na cobertura ao nível mundial. 

Um exemplo importante é a rede 5G da telefonia móvel. Esta é dominada pela Huawei, empresa privada chinesa, que - apesar de todo o boicote levado a cabo há anos pelos EUA- está numa posição mundial dianteira. 

Lembram-se do lamentável episódio da vice-presidente da Huawei ter sido presa no aeroporto de Vancouver, quando em trânsito para a China, vinda dum congresso na América Latina? E do tempo que levou libertarem-na, embora inocente de qualquer crime e retida contra todas as normas do direito internacional?

A China de hoje não sofre de atraso em termos tecnológicos, em relação ao Ocidente, antes pelo contrário. Ela tem sido capaz de ultrapassar as dificuldades colocadas  pelos ocidentais à sua importação de componentes estratégicas, sujeitas a sanções pelo Ocidente. A indústria dos «chips» tem avançado depressa na China, embora esta não consiga ainda igualar certos tipos de chips de gama mais alta, fabricados em Taiwan. Pode-se dizer -porém - que não está em situação crítica, neste aspecto. 

Um «teste» que comprova isso, ocorreu recentemente, com os aviões de combate da força aérea do Paquistão de fabrico chinês, que superaram em combate os da força aérea indiana, de fabrico francês (Rafale). Obviamente, os aviões de caça possuem múltiplos sistemas eletrónicos, dos radares de deteção, aos sistemas de assistência  à pilotagem e ao combate. Estes sistemas utilizam os «chips» mais sofisticados. Penso que  a qualidade dos sistemas electrónicos incorporados se reflectiu nas capacidades de combate desses aviões.

A China tem uma economia integrada, mas não demasiado verticalizada, assim conciliando a capacidade em concentrar recursos humanos, financeiros e materiais, em áreas consideradas prioritárias, ao mesmo tempo que - ao nível local, de município ou de província - tem dado livre curso a experiências audaciosas, colocando a iniciativa privada em concorrência. Esta é estimulada, sendo a excelência recompensada. Veja-se o que diz a economista Prof.ª Keyu Jin sobre os pólos de excelência das «Silicon Valleys» chinesas. 

Neste país não há pobreza nas grandes cidades; a população está corretamente vestida; não tem carências alimentares, nem deficiências na saúde. 

Pode-se argumentar como se queira, mas a pobreza é o factor de exclusão maior: Automaticamente, exclui os pobres da participação ativa na vida social e cívica. Além disso, a pobreza tende a perpetuar-se de geração em geração. 

É no Ocidente que a pobreza progride. Aí, verifica-se a subida dos índices mais preocupantes, como o da taxa de mortalidade de bébés e infantes, o desemprego em massa dos jovens, o alcoolismo, o consumo de drogas e os suicídios... e tudo isto, enquanto a sociedade do consumo desenfreado continua a segregar a miragem da opulência. Esta miragem faz as pessoas mais pobres do Sul global imigrarem para os países «afortunados», onde  irão encontrar, em vez dum «paraíso», o inferno da exploração!

Porém, é na China que ocorre o  mais dinâmico desenvolvimento capitalista, numa combinação de capitalismo de Estado e de capitalismo privado.  

A República Popular da China declara-se socialista, mas não exclui nem marginaliza o capitalismo privado, enquanto modo de produção. 

Se, de facto, este modelo de socialismo tem tanto sucesso, ele não deveria assustar as pessoas dos países da Europa e América. Deveriam ver quais as vantagens que pode trazer, embora não para lhe copiar mecanicamente as soluções. Estas, podem ser adequadas para a China, mas não para outras paragens. Muitos países do Sul Global estão já a beneficiar da cooperação com a China.

Paradoxalmente, enquanto continua a pregar a «liberdade de concorrência», a «livre iniciativa», etc, o Ocidente mantém uma guerra de retaguarda com o resto do mundo. Claramente, esta destina-se a conservar os privilégios da oligarquia, a qual não tem interesse em desenvolver seus países, no sentido autêntico de emancipação das pessoas, sua maior autonomia, suas melhores condições de vida e uma melhor educação e informação.

Ao fazer esta escolha - pela oligarquia - a casta política europeia está cada vez mais dissociada das necessidades reais da cidadania. Prova clara desta dissociação, é sua opção pelo confronto bélico com a Rússia, indo ao ponto de mostrar-se mais inflexível que os EUA. Esta escolha, acabará por levar a Europa para um plano subalterno, não só no tecido tecno-científico-industrial, mas também ao nível civilizacional

Múltiplos casos históricos de países, mostram que a perda de dinamismo (em particular, no setor produtivo) está na origem da decadência e se não for revertida, desemboca em dependência neo-colonial.    



 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

O SUICÍDIO DA UNIÃO EUROPEIA


Agora é mais claro do que nunca: A Comissão Europeia de Bruxelas, assim como a maioria dos governos nacionais dos países que compõem a União Europeia, formam um conluio de burocratas. Quer sejam eleitos pelos respetivos povos, quer não, consideram-se «titulares» dos cargos, do mesmo modo como os aristocratas, no passado, consideravam que seus títulos e os privilégios que lhe estavam associados lhes eram devidos. Ou, talvez como os aparachiks soviéticos e dos restantes países dos Pacto de Varsóvia se consideravam elite, interpretando a vontade do proletariado, exercendo - em seu nome - uma gestão da coisa pública de tal modo aberrante, que os regimes foram para o colapso.

Pois a União Europeia deve ser vista sob o mesmo prisma. É uma oligarquia de políticos, homens e mulheres de negócios e de burocratas. Esta reduzida casta dirigente não é muito diferente da nobreza parasitária, ou da mais recente casta, conhecida por «nomenklatura».

No quotidiano ou nas grandes questões, são sempre eles que decidem: Seja na Comissão de Bruxelas, nos Conselhos de Ministros Europeus, ou no Parlamento Europeu. Quase nunca existe um input claro e direto da cidadania europeia, a qual é arredada dos mecanismos de debate e de decisão. Nos raríssimos casos em que há apelo à decisão popular, caso dos referendos, veja-se o que fizeram com os votos desfavoráveis e maioritáros de várias nações (Dinamarca, Irlanda, Holanda, França...), aquando dos referendos sobre Maastrich e sobre a Constituição Europeia.

A tomada de posição desta casta, perante o trágico conflito na Ucrânia, tem-se pautado por um belicismo exacerbado, extremista, contra a Rússia. Porém, o que tem feito a casta não foi nada para favorecer os ucranianos, visto que tudo tem feito para prolongar a guerra, onde milhões de russos e ucranianos morreram e continuam a morrer. Quando Boris Johnson, a mando de Biden, foi dissuadir Zelensky de ratificar o acordo com a Rússia em Março-Abril de 2022 em Istambul, a generalidade dos eurocratas aplaudiu, entusiasta.

A pose belicista dos dirigentes contrasta com a postura mais cautelosa das populações: Há uma insatisfação profunda e crescente, com a forma como a UE e suas figuras principais se têm comportado.

Sabemos que existe uma raiva patológica anti-Rússia, avivada por setores dos países ex-membros do Pacto de Varsóvia. Mas nestes  como noutros países-membros da UE, tem havido um condicionamento massivo, originado nos círculos dirigentes da OTAN, dirigido às próprias populações. «Se criticas os governos da UE é porque és putinista». Esta exclusão e agressão ideológica de uma parte da cidadania, porque ela não partilha o ponto de vista dominante, é já em si mesma, um sintoma claro de deriva autoritária. Mas as coisas não ficaram por aqui.

A deriva autoritária passou de condicionamento psicológico a instrumentalização do sistema financeiro europeu e, mesmo, das poupanças dos cidadãos. O ECB foi instrumentalizado, claramente, para apressar a transição para o euro digital (CBDC). A decisão do ECB foi coordenada com o anúncio recente de Van Der Leyen, segundo o qual a UE irá criar um «fundo para o rearmamento», utilizando as poupanças de milhões de pessoas, em maioria, reformadas que se vêem assim forçadas a subsidiar o complexo militar industrial europeu com as suas poupanças. Não haverá  escapatória: impossível  esconder as notas de euros "debaixo do colchão", visto que já não haverá euros em papel, somente euros digitais e programáveis.

