sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Ascensão do nacionalismo na ex- Jugoslávia e no Mundo







A entrevista de Pascal Lottaz ao Prof. Zlatko Hadžidedić é particularmente esclarecedora.
Ela permite-nos colocar em perspectiva o reativar dos nacionalismos, no contexto dum capitalismo globalizado. Para o autor, é a própria sobrevivência do capitalismo - na sua forma contemporânea de híper-capitalismo - que está em jogo.
Para este Professor, o capitalismo contemporâneo socorre-se da narrativa identitária do nacionalismo para sobreviver, visto que as contradições que ele engendra são de tal maneira que, sem a «cola social» do nacionalismo autoritário, estas sociedades entrariam em crise terminal e se desmembrariam.

Referências:

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

PODER HIERÁRQUICO E BOM SENSO FUNDAMENTAL


 A humanidade tem progredido - sobretudo - em complexidade material, quer dizer, através de tecnologias cada vez mais sofisticadas. Porém, existe também a complexidade organizacional, que não é realmente explorada como deveria ser, apesar dos muitos críticos da «burocracia». 

É a complexidade organizacional que implica uma hierarquia das relações ou, pelo contrário, uma hierarquia das relações que implica uma complexidade organizacional? 

 -Esta questão deve ser desmembrada para se extrair daí uma nova maneira de ver o problema: 

-Muitas pessoas pensam a complexidade segundo níveis hierárquicos. Dirão que essa hierarquia é «natural», que ela é observada em todas as sociedades humanas e que se observa também na natureza, nas sociedades animais. 

Esta forma de encarar a complexidade não tem em conta que - por norma - as estruturas do mesmo nível de complexidade se organizam de forma «não-hierárquica»: uma colónia de seres unicelulares, é constituída por muitos  milhares ou milhões de indivíduos, cada um deles capaz de vida independente. Um tecido, num organismo animal ou vegetal, é formado por células idênticas na sua função, às quais se somam, frequentemente, células especializadas. No tecido animal ou vegetal, a função é desempenhada por este todo. De tal maneira esta função coletiva é de importância primordial, que existem em reserva células não-especializadas, embrionárias (células-tronco) que se poderão diferenciar e substituir as células danificadas, no conjunto das células tissulares.  

Portanto, contrariamente à visão estrictamente hierárquica, no nível  mais baixo de funcionamento dos sistemas complexos, devemos antes ver que tais seres complexos são organismos, isto é, uma federação de células, umas idênticas, outras  diferenciadas, mas todas desempenhando a(s) função(ões) conjuntamente.

E ao nível de conjuntos de indivíduos, ao nível das populações? 

- Embora uma versão ideológica, ultra-simplificada do darwinismo (a vulgata «neoliberal») nos tenha induzido a ver como predominantes as relações de competição entre os indivíduos, o facto é que a estabilidade dos grupos, das populações, depende da cooperação muito enraízada, ao ponto de se considerar que alguns dos comportamentos cooperativos observados são transmitidos pelos genes e não pela aprendizagem. 

Além das relações intra-específicas, existem muitas outras que se estabelecem de forma estável, ou transitória, entre seres de espécie diferente. As relações de simbiose potenciam as capacidades de seres de duas espécies diferentes, ao ponto da vida (ou a reprodução) dum dos simbiontes ser inviável, sem a colaboração do outro simbionte. Por exemplo, há espécies de plantas que têm uma anatomia da flor tal que apenas uma espécie de insecto consegue alcançar o néctar e carregar (ou descarregar) o pólen para fertilizar a planta; se desaparece o insecto, a planta rapidamente desaparece também, visto que não se pode mais reproduzir; se for a planta a desaparecer primeiro, a tal espécie de insecto desaparece logo de seguida visto que, não havendo a espécie vegetal, o insecto morre, não consegue adaptar-se instantaneamente a nenhuma outra espécie.

