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sábado, 26 de agosto de 2023

Tempos Conturbados (refletindo sobre intervenções do professor Jeffrey Sachs)

"I know hot what tomorrow will bring" 
Lembro-me desta citação de Fernando Pessoa, as suas últimas palavras rabiscadas num papel, no Hospital de São Luís dos Franceses (Lisboa, a 30 de Novembro de 1935). 
Ele escreveu - talvez - pensando na sua ignorância do Além (se é que havia, ou não, Vida após a morte). Mas também englobando a sua vida individual, com o destino da humanidade.
 Pois -nessa altura- estava-se no meio da tormenta,  do cataclismo que iria conduzir à IIª Guerra Mundial. As forças entrópicas dominavam. O caos era visível. Dava-se a ascensão de todo o tipo de governos e de regimes autoritários, em pano de fundo de um caos económico, do qual não havia saída. A saída da Grande Depressão foi afinal a pior possível: Foi a «Grande Matança» da Guerra Mundial. Ninguém sabia o que iria acontecer, mas todos percebiam que tremendas coisas iriam acontecer.

A entrevista dada recentemente pelo Professor Jeffrey Sachs fez-me lembrar a citação pessoana, pois o Professor americano, por duas vezes, assinala o facto de ninguém saber como se iria desenrolar o futuro. Ele dava uma nota de incerteza, de angústia, perante as políticas irresponsáveis, criminosas e destituídas de qualquer visão no longo prazo, dos principais dirigentes políticos mundiais: Biden e seu «entourage», mas também Putin e as lideranças da Europa.

Os erros dos líderes pagam-se muito caro. Mas - raramente - são os próprios, quem os comete, que os paga: As vítimas são as pessoas que vivem sob o seu controlo.

Visione o seguinte vídeo do Prof. Sachs:



sexta-feira, 4 de agosto de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS Nº5: FERNANDO PESSOA

                                     



A personalidade deste poeta português foi tão escrutinada, tão classificada, tão psicanalisada, que é perfeitamente inútil acrescentar ao rol de opiniões que têm desfilado, ao longo das décadas que sucederam ao seu «redescobrimento», sobretudo (nos anos 60 e depois a nível mais internacional a partir dos anos 80). Com efeito, ele viveu numa semiobscuridade, produzindo de forma prolixa, sobretudo textos poéticos, mas também esboços de romances, de ensaios e uma abundante correspondência. 
Aqui, irei remeter os leitores para as várias intervenções (1) feitas pelo «fantasma» Pessoa, frequentando o meu blog. Tem sido visitante infrequente, mas amistoso.
Eu confesso que o meu substrato de «Filosofia Natural» deve muito ao poeta filósofo. Porventura, foi o mais profundo de todos os poetas que Portugal teve,  esta república dos poetas. Foi Pessoa que escreveu 'a minha pátria é a língua portuguesa'. Existem muitas outras citações dele, que se foram banalizando; muita gente nem suspeita terem sido cunhadas por ele.
O que é válido para Pessoa, não se aplica aos que tentaram, de uma forma ou de outra, seguir-lhe no encalço : Isto, porque a maioria não possuía a centelha de génio que pudesse incendiar a imaginação, como  o fez o Mestre.
A poesia pessoana está na intercessão entre o paradoxo, o esoterismo, o classicismo, o modernismo, a procura do ideal, a exploração sistemática dos recursos linguísticos, e possui muitos aspetos  contraditórios: racional-irracional, natural-artificial, espontâneo-elaborado.
A complexidade e a diversidade dos estilos, derivam de sua própria personalidade pluri-facetada, que ele conscientemente assume. Por isso, não pode ser assimilado a uma qualquer forma de «esquizofrenia», porque o doente esquizofrénico não está consciente; é joguete do seu mundo interior perturbado. Aliás, não conheço obras de qualidade por esquizofrénicos; muitos doentes deste tipo rapidamente descem a um estado de profunda degradação mental. Pelo contrário, Pessoa encarna, de forma deliberada, cada faceta da sua personalidade complexa através de personagens fictícios (os heterónimos) que acabam por atingir uma espécie de vida «semi autónoma». 
Dos muitos heterónimos que se encontram em sua obra manuscrita (o mítico «baú» com as obras deixadas inéditas), sobressaem alguns, quer pelo volume produzido, quer pela celebridade atingida, depois de falecido o autor. 
Pessoalmente, na «leitura-descoberta» da obra pessoana durante a minha adolescência (anos 1970), o heterónimo que mais me impressionou foi o de «Alberto Caeiro». 
O «Guardador de Rebanhos» é uma série de poemas que podem ser lidos como um longo poema. O próprio Pessoa afirma - terá sido a fingir, ou verdade? - que os escreveu todos de uma vez. 
Para mim, estes poemas são um ponto alto inegável de poesia na língua portuguesa e de reflexão filosófica, tomando a forma de verso. 

