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terça-feira, 4 de julho de 2023

O RENOVO DA FILOSOFIA NATURAL

 

         Figura: simbolismo tranquilo de paisagem holandesa, séc. XVII 

Eu sinto que é necessário eclodir um novo ramo da grande árvore naturalista. Um ramo que pode florescer em meio das estruturas falsamente «inteligentes» e que nos cercam e mesmo nos invadem por todos os lados. 

Já não chega, com efeito, a resistência natural dos seres vivos e mesmo dos humanos, enquanto organismos. Na realidade, o que de positivo se poderia extrair de «progressos científicos e técnicos» neste novo milénio, foi desviado, quando não mesmo anulado, ou subvertido, pela civilização da ganância, do hedonismo e do individualismo exacerbado. Estas três características são apenas diferentes facetas dum fenómeno global de desorientação, decadência e desequilíbrio nas nossas  sociedades tecnologizadas, a saber:  

A ganância é o desejo de enriquecer e acumular riqueza por cima de quaisquer considerações éticas ou morais. Note-se que não considero o desejo de enriquecer, em si mesmo, como um mal. Mas, se as pessoas fossem formadas dentro de padrões de equidade e justiça (o que não acontece, antes pelo contrário) iriam naturalmente considerar que o facto de serem ricas, ou de terem enriquecido, se deve em grande parte, a estarem numa sociedade que lhes  proporcionou as coisas básicas, a própria organização social, sem o que os seus esforços teriam sido fúteis. A maior riqueza implica maior responsabilidade social, implica ter-se em conta a adequação do que se faz com o dinheiro e com  o poder daí decorrente. Isto seria a lógica de indivíduos que foram educados para internalizar certos valores. Pelo contrário, pessoas que não têm uma escala interna de valores acabam fatalmente por pensar que são ricas «porque o mereceram», etc.

Na escala individual, o hedonismo campeia, como forma predominante de comportamento, nas sociedades mais afluentes, mas também nas outras, com uma adoração de quem é rico, tem sucesso, tem fama, tem exposição mediática, etc. 

Este tipo de mediatização da vida pessoal chega ao ponto de uma «mise en scène» da própria vida pessoal e familiar, para se enquadrar dentro do imaginário da multidão adoradora do ídolo.  A media de «massas» é a principal promotora desta despudorada exposição da vida particular das «estrelas» (sejam de cinema, de desporto, de política, de empresários, dos membros de casas reais, etc.). Mas, não seria possível ela fazer este «trabalho de coscuvilhice», se as pessoas, que são o objeto dessa curiosidade, não se prestassem de bom grado ao jogo, não «abrissem as portas», por um lado; por outro,  este jornalismo vai ao encontro do desejo do público, ávido de intriga, de «ver pelo buraco da fechadura», ávido de conhecer as venturas e desventuras dos ricos e poderosos, de as comentar longamente, imaginando-se membro ou, pelo menos, frequentador dessa «elite».

O individualismo exacerbado é dado como «modelo» de comportamento. A ideologia de massas vai buscar todos os casos de «sucesso», que são invariavelmente descritos como a «gesta heroica» de um indivíduo, forçando o destino e finalmente recebendo o justo triunfo e recompensa pela sua persistência etc. Este discurso é um panegírico muito comum nos empresários. Têm todos eles uma característica; a de que «saíram do nada». Mas, também serve o propósito de mitificar a carreira de académicos, de médicos, de políticos, de artistas, etc. Portanto, nesta ideologia, o sucesso é tudo e assim tem-se as maiores nulidades promovidas a modelos de comportamento, de bom gosto e de virtudes!

Seria fácil atribuir isto tudo ao capitalismo, só que tal não decorre automaticamente do capitalismo, ou doutro tipo de organização económica e política da sociedade. Decorre do abandono da ligação do homem, dos homens organizados em sociedade, com a Natureza. 

Com efeito, este divórcio deu-se bastante cedo, na história da humanidade. Mas, embora a tecnologia inventada e desenvolvida, tenha sido sofisticada em vários domínios, desde a mais alta antiguidade, a vida em sociedade era ainda regida pelos ciclos naturais: As pessoas comiam o que a natureza lhes dava, na estação em que ela lhes dava; a agricultura era uma imitação da biologia e da ecologia; não a radical artificialidade, pondo as plantas e os animais em condições antinaturais, como hoje em dia, praticamente em todas as sociedade humanas (desenvolvidas, ou «em desenvolvimento»). 

Hoje tornou-se evidente, a humanidade está a ser acorrentada pelas invenções ou gadgets que alguns inventaram. Os que fabricam estes objetos tecnológicos dirão que eles trazem conforto, prazer, saber, velocidade, etc. Eles querem vender o máximo de produtos... nunca irão desvendar os aspetos negativos; porém, o público desejoso de consumir estes objetos, «esquece-se» de verificar minimamente se as promessas publicitadas, são reais ou apenas uma forma de publicitar o produto, «vendendo sonho».

A humanidade já não está em ligação com o mundo natural, na sua imensa maioria, pois uma maioria dos humanos habita em grandes cidades; outros, habitarão em centros urbanos mais pequenos, mas podem - numa proporção variável - estar tão «mentalmente urbanizados» como os primeiros. Sobretudo, a vida urbana com sua escravidão assalariada, a agressão à saúde e ao equilíbrio humano,  o gigantismo e  fealdade predominante do espaço urbano, etc. é ainda tida como local de vida «ideal», sobretudo pelos habitantes das áreas menos urbanizadas, ou rurais, que restam. Todos - ou quase - anseiam ir para a grande cidade, vista apenas pelas oportunidades, nunca vista através do prisma da exploração desenfreada e da vida antinatural.

Existe algum desejo de subtração a este ambiente urbano e à artificialidade do seu modo de vida mas, em muitos casos, este desejo permanece não realizado; noutros, as tentativas para viver em espaços rurais falham, porque as pessoas foram para lá com visões românticas do que é viver no campo, como agricultores. 

Em qualquer dos casos acima, trata-se duma pequena minoria. Enquanto a imensa maioria das pessoas urbanizadas anseia «estar no campo», mas em férias, apenas. Trazem para o espaço rural o modo de vida urbano («as casas de férias»), fazendo curtas estadias periódicas, numa transumância sazonal das famílias, sobretudo em estâncias de férias na costa, zonas  hipertrofiadas no Verão. São vilas e aldeias inicialmente rurais ou de pescadores, agora apenas vivendo de e para o turismo. 

Mas a Natureza embora esteja doente em muitos sítios é, sem dúvida, mais forte que as «civilizações», que apenas se interessam em extrair dela as matérias-primas, o rendimento, em pô-la a produzir como se duma fábrica se tratasse. A cura para os múltiplos males sociais que assolam a humanidade, não a tenho. Nem creio que alguém -seriamente - a possua. Certamente não a possuem, aqueles que se fazem arautos de filosofias ou ideologias de pacotilha, que aproveitam a moda ecologista, mas são destituídos de conhecimento científico. No fundo, são meramente políticos que se apropriam de slogans ditos «verdes», para melhor deterem as rédeas do poder (e os lucros daí decorrentes). 