Se um livro descrevesse a UE no seu estado atual, há uns vinte anos atrás e fosse apresentado como obra de futurologia eu diria, se a tivesse lido nessa altura, que a obra tinha imaginação, mas - enquanto previsão sociológica e política - era um bocado inverosímil.

É preciso, de vez, abandonar a ideia de que as elites estão no poder para nos servir, para concretizar aquilo que nós pensamos ser justo e positivo. Para mim, estas elites são duplamente criminosas, pois desbaratam o capital acumulado, não apenas no sentido próprio, mas também no sentido simbólico.

Ou pior ainda; quem vê as aberrações, os crimes e as conivências monstruosas de tais «democratas» europeus, pode confundir a essência da democracia com este triste espetáculo. Muito perigoso, pois só pessoas cultas e bem informadas, conseguem fazer a destrinça entre a prática democrática autêntica e o autoritarismo travestido de «democracia», que nos oferecem.

As derivas autoritárias proporcionam o desencanto com a democracia e têm sido o esteio para fascismos, tanto do passado como do presente. As lideranças da UE desbaratam o nosso futuro. Só seremos povos livres e soberanos neste espaço europeu, quando soubermos fazer o que seja preciso, para acabar de vez com esta UE falhada, tão falhada como a URSS.

Veja o vídeo abaixo, com o excelente diálogo entre Yanis Varoufakis e Glenn Diesen: New Economic World Order & Europe's Suicide

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Foi necessário um enorme apagão - que afetou sobretudo os dois países ibéricos - para se saber a enorme leviandade dos decisores da política energética da UE, castigando os cidadãos, as empresas e portanto, afetando o desenvolvimento de todos os países da Rede Elétrica da UE. O lobi "da energia renovável " e o apagão ibérico

terça-feira, 15 de abril de 2025

TODO E QUALQUER INVESTIMENTO É ESPECULATIVO

 Se nós estendermos o sentido de «especulativo», para significar que estamos a prever algo que poderá ocorrer ou não no futuro, ou que poderá ocorrer de forma bastante diferente do que nós prevíamos, então todos os investimentos, financeiros ou não, terão a sua componente «especulativa», pois ao escolher aplicar o capital nisto e não naquilo, tivemos uma noção mais ou menos intuitiva, mais ou menos racional, do que seriam os desenvolvimentos previsíveis na economia em geral e no setor em que investimos, em particular. Por outras palavras, estávamos a fazer uma aposta. Ora, todas as previsões, por mais sensatas que pareçam, têm a sua margem de incerteza, os parâmetros escondidos, os cisnes negros, que poderão deitar por terra as nossas mais doutas e prudentes estimativas. 

Mas, ao nível dos mercados financeiros, há um comportamento típico do especulador que o diferencia do investidor. Enquanto o investidor vai procurar recolher informação sobre a saúde de uma empresa, antes de fazer a compra de ações da mesma, por exemplo, o especulador está focalizado no curto prazo, na possibilidade de uma ação ou outro ativo terem uma descida brusca devido a fatores previsíveis ou imprevisíveis, tornando apetecível a sua compra e estando disponível para vender esse mesmo título, logo que esteja a cotar acima de dado valor, normalmente com lucro sobre o valor de compra. Este comportamento poderá reproduzir-se em compras e vendas intra-diárias, sendo a soma das pequenas mais-valias obtidas nestas operações a principal remuneração do especulador ou trader. O investidor, idealmente, espera obter - no médio/longo prazo - dividendos da compra dum ativo, e/ou a valorização do mesmo, que permita efetuar sua venda com lucro, no momento apropriado.

Quando a volatilidade dos mercados é grande, mesmo os profissionais têm dificuldade em acertar nas previsões; por outras palavras, enganam-se com maior frequência nas suas apostas. Assim, um aumento de volatilidade dos mercados - como se tem verificado nas últimas semanas -  origina uma série de perdas, não devidas à «incompetência» dos intervenientes, mas devido ao comportamento caótico dos mercados. Se se diz, sobre um dado fenómeno, que é "caótico", isso significa que não se lhe pode atribuir qualquer lei, não se pode portanto prever a sua evolução, pois esta não mostra regularidade, direção ou tendência, para que a possamos reconhecer como base para previsão.

No contexto atual, os mercados de ações são atraentes para pessoas que se deixam seduzir pelas narrativas dos grandes investidores, dos multimilionários (por exemplo, Warren Buffett) que conseguiram - numa dada fase da sua vida - erigir uma fortuna devido a uma série de apostas acertadas, devido a investimentos bem calibrados, etc.  No entanto, estas narrativas são sempre míticas, não revelam os casos que resultaram em perdas monumentais, inclusive em falências, omitem também as vantagens que estes «grandes» da finança tiveram graças ao «insider trading» (= estarem informados sobre decisões tomadas, ao nível de empresa ou de governo, antes de serem tornadas públicas). 

Não é preciso ser-se empregado ou sócio de uma empresa, para obter informação privilegiada; os multimilionários banham num universo à parte, convivem com outros, seus sócios ou competidores, com quem trocam as informações mais diversas que poderão estar na origem duma jogada.

Os famosos analistas de mercados que previram o colapso de 2008, não precisaram de canais de informação previlegiada; fizeram - com aplicação e algum talento - o seu «trabalho de casa»: Analisaram o estado dos mercados e concluíram, corretamente, que em pouco tempo o castelo de cartas dos empréstimos hipotecários iria desmoronar. Eles jogaram tendo apostado nisso, enquanto os outros continuavam a jogar com euforia otimista.

Com tais profissionais dos mercados, estamos perante indivíduos possuidores dum saber de muita experiência acumulada, dando-lhes sensibilidade a fenómenos dificilmente quantificáveis, etc. Isto é o desempenho que se pode esperar dos melhores profissionais. É como os médicos experientes que conseguem efetuar um diagnóstico difícil, ou como os músicos que atingem um cume de perfeição artística inultrapassável. Não há dúvida que tais profissionais existem, mas são raros. 

Os tempos são de enorme incerteza e vai haver fatalmente quem vá perder a camisa, porque joga nos casinos das bolsas, convencido que é como um Warren Buffett, ou outro «investidor lendário». Normalmente, pessoas que não têm tanta autoconfiança, jogam em «índices»; porém, no atual contexto, os índices são a maneira infalível de perder dinheiro: Quando os mercados estão em alta, mais ou menos continuada, jogar em índices significa renunciar a ter retornos «espetaculares», para apenas ter «bons» retornos, porém isentos de riscos significativos. Num ambiente turbulento e de quebra dos mercados, como agora, os índices vão espelhar as descidas; elas podem não ser tão acentuadas como as dalgumas ações, mas haverá necessariamente perdas.

De qualquer maneira, eu desaconselho sempre que se joge no casino das bolsas: Quer a título individual, quer através dum fundo, estamos sempre muito sujeitos a fatores que não controlamos, que muitas vezes desconhecemos, ou que avaliamos erroneamente, etc. 

Existem mercados não financeiros, como o imobiliário (este também sujeito a especulação), os metais preciosos (ouro e prata em barra, ou em moeda), os objetos de coleção, as obras de arte... A vantagem destas áreas de investimento, nestes tempos difíceis, é que o seu valor nunca irá descer até zero. O mais provável, é que conservem o mesmo valor relativo e até que se valorizem mais, pois eles se tornam mais raros e o dinheiro vai-se desvalorizando. 

É conhecida de muitos, a história verdadeira dum apartamento de luxo, numa artéria central de Berlim, em 1922/23, que foi transacionado por 3 onças de ouro (1 onça= 31,1 gr.). Nessa altura, o Marco alemão estava a sofrer uma destruição completa por híperinflação. Quem tiver trocado -antes duma crise hiperinflácionária - o seu dinheiro fiducitário por barras de ouro, conserva o seu valor, no mínimo. Mas, muito provavelmente, como se verifica agora, o ouro subirá muito, muito mais rápido que a inflação, pelo efeito da procura muito acrescida e da raridade da oferta. Quem tem ouro, só irá vendê-lo por um preço muito elevado, superior à cotação oficial, nestas circunstâncias.

