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sexta-feira, 11 de agosto de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS nº6: VINÍCIUS DE MORAES & O TROPICALISMO








Deixa
Fale quem quiser falar, meu bem
Deixa
Deixe o coração falar também
Porque ele tem razão demais quando se queixa
Então a gente deixa, deixa , deixa, deixa
Ninguém vive mais do que uma vez
Deixa
Diz que sim prá não dizer talvez
Deixa
A paixão também existe
Deixa
Não me deixes ficar triste

Porque ele tem razão demais quando se queixa
Então a gente deixa, deixa , deixa, deixa
Ninguém vive mais do que uma vez
Deixa
Diz que sim prá não dizer talvez
Mas ve se deixa

A paixão também existe
Deixa
Não me deixes ficar triste (bis)

Composição: Baden Powell.




  • TEMPO DE AMOR (SAMBA DO VELOSO)

    Vinicius de Moraes, Baden Powell

    Ah, bem melhor seria
    Poder viver em paz 
    Sem ter que sofrer 
    Sem ter que chorar 
    Sem ter que querer 
    Sem ter que se dar 

    Mas tem que sofrer 
    Mas tem que chorar 
    Mas tem que querer 
    Pra poder amar 

    Ah, mundo enganador 
    Ah, não quer mais dizer amor 
    Ah, não existe coisa mais triste que ter paz 
    E se arrepender, e se conformar 
    E se proteger de um amor a mais 

    O tempo de amor 
    É tempo de dor 
    O tempo de paz 
    Não faz nem desfaz 

    Ah, que não seja meu 
    O mundo onde o amor morreu
Vinícius, o poeta do tropicalismo, da miscigenação, da fusão entre culturas europeia, africana e índia. O Brasil de hoje nasceu dessas três fontes principais. A poesia de Vinícius e as composições de Baden Powell, Toquinho e de muitos outros, estão impregnadas de toda a paixão que um coração lusitano, transposto para os trópicos, poderá exprimir. 
É portanto muito natural que Vinícius seja celebrado aqui também, no extremo ocidental da Europa, como um grande poeta, como aquele que exprimiu os sentimentos de muita juventude através de frases lindas, simples e profundas, como só ele conseguia inventar. Mas, ainda por cima, a música intrínseca dos seus poemas é potenciada pela intervenção de músicos, compositores e interpretes, da maior qualidade (a lista seria demasiado longa, peço às pessoas interessadas para consultar a bibliografia e discografia relevantes).


Alguns apontamentos de poesia e música de Vinícius, que tenho recolhido aqui, neste blog:



sexta-feira, 4 de agosto de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS Nº5: FERNANDO PESSOA

                                     