Eu, antes de mais, procuro para mim próprio uma filosofia de vida: Um modo de ser e de estar, que seja compatível com as poucas verdades que eu reconheço, como sendo uma base válida para nortear o meu comportamento. Nesta medida, não proclamo que encontrei a solução para os problemas que afligem a humanidade. Tenho algum conhecimento, muito incompleto, dos modos como as sociedades funcionam, como se organizam, como produzem, com se distribuem no espaço, como se sustentam e se destroem a si próprias. Mas, de forma muito incompleta e com muitos erros, pois tenho de me basear por um lado, na experiência própria limitadíssima da sociedade, por outro de recolha de dados transmitidos por outros que - consciente ou inconscientemente - segregam sua visão do mundo (ideologia), ao descreverem os fenómenos sociais.

A filosofia natural parte do reconhecimento de que  Natureza tem um grau de complexidade e sofisticação enormes. Que encontrou soluções de adaptação a vários ambientes, com as suas características físicas próprias e com as comunidades de organismos que aí se encontram e vivem, sem «ajuda» humana de qualquer espécie. É também saber-se «ouvir» os animais e plantas, inclusive os «animais humanos» (e nós próprios), não para tirar daí «lucro» ou vantagem, mas para harmonizar o nosso comportamento, para estarmos inseridos harmoniosamente no Todo que é o Universo.

É uma religião, no sentido de re-unir o Homem com o Todo. As grandes religiões fazem isso, ou fizeram-no numa etapa da sua História, tendo sido reconhecidas como tal pelos que as fundaram, as expandiram e as seguiram. As ideologias, como reduções da «ciência» para servir de meio de alcançar o poder e de o manter, são «religiões», mas no sentido negativo de obscurecerem o relacionamento dos humanos com a Natureza e com o Divino. 

Se Deus é universal, se está em todo lado, se é omnisciente, se transcende tudo o que o espírito humano consegue conceber, então a Natureza é outra forma de designar Deus. Ela está em nós e fora de nós. Está nas estrelas e galáxias, assim como na profundeza dos oceanos e em todo e qualquer lugar que queiramos investigar. Queres respeitar a Natureza, então respeita-a como Divina, não a reduzas a objeto conveniente, ou a fonte de lucro. As relações entre os homens estão subvertidas, porque a relação dos homens com a Natureza e com Deus está subvertida. Só pode haver um progresso verdadeiro, se este progresso for para todos e isto engloba as gerações vindouras. Mas, este o falso progresso é depredador, faz-se à custa da capacidade de regeneração do ambiente e, portanto, das gerações vindouras. A orgulhosa civilização tecnológica mundializada, que nos aparece como «o progresso», não é mais do que a exacerbação do violar das leis naturais e divinas. Esta destruição é não criativa, ou seja, é uma depredação, em especial dos ecossistemas mais produtivos, em abundância e diversidade. 

Pare-se de chorar «lágrimas de crocodilo»,  a hipocrisia que consiste em afixar uma ideologia «verde» ou «ambientalista», para as pessoas se «sentirem bem com as suas consciências» e faça-se o que é necessário e possível, para se subtraírem a vós próprios, mas também ao vosso entorno (família, vizinhos, colegas...) a ideologia que mina e destrói irreversivelmente a capacidade de regeneração da vida.

Viver com consciência é, sobretudo, viver em função dum conhecimento do papel que tenho na Natureza. Quanto mais profundo for esse conhecimento, quanto melhor desempenho o papel que julgo ser o meu, melhor me sinto. Eu julgo que este sentimento é partilhado pelos humanos; senão por todos, por uma grande parte deles. É por isso que mantenho a esperança, apesar deste presente de regressão e degradação civilizacional, de que somos testemunhos.




domingo, 15 de maio de 2022

HOMENAGEM A UM HOMEM, POETA DE CORPO INTEIRO

 


O livro de Poesia de Maximiano Gonçalves, intitulado «Ouvir a Palavra», motivou-me a escrever o texto seguinte. Não atribuo nenhuma responsabilidade ao Autor pelo que eu escrevi. Somente, desejo indicar que este livro é dos poucos (seja de poesia, ou de outro género) que me tem estimulado a pensar. Tentei verter por escrito todo um emaranhado de sentimentos e pensamentos, que me assomam lendo os versos inspirados do seu Autor.      



Como eu amo a música! Como eu amo a poesia! 

Poesia é música, disso não tenho dúvida. Estar à escuta da palavra é somente a primeira e maior virtude do poeta. Estar dentro da palavra significa estar para lá do que explicitamente ela nos transmite: a palavra segundo a «definição do dicionário» é uma coisa, mas a palavra enquanto Verbo é outra. Esta segue até ao infinito, até aos confins que o criador do discurso (poético ou outro) se abalança encontrar-lhe. Por tal motivo, «em busca da palavra perdida», se desfiam horas e dias inteiros. Mas essa vã procura, essa obsessão esquisita, também tem um lado prático. É que a palavra é como o barro; pode ser esculpida com maior ou menor esmero, arte e técnica. Um indivíduo pode esculpir a palavra, como um escultor pode moldar no barro uma obra, que - eventualmente - será transposta para o bronze. Mas, também, encontramos, quase em bruto, pequenas esculturas que são «arte popular», que nos transmitem a vibração genuína duma emoção; aquela que passa misteriosamente das mãos do seu criador, ao indivíduo que dá com tal obra-prima de «arte popular».

É assim que eu vejo a arte em geral, como representação do universo interno do criador, mas em diálogo com a realidade do mundo. Esta noção da realidade, que nos concita a atenção e, mais do que isso, a consciência do que vai pelo mundo, pode ser perdida temporariamente ou permanentemente, mesmo pelos mais talentosos espíritos científicos, artísticos, literários ou filosóficos. Porém, é para mim uma questão muito central da minha produção literária, tanto em poesia, como noutros textos (filosóficos, de análise política, social, etc.). A questão que me parece importante é de estar conectado com o real, com a vida tal como ela é, tal como se pode vislumbrar na aparência, ou apreendê-la nas profundidades. Confundir realismo com materialismo, é um erro crasso; pode-se ser muito realista e ter um fundo de espiritualidade, pode-se ser materialista e estar completamente fora do real!

De tudo podemos discorrer, mas somente ficam as palavras que se vêm inserir na nossa vivência profunda. Só consigo decorar poemas, não apenas que esteticamente me satisfazem como, sobretudo, que me dizem muito, que se adequam aos sentimentos, aos acontecimentos, às vivências da minha vida. 