Os trabalhadores e pensionistas dos EUA e doutros países que fizeram reformas destruindo o Welfare State, para se conformarem com as doutrinas neoliberais (nos anos  1980), estão forçadamente metidos nos mercados financeiros, até sem terem a mínima ideia dos investimentos onde estão investidas as suas pensões. Isto porque são fundos de pensões (muitos são privados, alguns são estatais), que gerem estes capitais. Estes, teoricamente, são propriedade dos trabalhadores. Os descontos feitos ao longo da vida ativa, para as pensões são considerados salário diferido, não são um imposto.  

A apropriação destes fundos de pensões, públicos e privados, fez com que eles servissem, durante estes 40 anos, para alimentar os mercados especulativos. Mas, até agora, ainda havia algumas limitações áquilo que podiam fazer os gestores; por exemplo, tinham de ter uma fração dos fundos em obrigações do tesouro, como «garantia» de pagamento das pensões, no caso de perdas severas nos segmentos imobiliário e bolsista, nos quais estavam investidos. 

Hoje em dia, a ganância dos poderosos e a sua falta de escrúpulos revela-se ao «sugerirem» que estes fundos poderiam ser «mobilizados» para investir em indústrias  de armamento. Ninguém os autorizou a deitar mão a estes capitais. Eles são dos cidadãos, não pertencem  ao Estado, mesmo nos casos em que é o Estado que está encarregue de os gerir.

A crise/colapso que agora está diante de nós apresenta-se muito pior que a crise de 2008. Neste ano e subsequentes, o que aconteceu foi a recapitalização de fundos especulativos e da banca de negócios, utilizando dinheiro «impresso» digital, não correspondente a nenhum aumento de valor nos bens reais. Foi a operação dita de Quantitive Easing e suas reiterações. 

Sem dúvida, todos nós (não creio que banqueiros e grandes capitalistas leiam isto!) sofremos com isso. A inflação resulta sempre do excesso da massa monetária em circulação, em relação à massa de bens e serviços produzidos: Se o excesso é grande, isso repercute-se na economia do dia-a-dia: uma  unidade de qualquer mercadoria irá custar mais caro. Isto significa que será transacionada com mais unidades de dinheiro, pois cada uma delas vale menos. 

Não será somente o mecanismo acima citado, que vão acionar, agora: Estão anunciados «bail-outs» e «bail-ins», ou seja, recapitalização dos bancos pelo Estado (bail-out), à custa dos contribuintes, ou à custa dos depósitos dos clientes desses bancos (bail-in). Esta última  modalidade foi a solução da UE para a crise cipriota, em que depositantes com contas acima de determinado montante tinham «um corte de cabelo», de 23%. Tudo isto se fará sem a mínima concordância dos afetados, evidentemente. Como sempre, os responsáveis pelos sucessivos descalabros financeiros são intocáveis. Melhor ainda: São «heróis» que merecem ser salvos a todo o custo. 

A única maneira do cidadão comum se precaver é não acreditar no que dizem uns e outros. Teremos de ver por nós próprios, quais os factos, qual a realidade. Isto não é fácil, mas se nós confiamos noutros, das duas uma: ou estamos nas mãos de um aldrabão, ou será alguém de boa fé: Ele acredita que está a dizer a «verdade» e julga que sabe mais do que o comum dos mortais. Ora, como tenho repetidas vezes mostrado neste blog, as coisas não são assim; muitas pessoas podem ser honestas, porém a sua visão é enviezada, pelo hábito, pela ideologia, pela avaliação incorreta da realidade, etc. Não é preciso presumir qualquer intenção malévola. A complexidade da economia e da sociedade, são tais que é impossível prever em pormenor o futuro. No melhor dos casos, conseguem-se prever as tendências  principais.

Quanto a previsões obtidas utilizando «IA», lembrem-se que aquilo que se fornece à máquina, os dados e os algoritmos com os quais trabalha, são determinantes. Ninguém pode dizer honestamente que os dados fornecidos são 100% corretos, que todos eles têm a maior relevância, que não deixaram nada de fora, nem que os algortímos são os mais apropriados para a questão.

A economia é assunto de psicologia, também. Não é apenas assunto «de capital, trabalho e máquinas». Temos de apurar a nossa inteligência social, a nossa compreensão sobre como as coisas funcionam. É um facto que isso não nos dará garantia de sobrevivência... Mas aumenta significativamente a sua probabilidade. 

  

 


quinta-feira, 3 de abril de 2025

TRUMP PRECIPITA A CRISE DO CAPITALISMO DOS EUA

 A ideia de que as tarifas seriam a salvação para a América, possibilitando a sua reindustrialização, é daquelas ideias peregrinas que costumam entusiasmar um público já cativado, um público de crentes nas virtudes de um líder, de uma visão, de uma ideologia. 

Basta pensarmos que reindustrializar um país, envolve a sua profunda transformação em relação a muitos domínios, que  - à partida - não parecem estar correlacionados:

- A educação: esta terá de obedecer a padrões de qualidade, desde os primeiros anos de escolaridade, até à universidade. A deriva do ensino seguindo critérios ideológicos de uma certa «esquerda wooke», apenas afundou todo o sistema de ensino. Faço notar que os chineses tinham aprendido a lição, ao expurgarem seu sistema de ensino da ideologia do maoismo. Esta foi uma condição para progredirem em todos os domínios, incluindo científicos. Eles concluíram, nos anos 1980 no início da era de Deng, que para haver desenvolvimento industrial, era imperativo - ao nível académico -  colocar-se como prioridade a qualidade científica e técnica dos estudantes.

- Num mundo capitalista, são os fluxos de capitais que determinam a prevalência dum setor da economia sobre os outros. Neste caso, estamos a falar da atração exercida pelo lucro fácil no setor financeiro, muito mais atraente pelas suas margens de lucro, em relação ao investimento industrial. Como consequência do processo, muito capital foi para atividades financeiras. O capital industrial viu-se privado de grande parte do financiamento necessário, nos últimos 40 anos. Para se inverter esta tendência, seriam necessárias enérgicas medidas, limitando o investimento em ativos financeiros e forçando o investimento em projetos industriais. Dificilmente consigo imaginar - no curto prazo - tal viragem, num sistema de «capitalismo liberal». 

- A existência de tarifas terá sido protetora numa fase bem particular dos EUA. Na sua ascenção a potência industrial de primeira grandeza, o «gilded age», deu-se o crescimento vigoroso da indústria, por volta dos finais do século XIX, princípios do século XX. Mas, neste contexto, tratava-se de impor tarifas alfandegárias em produtos acabados. As matérias-primas, pelo contrário, tinham tarifas baixas. Também os produtos manufaturados de grande relevância para a indústria, como as máquinas industriais, as ferramentas, tudo o que fosse essencial para o desenvolvimento da capacidade industrial dos EUA, beneficiou de regimes de exceção, permitindo a sua importação. Estes equipamentos necessários eram provenientes, em maior parte, do Reino Unido, da Alemanha, da França e doutros países. Pelo contrário, hoje a Administração Trump não estabelece selectividade em relação às tarifas nas classes de produtos a importar. Existe apenas «punição», país a país, pela sua suposta não-conformidade ao domínio dos EUA na cena mundial. 

- A criação de ambiente favorável à produção industrial e sua (re)implantação nos EUA, implicaria o esforço direccionado para setores considerados prioritários. Implicaria um claro dirigismo da economia pelo Estado, ao contrário do que se verifica atualmente nos EUA e nos países de capitalismo financeirizado, onde os gigantes tecnológicos, não apenas ditam a política industrial, como a política global. A inversão disto, implicaria que o setor mais forte no capitalismo dos EUA, seria derrotado e colocado sob tutela do poder político. Só a ascenção dum Estado do tipo totalitário poderia realizar esta proeza. Não prevejo -por enquanto - uma mudança desta natureza, na política dos EUA. 

- A subida das tarifas, enquanto meio de proteger a produção de bens industriais americanos, não existe. Simplesmente, os EUA estão - desde há decénios - destituídos de capacidade industrial para fabricar a enorme maioria dos bens industriais importados. Ao contrário da política proteccionista num país que já produza esses bens industriais, a imposição de tarifas nos EUA irá somente desencadear o encarecimento geral e brutal dos bens industriais e de consumo. 

