OPUS VOL. II. (2022 - 2023)

 NB: Esta recolha vem na sequência de uma anterior, onde reuni as obras compostas desde 2016, no início da escrita do blog «Manuel Banet, Ele Próprio», até finais de 2021. 

Não estão incluídos aqui textos de outra natureza, como os de filosofia, política ou economia. Incluí aqui alguns textos de estrutura não versificada, pois os considero prosa poética. 

O conteúdo desta página irá sendo atualizado, à medida que vão sendo colocados mais textos poéticos no blog.

Manuel Banet




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37/ SALMOS PARA O SOLSTÍCIO DE INVERNO



É MUITO PERIGOSO PROVOCÁ-LO;

SUAS IMPRECAÇÕES ECOAM NO TEMPO

SAIBAM QUE SALADINO ESTÁ VIGILANTE

COM ALÁ E TODA A IRMANDADE.


SERÁ DO RIO ATÉ AO MAR

QUE SE TINGIRÃO AS TERRAS 

DE SANGUE JUDEU, ÁRABE, BERBER 

TERRAS ONDE HÁ DOIS MILÉNIOS

NASCEU O NOSSO SALVADOR


(SIM, O NOSSO SALVADOR:

PARA OS «CAVALEIROS» 

OLIGARCAS DE HOJE,

 É TIDO COMO RELIGIÃO 

DE POVOS ATRASADOS, 

LÁ DA IDADE MÉDIA)

 

SÓ SEGUEM O DEUS DÓLAR 

O DEUS DOS BANQUEIROS

TUDO O RESTO, VARRIDO:

HUMANISMO, VARRIDO

COMPAIXÃO, VARRIDA

VIRTUDE, VARRIDA

HONRA, VARRIDA

LEALDADE, VARRIDA

SE ALGUMA FÉ TIVEREM

ELA TEM COMO DEUS,  BELZEBU.


(NÃO CREIO QUE SEJA LÚCIFER, 

O PORTADOR DA LUZ: 

COSTUMAM CONFUNDIR TUDO 

E TROCAR OS NOMES. 

EU NÃO ACREDITO, 

PORQUE OS QUE HOJE TRIUNFAM,

 SÃO PORTADORES DE TREVAS, 

NÃO DE LUZ.)


ESTAMOS REALMENTE 

NO CORAÇÃO DAS TREVAS

HOLOCAUSTO BRUTAL,  ABSURDO

SOFRIMENTOS INFINITOS

DE INOCENTES, SACRIFICADOS 

PELOS CRIMES DE SEUS EXECUTORES


PARA OS GENOCIDAS SACRIFICADORES

DE CRIANÇAS, NÃO  HAVERÁ PERDÃO;

QUALQUER QUE SEJA A RELIGIÃO

  É PORTADORA DE PADRÃO ELEVADO

 DE JUSTIÇA, DE NOBREZA DO CORAÇÃO

NÃO HÁ RELIGIÃO OU ÉTICA

EM TUDO O QUE É FEITO

PELO DINHEIRO,

PELO OURO NEGRO,

PELO PODER DESPÓTICO

SOBRE OS OUTROS


(O NATAL DE HOJE, 

ESTÁ  CONFINADO 

AOS CRISTÃOS DO LEVANTE 

QUE SOFREM NA INDIFERENÇA 

 DOS PAÍSES «CRISTÃOS» 

RICOS E CORRUPTOS)


OS CRISTÃOS DA SÍRIA, DO EGIPTO,

DA PALESTINA, INCLUINDO ISRAEL

DA TURQUIA, DA JORDÂNIA, DO IRAQUE

VIVEM COMO BONS VIZINHOS COM MUÇULMANOS

INFELIZMENTE, VIERAM FALSOS CRISTÃOS

OS VERDADEIROS APÓSTATAS,

 PARA ESMAGAR, VIOLAR, DESMEMBRAR

E INCENDIAR SUAS TERRAS E CIDADES

JAMAIS HAVERÁ PERDÃO, NO MEU ESPÍRITO,

PARA O MAL QUE FIZERAM OS FALSOS CRISTÃOS.


ELES, QUE SE DIZEM CRISTÃOS E FAZEM

O CONTRÁRIO DO QUE JESUS PREGOU 

SÃO OS MAIORES INIMIGOS DA RELIGIÃO,

DEUS LHES PERDOE, SE ESTE FOR O SEU DESEJO,

MAS EU PREFIRO ESTAR DO LADO DA RAZÃO

DA JUSTIÇA, DA BONDADE, DA HUMANIDADE


O MEU NATAL É DE DOR E TRISTEZA,

SÓ HOMENS E MULHERES

DE CORAÇÃO AUTÊNTICO, ME ALUMIAM!

OS HIPÓCRITAS, POR MAIS LUZES QUE

ACENDAM EM SEUS LARES E IGREJAS

ESTÃO MERGULHADOS NAS TREVAS.




36/ A UM DEFENSOR DO 'STATUS QUO'


- Tu, que olhas sobranceiro
Os humildes que sofrem
Labutam e lutam
Por sustento de miséria



- Tu, que te julgas superior
Porque o merecias
Quando afinal pouco
Tens de juízo e saber



- Tu, que te orgulhas
De ser escravo
Exibes como adorno,
As grilhetas mentais




- Tu, ricaço estás afinal
Nu, sem resguardo
No meio da sociedade
Que sustenta teu fardo



- Tu, esqueces depressa
A quem tudo deves
Ficas mais frágil
Ainda mais exposto




- Tu, serias cómico
Na tua bruteza
Mas és responsável
Por tantos males




- Vai pró Inferno
Aí tens teu lugar
Corre, ocupa-o!
É bem quentinho.



35/ QUASE PÓSTUMO

 

Quase póstumo

Ainda assim querendo ser

Ingénuo outra vez nascer

Em segredo olhando

Crepúsculos de madrugada

E ventos cantando

 ao ouvido aquela

Canção antiga

 Não sei a letra

 Mas fala de sereias

E de sementes

Reminiscências

De quando fui

Noturno corujando 

Em diálogo com

Filtradores de orvalho


Mas não era eu

Afinal, tempo sonhado

Ou vida imaginada

Se foi tudo um filme

Não sei, podia sê-lo 

Ser outra história

Às vezes cómica

Ou triste

 Ou irónica

Ou trágica

Ou banal

E tudo...