Alberto Caeiro

XXI - Se eu pudesse trincar a terra toda

XXI

Se eu pudesse trincar a terra toda

E sentir-lhe um paladar,

E se a terra fosse uma coisa para trincar

Seria mais feliz um momento...

Mas eu nem sempre quero ser feliz.

É preciso ser de vez em quando infeliz

Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,

E a chuva, quando falta muito, pede-se.

Por isso tomo a infelicidade com a felicidade

Naturalmente, como quem não estranha

Que haja montanhas e planícies

E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo

Na felicidade ou na infelicidade,

Sentir como quem olha,

Pensar como quem anda,

E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,

E que o poente é belo e é bela a noite que fica...

Assim é e assim seja...

7-3-1914

“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946.

  - 45.




sexta-feira, 7 de julho de 2023

O IMPÉRIO DAS LUZES - RENÉ MAGRITTE

 







Existem 17 versões desta paisagem, « O Império das Luzes», do pintor surrealista René Magritte. Nutro uma grande admiração por este pintor, pela sua originalidade que sobressai até mesmo em relação ao vanguardismo noutros surrealistas seus contemporâneos.


As suas telas questionam, colocam o espectador perante um jogo inteiramente mental, por vezes, desencadeando um estranhamento, quase à maneira de Fernando Pessoa*: O estranhamento do quotidiano, da paisagem quotidiana, dos gestos, das palavras.
Esta obra, que eu tive muito tempo pendurada sob forma de «poster» no meu quarto, apela ao nosso sentido visual, como é evidente, mas para além disso, dá-nos uma sensação vaga de inquietude, de insólito pois - num primeiro momento de análise - encontraremos apenas elementos «banais». A casa é banal, como o são as luzes e o reflexo destas sobre o lago, a claridade de um céu com nuvens dispersas, um céu de fim-de-tarde de Verão... Tudo isto é banal.

Menos banal, porém, é o lusco-fusco da cena, ao nível da casa e das árvores, confrontado com o céu azul. Esta justaposição causa uma sensação de insólito inexplicável, não obstante a nossa experiência de paisagens indicar-nos como sendo possível que a cena próxima do solo seja crepuscular, enquanto o céu ainda é iluminado por raios solares, podendo apresentar-se com cor azul clara. Sua luminosidade é acentuada pela presença de nuvens alvas, como farrapos de algodão.

A visualização da paisagem - ela própria - é subjetiva, independentemente do realismo e materialidade banal, «burguesa» do eventual modelo. Pensa-se que o artista utilizou como modelo uma casa realmente existente nos subúrbios de Bruxelas. Este facto, assim como o estatuto ímpar dentro da obra do artista, que não fez outra série de telas sobre um mesmo motivo, além desta, abrem as portas à nossa curiosidade.

Magritte é discursivo, mas ao nível do próprio trabalho de pintor. Ele não diz por que razão fez isto ou aquilo, nem o que estava a pensar quando decidiu representar determinada cena. Ele deixa que os seus quadros «falem» por eles próprios, que mostrem a evidência de uma meditação interior, de um olhar que interroga o real, sem qualquer laivo de «ingenuidade», mas sem concessões a psicologismos ou intelectualismos, como o fizeram outros (surrealistas ou não; contemporâneos ou não).

Em Magritte, o intelecto do observador é provocado a «ler» o quadro, a uma aventura de reflexão mental pura, em rutura com a espessa camada de convencionalismo reinante na sociedade e que interiorizámos sem crítica.


René Magritte é um bom antídoto à sociedade do instante, do convencional, da pulsão hedónica, à sociedade «de massas» que está no exterior e interior de nós próprios, que penetra nas circunvoluções cerebrais de todos nós, sem nos darmos conta.


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*Fernando Pessoa (1888-1935) poeta e filósofo modernista português que dedicou muitas páginas de prosa e muitos poemas à análise de estados de estranhamento perante o real.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

FERNANDO PESSOA (POEMAS DE ALBERTO CAEIRO): «O mistério das coisas, onde está ele?»

O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio e que sabe a árvore
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
 
Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
 
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas.

“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

  - 63.