O poema «É bom inventar rios…». É curto, tem a forma dum epigrama; é daqueles que eu gosto de decorar, de tal maneira exprime na forma sintética da poesia, um humanismo que não necessita de extensas explicações intelectuais, porque é genuíno.


É bom inventar rios

E barcos que os atravessam

Lentos e esguios…


E pontes que levem gente

E não apenas fios

Tecidos por desafios

De material que não sente.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

[REFLEXÃO] NATUREZA, O ÚNICO SUPORTE DA ECONOMIA HUMANA


Uma economia natural ou inspirada diretamente na Natureza, como começar a pensá-la, a pô-la em prática?

- A economia tem sido associada com o dinheiro, nas nossas sociedades. No entanto, o dinheiro é uma invenção «recente». Data muito provavelmente das primeiras civilizações agrárias (sumérias etc.). Nestas, foi um instrumento de contabilização de propriedade (por exemplo os animais duma manada) ou relacionadas com o imposto devido ao rei (por exemplo, um  terreno correspondia, em imposto, a «X» alqueires de trigo).

Mas, antes disso, havia sociedades humanas, havia trocas no interior e exterior nos grupos, clãs e tribos. Com certeza que eles sabiam contar. As gravuras rupestres mostram uma profusão de animais, mas também muitas figuras abstratas, como pontos e traços, cujo significado não é possível restituir, mas que podem ter algo a ver com um sistema de contagem e numeração. A função de contabilidade não podia ser totalmente alheia aos humanos. Mas, as necessidades dessas épocas pré-agricultura não eram as mesmas das civilizações agrárias. As pessoas partilhavam os produtos da caça e da recoleta. Não havia possibilidade de fazer um stock de comida por longo tempo. O alimento que não podia ser consumido, estragava-se e tornava-se impróprio para consumo.

Fazendo um grande salto, vemos que a característica de nossas economias atuais é a superabundância de objetos, os quais não têm, muitas vezes, qualquer utilidade; ou, em que sua utilidade é apenas significativa dentro do presente sistema de códigos e convenções. Grande parte das coisas com valor de uso concreto, sejam utensílios ou produtos consumíveis, não estão associadas a prestígio social. Aqueles, não são considerados objetos com «valor», no complexo mental de alienação, de portadores de «status» para quem os possui, ou consome.

A acumulação foi um reflexo da necessidade, durante milénios, nas sociedades em que havia escassez crónica. Nas sociedades da abundância, a acumulação é uma patologia. As pessoas ficam literalmente afogadas em objetos, têm uma visão do mundo associada à posse desses objetos, nem têm outra forma de avaliar  - de dar valor - as relações sociais. A própria sexualidade tornou-se assunto de posse, não é troca igual, como seria de esperar; muitas vezes assume caráter violento, opressivo, de domínio. 

A economia restaurada seria um retorno saudável ao que realmente nos ajuda a viver, a desempenhar nossas funções, a ter real conforto e a usufruir do  belo. 

Alguns autores empenharam-se em calcular a energia consumida, por pessoa, na nossa civilização tecnológica. Uma pessoa, em média, teria em permanência ao seu dispor máquinas, aparelhos, veículos e energia para os operar, no equivalente a cerca de 200 «escravos energéticos» e isto, sem exagero nenhum. As pessoas médias de hoje, teriam acesso ao poder e ao conforto, numa escala semelhante aos grandes proprietários de escravos (e de terras) da antiguidade.  

Claro que este devorar de energia e de matérias-primas, é destruidor. Ele não pode ser magicamente «renovável», de modo nenhum. Há depredação, ou seja, não existe maneira de regenerar o ecossistema empobrecido por tudo aquilo que os humanos fazem «normalmente». Evoco aqui o papel deletério da agricultura industrial sobre a capacidade de regeneração dos ecossistemas agrícolas. Ou a impossibilidade de reciclar os minerais essenciais para o funcionamento dos telemóveis (lixo que se acumula), extraídos à custa de autêntico trabalho escravo, em minas situadas nos países mais pobres do planeta. Os inúmeros exemplos de depredação incluem a poluição dos oceanos e da sua vida, indispensáveis à sustentabilidade do planeta e da espécie humana. 

Tudo isto resulta duma certa visão da Natureza, como um «recurso» que se pode «explorar», que é «lícito» usar como nos apetecer, desde que o Estado, a Lei, reconheçam a nossa propriedade sobre essas coisas. A propriedade é vista como direito absoluto sobre seres vivos e objetos inanimados. Pode ela ser individual ou coletiva: Tanto num, como noutro caso, o resultado prático é o mesmo. A razão disto, é que são os sistemas políticos que regulam o acesso à propriedade. As normas são decretadas por homens, exclusivamente. Não são, nem jamais foram, um «mandato divino».  

A abolição deste estado de coisas não é possível, senão com a mudança real de perspetiva. 

Não vamos esperar mais uns milénios, até que as mentalidades mudem. Nessa altura, já será tarde demais, já demasiada degradação terá ocorrido. Mas, podem-se construir, agora, alternativas reais e não ficções de comunas hippies, ou outros devaneios de classes burguesas enfadadas. É muito triste vermos, hoje, que os esforços e sonhos dos jovens sejam «aspirados», com falsas lutas pela «sustentabilidade climática». Um aspeto elementar da estratégia ecológica verdadeira, é que a fragmentação das lutas ambientais e sua separação das lutas sociais, não pode servir senão para as transviar.

A transformação da sociedade por meios pacíficos, implica consciência, outra forma como a nossa relação à Natureza é pensada e sentida. Também necessita duma compreensão inteligente do que dizem as religiões e sistemas de filosofia sobre o assunto. Quem estiver consciente, tenha compreensão e compromisso com aqueles valores, pode encontrar e construir em conjunto com outros, uma comunidade intencional.

O radical divórcio do espírito humano em relação ao mundo natural, aconteceu como «avatar» da ciência mecânica triunfante, no período 1700 - 1900. O materialismo mecanicista, o deísmo e a «ideologia do progresso», estiveram associados à colonização. Esta já tinha começado muito antes, porém, nos séculos XVIII e XIX alcançou o cume, como sistema de exploração colonial e esclavagismo. 

É evidente que muitas coisas de grande valor, descobertas científicas, obras literárias, artes, filosofias, aconteceram nesse período. Não seremos nós a «deitar fora o bebé, com a água do banho». Pelo contrário, temos de nos apropriar e assumir que os valores científicos, filosóficos, estéticos, foram produtos de determinadas condições sociais de exploração, por mais deploráveis que tenham sido. 

Por isso mesmo, os ditos produtos são pertença de todos; não dos poucos descendentes das aristocracias de então, mas dos descendentes dos explorados, que somos quase todos: Ou seja, a educação real é emancipatória, não é um exercício de exclusão, de destruição, de obscurantismo.