- Quanto às indústrias que subsistem nos EUA, estas estão dependentes de muitas componentes fabricadas no exterior, de instrumentação, etc., de produtos semi-transformados, como o aço, etc... Esta subida indiscriminada de tarifas vai ser um fator suplementar de estrangulamento para as indústrias que não deixaram os EUA. Considero provável que se acelerem as falências das pequenas e médias empresas, após algum tempo de vigência deste regime tarifário, cego e brutal.  

- A estrutura produtiva dos EUA já estava no limiar do descalabro, mesmo antes da entrada em vigor destas tarifas. Agora, mais rápida e mais violenta, virá a hecatombe industrial, e em paralelo com o brusco agravamento da inflação.


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PS1: Prof. Jeffrey Sachs sobre as tarifas:

🇺🇸JEFFREY SACHS:

"Tariffs are going to lower living standards.
They're going to wreck the US economy, and they're being put on for unbelievably bizarre and mistaken reasons that are completely fallacious.
Let me explain.
The United States runs a large deficit in its trade in goods and services — what's called the current account of the United States — and that deficit is about a trillion dollars.
Trump says, 'Oh, that's because other countries are ripping off the United States.'
I can't even begin to say how absurd that line is.
[The word is childish.]
Running a current account deficit means — and it means precisely — that the United States is spending more than it's producing. That's what leads to a deficit. You spend more than you produce.
And we spend more than we produce because we have very low savings in this country. We have an enormous budget deficit.
So the government is like the national credit card — it runs on credit.
It transfers money, pays for wars, pays for Israel’s wars, pays for military bases in 80 countries around the world, pays for that more than a trillion-dollar-a-year military establishment, and hundreds of billions more of associated spending on the military-industrial complex.
And it gives tax cuts for the richest Americans.
It allows for tax evasion by the richest Americans — and I mean evasion, because it doesn't do audits, and it guts enforcement of the tax laws.
So we hemorrhage deficits and have rising public debt.
And because of all that, the spending of our country is much larger than our national income.
It’s a trillion dollars more than national income.
It is exactly the imbalance of our imports of goods and services over our exports of goods and services.
All of this is to say that what Trump calls a 'ripoff' is just the absolute irresponsibility of the political class in Washington.
It's a corrupt, plutocratic gangsterism that gives away the taxes and tax cuts to the richest people and goes on war after war — on credit.
And that leads to these large deficits that Trump then blames on other countries.
Now he's going to correct these deficits, he thinks, by raising tariffs.
And of course, it's going to do nothing of the kind.
The deficits are going to continue because they come from the profligacy of Washington.
They don't come from the fact that other countries are ripping us off.
So he'll raise the tariffs. Americans will shift their spending, say, from an imported automobile to domestic automobiles. That's true. They'll pay higher prices for those domestic automobiles. And our auto industry will export less abroad.
So yes — there will be fewer imports and fewer exports, and the balance won’t budge.
And none of it's going to change the fiscal recklessness.
Because what's Trump’s highest aspiration? It is to continue tax cuts for the richest Americans, which is going to cost another $4 trillion over the next 10 years in the budget.
Because these tax cuts are supposed to end, but he says, 'No, no, no — these are taxes for my rich donors, so they're going to continue.'
So he's not going to solve the budget crisis.
He's not going to solve the trade deficit — because that comes from the budget crisis.
But what he's going to do is lower the living standards of our country and the world.
Because trade is beneficial in living standards — it's called gains from trade.
We buy more cheaply. We sell goods that we have a comparative advantage in. And both sides gain from trade.
Of course, we overdo it, because we overspend — but that’s a completely different thing.
No one’s ripping off the United States by these numbers.
I don’t know whether it's just rhetoric or ignorance or confusion, but it's unbelievably bad economic policy.
It will come to no good.
And incidentally, you mentioned rightly that tariffs are, of course, a tax. So who’s supposed to have authority over taxes?
[Congress.]
And Congress has nothing to say in this. This is a one-person show.
What did we become in this country? Even King George wouldn't levy taxes without the British Parliament in the 18th century.
So what happened to this country? Trump just says, 'Oh, it's an emergency,' and now we have one-person rule — and one-person rule on completely fallacious premises that don’t pass the first day of study of what a trade deficit is.
I taught that for more than 20 years at Harvard University — what is a trade deficit, how does it relate to the excess of spending over production, how does it relate to the excess of investment in a country over a low saving rate?
Well, none of this seems to register.
No one asks a question.
There isn’t a day of hearings.
There isn’t any analysis.
It’s a one-person show based on economic fallacies that are going to wreck our economy, wreck the world trading system.
And I can tell you — all over the world, because I am talking with leaders all over the world, and recently in Asia — the words to describe this, you can’t say in polite company."



domingo, 5 de janeiro de 2025

Profª Keyu Jin: «TRUMP SOBE AS TARIFAS E A CHINA REDU-LAS A ZERO»

 


A Profª Keyu Jin descreve o enorme tiro no pé da promessa de Trump em subir brutalmente as tarifas de importação de comércio em relação à China, mas também em relação à U. E. e aos países que não se conformem com a ditadura do dólar. 
Como já tinha afirmado neste blog, é evidente que quem vai sofrer mais nesta guerra económica, é o povo americano, embora seja também um fator de instabilidade para outros povos. 
É devido à situação de controlo imperial dos EUA que esta ameaça aparenta ser credível. Mas, se examinarmos detalhadamente as suas implicações, vemos que tal subida de tarifas não tem sustentação. É certo que ela iria gravemente afetar a economia dos próprios dos EUA e dos seus vassalos europeus. Portanto, é - na minha opinião - um bluff. Mas senão, seria a medida mais estúpida que um presidente dos EUA poderia jamais tomar.
A China sempre teve uma política de longo prazo: 
Agora, decidiu diminuir, unilateralmente, para zero as tarifas alfandegárias dos países em desenvolvimento. Estes tinham sido sujeitos ao endividamento excessivo, em consequência das políticas neocoloniais dos EUA e de outros países Ocidentais. 

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sábado, 4 de janeiro de 2025

MICHAEL HUDSON EXPLICA O DECLÍNIO DO SUPERPODER DOS EUA


Uma brilhante e aprofundada discussão por MICHAEL HUDSON, economista, prof. universitário americano, que tem leccionado ultimamente em univerisdades na Rep. Popular da China. 

Michael Hudson refere aspectos históricos e avalia os riscos e esperanças do presente: Aborda o liberalismo de Adam Smith, a luta contra os rentistas no Séc. XIX, o superimperialismo dos EUA, a emancipação das ex-colónias de África, o neocolonialismo, o desenvolvimento da China e outros temas.

Para ele, o «slogan» de «Socialismo com características chinesas», poderia também enunciar-se como «Sistema de capitalismo estatal/corporativo com características chinesas».
Também é o meu ponto de vista, enunciado NESTE BLOG

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terça-feira, 5 de novembro de 2024

ESTAMOS NUMA SITUAÇÃO MUNDIAL INÉDITA; O QUE DEVEMOS SABER.

A hipótese do ouro, junto com outros metais e matérias primas associados, participar numa divisa sintética, destinada ao comércio entre os BRICS foi excluída, por enquanto.

Porém, a visão de que o ouro é realmente dinheiro, pois conserva o seu valor, mantém-se e reforça-se. A capacidade duma certa quantidade de ouro ser trocada por mercadorias, sejam alqueires de trigo ou barris de petróleo, etc. mantém-se e reforça-se. 


SIGNIFICADO DA ACUMULAÇÃO DE OURO EM BANCOS CENTRAIS

Portanto, indiretamente, os países que possuírem muito ouro nos seus bancos centrais estão mais precavidos aquando de crises financeiras, que os que têm exclusivamente ou sobretudo, uma ou várias divisas de reserva (o dólar, o yen, a libra, o euro, o yuan...). 