O cintilar de prata à superfície do rio que flui para o mar

É efémero; eu sei

Mas o olhar, esse, é eterno

Se te concentrares e fixares

O instante como eternidade

Como universo parando para deixar

O instante ser na sua plenitude

Sem nada que o estorve

Sem outro modo de ser 

Senão o ser em si mesmo

Compreenda isto quem puder


Vamos remando num universo sem limites 

Mas cíclico e nossa insignificância

É eternidade

O ser é eterno deixa a sua marca

Não desaparece, transforma-se

Entenda isto quem puder


Eu apenas reflito o saber

Como o espelho reflete a luz

Nada  misterioso, o espelho 



34/ A BESTA ENRAIVECIDA


A Besta não é racional; pode morrer, mas mata primeiro

A Besta não distingue o bem do mal; é insaciável

A Besta tem fragilidades; e não é sermos destemidos

É cortar-se a energia, o financiamento e o crédito 

Assim, cozerá no seu próprio sangue enraivecido

Pode escoucear, mas a cada gesto mais se esgota

Ninguém precisa da Besta; antes pelo contrário

Ela precisa de todos nós; vive do nosso suor

Resgatar um mundo humano: basta querer

Cortem todo o contacto, boicotem todas as relações

Cancelem negócios; o que perdem, depois ganharão 

Outra Terra se construirá, sem Bestas desumanas

Ela é como a Hidra, mas afinal tem um número

Finito de cabeças; enquanto elas espalham fogo

Fiquemos abrigados; quando ele se esgotar

O seu grande corpo mole será impotente


Ela tem a astúcia de pôr uns contra os outros

Agora, o jogo está tão à vista,  ninguém cai

Quando dá uma dentada, morde sua cauda

Esbraceja no ar como um abutre despenado

Grita impropérios e obscenidades 

Enquanto martiriza incontáveis inocentes

Mas o veneno espalha-se no próprio corpo

E abafa, na Besta, os pulmões e o coração 

Que em breve seja o seu momento final

A esperança e o alívio dos justos   


33/ ARQUEOLOGIA     

Recolha de 3 poemas de 1987 a 2016 , 

ATUALIZADA EM 2023


1- A Revolta dos Anjos


- Quem somos nós? Quem sou eu, quem és tu?
Somos instantes perdidos na imensidão do tempo
Somos transitórios como a carne
Somos menos estáveis que um grão de areia
Somos somente um elo duma cadeia que se estende desde um ser vivo primitivo…
… Somos tudo isso e temos vaidade em reclamar a imortalidade!

- Segui estrada fora… conheço-lhe os prazeres e os perigos…
… Toda a verdadeira caminhada é solitária
Que este pensamento não sofra contestação
… Bem louco seria aquele que emprestasse os pés, em vez das botas!




   2- Quando…


… Todas as profecias se gastaram no vão desejo do amanhã
… As bocas se calaram no súbito ruir da noite em tom de incêndio
… As fontes secaram fechando as gargantas sedentas de cristal
… A Terra foi a enterrar no espaço sideral





          3-  Tudo…


                     … Nasce, cresce e morre;
Se transforma,
Se vai escoando, se vai esvaindo
Se vai crescendo, se vai desenvolvendo
Se vai… …
… E tu, pra onde vais?
Tu, alma desvalida
Feres onde, vida?
Vives onde, ferida?
Do chão até às nuvens
Clamam vidas
Em seus quatro sentidos
Na água também,
Que é túmulo e fonte de Ti,
- Ó Vida!
....


4- O depois...

Quando a Terra inteira foi a enterrar
Eu lá estava, transformado em poeira
De estrelas, olhando com meus irmãos
O Sol nuclear que se alevantou 
Tudo iluminou de luz glauca
Cegando quem olhava de longe

Quando todas as profecias se cumpriram
Restou uma nuvem de pó denso, tóxico
Na Terra outrora transbordante de vida
Agora, enorme rochedo, imensa esfera
No vazio circula incansavelmente
Em torno do Sol indiferente 
Mais estéril que a própria Morte

Dizem que o Universo
É feito de infinitos paralelos
Podem ter razão; mas cada um
Vai divergir do outro:
Se houver «outros eus»
Não serão «eu mesmo»
Se houver outros viventes
Não serão deste Mundo

Porque o aqui e agora
É o que me interessa
Neste oceano de vida
Eu nado e respiro
Como todas as outras
Vidas, assim percorro
O meu percurso.

5- Uma Simples Prece
 
Ó Vida: salva-te
E salva-nos
Da loucura
Dos humanos!



32/ O SOL



 Ele não bate à  janela

Introduz-se no quarto, 

Sem cerimónias

Visitante não convidado

Não furtivo, pelo contrário,

O atrevido ilumina tudo

Com seus raios dourados

Muda cenários sombrios

E mesmo a melancolia

É sacudida pela luz irisada

Que suavemente escoa

Dos vidros reflexivos.

Ao Sol, a matéria sublima-se

Transmuta-se e explode

Em cores triunfantes

Anulando as sombras

E os pesadelos

Da minha mente.




31/ REFÚGIO PRECISA-SE

 

Perante a desrazão, a fúria destruidora

Tem de haver algo que contrarie a insanidade

Um antídoto contra a estupidez e crueldade

Um refúgio que acolha sem preconceito


Todas as almas doridas, seja qual for sua origem

Seja qual for seu pensamento, religioso ou não

Um abrigo que não questione a nação, a etnia

De cada pessoa que aí chegue e nele se recolha


Eu veria este lugar como um santuário de paz

Talvez situado em vários locais no Mundo

Não seriam somente físicos, tais refúgios

Mas locais de espiritualidade aberta


Apelo a quem tenha vocação verdadeira

Para ajudar na cura dos seus semelhantes

Não sei se já existem locais assim, mas sei

Que há urgência em construir estes refúgios

  