Podemos nos emancipar da visão de acumulação de riqueza, pela alternativa clara em favor das trocas diretas e horizontais. Pela não conivência com a mercantilização da vida, seja a vida humana, seja a de quaisquer espécies. Mas, sobretudo, tentando aproximar (fugindo dos fundamentalismos idiotas) a nossa visão, o nosso ideal, do concreto, do prático. Alguns, chamam a isso «utopias»; eu chamo «utopias realizadas e desprezadas». Voltaremos a ver as coisas da Natureza com respeito, teremos de novo como ideal de vida, não acumular os bens e riquezas, mas a sua partilha com os outros.

Esta forma de ver e de organizar a vida, está em contradição apenas com a sociedade mercantil, com a sociedade onde o ter anula o ser. Isto corresponde somente a uma pequena camada superficial da nossa história enquanto espécie, como produtos da biologia e evolução, que se medem em biliões de anos.

A nossa espécie tem de ser capaz de perceber o que eu acima esbocei. Ela não pode estar refém de sistemas de poder, de imposições autoritárias, do desprezo pelas capacidades limitadas de regeneração dos sistemas naturais. A única via possível, inteligente e ética é de sermos guardiães (não proprietários gananciosos), tanto do mundo natural, como do património civilizacional acumulado. O corolário disto, é não aceitar que a nossa vida esteja sob o mando de psicopatas, que só pensam em termos de poder, de posse, acumulação de riqueza, por cima e em prejuízo de todos os outros.  

 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

SISTEMA REALMENTE NATURAL DE VALOR (EM ECONOMIA E EM TUDO)

 Sempre tive um grande respeito pelas coisas da Natureza. Sempre me interessei pelos mecanismos subtis e realmente adaptados aos seus fins que constituem os sistemas naturais, desde a mais insignificante bactéria, até aos ecossistemas mais exuberantes, regurgitando de vida, como as florestas tropicais /equatoriais. 

Aquilo que caracteriza a nossa época, é um enorme avanço nas ciências, em particular na Biologia, e - em paralelo - um total obscurecimento da mente humana, devido a uma ideologia mecanicista, derivada da «mentalidade de engenheiro» (os bons engenheiros me perdoem!), que prevalece, assimilando o humano e todas as criaturas vivas, a máquinas. Pior ainda, este mecanicismo afirma-se sem qualquer consciência de que o é. Ou seja, nem sequer é uma posição filosófica assumida como tal. Por isso, leva as pessoas, quer sejam muito pouco instruídas, quer tenham os mais brilhantes estudos e títulos académicos, a se comportarem como aquele indivíduo que serra o tronco da árvore no qual está sentado. Os sistemas naturais estão em perigo permanente, devido à predação e depredação - sob todas as formas - que é levada a cabo, devido à acumulação de detritos, poluentes de toda a espécie, produzidos e não apenas impossíveis de serem reciclados pela Natureza, como fator de destruição de espécies e dos seus habitats. No meio disto, a ideologia dominante inventou uma muito exagerada, senão falsa, ameaça do «efeito de estufa» culpando o CO2 pelos piores males do planeta, quando se trata de um gás como outros: Até, com papel fundamental no ecossistema global, visto que é a partir deste, que todas as plantas efetuam a fotossíntese e é graças a ele que temos temperaturas amenas, em grande parte do planeta e uma estabilidade relativa das mesmas, coisas que seria impossível existirem, sem o tal efeito de estufa. 

Mas, o objeto deste artigo é outro. Resumindo a minha tese:

Os objetos naturais e - em particular - os sistemas vivos, são o modelo natural de que os homens se deveriam inspirar em primeiro lugar, para a construção de seu modelo de economia. Com efeito, se observarmos com atenção, a Natureza «inventou» as formas mais eficazes de captar, aproveitar, reciclar e conservar a energia, assim como as matérias-primas de que carece, para construir suas estruturas e manter em funcionamento os organismos. 

A Natureza tem uma eficácia global inultrapassada, no que toca às reações químicas: os sistemas enzimáticos e seu papel na fisiologia da célula, de qualquer célula (desde a bactéria, ao homem), são duma eficácia inigualável pela Química contemporânea. Muitas reações correntes nas suas células, caro/a leitor/a, são absolutamente impossíveis de acontecer em sistemas não vivos, à temperatura e pressão normais. Apenas sistemas com temperaturas e pressões incompatíveis com a vida, poderiam permitir que tais reações (corriqueiras nas células) tivessem lugar e, quase sempre, com rendimento menor ao que se verifica na célula viva. 

Logicamente, querendo resolver problemas de engenharia, seja ela naval, aeronáutica, química, etc. muitos engenheiros e inventores se voltaram para os seres vivos e tentaram adaptar os modelos desenvolvidos por «Éons de evolução» e que têm comprovadamente a maior eficácia, em termos energéticos e do aproveitamento inteligente dos recursos ambientais.

Mas, os sistemas vivos também conseguem fazer uma gestão otimizada nos seus sistemas internos: A economia intracelular funciona, graças ao ATP e outras moléculas com papel nas trocas de energia. Na era em que se trata de sair das divisas emitidas pelos Estados, em que se tenta um sistema desmaterializado do dinheiro, como não pensar no inteligente «porta-moedas» que constitui o sistema bioquímico de "ATP-ADP-AMP"? Este, associado a  outros do mesmo tipo (GTP,etc),  encarrega-se de assegurar que os saldos positivos (ou seja, as reações exo-energéticas) sejam transferidos para reações devoradoras de energia (reações endo-energéticas).

Os sistemas evoluíram no sentido de fazerem o máximo com o que tinham «à mão de semear». Assim, por exemplo, numerosas proteínas, enzimáticas e outras, têm o ferro como elemento não-proteico na sua estrutura, pois este é o mais banal de todos os metais de transição. Estes são metais que possuem uma camada interna dos eletrões, não inteiramente preenchida e podem, portanto, efetuar ligações químicas muito interessantes, aproveitadas pelas enzimas. 

As formas de reserva de energia são muito eficazes; contêm um stock de energia facilmente mobilizável, em caso de necessidade, para o organismo. Há polissacarídeos, como o amido ou o glicogénio, que preenchem esta  função. Mas, o organismo tem uma reserva «estratégica», que são os lípidos, as gorduras armazenadas em tecidos especializados (tecidos adiposos). 

O papel de centrais energéticas celulares é preenchido pelas mitocôndrias, nos seres eucarióticos. Conseguiu a Natureza, nos eucariotas, incorporar e domesticar certas bactérias que usavam o oxigénio como oxidante, ou recetor final de eletrões numa cadeia de oxidação, com várias etapas associadas à síntese de ATP. Assim, a incorporação de novidade trouxe, nos alvores da vida na Terra, esta variedade de formas que hoje conhecemos. 