Entretanto, grandes quantidades de ouro vão sendo compradas pelos bancos centrais no mundo inteiro. Este movimento não é exclusivo de países dos BRICS, que olham com desconfiança o dólar, visto que este tem servido para fazer chantagem, permitindo que as sanções (ilegais, todas elas, face à lei internacional) decretadas pelos EUA acabam por ser adotadas por países terceiros, sob pena de retaliações e multas.  Muitos bancos centrais de países do Ocidente, ou de aliados do Ocidente, têm comprado muito ouro, ultimamente.

Evidentemente, o reino do dólar está a chegar ao fim. A sua ascensão a moeda de reserva mundial deu-se no rescaldo da IIª Guerra Mundial, em que os EUA eram a única potência que tinha ficado intacta, na sua estrutura e na sua capacidade industrial. Todas as potências europeias beligerantes estavam de rastos, quer fossem do campo dos vencedores, quer fossem dos vencidos. 


HAVERÁ NECESSIDADE DE DIVISA MUNDIAL DE RESERVA?

Na realidade, com o desenvolvimento da digitalização do dinheiro, as trocas entre países podem muito facilmente ser feitas usando as respetivas divisas nacionais. Isto não coloca problema a nível de trocas comerciais ou financeiras de grande volume. Também a nível de retalho, ou para viajantes ou turistas, não deveria ser problema trocar em divisas do país visitado, as divisas que transportasse o visitante. 

A necessidade de «inventar» um «repositório de valor», universalmente reconhecido (é este o papel de uma divisa de reserva mundial - o dólar), não existe na verdade. Aliás, o ouro preenche muito bem essa função, caso se considere que tem de haver algo que funcione como uma reserva de valor no mundo financeiro e que seja um ativo tangível, com valor reconhecido em todos os cantos do Globo. O desenvolvimento das tecnologias informáticas e de telecomunicações veio tornar supérflua a existência de uma moeda de reserva mundial. Aliás, está claro para todos que as divisas que usamos no dia-a-dia já estão largamente digitalizadas. O papel moeda é ainda usado, mesmo nas economias mais desenvolvidas, mas em percentagem cada vez mais modesta nas atividades comerciais. Não há razão prática nenhuma para forçar a digitalização a 100% das nossas economias. Esta tentativa mascara o desejo do controlo totalitário sobre os cidadãos: Uma divisa assim, torna toda a troca envolvendo esta divisa digital completamente transparente para o banco central respetivo. Este poderá monitorizar as transações, manipular as pessoas a consumirem mais disto e menos daquilo ou mesmo, interditar certas pessoas de usarem a divisa digital.


O RESULTADO DA CRISE SERÁ IMPREVISÍVEL & IRREVERSÍVEL

Nesta época de transição para um mundo muito mais incerto, com guerras acesas que poderão alastrar, com crises económicas e financeiras que atingem o coração do sistema capitalista internacional, temos de saber como nos comportar, em relação às poupanças e aos investimentos. 

O mundo capitalista está na véspera de um colapso muito maior do que o de 2008, pois desta vez, nem os governos, nem os bancos centrais, poderão salvar da bancarrota inúmeras empresas. Os próprios Estados estão sobre endividados num ponto jamais visto no passado. A guerras híbridas multiplicam-se, sendo as armas económicas e  financeiras parte importante da panóplia: sanções económicas, bloqueios, tarifas alfandegárias, embargos, exclusões. Nisto, os cidadãos dos países são envolvidos contra a sua vontade: somos os danos colaterais das guerras económicas, assim como os mortos e feridos civis, o são de conflitos bélicos com mísseis e canhões.

Não dou conselhos de investimento ou outros, mas penso que há duas coisas que temos de saber:

- Triar a informação, separando-a da propaganda. Saber analisar os factos, tentando ver como se movem os grandes atores; não como eles falam, mas como agem.

- Garantir a satisfação das necessidades imediatas, mas tendo em conta a possibilidade de cenários catastróficos. Portanto, dar preferência à resiliência sobre os ganhos, por mais apetecíveis que pareçam. 

O futuro coletivo depende de haver suficientes indivíduos que consigam superar a grande crise e reconstruir aquilo que foi destruído. 

Por isso, estou interessado em salvaguardar a minha família e eu próprio, mas também, que o mesmo aconteça a muitas pessoas da classe trabalhadora e da classe média. 

 

terça-feira, 29 de outubro de 2024

SAIRMOS DAS ILUSÕES E ESTARMOS PREPARADOS

 

                                     https://www.youtube.com/watch?v=5x76O5lJcj0&t=2391s
(Entrevista com Yves Cochet,  ex-ministro da ecologia num governo da França)


COMENTÁRIO por Manuel Banet :
Os processos caóticos de crescimento das urbes em todo o mundo, fizeram com que a maioria da humanidade se acumule hoje em mega cidades. Estas, não apenas atraíram populações rurais que viviam nesses países, deixando extensões enormes de terras semicultivadas ou abandonadas, como também concentraram recursos económicos e consumindo cada vez mais matérias-primas, num ciclo de reforço positivo (ou «ciclo vicioso»). É muito visível que as fronteiras citadinas não cessam de se alargar, abrangendo vilas situadas em zonas periféricas, que se transformam em subúrbios da mega-urbe. 
A mega urbe como forma de organização do espaço, obriga a que crescentes quantidades de matérias-primas, sobretudo alimentares, sejam importadas e consumidas a  milhares de quilómetros dos locais onde são produzidas. Quanto aos países produtores e exportadores destes alimentos e matérias-primas, são - em regra - países com grandes carências económicas e humanas. Estão metidos noutro ciclo vicioso, complementar do ciclo vicioso do consumo nas grandes urbes. Como países frágeis economicamente, têm sido mantidos assim pelo neocolonialismo e pela «economia de mercado», por uma série de processos que implicam a troca desigual e o bloqueio do desenvolvimento autóctone. Entendo por «autóctone», o que é originado dentro destas sociedades e capaz de as emancipar da dependência externa.
Por outro lado, as tecnologias informática, cibernética, da Internet e outras, atingiram um desenvolvimento tal, que a vida em zonas rurais, outrora desprezada pelas classes ricas e médias nos países avançados tecnologicamente, se torna muito atrativa agora, enquanto a qualidade de vida nas grandes cidades se degrada. Se houver núcleos urbanos novos, ou antigos, mas rejuvenescidos, os entornos vão tornar-se produtores de bens agrícolas, artesanais e outros, se lhes for dada a oportunidade de escoar seus produtos e se não forem esmagados pelos hipermercados. 
Estas transformações não implicam uma revolução, implicam a planificação inteligente de espaços urbanos e rurais, a flexibilidade nos serviços de apoio, a visão clara e a determinação em criar condições favoráveis às pequenas e médias explorações agrícolas, às empresas da indústria transformadora e às redes locais de comércio e serviços, como as escolas, os centros de saúde, a construção e manutenção de estradas e caminhos-de-ferro, etc.
Este tipo de sociedade não é uma utopia, pelo contrário, é muito realista. Em várias zonas da Europa existiu e, nalgumas províncias, ainda subsiste. A geografia destas zonas inclui aglomerados urbanos de média dimensão, 10 a 50 mil habitantes, uma distribuição espalhada das aldeias e explorações agrícolas bem dimensionadas. 
Penso que o maior obstáculo para a concretização duma tal sociedade, mais equilibrada, reside na visão estreita e a curto-prazo, de políticos e de empresários.

O problema que se coloca, não é, portanto, o de procurar novas soluções técnicas; estas já existem e podem ser melhoradas no futuro próximo. O mais importante é a transformação das mentalidades. Urge sairmos da cultura de acumulação, típica do capitalismo, para uma cultura de autonomia funcional. Esta última não poderá ser implementada por uma elite ou oligarquia, que saberia o que é melhor para o povo, o qual apenas se poderia conformar com as ordens que emanam do alto.  
A cultura da autonomia funcional implica a transição dos atributos e das prerrogativas das instâncias centrais para as locais, sempre que isso seja possível e desejável. O objetivo desta transição seria de que nada continuaria a ser do domínio central, quando pudesse ser do domínio local, ou regional. 