30/ AS   PALAVRAS


 A palavra ciciada ao ouvido do amor nascente

A palavra gutural num soluço de ódio demente 


A palavra altaneira, de vazio cheia como vento

A palavra medida, calculando pelo sustento 


A palavra jocosa, saída de lábio sorridente

A palavra erudita, que revela o ignorante


A palavra bolsada com raiva e desespero

A palavra mão estendida em franca amizade


A palavra cozinhada com subtil tempero

A palavra esquecida em provecta idade


As palavras são tão diversas como as gentes

Traiçoeiras ou puras, radiosas ou cinzentas


Quem só sabe palavras, da vida pouco sabe

Viver, não é lição escolar que se aprenda




29/ CÉUS DE OUTONO



Quando o frio e as primeiras chuvas

Esvaziam os locais de veraneio

Quando os matizes de cinzento 

Se desfraldam nos céus

É nessa ocasião que passeio

A minha melancolia

Contando as gaivotas

Que na praia se aquecem


Os céus sempre mutáveis

Exibem o portentoso fresco

Que nenhuma mão humana

Pode representar com pincéis

E cores numa imensa tela


Quando o Sol se põe

Iluminam-se breves os flocos

D' algodão das nuvens,

Espetáculo grandiloquente

Onde os azuis e os roxos,

Os rosa e os laranja 

Se casam em apoteose

Serena e lânguida 


Em breve, o pano de veludo 

polvilhado de luzes

 Recobre o oceano e as falésias

Cenário dum novo drama

E a noite entra em cena




28/ VIAGEM CÓSMICA




O nosso rio da Lua serpenteia por um céu de estrelas

Não existe limite no firmamento só escuridão vibrante

Em nossos corações pequeninos estão encerrados universos

Pelo caminho de prata vogamos em silêncio

Recolhidos perante o mar cintilante aos nossos pés

Afinal somos estrelas, não somos só daqui

Viajamos em espaços vibrantes e sensuais

O vazio não existe, a nossa vida é eterna

Posso morrer num certo sentido, mas estarei

Em constelações e galáxias, num espaço-tempo

Insuspeitado. Olho o céu estrelado

Na noite, respiro o perfume

Das fragrâncias oceânicas

Num silêncio só entrecortado

Pelo murmúrio das vagas

Eternidade do momento que me possui

Sinto-me unido a Ti Tranquilo como criança por nascer

No ventre de sua Mãe






27/ SE O POEMA FOSSE CONFISSÃO


Se o poema fosse confissão

Falsa seria. Seria pose, artifício

Porém, num certo sentido

Confessa o que a mente

Ignora


Reflexo e sombra, é o poema

Sopro sussurrado ao ouvido

Do poeta 


Eu não tenho a vaidade

De ser o autor do vento

Da chama, da música

Ouvida ou sonhada.


Produzo um balbuciar

Olhando espantado

O maravilhamento

Deste Mundo


E confesso embaraçado

Que -afinal- os ditos versos

Propriamente de meu

Têm pouco, ou nada.






  26/  RENUNCIEI A LER O REAL   


Renunciei a ler o real com as lentes deformantes dos media

Mas leio todos os dias o meu jornal feito de pássaros e de formigas

Nos jardins e nas ruas do meu bairro


Renunciei a compreender os humanos como entes racionais

Mais racional é a onda no mar, ou o trovão no céu


Renunciei a encontrar as razões dos políticos

Como, de qualquer maneira, são sempre discursos

Para enganar o eleitor, nada se pode extrair deles


Mas, um animal não finge, nem esconde

Só exprime o que sente; como a criança pequena


Afinal, não renunciei a ler o real, devo autocorrigir

Porque o real é isso mesmo que leio; as produções

Dos humanos são apenas poluição de que nunca se fala  

Muito perniciosa: a poluição mental


Ela a todos enjaula, tritura e embrutece

Só se mantêm livres os poetas, uns tipos estranhos

Mas, afinal sábios, prudentes, humanistas


[Eu a ninguém aconselho: quem quiser que escolha

Não despreze este escrito, pois pode ter mais sumo

Do que parece, à primeira vista.]







 25/ DEIXAR O PASSADO MORRER?                                                           



 Há quem diga, «deixa o passado morrer»

Mas, este estribilho não tem sentido

Além de afundar mais e mais a pessoa

Numa perplexa e obscura ignorância


Eu digo, «somos todos feitos do nosso passado»

Ele habita connosco e assim será até morrermos

Mesmo depois da nossa morte, 

Venha lá o que vier, o passado não se apaga. 


Permanece neste mundo como

Entalhe ou relevo do real

Esquecer o passado é como

Apagar a tua personalidade


Eu gosto do passado, porque ele

Tem a ver comigo e com os meus

Os falecidos também vivem em mim

Sem eles, o que seria eu?


Compreendo que não se deva ficar 

Agarrado ao passado, cismando

Por aquilo que não pode voltar

Mas não devemos recalcá-lo


O relegar as memórias 

Para um poço sem fundo

É um exercício violento

Destruidor da psique


Mais sensato é pegar nas recordações

Boas e más, conversar com elas

Dar-lhes espaço para respirarem


Transmutando os momentos

Maus, em lições de vida

E os momentos bons, em alegria

Recorrente.


Nunca sigas falsos sábios, feirantes,

Chupadores de sangue, que nos querem

Transformar em zombies e nos dominar



Busca sabedoria nos grandes sábios do passado,

Nos verdadeiros valores do presente...

E ouve o teu coração:

Ele te dirá, melhor que ninguém,

O que deves fazer e como ...


Murtal, Parede (24-06-2023)





                                           24/   POESIA    



E na Primavera tudo mudou
Tudo se tornou mudo 
Bruma e silêncio
Outonal

Aqui ouvimos
Vozes de cantares
Jovens risonhos
Caminham

Ignoram o que acontece
Longe dos seus olhares
A vida floresce
Ao Sol dourado

Porque vens então
Angustiar-nos
Com teu
Agourento verso?

-Deixa, amor
Eles nunca aprenderão:
Que o fruto suculento
Guarda o pior veneno

Substância imaterial
No  âmago da  Inocência mesma
Se infiltra e corrompe...
E
chama-se
Indiferença 





23/ História de fantasmas 



 Acordei no País dos sonhos

Percorri léguas e léguas de caminhos esconsos 

Ou de amplas autoestradas

Para me encontrar frente a um espelho

Num palácio abandonado


Este espelho é a porta de entrada

Dos que permaneceram no limbo

Para o tal Reino, onde sonhar

Significa a Vida e viver

Só representa a necessidade

Contingente da jornada


O sócio desta sociedade

Ultra secreta não precisa

De senha ou sinal para

Reconhecer seus pares

Caminhando ou vogando

Por rios serenos entre sedas

Ondeantes ao vento


- Mas a morte, a morte que nos espera

E sempre nos alcança?