As interações entre plantas, animais e  microorganismos são de grande importância nos ecossistemas. Um ecossistema pode entrar em desequilibrio e acabar por ser destruído, apenas pela remoção de uma ou muito poucas de suas espécies. Com efeito, é o que se tem observado em situações onde a floresta (ecossistema complexo) é substituída por plantações; mesmo que permaneçam alguns restos da floresta original na periferia, ou «ilhéus» da mesma, no meio das terras cultivadas. Como tais restos de floresta deixaram de ter a sua capacidade auto-reprodutora, as diferentes espécies ou desaparecem ou diminuem rapidamente. Surgem então as espécies oportunistas, que tomam o lugar. Elas, muitas vezes, são pragas que fazem diminuir o rendimento das explorações.

Estes exemplos acima mostram como as relações naturais são de complexidade muito maior, do que imaginadas pelos humanos, ao longo da História. O ser humano tem sido frequentemente perturbador dos delicados equilíbrios naturais. Os cientistas do ambiente têm experimentado recuperar ecossistemas, devolvendo-os ao seu estado primitivo, em diversidade de espécies e em produtividade de biomassa. Infelizmente, têm tido muitos os fracassos e poucos os sucessos.

Os jogos de poder nas sociedades humanas são, por vezes, equiparados aos atos de predação de animais no estado selvagem. Este tipo de comparação não tem nada de científico;  mostra a ignorância de quem usa estes exemplos («o leão e a gazela», etc...). Com efeito, a predação é um processo complexo de interação entre a espécie-presa e a predadora. Os predadores têm tendência a atacar os mais fracos, devido à idade, a ferimentos ou doença. Este facto de predação preferencial, favorece as presas mais robustas, mais saudáveis, tendo portanto o efeito de apurar, constante e espontaneamente, suas capacidades físicas e - em especial - as suas capacidades em escapar aos predadores. O simétrico também é verdadeiro, pois as espécies-presa - ao serem difíceis da capturar - exercem uma pressão sobre a população dos predadores, seleccionando aqueles mais capazes de levar a cabo a caça.

Aliás, é bem conhecido e observado o comportamento de que os predadores não atacam suas presas, quando têm a barriga cheia. A predação natural, em circunstâncias não falseadas pela intervenção humana, parece-se mais com um «podar as hastes e ramos duma árvore». 

Embora estejam sempre a extinguir-se espécies, mesmo sem a intervenção direta ou indireta dos humanos, estas espécies são geralmente substituídas por outras, que aproveitam a oportunidade para se expandir ou diferenciar. O homem, pelo contrário, nos espaços que domina - ecossistema urbano, ecossistema agrícola - arrasa tudo o que não lhe convém e, muitas vezes, importa plantas e animais doutros ecossistemas, que podem ter efeitos devastadores nas floras e faunas autóctones (vejam-se os casos da colonização da Austrália e de muitas ilhas). 

A ideia bíblica da humanidade que recebeu este planeta de Deus, tendo que cumprir o seu dever de guardião das espécies, com prudência e respeito, foi completamente subvertida. A partir da era industrial, foi substituída pela depredação pura e simples, baseada na ideia de que a propriedade da terra seria um bem «absoluto» e que o seu proprietário podia fazer dela o que bem entendesse.

O estímulo para se ser «empreendedor» tem vigorado como parte da ideologia que minimiza ou anula as obrigações  do indivíduo para com a coletividade e isto, sem contrapeso. Com efeito, têm-se descurado os deveres públicos de ordenação, planificação e fiscalização (os quais, quando existem, muitas vezes são infestados por corrupção). Esta estranha «moda» tem como efeito difundir um ideal de triunfo do indivíduo sobre a sociedade e portanto,  de destruição da própria sociedade. 