Claro que tal processo é muito complicado. Aquilo que eu delineei acima é apenas a visão esquemática duma organização autenticamente sustentável. A minha ênfase é deliberadamente na organização social e política, em detrimento da insistência na mudança dos comportamentos individuais dos cidadãos. Considero que esta ênfase, não apenas está mais de acordo com o conceito de justiça social, mas também que aponta o caminho mais realista. Como implementá-lo, é a grande e decisiva questão. 
Mas, qualquer grande caminhada tem de começar com um primeiro passo...

sábado, 7 de setembro de 2024

A REALIDADE DA CRISE GLOBAL CAPITALISTA


Para muitas pessoas, a «verdade histórica» são os lugares-comuns e as narrativas adequadas a colocar os EUA e o Ocidente, em geral, no centro dessa História, ainda por cima, como «atores bem intencionados» da mesma. Eu vejo que isto acontece também na Europa, fortemente influenciada pelos EUA; existe o mito de que aquilo que acontece nos EUA, vai influenciar o resto do Globo. Primeiro, porque é um país imenso, um país-continente. Depois, porque foi, durante muito tempo, líder mundial na produção industrial; continua a ser o maior na riqueza acumulada, se vista dum prisma financeiro.

As distorções mais graves constatam-se em determinadas narrativas favoráveis aos defensores do capitalismo e dos impérios coloniais, relativamente ao ascenso dos fascismos e como uma crise económica e financeira mundial, se foi transformar na IIª Guerra Mundial. 

De facto, o que acontece hoje em dia, possui muitos paralelos com as relações conflituosas entre potências importantes à saída da 1ª Guerra Mundial (1918) e até ao desencadear da 2ª Guerra Mundial (1939). A existência de graves tensões resultantes das exigências, na negociação de paz de Versalhes, pelos aliados vencedores da 1ª Guerra Mundial, em relação à Alemanha vencida, foi originar uma grave crise de hiperinflação neste último país (de 1922-23), que deu alento a grupos de extrema-direita. Estes coalesceram no partido Nazi. As mudanças de políticas em relação à Alemanha, ao seu rearmamento, a tolerância em relação à Itália fascista de Mussolini, nomeadamente, à guerra na Abissínia e à guerra civil de Espanha (que logo se transformou em guerra internacional), foram fatores importantes na subida e consolidação de fascismos em vários países europeus, quer já tivessem alcançado o poder, quer fossem forças organizadas e prontas para levar a cabo golpes de Estado.   

O que todos podemos constatar - para  lá das divergências relativas à História - é que as crises económicas e financeiras, desencadeadas pelas políticas dos bancos centrais, dos governos, ou de ambos, levam de imediato a crises sociais, as quais vão gerar movimentos revolucionários, tanto de esquerda como de direita. 

As instabilidades no tecido económico e social, não podem ser remediadas pelo tipo de medidas usadas pelos governos, sejam elas fiscais ou económico-financeiras. Os poderes - então - recorrem à repressão. Mas, a deriva autoritária dos governos não tem qualquer efeito benéfico na economia. O que é simples de perceber: Numa sociedade industrial, o escoamento e consumo das mercadorias é fundamental para o funcionamento de todo o sistema. Porém, a capacidade aquisitiva da classe trabalhadora e da classe média diminui acentuadamente, num contexto destes. O fracasso das políticas internas tem levado os governos a procurar «unir a nação» contra um inimigo externo. Leva, também, a que a casta militar e por trás  dela, a indústria bélica, seja ouvida e que suas «soluções» seduzam a casta dirigente. 

Se virmos o período entre o fim da 2ª Guerra Mundial e hoje, constatamos que nunca houve paz, propriamente dita. Houve sempre conflitos armados, quer causados pelo choque entre nações independentes, ou por nações que lutavam pela emancipação do jugo colonial de uma potência europeia, ou contra o neocolonialismo, principalmente dos EUA. Outra constatação, é de que a capacidade instalada e a produção de armas e material de guerra esteve sempre em crescendo. Os fundos atribuídos ao complexo militar nos orçamentos de Estado das grandes potências foram sempre aumentando. 

Tudo o que sabem fazer os Estados, os seus governos e corpos legislativos, sob influência dos lobbies das grandes empresas e grupos económicos, é criar ou aumentar as despesas, aumentando o défice das contas públicas, criando problemas de insolvabilidade, que tentam remediar, criando mais dinheiro. É como se tentassem tapar um buraco no solo, cavando outro ainda maior. 

Chega um ponto em que, ou forçam o «apertar do cinto» na população (as políticas de austeridade) e arriscam-se a desencadear uma revolta; ou continuam a gastar o que não têm, através da «impressão» de dinheiro eletrónico, fazendo disparar a hiperinflação. Teoricamente, existe outra solução: A de transformar a estrutura produtiva e de propriedade, o que se poderá designar como uma transformação socialista. Mas, os partidos de governo nos países europeus excluem esta hipótese, mesmo quando têm «socialista» no seu nome!

As crises no capitalismo estão inscritas no seu próprio «ADN». São motivadas pela impossibilidade do capital auto-moderar o seu apetite pelo lucro. 

O mantra que ensinam nas escolas de economia do Ocidente é que a empresa que não tentasse maximizar os lucros, estaria condenada a prazo, pois as empresas concorrentes não teriam problemas em tomar posições nos mercados para obter esses mesmos lucros.

Os países são empurrados para a guerra pelos dirigentes políticos e por empresários que têm vantagens nisso (ou pensam que têm). A guerra é um meio cruel, brutal e eficaz de destruir o excesso de capital, sob forma de instalações produtivas, excesso esse associado aos excedentes de produção de mercadorias. 

Por detrás de qualquer guerra perfilam-se interesses económicos: Eles são facilmente detectáveis, se descartarmos os argumentos da propaganda, de um lado ou do outro.  

Os EUA empurraram a Ucrânia para a guerra, para poderem colocar em cheque a progressão dos BRICS. Esperavam quebrar a unidade dos BRICS, mas enganaram-se, pois não apenas esta se mantém, como se alargaram os membros e os candidatos. Por outro lado, o imperialismo americano estava muito preocupado com a indústria alemã, com a sua competitividade, em parte devida ao fornecimento de energia barata pela Rússia. Conseguiu o imperialismo, pelo menos no curto prazo, resolver o problema ... com a sabotagem dos gasodutos Nord Stream. Esta sabotagem precipitou a Alemanha na maior crise industrial do pós 2ª Guerra Mundial. Muitas fábricas, por causa do aumento do preço da energia, fecharam portas na Alemanha e foram instalar-se nos EUA. Gigantes como a Volkswagen estão em dificuldades ou à beira da falência, ao  ponto de encararem o fecho de suas fábricas na Alemanha.  

A guerra económica com a China destina-se a impedir que os aliados dos EUA estabeleçam laços com o maior produtor industrial do mundo (a China): Querem manter o mercado Ocidental cativo, para escoamento dos produtos dos EUA e dos seus comparsas. Para dominar, os EUA não hesitam em dividir o Mundo em dois nos planos político, económico, militar e civilizacional. Mas, tal ambição é desastrosa e - felizmente - já se começa a compreender, mesmo nas fileiras pró-capitalistas, que ela só pode trazer guerra e miséria. 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

ISRAEL: O COLAPSO ISRAELENSE É A CONSEQUÊNCIA DO GENOCÍDIO

Apesar do muro de silêncio e desinformação dos «nossos» media, pode-se compreender muito pela audição dos três vídeos abaixo: 

O colapso da sociedade israelita e a perda da sua autonomia económica são os factos mais salientes. 

A guerra, num Estado com fraco efetivo populacional, não pode ser sustentada numa escala temporal demasiado dilatada: A fragilidade das forças armadas de Israel, a resistência palestiniana e os movimentos de emigração de população israelita (para Chipre, Grécia, Alemanha, etc.), mostram isso. O objetivo decidido em 07 de Outubro 2023, pelo governo Netanyahu, era irrealista (além de criminoso), à partida.

Depois, a guerra de extermínio mostra que não existe real superioridade dos israelenses face ao Hamas e à resistência palestiniana. Este horror deixa um peso moral, uma mancha indelével, que os países, amigos ou hostis, não deixam de registar: As forças armadas agem  sem princípios, sem qualquer preocupação em prevenir ou condenar crimes de guerra. Este ato genocida é uma vingança sem qualquer objetivo militar, nem real estratégia, que põe Israel ao nível do pior «Estado-pária».