Onde pára ela?

- Ela caminha ao nosso lado

Sem receio. Nós sabemos

Que ela é Rainha

E não a repudiamos


Viver em sonho e caminhar

Por suas veredas é distinção

De poetas. Eles comunicam

Fraternamente a seus pares

As rotas que tomaram,

As paisagens por onde passaram,

As histórias que ouviram


Para eles, dizer a verdade não custa

As mentiras que possam dizer

Não o são para os outros irmãos 

Todos descodificam fórmulas

Ou sortilégios, são línguas

Correntes, banais


Se alguma vez acordam

Precisam logo de retomar

A onírica estrada, 

Seja por que meio for 

A realidade do real é-lhes fatal

Definham, acorrentados

 Às medíocres rotinas


São aves ou peixes

Embora aparentem pertencer

À espécie humana

Mergulham na profundeza

Dos mares, ou planam

Muitos metros acima do solo


Ou talvez sejam outra

Espécie em gestação

A que substituirá

Mulheres e homens

Comuns de hoje;

Não sabemos


No meio do ruído

Das multidões

Estão silenciosos

E quando poderosos

Pretendem prestar-lhes

Homenagem, erguem

Estátuas e monumentos

Mas não  leem sua poesia.




22/ NAS TRINCHEIRAS, 

UMA FLOR TEIMOSA NASCEU




 Nas trincheiras, uma flor teimosa nasceu

Ela queria o que sempre fora terreno seu

Não podiam botas cardadas vencer seu vigor

Ela sobreviveu como semente ao rigor


O Inverno aqui é a estação dormente

A Primavera é quando germina a semente

Haverá uma fecunda descendência

Que em paz encontra a resistência


Que podem os canhões obliterar?

Querem a Natureza dominar?


 -  Só homens loucos fazem a guerra

Há só uma Terra, só uma raça humana

Vencedores ou vencidos, acabam por morrer !


Mas as humildes flores, de todas as cores

Em festivo triunfo, erguem ao Sol

Doador da Vida, o fruto de seus amores! 


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Páscoa, 9 de Abril de 2023





21/HOJE, QUERO-TE FALAR 


... ao som de «Deve ser Amor» do álbum Recorded in Rio de Janeiro 
Herbie Mann , João Gilberto, António Carlos Jobim



 Hoje quero-te falar

Da nostalgia do tempo

Do tempo que não vivi

E que ressinto

Como se fosse este

O tempo certo


Para me espairecer

Nada poderá fazer 

Aquele que persegue

O tempo sem descanso


Eu prefiro ficar 

No doce remanso

Apreciando aquele

Charme indefinido

Que se desprende

De uma canção

De uma foto

Duma recordação


Pudera eu voltar

Ao tempo antigo

E que faria?

Seria como pássaro

Fora do céu, ou peixe

Fora de água?

Tomaria logo 

O jeito de falar e de ser

Nesse tempo doirado

Que não foi meu?


Há quem viva em sonho

Eu vivo em recordação

Tenho na arte

Mas a arte que me toca

O refúgio mais seguro

A barreira estanque

Contra a fealdade da vida


Outros terão as suas

E não lhes levo a mal

Mas eu gosto demais

Do passado, por opção


Não deixo de olhar

O presente, mas pouco

Só para ficar à tona

Só para não tropeçar

Só o passado que amo

Não se esfuma

Ele dá a batida

Certa do coração




20/ EVOCAÇÃO 



Livre como o vento
Aquele movimento
Ondulando e correndo
Pela praia até ao mar

Corpo espairecido
Em força e graça
Quebrando as ondas
De espuma branca

Lábios tremendo 
Num rosto molhado
E um sorriso
Não ensaiado

Não pensámos então
Que abraços e beijos
Estavam na orla
Da nossa ilusão

Soubéssemos isso
E que jeito teria?
Tudo o que fomos
Seria varrido

Pelo vento insolente
Ao unir dor e prazer
No breve tempo 
Que me prende

Do vento, não temo
Mais o seu uivar
Nem das ondas 
Seu rouco bramido

Afinal vento e mar
Cantam-me ao ouvido  
A mesma canção
Que tu escutavas




19/Pela Paz Agora 


Não te esqueças nunca que Ele e somente Ele, possui o destino. Tudo o que os poderosos deste mundo conseguem fazer, é espalhar o sofrimento. Mas não podem destituir o Poder verdadeiro que reina sobre todos.

Não duvides se és crente numa religião, numa fé, seja ela qual for. Tens Deus como teu Senhor. Não te esqueças nunca da razão pela qual tu vieste ao mundo.

Foi a mesma pela qual todos os viventes aqui estão. Só Ele tem o poder da vida no Universo. É Ele que molda a vida e o próprio Universo, que são Deus.

Por isso, reza pela Paz que só existe se for de todos, só haverá paz quando as pessoas como tu tiverem a coragem de dizer que não há inimigo...

Que somos todos irmãos e irmãs e que qualquer guerra é sempre injusta, pois quem mais sofre são os inocentes, de um e doutro lado.

Face à guerra só há uma forma de se ser humano: É rejeitá-la com todo o coração. Se queres a paz, promove-a, não promovas a guerra.

Esta é promovida por quem não tem escrúpulos, nem sentimentos, nem obediência a Deus. Até mesmo os que falam como se fossem devotos. Os que sabem a verdade, que percam o medo!

Sem pretender culpabilizar uns ou outros, denunciai a guerra como o maior dos pecados, pois todos os restantes estão contidos naquele:

O pecado de desobedecer a Deus, à clara lei de Deus, que todos os povos aprenderam a respeitar através das suas religiões e, mesmo os não religiosos, respeitam quando se maravilham com a Natureza

Pois ela é divina, como tudo no Universo. Serão os humanos tão estúpidos, que deitem a perder milhões de anos de evolução e milhares de anos de civilizações e culturas de múltiplos povos?

A guerra sempre foi intolerável, mas especialmente agora, a guerra usando tecnologias sofisticadas que o génio e criatividade humanas deveriam ter reservado às invenções benéficas e não destrutivas.

Esta época é mais estúpida, mais cruel, mais imoral que todas as anteriores.