RELACIONADO: Documentário sobre a  cooperação ao nível dos seres celulares há biliões de anos.


segunda-feira, 27 de outubro de 2025

TERÁ BACH COMPOSTO PARA O ALAÚDE? (segundas-f. musicais nº 37 )


Bach é celebrado hoje, como talvez nunca foi antes: É com base em obras de Bach que se ensinam os rudimentos da arte de tanger os instrumentos de tecla, mormente o órgão, mas também o cravo e clavicórdio. Porém, este sucesso póstumo levou a uma visão demasiado rígida, a uma visão de sua música como sujeita a um canon interpretativo, que coloca certas escolhas à margem, como heresias, ou como adaptações inapropriadas...
Porém, o próprio Mestre esteve sempre implicado em adaptações, apropriações, ou «plágios», como diríamos hoje, de obras de outros ou de composições dele próprio, que teria composto anteriormente.

O detalhe da vida e obra de Bach, leva-nos - no entanto - a compreender melhor o espírito do grande Mestre. É consensual que, no aspecto de usar vários instrumentos para as peças, estava perfeitamente dentro do «mainstream» da época.

Paul O'Dette, Nigel North e Eliot Fisk - excelentes intérpretes-alaudistas e também profundos conhecedores de Bach e sua época - vêm nos ajudar em Watch History a deslindar a questão de saber se aquilo que hoje em dia é tido como «obras de Bach para alaúde» o são verdadeiramente, ou se foram escritas para outros instrumentos e porteriormente transcritas, para serem executadas no alaúde.

Este magnífico instrumento foi importado da música árabe. Na Península Ibérica, nomeadamente, desenvolveu-se uma civilização requintada (Al Andaluz) que influenciou os eruditos cristãos, mas também se fixou nas tradições do povo. Basta ver as influências mozárabes, muito nítidas na Peninsula Ibérica, bem depois do último Reino Árabe, nas artes do século XVI e posteriormente.
Tornou-se o alaúde, no Renascimento, o instrumento preferido no acompanhamento do canto popular, como se pode verificar pela iconografia. As partes de acompanhamento da melodia, até ao século XV, em geral, eram apenas delineadas, sendo tarefa do cantor/alaúdista de  improvisar as partes não  escritas. 
Do ponto de vista acústico, é um instrumento com baixo volume sonoro, sendo mais apropriado como instrumento de câmara do que para manifestações ao ar livre.
Com outros instrumentos, participava em conjuntos, fossem eles de cordas e arco, ou da família das flautas. Na era barroca era usado com o teórbo, enquanto «baixo contínuo», em peças instrumentais. Nas primeiras óperas, ou «Dramas em Música», Monteverdi e outros compositores, utilizaram profusamente o alaúde e o teórbo.
Os alaudistas - nomeadamente os franceses - foram muito importantes na génese da Suite para instrumentos de corda e tecla. Os cravos possuíam um registo dito de alaúde (a extremidade percutente era em pele de búfalo, em vez de pena de pássaro).
Pode notar-se na escrita de cravistas da época (como Louís Couperin e muitos outros), a importação do estilo «brisé», muito comum na forma de executar acordes no alaúde.
No século XVIII, houve um renovo de interesse pelo instrumento. Mas, limitou-se a um público de amadores requintados, tocado muitas vezes a solo, ou em pequeno conjunto instrumental.

É bem possível nalguns casos (noutros sendo certo) que peças para outros instrumentos (violoncelo, cravo, etc) tivessem sido adaptadas por Bach, ou seus discíplos, ao alaúde.

É esta flexibilidade interpretativa, que envolve a sonoridade dos instrumentos, as diferenças tonais e utilização de diferentes ornamentos, que me seduz.

Pessoalmente, as «Suites de Bach para alaúde» soam-me muito naturais para este instrumento, sobretudo quando executadas por grandes intérpretes contemporâneos, que nos dão a conhecer as composições mais intimistas do Kantor da Igreja  de S. Tomás de Leipzig.

sábado, 25 de outubro de 2025

MEARSHEIMER: PAZ SABOTADA PELOS GOVERNOS OCIDENTAIS

 


O Prof. Mearsheimer apresenta aqui um discurso notável: o seu realismo mostra como os dirigentes ocidentais falharam por ausência de estratégia. Um discurso que desmonta as retóricas e ações inconsequentes.