A Evolução Biológica é o processo que permite a otimização dos seres vivos e opera à escala de biliões de anos. Em cada geração, numa determinada espécie, no entanto, podem dar-se transformações, que se espalham em pouco tempo. Temos aqui um modelo de como combinar a conservação daquilo que tem sido positivo ao longo das gerações, com a aceitação e difusão rápida de inovação, caso esta realmente se traduza em vantagem para os indivíduos que a transportam. 

As «soluções» que os engenheiros encontram* para os problemas da nossa civilização, são extremamente pobres, têm pouca maleabilidade e não têm em conta as externalidades. Por exemplo, a poluição associada ao seu fabrico e uso: São inevitáveis, a um, ou outro nível. Mesmo quando publicitam que tal ou tal aparelho «não poluí», da sua construção não falam, nem da destruição dos ecossistemas e  esgotamento das matérias-primas. 

A economia humana pode caraterizar-se pela quantidade de desperdícios, dos produtos que se transformam em lixo, muito do qual não é reciclado (e nalguns casos, nem é reciclável). A Natureza recicla e aproveita sempre os materiais; o desperdício de uma espécie, é o nutriente de outra. «Nada se perde, tudo se transforma» (Lavoisier): Não sei se a célebre frase está correta à escala do Universo, mas à escala da Biosfera, está corretíssima.

Os seres vivos não vivem para «acumular dinheiro». O seu equivalente do dinheiro, é a energia. Ela é vista como deve ser, como um meio para alcançar um fim. O fim (de qualquer ser vivo) é a manutenção em vida saudável do indivíduo e a sua reprodução.  Não existe obesidade em animais selvagens; mesmo quando têm abundância de alimento. Pelo contrário, os que vivem como animais de estimação na sociedade humana e estão sujeitos às «lógicas humanas», são cada vez mais obesos (ou seja, doentes), tal como os seus donos...

Por estranho que pareça, não há muitos sistemas teóricos que usem - na economia, sociologia, ou noutras ciências sociais - a modelização a partir do que foi observado na biologia dos indivíduos, dos grupos e dos ecossistemas. Historicamente, a economia e a sociologia desenvolveram-se e criaram seus paradigmas no século XIX, quando a ciência biológica estava ainda na sua infância. A compreensão do mundo vivo explodiu literalmente no século XX. Essa explosão prolonga-se no presente século. 

Eu sei que existem modelos que tentam mimetizar o processo da Evolução Biológica, mas também me parecem pobres, inadequados.  Talvez, porque são feitos por economistas, filósofos ou outros, que veem do exterior a Biologia e a Evolução. Não sei se a era da biotecnologia irá mudar o modo como «decisores» políticos, e outros, encaram as questões. Atualmente, vejo antes «uma invasão» de mentalidade tecnocrática, típica de economistas e engenheiros, a infestar os cérebros, nos domínios da biologia aplicada. Talvez seja uma fase transitória. Porém, a formação dos cientistas (sejam biólogos, sejam outros) é cada vez mais precocemente especializada, pelo que eles não têm uma visão panorâmica quer na Natureza, quer da sociedade humana. Para haver inversão de paradigma, seria preciso haver uma mudança radical, ao nível da formação académica.

Basicamente, o que a Natureza nos ensina, é muito simples de adotar porque temos o próprio modelo em funcionamento, literalmente, debaixo dos olhos. Quer o tomemos tal como ele é, quer o transformemos, para servir nossos propósitos, estamos somente a operar como «oportunistas», que se aproveitaram duma longuíssima cadeia de ensaios (desde que a vida começou, há mais de 4 biliões de anos!) e que colhem os frutos da sabedoria acumulada. Mas, afinal, é o mais natural e biológico a fazer. 

Aliás, pode dizer-se que foi graças a essa atitude, que uns frágeis símios das savanas, há uns milhões de anos, criaram a sua tecnologia, transmitiram esse saber técnico e construíram sociedades baseadas na troca, evoluindo até à humanidade de hoje!

Sinto-me impotente para explicar melhor o meu sentimento: Seria preciso haver, na nossa época, maior cooperação e menos competição. Não considero isto original, nem pretendo que o seja, mas tenho impressão de que esta visão da Natureza é desprezada pelos meus contemporâneos. Creio que houve momentos na História das Sociedades e Civilizações,  em que a Natureza foi muito mais respeitada, foi seguida como fonte do que é bom, justo e apropriado (a «Mãe-Natureza»). Quanto mais tarde a humanidade regressar ao paradigma natural, desde a sociologia, antropologia, psicologia, política, urbanismo, à economia, mais irá sofrer. Sofrimento absurdo, porque não há necessidade, nem vantagem, em continuar neste jogo sadomasoquista de destruição, de depredação e de domínio violento sobre a Natureza e os homens. 

____________
(*) Vejam-se os exemplos dados por Fressoz, na sua conferência, AQUI.


PS1: Pensar-se que o dinheiro é algo «neutro», que é um mero instrumento, que depende só das mãos em quem ele está, é um erro crasso. As pessoas que acreditam nisso, são demasiado ingénuas e podem ser exploradas pelos espertos sem escrúpulos. Quando às que detêm realmente as alavancas do dinheiro, desde a sua emissão, à circulação e à distribuição, sabem que tal não é assim. Dirão que é um instrumento neutro, para confundir e ocultar o facto (tão evidente, afinal) que «quem detém o poder de emissão da divisa de uma nação é quem detém o poder verdadeiro, ao ponto de lhe ser indiferente quem governa e quem faz as leis»... Este pensamento, atribuído a Mayer Amschel Rothschild, continua a ter plena atualidade. 

O sistema monetário «fiducitário» (ou seja, o dinheiro baseado «na confiança» que o público tenha nos que o emitem), é a base do poder da finança. Mas, para que outro sistema o venha substituir, não apenas tem de ser operacional nas condições atuais, mas deverá ter clara vantagem sobre o sistema que ele substitui. Creio que é esse o problema principal contemporâneo; a manutenção e evolução de uma civilização mundializada passam por aí.


quarta-feira, 18 de julho de 2018

O REALISMO NÃO-INGÉNUO

A relação das pessoas com o mundo, que estas percepcionam, é normalmente assumida como simples, não problemática. 
O realismo ingénuo consiste em tomarmos o resultado dos nossos sentidos como uma descrição bastante fiel da realidade.
Porém, a informação objectiva não existe, pois o que nós percepcionamos quando vemos, ouvimos, cheiramos, etc. é sempre um complexo de «inputs», a vários níveis: 
- o próprio objecto e as ondas luminosas, acústicas, de moléculas olfactivas, etc. que dele emanam; 
- a captação pelos respectivos sentidos e o modo como estes descodificam o sinal  e o  traduzem em linguagem neuronal; 
- por fim, a percepção cerebral e a elaboração de uma «imagem mental», a qual se vai necessariamente compatibilizar com as memórias armazenadas, ou seja, uma total reconstrução da informação contida no input nervoso.  