Seremos salvos desta catástrofe, por vontade de Deus, que abra o coração de todos os humanos.

Que os que têm poder, o usem sabiamente para espalhar profundo sentimento de repúdio contra a guerra


Pois quando os povos quiserem, ela virá, a Paz, quaisquer que sejam os obstáculos. Mas, os líderes espirituais têm o dever de a promover, por todos os meios, a Paz.


18/Versos senescentes



 Acompanha-me a sorte, por mais escuro que seja o caminho

Tenho regressado ao que realmente importa a um homem

Já não jovem, nem com ilusão que o tomem por tal

Mas a sorte veio-me bater à porta e eu abri-lhe a porta

Serei discípulo dela até ao fim da vida (e mais não quero)

Só preciso de aperfeiçoar-me naquilo que seja possível

De tal forma, que essa sorte se mantenha a meu lado

Diria uma bênção, mas eu não sou presunçoso

Em todo o Universo, sou menor que uma molécula

Tenho também duração infinitesimal  

Mas tenho sorte porque posso abraçar a certeza

Em todas as dimensões do espaço e tempo

E quando o faço, não com cálculos, nem instrumentos

Apenas a plenitude eterna do instante, apenas 

O maravilhamento face ao Universo

- Como é possível esquecer o amor

de que todos somos feitos?




17/ODE À MÚSICA

A música sempre, eterna companheira

Nos momentos tristes ou alegres

Desta vida, o que nos vale és tu

Não sou de exclusivismos, todo o som

De qualidade me pode preencher 

Me impressiona,

Mas tem que ter alma

Para envolver-me e seduzir-me



16/IDADE de SAPIÊNCIA 


O azul do céu não me impede de sentir o fresco vento norte
A idade de prata e ouro é quando olhas o céu e vês
O voo da ave inscrito
A bruma matinal escorrendo pelo vale

A certeza de que a terra é redonda e que se entretém
Rodando sobre si própria
Indiferente às travessuras dos humanos
Não nos traz aquela vertigem!

A ti entrego este sonho cerrado
Sob as pálpebras fechadas
Abertas ao mundo interior
Aquele que conta e contém

Todo o universo numa gota
De bruma que se condensa
Essa gota uni em verso a ti
No ser sem tempo, que és

De tal domínio não há fuga
Mas também que fazer
Lá fora, remando entre estrelas?
Trazei-me a gota reflexiva

Das aves eu sempre serei
Adorador, sem asas coloridas
Extasiado pela sua sombra
Que me faz sentir invejoso

E depenado e descamado
Mas sempre maravilhado
Outrora dava importância
A outras aventuras

Mas a Terra é redonda e
Gira em torno do Sol:
Mau ano, bom ano
Sempre será uma certeza!


Murtal, Parede 17 Dezembro de 2022



15/QUERO SER ANIMAL


Sim, amanhã, a esperança

Sim, amanhã, a paz

Mas, hoje, tudo recoberto 

Dum véu de tristeza

Todos olvidados do dever


A humanidade perdeu a bússola

Os humanos não têm cura

Esqueceram seu Deus, 

Ou pior; por Ele se tomam!


Não quero mais ser humano:

Quero ser animal, só animal

Estar bem dentro do meu ser

Instinto seguro de animal

Me guie a cada passo


Quero perder toda a ilusão

De ser racional, alucinação

Mortífera do orgulho

Que enche o peito dos imbecis


Ser menino, não! Pois ele, afinal

É homem em potência,

Tem caprichos, tem birras

Homem-menino julga-se tudo

Permitido, não tem juízo


Ser animal é obedecer 

À Natureza e esta, o que é

Senão o Seu Criador?

É obedecendo à Natureza

Que se cumpre o trilho


Tudo o mais são bazófias!

É filosofia de trazer por casa

É ser covarde e cruel

É ser humano no pior sentido


Ser animal  é estar em harmonia

Consigo próprio, aceitar

A verdade eterna 

De nossa incompletude


O animal vive no instante

O seu ser é eterno 

Não se projeta no futuro

Felicidade, só assim possível!



14/RECADO ÀS GERAÇÕES FUTURAS, 

SE AS HOUVER

                    



Supondo que as palavras não morreram,  o que é uma audaciosa aposta, eu sei, quero deixar um RECADO deste mundo, às gerações que vierem; se elas existirem!

Não quero fazer-lhe sermões de moral. Sei lá que vivências serão as dos humanos, quando num futuro distante, for estudado «o século XXI»? 

O século em que a estupidez e ganância dos poderosos quase despoletou o Apocalipse nuclear? 

Se as gerações futuras puderem ler este texto, significa que afinal não se chegou a esse ponto.

Creio que a lição a tirar pelas gerações futuras será: Como evitar armadilhas semelhantes?

- O meu recado é o seguinte:

 Nunca deixem vossos problemas, as questões graves, em mãos alheias!

A perversidade de tal sistema - a delegação sistemática do poder a uma minoria - acaba por desembocar em guerra. Pois esta é a maneira de uns poucos se manterem no controlo, obrigando todos os outros a obedecer!

 


13/UM POEMA É SONHO 



Um poema é sonho...

Não vás procurar racionalidade e lógica

Mas de facto o sonho tem um fio condutor

Esquece as quadras e as rimas

Escolhe a música que brota

Do interior das palavras

E as palavras que são música

E que fluem do peito e da alma 

Canção aflorando na memória

Seja alegre ou nostálgica

Ela irrompe e arrasta-nos

Para terras nunca exploradas


Poeta, seja a música que te guie

E deixa para compêndios de filosofia

Os discursos racionais, demonstrativos

O que tem a demonstrar o cântico

Da ave, senão "olha; estou aqui!"

Assim seja o poema, belo e puro

Melodia natural como um rio!