“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.


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Natura naturans





Fernando Pessoa/Alberto Caeiro define em poucas palavras a filosofia de Espinoza, a existência do Mundo, da Natureza, em si e para si. Para Espinoza, a Natureza identifica-se com Deus. «Deus sive Natura». 

«Deus» e «Natureza» são nomes, designações daquilo que é ação: Não uma coisa, não um objeto, nem mesmo o «objeto maior», que é o próprio Universo.

 Pois, para nós, que identificamos o Universo com a sua própria génese, teremos de incluir a existência de uma «força», uma «consciência», o que também podemos designar como Deus. 

Mas não podemos definir Sua existência, como coisa, como um ser: Porém, a humanidade apreende e vive essa relação com o Cosmos de forma pessoalizada. Por isso, o «Pai nosso que estais no Céu...» e todas as representações humanizadas em todas as religiões.

Para a tradição filosófica do Cristianismo, no entanto, não existe uma definição total de Deus. Visto que Ele está acima de qualquer tentativa de conceptualização, não se pode definir. 

É assim que eu interpreto o poema transcrito; um dos poemas mais belos e mais filosóficos de Fernando Pessoa. Ele não foi apenas poeta, mas igualmente um pensador, que abriu caminhos a muitos trabalhos filosóficos posteriores.


PS1: Fernando Pessoa (ortónimo) escreve na revista «A Águia» uma apreciação crítica do seu heterónimo Alberto Caeiro: Eis alguns parágrafos de prosa do poeta: 


«O que o sr. Alberto Caeiro faz é uma abstracção concreta. Veste de concreto uma tendência abstracta, que, naturalmente não de propósito, não deixa atingir o seu máximo de abstracção, mas que fica, bem reparando, nem abstracta nem concreta. E o materialismo abstracto foi tornado, por conseguinte, num materialismo extremamente relativo.

No sr. Alberto Caeiro toda a inspiração, longe de ser dos sentidos, é da inteligência. Ele, propriamente, não é um poeta. É um metafísico à grega, escrevendo em verso teorizações puramente metafísicas.

Repito que o admiro, que o admiro extraordinariamente. Mas não apraz à minha análise chamar-lhe um poeta abstractamente materialista. É um filósofo abstractamente materialista aureolado de alma em um poeta abstractamente místico. Creio no Deus em que o sr. Caeiro não crê que existe como afirmação do sr. Caeiro e como verdade pura.

Assim como para materialista o acho espiritualista em extremo, e como para poeta o acho filósofo em excesso, para espontâneo acho-o consciente de mais. Sei o que é pensar auto-objecções [...] ao ler O Guardador de Rebanhos pois reparei como o Poeta aqui e ali, nesta ou naquela altura dos seus versos, vai sub-repticiamente ou não, respondendo às objecções possíveis.  » 

sexta-feira, 18 de junho de 2021

[Lautréamont, Arthur Rimbaud, Fernando Pessoa] LES POÈTES-PHILOSOPHES


L'OEUVRE POÉTIQUE VRAIE POSSÈDE UNE DIMENSION PHILOSOPHIQUE


                                                 
                  Lautréamont «La poésie doit être 
                       faite par tous. Non par un.»
                       Poésies II (1870)



                       Arthur Rimbaud «Je est un autre» (*)
                                       


«O poeta é um fingidor »(**) 


(**) AUTOPSICOGRAFIA



O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.



E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.



E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.


(Poesias. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1942)


(**) AUTO-PSYCHOGRAPHIE



Le poète est un simulateur

Il simule tant et si bien

Qu'il simule sentir la douleur

La douleur qu'il ressent vraiment.

Et ceux qui lisent ce qu'il écrit

Dans la douleur la sentent aussi

Non les deux qu'il n'a pas senti,

Juste celle qu'ils n'ont pas eut.


Et ainsi, dans les rails de la roue

Il tourne, à nous creuser la raison,

Ce train, jouet en laiton,

Que l'on nomme le coeur.