O realismo não ingénuo admite portanto como evidente que a noção de que existe uma realidade exterior ao nosso ser, não obriga a que tenhamos de saber, através dos sentidos ou até de instrumentos (que afinal são extensões dos sentidos), qual é a natureza dos objectos que nos são dados a conhecer.
Por isso, a elaboração de um complexo de expectativas e desejos interfere sempre com a nossa percepção da realidade externa. Aqui, a chave do entendimento reside na noção de «percepção»: 
- o facto de que não seja uma simples transposição da realidade, mas antes uma elaboração mental, onde existe um input do exterior, mas onde predominam forma mental e  enquadramento subjectivo.
Todos nós tivemos experiências de miragens ou ilusões, assim como o equivalente ao nível dos sentidos auditivo, etc. Pois estas experiências correspondem a «imagens construídas» ou o equivalente, nos outros sentidos. Assim, sabemos em casos extremos, verificados, da não conformidade com o modelo mais habitual da realidade. Sabemos que os órgãos dos sentidos e os centros cerebrais que os controlam e elaboram sobre os mesmos, são capazes de construir «imagens» convincentes do real.  
No caso do sonho, também, somos tomados pelo convincente «realismo» daquilo que sonhamos, porque a elaboração das imagens passa-se no cérebro e não na retina ou nos impulsos nervosos que conduzem as mensagens ao cérebro. Caso contrário, só poderíamos sonhar «imagens» geradas e transmitidas, nesse momento, pelos órgãos dos sentidos respectivos.
A elaboração da realidade, cujos contornos possam ser apreendidos por várias pessoas ao mesmo tempo, não é coincidente. Isto mostra que não existe olhar «objectivo». 
Várias pessoas descrevem -com toda a sinceridade -  aquilo que vêem, ouvem, etc. e as descrições, normalmente, não são coincidentes, por vezes mesmo profundamente contraditórias entre si. A realidade não pode ser «matéria de consenso entre pares», entre testemunhas do mesmo fenómeno. 
O que origina as ondas (sejam electromagnéticas, sejam doutro tipo) existe, ou pode existir, como entidade independente do(s) observador(es). Porém, a interacção das ondas referidas com as «máquinas de captação do sinal» (sejam elas órgãos dos sentidos, sejam máquinas colocadas para detectar o referido sinal) não existe - obviamente - na ausência de detectores. 
A questão, debatida longamente durante séculos, se a realidade é ou não exterior ao observador, se persiste quando o observador não está, ou se manifesta na ausência de um ser que capte a informação emitida pelo objecto, parece-me obsoleta, num certo sentido. Parece-me permanecer como formulação defeituosa do modo como descrevemos o percurso da informação, desde os referidos objectos até à mente: 
Se a captação do sinal é que é - no final de contas - a «sensação», necessariamente ela supõe a presença do ser capaz de realizar tal captação. 
Afinal de contas, será impossível uma captação «objectiva», pois o sinal, mesmo quando captado por máquinas, não é mais do que uma tradução, seguida de interpretação. Haverá sempre perda de informação de um suporte (ou tipo de vibração), na passagem para outro. Além disso, no outro extremo existe sempre alguém, aquele que obtém e interpreta os dados registados pela máquina. 

A análise do problema leva-me a formular a hipótese que se pode referir como «Realismo Não-Ingénuo». Assumo que estejamos - afinal de contas - a teorizar, explicita ou implicitamente, o seguinte:
- Temos uma teoria sobre a emissão de energia dos corpos, sobre as ondas, de vária natureza, intensidade e comprimento que atravessam o espaço
- Temos uma teoria sobre a captação das mesmas ondas pelos órgãos dos sentidos, o mesmo é dizer descrição fisiológica dos órgãos e fenómenos da sensação.  
- Temos uma teoria sobre a maneira como o nosso cérebro,  o nosso «eu», constrói uma informação, partindo da impulsão do exterior, mas que não é só isso. Por outras palavras, não é o mero impulso nervoso que conduz o sinal da referida informação, vinda de fora, é muito mais que isso.

Nada mal! ... Se o leitor tiver estas referidas teorias bem arrumadas, ao efectuar a sua abordagem sobre os fenómenos da mente e da interacção desta com o «mundo», com «a realidade». São imensamente complexas e dinâmicas, as áreas da ciência cujos resultados participam na elaboração das referidas teorias.

Pessoalmente, prefiro dizer que não possuo teorias nenhumas sobre os referidos aspectos da questão. 
Quanto muito, vou captando algumas «dicas», aqui e ali, em artigos científicos, que eventualmente permitirão que especialistas elaborem teorias novas, ou melhorem as existentes. 
Fico contente, pois assim o meu pensamento é enriquecido por tais contributos.   

domingo, 29 de abril de 2018

A IMPARÁVEL POTÊNCIA DO AMOR

As pessoas «vulgares» não compreenderão o que eu escrevo; ou, pelo menos, irão tomar como literal o que é metafórico e vice-versa; irão tomar o particular pelo geral, ou o inverso... mas isso é assim, qualquer que seja a época, o substrato cultural. 
Por isso, não me vou importar muito em explicar as coisas. Apenas direi que escrevo como penso, em vários planos diferentes, em simultâneo. Assim, uma pessoa capaz de compreender isso, será um convidado «com pernas suficientemente operacionais», para se deslocar do rés-do-chão para os andares e vice versa, descer até à cave e abrir todos os alçapões da memória, que surjam.

      


A humanidade não precisa de mais bens de consumo. Ela está literalmente a sufocar em bens de consumo. Vejam os mares contaminados por séculos devido a plásticos que se fraccionam mas não desaparecem; vejam os aterros com toda a «porcaria» que é produzida pela «civilização» do consumo, quer nas grandes cidades do «1º Mundo», quer nas do «3º Mundo». 
Em paralelo com os aterros, mais e mais betão vai engolindo solos, muitos deles aráveis, quase todos de grande potencial, como os aluviais, presentes nas beiras dos rios, onde se situam quase todas as cidades.

                   

Entretanto os arsenais aumentam, as pessoas dos países ditos em desenvolvimento são apanhadas em guerras cruéis, destituídas de outra causa, a não ser da ganância dos poderosos... mas revestidas de mil e um pretextos, desde a defesa da nação, da tribo, da cultura, dos direitos humanos, do espaço vital, do acesso aos recursos, etc.

Uma sociedade, nos países ditos desenvolvidos, super informada mas que se «esmera» em olhar para o lado, ou para «acreditar», sem espírito crítico, nas patranhas que a média dominada por interesses poderosos, lhos vende quotidianamente.