12/FORASTEIRO À BEIRA MAR


Forasteiro à beira mar

Longe está meu pensamento

Outrora ensinou-me o vento

Outrora ensinou-me a amar


Indivíduos nos envaidecemos

Não nos ligamos jamais ao ser

Esquecidos de que irrompemos

Em Universo dum único Ser


Aos meus pés a maré vem

Mas não sou o rei da lenda

O horizonte mil sóis tem

Mil luas e uma legenda


Num tempo esquecido

Alguém olhou e adorou

O canto eS spairecido

Por cima das ondas soou


Basta um gesto, um olhar

 De beleza o coração cheio

Pode na certeza se firmar

Do passado imenso veio



 11/  BALADA DAS CONTRADIÇÕES* 


Quem diz do branco cisne, que é corvo negro 

É meu amigo, com enganos me defende

Diz todo o mal de mim, assim me elogia

Sensato parece quem procede com loucura


De todos bem acolhido, por todos escorraçado


Perto da fogueira treme de frio

Muito deseja o que mais despreza

Se faz elogios rasgados, com eles insulta

Quem nos trai, ao nosso lado se posiciona


De todos bem acolhido, por todos escorraçado


Quereis saber, cavaleiro, a verdade?

Ninguém diz o que pensa,  todos mentem

É amarga lição que não se dispensa

Um grande favor que devemos agradecer


De todos bem acolhido, por todos escorraçado


-------------------

*Inspirado na «Ballade du Concours de Blois» de François Villon



10/ ALGURES...


 Algures, sobre a Terra

Existe um povo feliz

Um povo que está em harmonia

Consigo próprio e com seu Criador

Que cuida do jardim da Natureza

Com a simplicidade de um filho

Que cuida de sua Mãe. 


Seus filhos e filhas crescem livres

Não sabem o que é opressão

Palavra ausente do seu vocabulário

Suas canções recordam gestas

Do passado tumultuoso que viveram

Os antepassados. Mas, de resto,

Não têm memória duma guerra

Sabem o que é a paz, porém


Isto parece impossível 

Aos velhacos e perversos indivíduos

Que tudo escarnecemos, destruímos

Deitamos um manto de mentiras

Sobre inúmeros crimes hediondos

Somos de tal modo estúpidos

Que não sabemos o que é melhor

Para nós, para o nosso futuro

Mas somos orgulhosos dum saber

O saber técnico, que nem dominamos 


 E se não acreditam no que digo

Não faz mal, nem me surpreende

Também não irei dar-vos pistas

Saeria a forma de destruir o povo 

De que vos falo. 

É possível que existam mais como ele

Eu quero acreditar que formam 

O núcleo a partir do qual a humanidade

Algum dia, noutro século, ou milénio

Regresse à sua vocação primeira

E cuide do paraíso terreal 


Ter a custódia, não é a posse,

Não é a propriedade 

Daquilo que é de todos

Não há dúvida que isso é assim

Pelas Leis da Natureza e pela Razão

Pelas quais se guiam, sábios,

Os povos sem história, os povos felizes.



8/UNIVERSAL PÁSCOA 



Na sepultura jaz

Corpo em cristal encerrado

De todos escondido, ignorado

Por amnésicos sacerdotes


Está encerrado no seu tempo

Que é afinal o presente eterno

Não se move, não sente

Está presente em ausência


Irradia na escuridão total

Ergueram-lhe templos 

Inventaram preces e laudas

Entoaram coros e hinos


Mas nada disso faz diferença

Nem sequer os homens bons

Saberão, pois são afinal

Todos falsamente sapientes


A conjunção orgânica

Da Natureza inteira

Cria o eterno presente

Em constante mutação


Fonte geratriz de vida

Ela não vem da razão

Mas a razão é reflexo

Dela;  pálido reflexo


Sentimentos de soberba,

Orgulho, ou vaidade

São como vendas

Nos olhos, ilusões


Em recôndito sepulcro

Guarda, regista sempre

A sua imobilidade

É somente aparente


Amorosamente

Conduz a Natureza

A cumprir o destino

Que lhe foi incumbido


Através dela e no Todo

Sua obra vai brotando

É este o significado 

Universal da Páscoa

 

-----------------

  (Murtal, 16 de Abril, 2022)

   


7/AZUL É O CÉU, NADA MAIS 

 

Azul é o céu, nada mais

Nada mais que o céu azul

E para além do céu?

Nada mais, só o azul do céu.

Este azul me oprime, de tão leve que se pousa

Este azul «pan-color», de cartaz publicitário

Tão real como uma pincelada num muro

Este azul é mais agressivo do que um céu de chumbo

Que as nuvens ameaçadoras que nos trazem granizo

Este azul é inderrotável é impossível compor com ele

Pode ser que alguns o achem belo, eu não vejo nele

Senão monotonia de azul.

Mas aceito o seu veredicto, não vou argumentar 

Saberei fazer como se ele não existisse

Como se por cima da minha cabeça

Não houvesse nada, absolutamente

Apenas existir sem pensar

Apenas estar sem impor

Apenas olhar sem ajuizar

Somente o céu azul me 

Incomoda, bem sei porquê

Estou condicionado pela sua presença

Mas assumo ser diferente ou indiferente

Enfim, gostava de olhar a terra do céu

É isso que eu não farei tão cedo

Exilado no solo, como ave

Vendo suas irmãs voarem

Muito alto pra horizontes

De calor e abundância

Bandos de aves sem dono

As que riscam o azul do céu

Em volta do globo terrestre

Como eu gostaria de ser

Assim, o azul do céu

Não seria para mim 

senão um meio de viajar

Uma autoestrada sem fim

Jogo também, complexo jogo

De orientação, de saber 

Ancestral das rotas 

E uma aventura inscrita 

Na memória da espécie.

Ah, então eu poderia contar

As formigas humanas que

Olhavam para o nosso bando

Quando ele sobrevoava arrozais,

Ou prados, vilas ou lugares.

Já nem me lembraria muito bem

O que é ser um humano

Seria como uma memória vaga

Sonho ou pesadelo que passa

Com um batimento da asa

E talvez, nesse corpo novo

O céu se engalanasse  

Num esplendor de tons vermelhos 

-doirados, enquanto atravessava 

O oceano, rumo ao paraíso das aves.




6/MEDITAÇÕES DE UM SOLITÁRIO 



Estou certo de que existe esse inconsciente de que a psicanálise fala. Parece-me ser a emanação espontânea das pulsões, que todos experimentamos em nossas vidas. Freud hipertrofiou as pulsões sexuais, talvez devido ao seu próprio psiquismo e ao dos seus pacientes. As pulsões dominantes, porém, relacionam-se com o medo da morte, da perda da integridade física, com a conservação do indivíduo e da sua subsistência. No meio social afluente de Viena do início do século XX, as pessoas não se sentiam particularmente ameaçadas, na sua integridade física e na sua subsistência.