Por fim, é impossível Israel pretender ser, num futuro próximo ou longínquo, o Estado placa-giratória entre os mundos Europeu Ocidental e Árabe (Os «acordos de Abraão»). Esta ambição ficou completamente arredada, mesmo em relação a monarquias árabes ditas «moderadas», como a saudita, a jordana ou a marroquina.  









PS1: Numa louca corrida para a autodestruição, as forças armadas do Estado de Israel preparam-se para invadir o Líbano, de novo: A experiência passada não lhes ensinou nada. Esperam que os EUA entrem também nesta aventura para contrariar o avanço do seu inimigo Irão. Porém, se tal acontecer, irá desencadear o jogo das alianças, com a entrada direta de potências maiores, de um lado e de outro: Será o deflagrar da guerra mundial generalizada. 

sábado, 8 de junho de 2024

PORQUE É QUE O COMPLEXO MILITAR INDUSTRIAL NOS ESTÁ MATANDO A TODOS

 Quando uma bomba explode, rasga a carne, quebra os ossos, rebenta com caixas cranianas, faz mortes e pessoas estropiadas, diminuídas para toda a vida. Mas também há alguém que aproveita, que lucra com isso, que fica rico.

Mas o mal não se limita às vítimas diretas das bombas. Cada dólar* gasto com bombas (e material militar em geral) é um dólar que foi subtraído a programas com efeitos imediatos na dinamização da economia, na educação, no sistema de saúde, na investigação médica, etc. Todos ficamos mais pobres. O Estado de que somos cidadãos, em vez de arcar com despesas que - por sua vez - vão gerar mais produtividade e bem-estar social, vai «enterrar» essas somas em instrumentos de destruição. 

A indústria armamentista é a mais poluidora que se possa imaginar. Além dos consumos de energia fóssil, para construção e operação das suas máquinas, é preciso termos presente que a mineração de metais raros e outros, para as ligas metálicas especiais, é muito depredadora do ambiente. 

As bombas e outro armamento só podem ter dois fins, ou são utlizados, causando um tremendo custo humano e destruição ambiental (mil vezes pior na emissão de poeiras e de gases com efeito de estufa que quaisquer outras indústrias). Se não forem utilizadas estas munições e armamento, ficarão armazenados, o que tem os seus custos próprios . No final, acabarão por ser descartados, sem que os materiais sejam reciclados, as carcaças inúteis serão enterradas, causando contaminação  permanente dos solos e subsolos, algo não visível pelo cidadão comum.

Nós ouvimos muitas vezes críticas dirigidas aos Estados, por irem em socorro de empresas em maus lençóis, ou em risco de falência. Pois a indústria armamentista não apenas tem um excelente cliente único (as forças armadas do Estado), como este cliente não regateia preços e costuma fazer encomendas abundantes, além de apoiar (e pagar) investigação aplicada com fins bélicos e de isentar de impostos essas indústrias benfeitoras da humanidade.

 Note-se que, em termos de PIB, este pode ser inflado pelo aumento de produção de armamento. Porém, isso não significa que o país em causa esteja a nadar em prosperidade, nem que essa produção seja, de algum modo, impulsionadora de maior bem estar, de mais recursos para desenvolver outras indústrias, ou para o desenvolvimento dos países para onde os armamentos são exportados.

A utilização bárbara para fazer a guerra, não só se traduz num sofrimento humano infinito, sobretudo afetando a população civil, também causa a destruição em larga escala do equipamento, infraestrutura produtiva e vias de comunicação dos países em contenda. Isto significa incontáveis biliões de dólares investidos, que se transformam em ruínas e que - no melhor dos casos - irão ser de novo gastos, durante largos anos, para reconstruírem essas infraestruturas civis: Muitas vezes, os países ficam totalmente de rastos e não têm capitais próprios para fazer tal coisa. Caem no ciclo de dependência, de pedir empréstimos a países ricos, ou a instituições internacionais por estes controladas.

Podeis perguntar: «Mas se afinal é um mau negócio para o Estado, os cidadãos e todas as atividades que não sejam as próprias fábricas de armamento, como é possível que esta indústria floresça e tenha sempre investimentos abundantes sob forma de capitais públicos ou privados?» A resposta é simples e complexa, ao mesmo tempo: 

- os industriais têm os políticos no bolso, através de doações milionárias que fazem para as campanhas eleitorais dos políticos, sem as quais estes não têm qualquer hipótese de serem eleitos, nem mesmo de ficar entre os mais votados.

- A máquina de suborno é apenas um pormenor (importante), mas é o sistema inteiro do capitalismo decadente que está afinal em causa. O capitalismo passou há muito a era construtiva. Precisa de capital e de mais capital, para alimentar a especulação financeira. O grande e o pequeno especulador sabem perfeitamente que um investimento nas indústrias de armamento tem um retorno assegurado: é uma garantia que não é dada por nenhum outro investimento no setor industrial; por exemplo, vemos grandes construtores automóveis ficar em maus lençóis e mesmo irem à falência, o mesmo se passa com grandes empreendimentos imobiliários,  ou turísticos, ou cadeias de restaurantes ou qualquer outro setor civil. Tal não acontece na indústria militar; note-se que empresas de aeronáutica civil estão associadas com empresas de aviação militar. De facto, são os mesmos grandes acionistas que controlam os dois ramos industriais, embora nominalmente apareçam como distintos (exemplo: a Boeing).

Conclusão: A própria sociedade civil está refém dos grandes construtores de material bélico; eles conseguem fazer inflectir as elites políticas com muita facilidade, para que estas adotem as políticas que mais os favoreçam. Os políticos sabem isso, mas não vão revelar a «galinha dos ovos de ouro» ao público, era o equivalente a matar a dita galinha. A media, o jornalismo de massas, também não revela, apenas sublinha o «avanço tecnológico», a «eficácia» de novos sistemas de armamentos, faz publicidade grátis ou mediante subornos, criando no público a ideia (falsa) de que forças armadas assim equipadas poderão vencer quaisquer inimigos em combate. Neste contexto, não nos deve admirar que surjam constantes focos bélicos, em várias partes do Mundo. Só ainda não começaram com guerras diretas entre grandes potências, ainda que as guerras por interpostos («proxi wars») não tenham cessado, desde o fim da II. Guerra Mundial, até hoje! 

O mercado da morte, da morte industrial, é o produto desta sociedade: Todas as pessoas que ingenuamente se preocupam com a habitabilidade do planeta, daqui a 20 , 30, 40 ou 50 anos, deviam refletir, sem dúvida. O efeito das indústrias de armamento traduz-se por:

- Causar enorme mortandade e destruição nas sociedades (sendo civis as principais vítimas, em geral)

- Causar destruição de capital produtivo, fábricas e instituições diversas (hospitais, escolas, centros de investigação, etc.). 

- Distorção do próprio funcionamento das instituições dos países, através da corrupção dos que exercem cargos políticos

- Desvio de enormes somas, que poderiam ser investidas de forma produtiva. Cada dólar investido em armamento, é um dólar perdido para o investimento produtivo em indústrias civis,  etc.

- Aumento dos riscos de guerra generalizada e portanto, da destruição da vida no planeta, pois o fomentar de  guerras parciais ou locais, é o método eficaz para se gerar uma situação internacional de grandes tensões, desembocando numa guerra nuclear entre as grandes potências. 

- A destruição dos ecossistemas, dos habitats naturais, extinção de espécies, poluição marítima, aérea e dos solos, não esquecendo a sempre possível poluição de longo termo, gravíssima, causada pela explosão de engenhos nucleares.  

Eu renunciei a encadear estas consequências acima em ordem crescente de gravidade, pois há uma relação intrincada de causas e consequências. Isto só reforça a ideia de extrema perigosidade e parasitagem sobre a sociedade do complexo militar-industrial.

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* O orçamento de «defesa» dos países da OTAN perfaz, anualmente, dezenas de milhares de milhões de dólares (mais de 10 000 000 000 $). Os EUA são, de longe, o país que mais gasta em armamento.

domingo, 2 de junho de 2024

ASCENÇÃO ECONÓMICA DA CHINA E OS DESENVOLVIMENTOS DOS BRICS


 O professor Warwick Powell é entrevistado por Lena Petrova.