As sociedades e as pessoas estão, sem o saberem, cativas nos seus afectos, no seu intelecto e nas suas emoções, através da droga dos «smart phones» e de todo o lixo des-informativo que percorre as redes digitais, ditas sociais (na realidade, o mais anti-sociais que se possa imaginar). 
Mas este alheamento torna as pessoas ao mesmo tempo insensíveis aos males que acontecem longe da sua esfera de «interesses e afectos» e hiper sensíveis a tudo o que lhe acontece a elas, aos seus próximos, ou mesmo a «causas» distantes de milhares de quilómetros, mas que decidem tomar como «suas». Tudo o resto, é-lhes indiferente. 

O acesso universal a toda a espécie de informação apenas desencadeou ou potenciou uma resposta de enfado a tudo aquilo que a pessoa «civilizada» não considera «interessante»,  aquilo que não reforça as suas convicções (leia-se preconceitos). 
O novo e o contraditório são tidos como o «intruso abusivo» inclusive por universitários, por intelectuais. Se há uma convicção deste tempo, é a de que cada um tem o legitimo direito a manter-se dentro de sua «esfera de conforto», de repudiar, ou descartar tudo o que venha desconstruir a sua narrativa pessoal, da sua bem pensante e pós-moderna vacuidade. 

Abaixo, uma foto de uma «calçada de gigantes», fenómeno natural fotografado numa ilha ao sul da Coreia. Tem o valor simbólico, para mim, da Natureza nos proporcionar os meios pelos quais podemos aceder a outro patamar como indivíduos e como civilização. 

               

Contra este estado de espírito, apenas uma religião cósmica, com a profunda consciência do dever para com os nossos semelhantes e para com a Natureza, poderá combater com sucesso. Não poderá usar as armas do «inimigo», a demagogia, o carisma dos líderes, etc. Deverá aceitar que o processo é longo e não terá atalhos possíveis. Será uma obra de paciência, de amor, de confiança no Todo Universal, de Tolerância e de Sabedoria. 
Acredito que esse tempo virá, mas que será provavelmente depois de eu ter morrido. Porém, já vislumbro sinais disso, embora sejam ainda maiores os sinais das desgraças e tragédias que se abatem neste Planeta. Mas isso mesmo, pode ser um sinal de que se alcançou o ponto de viragem. Deus queira que assim seja, oxalá! 





quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

FRAGMENTOS [OBRAS DE MANUEL BANET]

SOBRE ARTE TRANSCENDENTE

Há algo de transcendente na arte, por mais humana que seja sua expressão e por mais humanos que sejam os seus temas. Na verdade, ninguém saberá explicar exactamente a transcendência da arte. Não se estará nunca em condições de o fazer, porque esta qualidade é do foro emocional, não do racional. 
Algumas pessoas poderão dizer que todos os juízos sobre arte e, mesmo, todos os objectos de arte, se valem. Mas igualizar assim, de modo brutal, tudo o que seja produção artística, soa antes a um sofisma: Com efeito, a comunicação em arte ocorre, se e somente se houver transmissão da emoção, do sentimento, do objecto ou do ser representado, para o observador. 
A emoção em bruto, ressentida pelo artista, é filtrada, é trabalhada interiormente e transmite-se ao espectador/receptor... Será isto a essência do que se considera arte?

Na verdade, a arte estará sempre presente. Pelo olhar, estou sempre a ver arte: A natureza que contemplo, o mar, o céu, o jardim e os animais que se abrigam nele, tudo isto faz parte do meu mundo emocional. A arte, o encontrar beleza nas coisas, nos objectos, ou nas pessoas, está no olhar...

Com os anos, aprendi a apreciar as coisas óptimas ao meu alcance, já não me preocupando que os outros tivessem ou não os mesmos gostos. 
Sempre soube, ou intui antes de o teorizar, que o passado é que é real, mesmo que já não se possa experimentar directamente a emoção dum instante passado. 
Confesso ser influenciado pela música, pela pintura, etc. de eras passadas. Recebo a reverberação do passado sobre o presente. O passado, reactualizado na vivência do presente, está presente ... 


SOBRE SABEDORIA


Estar em modo de abertura e - ao mesmo tempo - centrado em si próprio, seria a base da sabedoria e da paz de espírito. Sabemos que o mundo sempre se agitou com paixões, com ambições, com desejos, com violência de vária ordem e com imenso amor, também. Compreendemos que não é coisa fácil, aceitar o mundo tal como ele é; será indispensável, porém, para uma tranquilidade de espírito. 
Os grandes sábios, os mestres iniciadores de religiões e correntes filosóficas, ao longo das eras, souberam dominar o medo e olhar sem vendas para o mundo tal como ele é. 
O princípio da sabedoria, poderia enunciar-se deste modo: manter a abertura para o mundo tal como ele é, sem descurar as tarefas necessárias para preservar o nosso ser. 

SOBRE OS INSTINTOS

Seria inútil ou mesmo impossível, toda e qualquer acumulação do saber e de arte se, a cada geração, fosse necessário tudo refazer. 
Tal equivaleria ao ciclo de vida  típico dos insectos, em que a geração filial está separada temporalmente da geração parental: os novos seres nascem de ovos, na estação favorável, quando seus progenitores já estão todos mortos. 
Em consequência disto, o comportamento destas espécies tem de ser quase todo determinado pelo instinto, pois não têm oportunidade de realizar aprendizagens, durante sua curta existência, que lhes ensinem como sobreviver e prosperar. 
À medida que se passa às formas mais complexas, mais elaboradas de seres vivos, a parte de instinto no comportamento vai diminuindo, a parte de cultura vai aumentando. 
O humano, será, afinal, um ser animal cujos instintos, não foram suprimidos, mas apenas dominados: no interior, pela mais recente aquisição evolutiva do cérebro (o neocórtex) e, no exterior, pela organização social e pela cultura, no sentido lato.


SOBRE A EDUCAÇÃO

Atribui-se uma importância primordial à educação. Esta não deveria estar centrada nos aspectos cognitivos, nas aprendizagens dos saberes teóricos, somente, mas deveria desenvolver-se enquanto prática social integradora, não amestradora, não castradora, dos jovens. 
A observação por dentro do sistema de «educação» permitiu-me constatar que, apesar de todos os discursos, a prática integradora exercida pela instituição escolar é ainda sobretudo «amestradora e  castradora», ou seja, limitadora da liberdade dos indivíduos. Pelo contrário, a componente de aprendizagem potencialmente emancipadora, o adquirir de competências socialmente úteis e capazes de gerar rendimento e, portanto que auxiliasse à autonomia real do indivíduo, tem estado atrofiada, marginalizada nos programas escolares e académicos. Tive ocasião de constatar que é algo que tem vindo a acentuar-se, cada vez mais, da escola básica até à universidade, inclusive. 