A histeria social desencadeia-se de modo semiautomático quando estão reunidas certas condições: A imaturidade, em indivíduos de ambos os sexos, na idade adulta, que foram condicionados a achar que tudo lhes é devido, sem terem de contribuir, de uma ou outra forma, para a sociedade. A ausência de referentes positivos, no que toca ao comportamento. Os referentes, são somente pessoas que enriqueceram ou que se tornaram muito populares. Junte-se a isto, uma infantilização deliberada e constante da cidadania, conjugada com o falsear do debate na média, através de técnicas de manipulação. Os elementos referidos acima, estão na base de 90% das formas de manipulação social das emoções.

As poucas pessoas que escaparam a essa "lobotomia social", seja qual for seu substrato ideológico, serão incapazes de ter uma influência regeneradora no seio da sociedade: Algumas adotarão um quixotismo que os impele a brigar dentro ou fora dos partidos tradicionais. Estas pessoas estão destinadas ou a serem relegadas para a marginalidade cívica, pelo chamado "assassinato de caráter ", ou - como alternativa - servirão como "idiotas úteis" de partidos.

Estamos a anos-luz dos regimes delineados nas constituições, dos vários países  da Europa, embora tal não pareça: Pode-se ver tal degradação em países fortes ou fracos economicamente, grandes ou pequenos, com população culta ou inculta, homogénea ou plurinacional. Todos estamos perante o mesmo fenómeno, porque a difusão da falsa informação  predomina, porque quem está no controlo os meios de informação não precisa de suprimir fisicamente os seus opositores, como nos regimes totalitários do passado. Basta que as suas vozes estejam sujeitas a blackout. Se isso não chegar, usam  a difamação maciça nas redes sociais. Alternativamente, podem comprar vozes dissidentes, de maneira que aparentem continuar a sê-lo, mas sem causar real prejuízo.

O desfigurar dos sistemas de democracia liberal efetua-se por dentro. Seus sabotadores estão no seu centro. Conscientemente, ou não, fazem o papel de seus piores inimigos. Ao serem corruptos, ou transigirem com a corrupção, ao manterem-se graças ao clientelismo, ao comportarem-se como se fossem "monarcas de Direito Divino", em vez de assumir o papel de mandatários, etc. 

Quando toda a política se degrada em politiquice, as pessoas íntegras, nos diversos quadrantes, afastam-se por si próprias, ou são arredadas. Os medíocres, os arrivistas, os oportunistas, os sociopatas têm então sua oportunidade de ouro, os seus  momentos de glória.

Não se pode saber a forma exata da política no futuro. As classificações como fascismo, comunismo, democracia, nacionalismo, etc. não ajudam grande  coisa. Sei que estamos num momento de viragem. Já o sentira há muito tempo, já o tenho exprimido várias vezes neste blogue. Porém, agora oprime-me pensar que as mais negras distopias são verosímeis.

 Tudo o que há de mais abjeto vem à superfície, nestes tempos. A abjeção resulta do facto de que as pessoas estão completamente destituídas de valores, duma forma ou outra de moral. Devemos antes falar de ética, pois a moral invoca necessariamente conformidade com a sociedade. Ora, muitos - pensemos em Sócrates ou Jesus, e tantos outros no passado - foram considerados contrários à moral do seu tempo, ou à maneira de pensar dominante. 

Perguntareis: Quem és tu para te fazeres difusor de sabedoria, duma visão profética, de soluções para os males que afligem a sociedade? 

É uma pergunta legítima. «Eu sei que não sei» e que estamos, quase todos, num mesmo grau de ignorância. Mas, no meu entender, o estudar os fenómenos do passado, adotando um pluralismo deliberado, ou seja, não nos autolimitando a uma corrente de opinião, seja ela qual for, parece-me o melhor para não cairmos nas ilusões, nos cantos das sereias das ideologias. 

O pior inimigo da nossa clarividência, do rigor do nosso pensar, somos nós próprios: Seria bom que as pessoas se debruçassem sobre o que dizem os mais eminentes intelectuais (que os há, sempre) do campo contrário ao nosso.  

Acredito que os profetas da Bíblia e os outros, foram pessoas clarividentes, que tinham uma inteligência aguda do que se estava a passar nas suas sociedades e conseguiram chamar a atenção do seu povo. 

Diz-se que não há bons profetas no seu próprio país; que os santos e os profetas são sempre de fora: Esta ideia tem por base um certo desprezo das pessoas, por tudo o que lhes seja demasiado familiar, não conseguindo distinguir valor, talento ou génio, em pessoas que estejam próximas. Será porque se desencadeia um mecanismo de inveja, a maior parte das vezes inconsciente e, portanto, mais forte? 

Tudo o que vem do estrangeiro tem um certo fascínio, sobretudo se trouxer consigo a auréola do «sucesso». Isto passa-se a todos os níveis em Portugal, um país muito «aberto» ao exterior, mas muito pouco atento aos valores que brotam no seu seio. Mas, o contrário disto não é ter um comportamento xenófobo. Devia-se adotar uma avaliação crítica de uma produção, seja qual for a sua origem. Não faz sentido, nas letras, nas artes, nas ciências, haver «preferência nacional». Mas, também não faz sentido manterem os valores de um povo, de uma nação, injustamente ignorados, enaltecendo toda a bugiganga e fancaria que venha com o selo do estrangeiro.  



5/ESCREVENDO PARA 

UM DISTANTE FUTURO


Detesto que me ditem a moral, que imponham o que é bem ou mal!

Alguém que guarde a sua capacidade de pensamento independente, grande parte das mentiras que lhe chegam aos ouvidos, ou que lê, pode desmascará-las. Mas, para isso, é fundamental a aprendizagem do pensamento crítico, o estudo sério da filosofia, da história e muitos outros domínios do conhecimento. Com tais instrumentos intelectuais, uma pessoa dificilmente será sujeita a «lavagem ao cérebro». Esta reveste-se, muitas vezes, da forma de hipnose coletiva, como a que observamos na histeria do COVID e na histeria anti-russa.

Não devemos escolher qualquer um dos lados numa guerra. Ambos os lados têm culpas; sempre foi e será assim. É a guerra - em si mesma - que se deve ser impedida, contrariada. Numerosas pessoas, muitas delas contra a sua vontade, são envolvidas e instrumentalizadas pelas fações opostas. 