Se tivesse de escolher a entrevista mais esclarecedora sobre a China e o seu papel na nova arquitetura internacional durante estes últimos tempos, esta seria provavelmente entrevista acima, a escolhida. 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

MARTIN ARMSTRONG: CRONOLOGIA DA 3ª GUERRA MUNDIAL E DA FALÊNCIA DOS EUA


 Martin Armstrong não é daqueles gurus que agradam aos globalistas, aos seguidores do pensamento económico convencional, ou da geopolítica na ótica do poder. 

Eu encontro muitos pontos de contacto com ele, embora eu esteja numa posição ideológica completamente diferente da dele. É que ele diz as coisas como elas são; não faz cálculos sobre se agrada a fulano, ou sicrano.

O que ele diz essencialmente, é que os grandes poderes políticos, económicos e financeiros estão a empurrar para a guerra, porque estimam que não têm outra saída. Precisam da guerra para se manterem no poder e para manterem o controlo  sobre os países e os povos. 

Não admira que seja uma voz completamente banida pelo mainstream, embora tenha cada vez mais seguidores que descobrem, com surpresa, a profunda lógica que subjaz à sua previsão dos acontecimentos. 

Oiçam a entrevista, ela tem muito conteúdo. É pena que não esteja ativa a legendagem em inglês. Garanto-vos, porém, que vale a pena!

domingo, 3 de dezembro de 2023

SE ESTAMOS A VIVER NUMA ÉPOCA EXCECIONAL...

 Se estamos a viver numa época excecional, então devemos cuidadosamente rever todos os conceitos aos quais estávamos mais ligados. Devemos analisá-los criticamente, à luz das realidades emergentes e ver quais os que podem ser resgatados, quais devem ser reformulados e quais os que devem ser «deitados para o caixote de lixo».

Quando reflito sobre isto, a minha mente é imediatamente atraída pela palavra «contenção». Com efeito, as circunstâncias gerais, em cada sociedade e cada vida privada, tornaram-se de tal maneira voláteis, que nós devemos nos interrogar sobre a nossa «grelha de leitura» da realidade. 

Com efeito, os parâmetros que considerámos para avaliar a realidade  social, aqueles sobre os quais nos baseámos no passado, até mesmo no passado mais recente, ou se tornaram obviamente caducos, ou têm de ser reformulados, no todo ou em parte. 

As pessoas que não façam esse exercício, irão sofrer, nas condições de instabilidade e perturbação profunda que agora se estão a revelar. Elas irão  ser arrastadas/induzidas a tomar posições sobre as quais não tinham refletido previamente. 

Assim, em todos os aspetos da vida,  deve-se ser particularmente cuidadoso, não tomar os desejos pela realidade, não pronunciar juízos definitivos, sobre aquilo que parece ser, no momento. 

Dito isto, é verdade que as escolhas que fizermos poderão ser decisivas para nós, pessoalmente e socialmente. O que vi acontecer com muitos, é que tentam «encaixar» as inéditas situações, no molde envelhecido das suas ideologias. Seria este um caso para evocar a parábola bíblica do «vinho novo, em odres velhos».

As novas situações não têm «resposta» em escritos de filósofos, políticos ou economistas, que pensaram e escreveram em contextos totalmente diversos da atualidade. A única coisa de que podemos ter a certeza, é que não existem, em sociologia, economia, ou história, teorias preditivas verdadeiras, genuínas. As que são formuladas, correspondem apenas à visão do Mundo e ao desejo dos seus autores. Ora, esta visão do Mundo, mesmo que fosse muito adequada quando a escreveram, não poderia ter em conta toda a panóplia de descobertas e de ideias que se desenvolveram, entretanto. 

Num período de crise, como dizia corretamente Lenine, há semanas que são tão densas em acontecimentos, que parece que passaram anos. Esses acontecimentos são imprevisíveis no seu desenrolar. Mesmo que sejam previsíveis no seu desencadear. Por exemplo: uma guerra, pode ser previsível, ao se analisar as posições e movimentos das diversas potências. Mas, ninguém pode prever que uma tal guerra futura se desenrole desta ou daquela maneira. Que dure apenas uma semana, ou dez anos. Que dê a vitória inequívoca a um dos lados, ou que se arraste e esgote o lado mais forte. Que o lado mais forte inicialmente, mesmo que vença militarmente, acabe por experimentar o princípio da sua derrocada.

As situações de imprevisibilidade nos mercados são ainda mais patentes. Os que «pilotam» os bancos centrais, munidos de poderosos instrumentos para agir sobre mercados financeiros e a economia geral, não têm o poder que se lhes empresta. São o aprendiz do conto do «Aprendiz -feiticeiro». As economias vivem sujeitas ao caos completo, onde sábias e prudentes decisões são impossíveis de tomar. Os dirigentes efetuam meros «passes de mágica», de tal modo que o vulgo acredita que eles detêm enorme poder. 

A atitude mais inteligente - neste contexto- é de garantir aquilo que nós, pessoalmente, a nossa família, a nossa comunidade, possuímos enquanto meios de preservar a vida. Manter e aumentar a nossa capacidade de aguentar nos tempos mais difíceis das nossas vidas, deveria ser a preocupação primeira.  As «sereias» que apelam para investimentos sumptuários, especulativos, que causam um desequilíbrio, ou que diminuem os ganhos e as hipóteses de ganho, são de rejeitar. Por contraste, as iniciativas para preservação do adquirido e para o aumento da nossa autonomia (exemplos: produção própria de alimentos, geração de energia, etc.) tornam-se vitais, neste contexto. Também importa uma atitude mais racional com a saúde: a boa condição física é ainda mais importante, nas circunstâncias em que colapsam as estruturas e os meios de saúde.

A nossa energia deve estar centrada nos pontos acima, sendo também muito importante não olharmos de forma acrítica para as informações que nos chegam aos ouvidos ou aos olhos. Neste contexto, a informação da mídia é mais enviesada do que nas situações anteriores. Estamos perante ondas sucessivas de condicionamento de massas, primeiro com a histeria do «COVID», depois com a violação sistemática da nossa integridade, a imposição de «vacina», a perseguição da dissidência e a instalação duma censura férrea, além de uma vigilância total. Esta fase antecedeu e preparou as pessoas para aceitarem - perante as guerras da Ucrânia e de Gaza - no meio de campanhas de histeria sucessivas, a transformação do enquadramento legal.  A «legalidade democrática» foi varrida de uma penada, para se reprimir "legalmente"  dissidências e glorificar o bárbaro esmagamento de populações civis, incluindo a ressurreição do conceito, medievo e nazi, de  «culpa coletiva».

Com o medo instilado, pretende-se que as pessoas deixem de pensar, apenas reagindo, apenas seguindo os instintos de gregarismo e de xenofobia. Muitas, adotaram um comportamento de simulação, ou ocultaram a sua posição verdadeira, por medo de serem excluídas, de serem apontadas a dedo. 

O cenário está completamente montado e, aliás, a peça de teatro já começou a desenrolar-se diante dos nossos olhos. Mas, como não compreendemos o enredo desta peça, nem queremos fazer um esforço para o compreender, somos incapazes de protagonismo, de sermos proactivos. 

Se algo de verdadeiro existe nas palavras acima, creio que devemos refletir como agir para modificar este estado de coisas. Para agir maduramente, não devemos ocultar a realidade a nós próprios, nem cair na armadilha da propaganda, de uns ou de outros. Precisamos ser capazes de nos distanciar sem trair as nossas convicções. Não devemos tomar a nossa ilusão, o nosso desejo, pela realidade. Sobretudo, devemos guardar abertura a cada momento; não desenvolver sentimentos de ódio, em relação aos que estejam no polo diametralmente oposto. Sermos adultos, propriamente, quer dizer que somos capazes de analisar e não descartar outros pontos de vista, que nos pareçam - à primeira vista - errados, ou equivocados; por vezes, nós é que estávamos equivocados e os outros  tinham - afinal - razão. 

De nenhum modo, uma atitude sectária se justifica, neste contexto: A atitude inteligente é realizar alianças, o mais amplas possíveis, aos vários níveis.