[Traduction de Manuel Banet ]


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(*) Discussion sur les aspects philosophiques dans l'oeuvre  de Rimbaud:

 https://www.franceculture.fr/emissions/les-chemins-de-la-philosophie/rimbaud-philosophe-24-je-est-un-autre

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

ANTÓNIO FRAGOSO (e a grande pandemia de gripe 1918)

                   

https://www.youtube.com/watch?v=iEef1UTWcXE&index=2&list=RDYgld9vGIhvk


António Fragoso é um quase desconhecido em Portugal, fora dos círculos de melómanos. Embora tenha sido um jovem talentoso e reconhecido como tal, a sua morte precoce (aos 21 anos), impediu que o seu talento desse fruto mais abundante.
Ele morreu da grande epidemia de gripe de 1918, ao mesmo tempo que vários membros da sua família. 
Esta gripe pandémica de 1918 causou cerca de 20 milhões de mortes. O vírus responsável foi originado por uma mutação virulenta a partir de estirpe(s) pré-existente(s). As pessoas não estavam imunizadas para esta estirpe nova e morreram em maior número que os mortos directos da 1ª Guerra Mundial. 
Ficou esta gripe conhecida como «pneumónica» porque atacava os pulmões com particular virulência, ou como «espanhola», não por ter vindo de Espanha, mas porque em Espanha, pais neutral, ela foi noticiada pela primeira vez; em Espanha a censura das notícias não existia, ao contrário da França e de outros países em guerra. Talvez esta estirpe (H1N1) se tenha tornado mais virulenta nas trincheiras da primeira guerra mundial. 
De qualquer maneira, o seu efeito foi tão devastador, especialmente nas camadas mais jovens das populações, que o défice demográfico, causado tanto pela 1ª Guerra como pela gripe «espanhola», se fez sentir durante várias décadas.

O jovem Fragoso esteve, desde cedo, envolvido com o que havia de melhor na música da época, quando frequentou com brilhantismo o Conservatório Nacional. 
As suas composições reflectem uma influência do romantismo tardio, mas não se deixa encerrar nessa estética.
Em várias peças, nomeadamente nalguns Prelúdios aqui reproduzidos, compreendemos que o jovem músico tinha conhecimento da produção de Debussy, Ravel, Fauré e doutros contemporâneos. 
A sua originalidade revela-se no cunho pessoal da sua escrita musical, que vai muito além das várias influências recebidas, na criação do seu próprio estilo.

Pessoalmente, agradam-me especialmente estes Sete Prelúdios; mas, as restantes obras que deixou são igualmente valiosas e interessantes. Nelas, ele explora as harmonias vagas e indefinidas do que, mais tarde, se viria a designar por «impressionismo musical». 




As poesias parnassianas e impressionistas de um Pessanha, conjugam-se perfeitamente com a atmosfera nostálgica, de emoção contida, das composições de António Fragoso. 
Ambos (o compositor e o poeta) pertencem à mesma cultura, que viu nascer o Movimento Modernista português, com Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá Carneiro e outros. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CAFÉ LITERÁRIO COM FERNANDO PESSOA E OUTROS CONVIDADOS

Na Fábrica de Alternativas (Algés), perante uma pequena assembleia, realizou-se, na noite de quarta-feira passada (dia 18 de Janeiro de 2017), uma estreia.

 Refiro-me à estreia dos «cafés literários», uma actividade com periodicidade mensal, na Fábrica de Alternativas. O conceito e realização deste evento estiveram a cargo do grupo redactorial dos «Cadernos Selvagens».

Foram nossos convidados especiais os amigos poetas Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo dos Reis e também o tradutor e prefaciador da obra de Alberto Caeiro, Thomas Crosse.

Realmente, de tudo um pouco se falou, embora sobretudo das relações da poesia com a filosofia. 
Também se falou de «materialismo», «deísmo», «paganismo», mas não como meros «clichés», que se costumam substituir a qualidade tão rara de reflexão. 
Alvaro de Campos e Ricardo Reis tiveram ocasião de aprofundar para a assistência as idiossincrasias, nem sempre evidentes, da filosofia, estilo e poética do seu mestre comum, Alberto Caeiro. 
O próprio Mestre Caeiro também nos presenteou com reflexões fortes, quando entrevistado em directo por Pessoa, seu admirador e compilador. 
Um momento alto do serão foi a leitura por Alberto Caeiro, do seu poema a «A Espantosa Realidade das Cousas».

Gostava de deixar aqui o meu sincero obrigado a todas as almas que participaram nesta sessão.

Graças a todas as pessoas presentes, a estreia da série dos Cafés Literários da Fábrica de Alternativas, abriu com verdadeira «Chave d’ouro»!





domingo, 15 de janeiro de 2017

FERNANDO PESSOA, ENTREVISTA. Fáb. Alternativas, dia 18J às 21:00


                 

Temos vindo a preparar no grupo redatorial dos Cadernos Selvagens o lançamento dum «Café literário» a ocorrer uma vez por mês, em princípio, numa 4ªfeira à noite. 