SOBRE A MEMÓRIA

A possibilidade de reescrever o passado existe, por mais estranho que pareça, à primeira vista: ela resulta da propriedade chamada resiliência. Sem ela, a existência dos humanos seria impossível, ou seria apenas mera sobrevivência.  
Seria útil reequacionar o conceito de memória humana como emanação dum órgão, como tendo uma essência orgânica. Não é ela de essência maquinal, como a memória de um computador. A analogia cérebro-computador está errada, ao nível profundo. Os mecanismos e modos de funcionamento inseridos nos  planos de construção respectivos são completamente distintos: 
- A memória humana é plástica, selectiva, altamente subjectiva, umas vezes precisa, outras vezes vaga. Ela também se pode auto-estimular, auto-construir-se e reconstruir-se; não tem nada que ver com máquinas fabricadas pelos homens. Estas podem simular, apenas e de modo muito imperfeito, o raciocínio lógico cerebral. Quanto ao domínio emocional, permanece exclusivo do cérebro humano (e animal).
O funcionamento da memória permite que sejamos quem somos, que tenhamos consciência de nós próprios. Não existe qualquer máquina com verdadeira consciência de si própria, por mais que os romances de ficção científica tentem tornar isso verosímil, os mundos dominados por robots. 


SOBRE O NARCISISMO

As pessoas confundem, muitas vezes, o conhecimento de si próprio com narcisismo. Enquanto o mito de Narciso tem profundo significado psicológico, o termo «narcisismo» é usado - de forma redutora - para designar uma patologia, uma forma extremada do amor de si. 
Mas o facto de estarmos atentos e olharmos nossa imagem ao espelho da alma, não somente será saudável, consiste mesmo na base do comportamento reflectido, da consciência, da ética. 
Só um certo grau de auto-conhecimento pode proporcionar ao individuo que este veja o mundo (e se veja no mundo) de forma equilibrada. A visão do real está implicitamente centrada no ser que observa. Só podemos observar literalmente com os próprios olhos, com o nosso ponto de vista. Porém, o fio que separa a auto-consciência, da auto-indulgência (do narcisismo patológico),  pode ser bastante ténue. 
Será necessária uma certa dose de amor de si, de auto-estima. Como traço estruturante da psique e do relacionamento na sociedade, será bem diferente do «narcisismo patológico».





quinta-feira, 13 de outubro de 2016

FILOSOFIA NATURAL?




A filosofia sempre me fascinou. Embora não me considere um filósofo, tenho alguma formação e, sobretudo, tenho-me interrogado sobre os processos cognitivos, sobre os afetos também, quer como biólogo, como professor ou como pessoa que interage e troca com os outros, seus semelhantes. 



Mas, desdenho as abordagens demasiado estruturadas, codificadas, em linguagem hermética. Não que seja impossível compreendê-las. Porém, as mais das vezes, faz-se um esforço para compreender o que o autor de um «sizudo» tratado filosófico quer dizer... e chega-se à conclusão de que o resultado não merecia o esforço. Igualmente, os filósofos de «modo de vida», que aparentam possuir afinidades com o meu pensamento, na maior parte dos casos não as possuem, pois se limitam a reforçar os lugares-comuns das massas, tendo assim venda assegurada dos seus livros. 

Mas é verdade que precisamos de filosofia como de «pão para o pensamento». Sem ela, será realmente impossível aprofundar as coisas importantes da vida - a própria vida, o amor, a amizade, o poder, a justiça, o espírito... 

Muitas vezes encontro mais poesia nos textos ou imagens que não têm a pretensão de ser «poéticos». O mesmo se passa em relação á filosofia.
Por exemplo,  Alvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro, junto com Fernando Pessoa, formam um quarteto de poesia filosófica, onde nos podemos sempre nutrir, onde nos podemos refrescar e curar das banalidades que invadem o nosso universo mediatizado.

A filosofia natural é praticada, estudada e aprofundada em múltiplas sociedades, épocas e civilizações. Porém, não é reconhecida sempre como tal. Por exemplo, a corrente conhecida por Taoismo é mais uma filosofia do que uma religião; tem como pontos centrais um estar dentro dos processos naturais, aceitar o mundo tal como ele é, não desprezar as energias que moldam o Universo, mas fazer tudo em obediência com esse Todo. 
A Filosofia Natural do Ocidente surgida, em grande parte, no seio das correntes materialistas dos séculos XVI-XVIII, mas também das correntes espirituais, deu-nos muita abertura para pensar o Mundo em moldes não estáticos, em dar o primado da experiência na busca da verdade, por fim reconhecendo na Natureza uma Mestra, que se deve seguir, por Ela nos dar as melhores soluções para os nossos problemas. 

A Filosofia Naturalista opõe-se ao racionalismo puro e duro, que deriva tudo de proposições matemáticas, chegando ao ponto de demonstrações da existência de Deus e outros absurdos. Não que seja absurdo postular a existência de Deus, entendamo-nos. Considero absurdo uma DEMONSTRAÇÃO dessa existência. 

No século XXI multiplicam-se os sinais de um renovo da Filosofia Natural, colocando a tónica numa filosofia como base e guia para a sabedoria. A vocação da filosofia está mais do lado da sabedoria do que do conhecimento científico, embora seja indispensável uma reflexão filosófica no âmago da pesquisa científica e uma reflexão sobre os resultados dessa pesquisa. 
A Filosofia Natural pode e deve estar em harmonia com os conhecimentos científicos, não os repudia, não os pretende «superar». 
Ela apenas tenta compreender a Natureza por dentro, na esperança de encontrar aí um guia para como conduzir a vida do próprio ser pensante. 
Pragmaticamente, pode ir buscar inspiração à Natureza para soluções tecnológicas que são aplicadas neste ou naquele domínio prático. 
Mas a filosofia da natureza vai muito além dessa «cópia» do natural, vai tentar estar em harmonia com a Natureza, vai tentar inserir-se harmoniosamente nos ciclos naturais.

O culto da Divina Natureza é, por vezes, algo limitado a Ela própria, como não existindo nada para além Dela (versão materialista) ou por vezes, é encarado como a expressão duma Divindade Cósmica, duma manifestação ou expressão da Divindade, mesmo como corporização do Divino.

Em ambos os casos, tem-se uma atitude de respeito para com o Mundo Natural e que, quanto mais não seja, se torna essencial para salvaguarda da vida e da saúde do nosso Planeta.

Sabemos como é frágil o ecossistema global, como o ser humano tem inflingido terríveis golpes nos equilíbrios naturais, mas ainda sem afetar de forma irreversível a possibilidade da recuperação da saúde do Planeta e dos Humanos que nele habitam. 



A Filosofia da Natureza, em todas as suas variantes, constitui um caminho sensato, pois se revela indispensável à sobrevivência de todos nós.