Não transijo nem diminuo a humanidade dos outros: ponho-me no lugar dos soldados de ambos os lados: Matar e estar sujeito a morrer, por causa da gula de poder de uns e de outros; haverá destino que seja mais lamentável? 

Agora sei qual o grau de alienação das pessoas. Pode-se dizer que cedem à pressão da constante propaganda de guerra.  Mas, em muitos casos, o que observo é que se tornam veículos entusiastas dessa propaganda, esquecendo todas as suas supostas raízes liberais, humanistas, cristãs, etc. que afinal funcionavam como mera capa social.

Após o conflito, as pessoas que assumiram acriticamente as narrativas oficiais, vão autoabsolver-se com total hipocrisia, vão varrer para debaixo do tapete quaisquer incongruências entre as realidades e a ficção que construíram, ou que lhes foi inoculada pela media. É assim que constroem a sua boa-consciência.

A media foi designada como «o quarto poder», para significar que funcionava como contrapeso aos outros corpos do Estado (executivo, legislativo e judicial). De facto, ela transformou-se em corpo destinado a influir nos outros corpos, não no sentido de lhes contrapor uma hipotética «vox populi», mas como veículo do poder económico e sem o qual não seria fácil governar. A media está nas mãos de um punhado de bilionários ou de grandes empresas de capitais privados, mesmo nos países mais poderosos e com larga tradição de «democracia liberal». São os interesses concretos dos grandes capitalistas ou dos grupos económicos e financeiros que são preservados nas narrativas, cuidadosamente talhadas para moldar a opinião pública.

Eu escolho a «liberdade», diziam alguns. Mas, não existe liberdade, sequer. Agora, é mais que evidente  que temos somente uma pseudo- liberdade, perante a mais monstruosa desigualdade. É isso que vemos atualmente. Alguns, têm o poder de moldar as opiniões, os sentimentos, a própria personalidade de milhões de indivíduos anónimos. Que a multidão de indivíduos tenha seu comportamento padronizado e conformista é o fim desejado por todo o aparato doutrinador: O governo e suas agências, a media mainstream (em mãos de magnates) e a escola, em todos os níveis de ensino, sendo mais perverso o ensino universitário e sua suposta «liberdade académica».  

A minha náusea existencial resulta de constatar o facto de que as pessoas não evoluíram nada. São tão primárias e mesquinhas como nos séculos passados; talvez mais, até. Como roupagens que as vestem, as suas ideologias de pacotilha são mudadas ao sabor das conveniências. Não mudam por dentro, só superficialmente. Estas pessoas podem mudar facilmente de posições políticas, com única condição de que percebam que o vento mudou e que é mais favorável outra postura.



4/REGRESSO

 

 Regresso ao conforto do porto de abrigo,  depois de vaguear por serras e vales, no meio de vida selvagem, ou não domesticada, cheio de fervor pelo ambiente verdadeiro e real da biologia no seu esplendor, desde a árvore pujante e secular, à ave fugidia; desde o pequeno inseto, ao rochedo coberto de musgo.

Tudo resplandece de vida. Nada sai fora da Lei Natural da Palavra Divina, onde coelhos e perdizes espreitam entre ramas e tufos. Que se escondem de nós, intrusos. Eles, por instinto, nos sabem evitar.

Estou agora mais firme na convicção de deixar para trás a ilusão das coisas efémeras, objetos maravilhosos, mas de uso muito limitado no meio dos campos infinitos, ou das serras.

Mas, bem preciso de instinto e juízo seguro, na viagem exterior e interior, é disso que preciso, como Bússola, Canivete, Mapa em papel, Binóculos e Botas de caminhar. Talvez algo mais eu deva carregar, mas evitarei coisas inúteis, estéreis, demasiado frágeis, ou corruptíveis.

De que te serve aqui um relógio?  

- SIM, PODEREI SER «MINIMALISTA»: QUANDO ENCHER A MOCHILA, QUERO QUE ELA SEJA O MAIS LEVE POSSÍVEL, PARA CONSERVAR A  ENERGIA, PARA NÃO ME FATIGAR NOS PRIMEIROS QUILÓMETROS PERCORRIDOS.

Esta meditação vale também para as coisas do espírito. Temos muita bagagem na mente, mas pouca deveras essencial. A bugiganga mental, tal como a outra, impede-nos de movimentar o espírito com agilidade, é um estorvo: E julgamos ser ela uma parte indispensável do nosso pensamento! 

Cada vez mais, quero pensar como o ser natural que sou, afinal de contas: Pensar com as moléculas do meu ser por inteiro, não com toneladas de lixo cinzento, que me foram impingidas e que eu comi, sem perceber.


Murtal, 19 de Fevereiro de 2022



3/ELEGIA 



Tu, que não morreste 
Transporto por dentro 
Teu secreto olhar 
Por ele iluminado

Tu, sopro do vento 
Sorris ao Sol fecundo
Às ondas deste mar
Se as olho, te vejo

A Natureza não esquece
Foi ela inteira em ti
Que resplandeceu 
Alma que Deus tem

O Criador interrogo
Porque te deu vida
Porque cedo a colheu
Que sentido tem afinal 

És o breve raio de luz 
Que à Terra ilumina 
Entre nuvens cinzentas

Tua vida não foi em vão 
És a dádiva sem condição
Frutifica e dá semente

(Murtal, Parede, 29 de Janeiro 2022)



2/INVERNO 


        

Assomam pássaros esbaforidos aos beirais das janelas

Ventos frescos varrem as nuvens e trazem perfumes agrestes

Tudo a renascer à minha volta no tempo certo da Primavera


Mas aqui o Inverno permanece, não me veio visitar, comigo mora. 

Envolto em neve resplandecente abraça-me e seus frios lábios

Segredam amorosamente a cada instante da terna estação

- As memórias são teu vital sustento… o passado vive! 



1/ IRRADIAÇÃO CÓSMICA

 

Sem princípio nem fim,

Sem fim nem princípio

Em frente de mim o infinito

Em mim a escura pedra

Da cabeça aos pés

A vida que teima

E vive em si e por si

Não importam as elucubrações

A energia que banha o meu ser

É a mesma que banha todos os seres

Desde os primórdios do Universo

Somos.


(Murtal, Parede 24-01-2022)







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