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Comentário de Manuel Banet:

Os políticos europeus, que dirigem os governos do Reino Unido, Alemanha e França, são tão medíocres e falhos de visão em questões internacionais, como ao nível interno. 
Durante decénios, o poder «liberal-democrático» habituou-se a governar à custa de slogans, de efeitos pirotécnicos, de «campanhas morais», etc... Sem dúvida, esqueceram as suas funções, os seus deveres principais como governantes. Mas, sobretudo, nunca estiveram confrontados com situações dramáticas, para eles próprios e para seus regimes. Na Europa (e no Mundo), vivem-se agora momentos trágicos e decisivos para o futuro, não apenas  do continente, como da humanidade.
Porém, os partidos de poder, que mais têm empurrado para a guerra, são liderados por medíocres. Por pessoas que, em situações trágicas e de grande perigo, não fazem senão perorar frases-feitas, de retórica vazia, como as que produziram durante toda a sua carreira. Isto é o que se pode esperar deles. Nem, ao menos, estão imbuídos duma qualquer visão histórica. Eles navegam ao sabor das conveniências. E as conveniências, digamos francamente, é manterem-se a flutuar na esfera do poder (enquanto governo, ou oposição), evitando a ira popular. O que mais temem, é que venham a conhecimento público suas inúmeras manobras  protegendo os interesses de grandes financeiros e industriais, e assim comprando a sua protecção. Não vou aqui demonstrar, de novo, como a chamada «democracia liberal», cada vez tem menos de «democracia», ou de «liberal». Alás, basta ver o que se passa nos países tidos como «faróis da democracia», naquilo em que se transformaram.
O fracasso consiste não só na guerra Ucrânia-Rússia, em si mesma, como no bloqueio da sua resolução, por via dum acordo de paz que confira estabilidade e segurança a todos os países europeus, incluindo a Rússia.
Este fracasso é inteiramente devido à pusilanimidade de chefes de governo, de altos responsáveis da OTAN e de toda a pseudo-elite que tem produzido campanhas de ódio e de falsificação dos factos no terreno. 
Qualquer pessoa, independentemente das suas convicções, deveria desprezá-los, pois eles causaram as conversações resvalarem duas vezes para o impasse, daí resultando a continuação da guerra e seus muitos milhares de mortos (1ª vez em Istambul, em abril de 2022; 2ª em Budapest em out. de 2025). 

A propaganda de guerra pode enganar um certo número de pessoas, durante um dado tempo; porém, nunca poderá enganar todas as pessoas, durante todo o tempo.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

ÁFRICA, DISTORCIDA NAS NOSSAS IMAGINAÇÕES

 

 África e a Projecção de Mercator [*]


Durante mais de 450 anos, a nossa visão do mundo tem sido moldada por um mapa que é enganador. Na realidade poderíamos encaixar os EUA, a China, a Índia, o Japão e muito da Europa, dentro de África, que ainda ficariam espaços de terra restantes...


Analogamente, a Gronelândia parece semelhante em tamanho à África, em muitos mapas, quando de facto, a África é 14 vezes maior. O Alasca parece ter o mesmo tamanho que a Austrália, embora a Austrália seja 4,5 maior.


A causa destas distorções, reside na projecção de Mercator, que aumenta as massas terrestres tanto mais, quanto estas estiverem distantes do equador. Em consequência, regiões como a Gronelândia ou a Antártida parecem muito maiores do que seu verdadeiro tamanho, enquanto as terras equatoriais ficam diminuídas em tamanho.

[ * Traduzido a partir de https://www.james-lucas.com/ ]