Para começar, achámos apropriado convidar o nosso amigo e mestre Fernando Pessoa, com (alguns dos) seus heterónimos.

Contaremos com a presença de Fernando Pessoa, o próprio, de Álvaro de Campos, de Alberto Caeiro, de Ricardo Reis e também de Thomas Crosse (tradutor da obra de Alberto Caeiro para inglês).
Contamos também com a tua presença, como é óbvio! Não faltes! 




 Abra aqui a página facebook  dos Cadernos Selvagens
  

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

NÃO ESCOLHO EFEMÉRIDES POR FASTIO...


Pessoa vive, na singela representação e dicção do saudoso Mário Viegas.

Pessoa vive, passado um século, com todo o seu cortejo de heterónimos, semi-heterónimos e até os vários Pessoa ortónimos, o nosso poeta mais cosmopolita e mais português, mais espontâneo e mais reflectido, a contradição encarnando a não-materialidade da poesia, a espiritualidade da Natureza, a Divindade do Verbo. 
Gostava que Pessoa descesse em 2017, numa manhã brumosa, à Baixa que ele conhecia como a palma da sua mão, e nos viesse fazer afinal o retrato deste povo sonhado antes que vivido, sempre pronto para partir, e sempre saudoso de ter partido...

Escrevi esta homenagem em 1985, ano em que houve um congresso internacional pessoano, que significou a consagração na Europa e no Mundo de um poeta português e universal. A minha homenagem, nesse tempo ou hoje, é a de um menino que deposita um ramo de flores campestres (açucenas?) aos pés da estátua de bronze.



                                   SINAIS*
     HOMENAGEM A FERNANDO PESSOA   
                  
 (* texto inédito, in ESTÓRIAS DE ESTAR E DE SER- 1985)  

Os sinos da tua aldeia do Largo de S. Carlos ouviam-se e não te restava outro remédio senão o de escrever.

-          O corpo complexo esvai-se de raiva quando o fogo retira o canto


-          O segredo não se resolve na poça em torno do menino deitado... Sabe-se lá se dormindo ou sonhando, pois seus olhos vazios azuis fitam o azul.

-          Não queria tornar a descer o rio do silêncio e, por isso, todas as portas cercadas de palmas eram refúgio ou ancoradoiro do vapor da Real Companhia Britânica.

-          E... porém há sempre uma esperança feita de estrelas, coroando a fronte de Ti em odes mordidas e rasgadas no ventre

-          Não guardei rancor às ovelhas que desciam o monte em manhãs de neblina ...
... Os cais socorriam o meu andar funâmbulo como se fossem ignorantes do morticínio das baleias

-          Há sempre um além .. o que não fica inscrito no momento ... o que sonhamos para nunca atingir ... o que pesa, soturno, os contornos de Aurora.

-          “Bum! Truz! Catrapuz!”
“Sou eu, o Gigante Adamastor! Sou eu, o Novo redentor da Pátria!
Hei de varrer as cobardias que enlutam as Quinas da Bandeira, ó única mortalha virginal!
Fujam aves de bico longo! Fujam!
Deixem-me mover a rápida locomotiva em perseguição do Século!

-          “Deixei o tabaco sobre a mesa, repare, não tanto por esquecimento, mas antes
      como marca ou sinal do fumo que me contém!”

....

E, todavia …

                 “I know not what tomorrow will bring” (**)

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(**últimas palavras de Fernando Pessoa, no leito de morte...)


segunda-feira, 28 de novembro de 2016

AFINAL, O QUE É POESIA?

Peço desculpa ao espírito de Fernando Pessoa, por utilizar, talvez de forma muito pouco fiel, a sua iluminada/iluminante abordagem do fenómeno poético, num dos seus textos em prosa. 
Creio que, segundo Pessoa, são 3 os grandes géneros de poesia, o épico, o lírico e o filosófico:

- O épico está relacionado com uma gesta coletiva, de tradição oral, mesmo se depois foi recolhida por escrito por alguém. 

- A poesia lírica tem a ver com o sentimento amoroso e todas as suas vertentes, todo o complexo de sentimentos e movimentos gerados pela paixão amorosa, no sentido mais lato. 

- A poesia filosófica, preferida de Pessoa - embora ele tenha dimensão épica na «Mensagem» e em muitos dos seus poemas esteja presente o lírico - está centrada numa reflexão, num pensar o mundo, a natureza, Deus, o homem. Mesmo quando parte de uma experiência pessoal, aspira ao geral.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

FILOSOFIA NATURAL?




