Perguntei ao piloto do meu navio se tivera notícia dalgum naufrágio, nos tempos mais recentes.
Ao que ele me respondeu: "Não, Senhor. Este deve ter encalhado há bastante tempo."
O casco de madeira apodrecida, negra, era colonizado por lapas e mexilhões; carangejos pequenos corriam à superfície.
A carcaça em decomposição ainda exibia, no centro, um fragmento de mastro; como um braço erguido para o céu .
A vida borbulhava nos seus destroços, como num cadáver de cetáceo morto que dera à costa.
Este, lentamente, é descarnado pelas brigadas de criaturas oceânicas até nada mais restar senão o esqueleto.
A visão daquele esquife imóvel no meio de rochedos bravios, lentamente devorado pelo exército voraz dos mares...
Fez-me pensar...
A cena apareceu-me como perfeita analogia das construções intelectuais que navegam na sociedade, como navios nos oceanos.
As construções defeituosas não vogam até muito longe. As correntes arrastam-nas, metem água e acabam por naufragar!
Depois, seus destroços presos nos rochedos, sob as furiosas vagas, ficam desconjuntados, irreconhecíveis.
Por fim, o que resta do navio, desfaz-se; só alguns pedaços a boiar, ou nem isso. O que sobra, vai para as profundezas.
Ninguém advinha que ali se ergueu um orgulhoso navio. Da praia ao horizonte, o mar permanece tão vazio como no começo do Mundo.