A filosofia sempre me fascinou. Embora não me considere um filósofo, tenho alguma formação e, sobretudo, tenho-me interrogado sobre os processos cognitivos, sobre os afetos também, quer como biólogo, como professor ou como pessoa que interage e troca com os outros, seus semelhantes. 



Mas, desdenho as abordagens demasiado estruturadas, codificadas, em linguagem hermética. Não que seja impossível compreendê-las. Porém, as mais das vezes, faz-se um esforço para compreender o que o autor de um «sizudo» tratado filosófico quer dizer... e chega-se à conclusão de que o resultado não merecia o esforço. Igualmente, os filósofos de «modo de vida», que aparentam possuir afinidades com o meu pensamento, na maior parte dos casos não as possuem, pois se limitam a reforçar os lugares-comuns das massas, tendo assim venda assegurada dos seus livros. 

Mas é verdade que precisamos de filosofia como de «pão para o pensamento». Sem ela, será realmente impossível aprofundar as coisas importantes da vida - a própria vida, o amor, a amizade, o poder, a justiça, o espírito... 

Muitas vezes encontro mais poesia nos textos ou imagens que não têm a pretensão de ser «poéticos». O mesmo se passa em relação á filosofia.
Por exemplo,  Alvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro, junto com Fernando Pessoa, formam um quarteto de poesia filosófica, onde nos podemos sempre nutrir, onde nos podemos refrescar e curar das banalidades que invadem o nosso universo mediatizado.

A filosofia natural é praticada, estudada e aprofundada em múltiplas sociedades, épocas e civilizações. Porém, não é reconhecida sempre como tal. Por exemplo, a corrente conhecida por Taoismo é mais uma filosofia do que uma religião; tem como pontos centrais um estar dentro dos processos naturais, aceitar o mundo tal como ele é, não desprezar as energias que moldam o Universo, mas fazer tudo em obediência com esse Todo. 
A Filosofia Natural do Ocidente surgida, em grande parte, no seio das correntes materialistas dos séculos XVI-XVIII, mas também das correntes espirituais, deu-nos muita abertura para pensar o Mundo em moldes não estáticos, em dar o primado da experiência na busca da verdade, por fim reconhecendo na Natureza uma Mestra, que se deve seguir, por Ela nos dar as melhores soluções para os nossos problemas. 

A Filosofia Naturalista opõe-se ao racionalismo puro e duro, que deriva tudo de proposições matemáticas, chegando ao ponto de demonstrações da existência de Deus e outros absurdos. Não que seja absurdo postular a existência de Deus, entendamo-nos. Considero absurdo uma DEMONSTRAÇÃO dessa existência. 

No século XXI multiplicam-se os sinais de um renovo da Filosofia Natural, colocando a tónica numa filosofia como base e guia para a sabedoria. A vocação da filosofia está mais do lado da sabedoria do que do conhecimento científico, embora seja indispensável uma reflexão filosófica no âmago da pesquisa científica e uma reflexão sobre os resultados dessa pesquisa. 
A Filosofia Natural pode e deve estar em harmonia com os conhecimentos científicos, não os repudia, não os pretende «superar». 
Ela apenas tenta compreender a Natureza por dentro, na esperança de encontrar aí um guia para como conduzir a vida do próprio ser pensante. 
Pragmaticamente, pode ir buscar inspiração à Natureza para soluções tecnológicas que são aplicadas neste ou naquele domínio prático. 
Mas a filosofia da natureza vai muito além dessa «cópia» do natural, vai tentar estar em harmonia com a Natureza, vai tentar inserir-se harmoniosamente nos ciclos naturais.

O culto da Divina Natureza é, por vezes, algo limitado a Ela própria, como não existindo nada para além Dela (versão materialista) ou por vezes, é encarado como a expressão duma Divindade Cósmica, duma manifestação ou expressão da Divindade, mesmo como corporização do Divino.

Em ambos os casos, tem-se uma atitude de respeito para com o Mundo Natural e que, quanto mais não seja, se torna essencial para salvaguarda da vida e da saúde do nosso Planeta.

Sabemos como é frágil o ecossistema global, como o ser humano tem inflingido terríveis golpes nos equilíbrios naturais, mas ainda sem afetar de forma irreversível a possibilidade da recuperação da saúde do Planeta e dos Humanos que nele habitam. 



A Filosofia da Natureza, em todas as suas variantes, constitui um caminho sensato, pois se revela indispensável à sobrevivência de todos nós.