A personalidade deste poeta português foi tão escrutinada, tão classificada, tão psicanalisada, que é perfeitamente inútil acrescentar ao rol de opiniões que têm desfilado, ao longo das décadas que sucederam ao seu «redescobrimento», sobretudo (nos anos 60 e depois a nível mais internacional a partir dos anos 80). Com efeito, ele viveu numa semiobscuridade, produzindo de forma prolixa, sobretudo textos poéticos, mas também esboços de romances, de ensaios e uma abundante correspondência. 
Aqui, irei remeter os leitores para as várias intervenções (1) feitas pelo «fantasma» Pessoa, frequentando o meu blog. Tem sido visitante infrequente, mas amistoso.
Eu confesso que o meu substrato de «Filosofia Natural» deve muito ao poeta filósofo. Porventura, foi o mais profundo de todos os poetas que Portugal teve,  esta república dos poetas. Foi Pessoa que escreveu 'a minha pátria é a língua portuguesa'. Existem muitas outras citações dele, que se foram banalizando; muita gente nem suspeita terem sido cunhadas por ele.
O que é válido para Pessoa, não se aplica aos que tentaram, de uma forma ou de outra, seguir-lhe no encalço : Isto, porque a maioria não possuía a centelha de génio que pudesse incendiar a imaginação, como  o fez o Mestre.
A poesia pessoana está na intercessão entre o paradoxo, o esoterismo, o classicismo, o modernismo, a procura do ideal, a exploração sistemática dos recursos linguísticos, e possui muitos aspetos  contraditórios: racional-irracional, natural-artificial, espontâneo-elaborado.
A complexidade e a diversidade dos estilos, derivam de sua própria personalidade pluri-facetada, que ele conscientemente assume. Por isso, não pode ser assimilado a uma qualquer forma de «esquizofrenia», porque o doente esquizofrénico não está consciente; é joguete do seu mundo interior perturbado. Aliás, não conheço obras de qualidade por esquizofrénicos; muitos doentes deste tipo rapidamente descem a um estado de profunda degradação mental. Pelo contrário, Pessoa encarna, de forma deliberada, cada faceta da sua personalidade complexa através de personagens fictícios (os heterónimos) que acabam por atingir uma espécie de vida «semi autónoma». 
Dos muitos heterónimos que se encontram em sua obra manuscrita (o mítico «baú» com as obras deixadas inéditas), sobressaem alguns, quer pelo volume produzido, quer pela celebridade atingida, depois de falecido o autor. 
Pessoalmente, na «leitura-descoberta» da obra pessoana durante a minha adolescência (anos 1970), o heterónimo que mais me impressionou foi o de «Alberto Caeiro». 
O «Guardador de Rebanhos» é uma série de poemas que podem ser lidos como um longo poema. O próprio Pessoa afirma - terá sido a fingir, ou verdade? - que os escreveu todos de uma vez. 
Para mim, estes poemas são um ponto alto inegável de poesia na língua portuguesa e de reflexão filosófica, tomando a forma de verso. 

Alberto Caeiro

XXI - Se eu pudesse trincar a terra toda

XXI

Se eu pudesse trincar a terra toda

E sentir-lhe um paladar,

E se a terra fosse uma coisa para trincar

Seria mais feliz um momento...

Mas eu nem sempre quero ser feliz.

É preciso ser de vez em quando infeliz

Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,

E a chuva, quando falta muito, pede-se.

Por isso tomo a infelicidade com a felicidade

Naturalmente, como quem não estranha

Que haja montanhas e planícies

E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo

Na felicidade ou na infelicidade,

Sentir como quem olha,

Pensar como quem anda,

E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,

E que o poente é belo e é bela a noite que fica...

Assim é e assim seja...

7-3-1914

“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946.

  - 45.




quarta-feira, 19 de julho de 2023

REPÚBLICA DOS POETAS nº2 . José Gomes Ferreira

 José Gomes Ferreira, poeta militante, num misto de poesia lírica e heroica, adota o tom perfeito para nos falar ao ouvido, como o faria nosso avô... 


Sim, tudo isto e muito mais, se poderia dizer e disse, porventura, nas homenagens ao poeta... depois de morto. Pela minha parte, lembro-me, adolescente, do maravilhamento ao ouvir discos vinil da Philips, com as gravações de poesias ditas pelo próprio poeta. 

Sem dúvida, houve compositores célebres e talentosos que musicaram alguns dos seus poemas, por exemplo, Manuel Freire ou Fernando Lopes Graça. Eles puseram o seu talento ao serviço de uma palavra que nos soava como profética, aos adolescentes dos anos 60. Num certo sentido, a profecia realizou-se e ... foi traída, como todas as utopias (que literalmente querem dizer «sem lugar onde»).

 Ele, José Gomes Ferreira e a sua obra, serão sempre membros ilustres da República dos Poetas. A propósito, descobri - há muitos anos - que o melhor método para as «autoridades» se verem livres de autores, artistas, ou outros personagens incómodos é erigirem-lhe estátuas, darem-lhes nomes de ruas, etc. , mas claro, depois de mortos e sem divulgação da sua obra junto da juventude.

Felizmente, para mim e pra outros gatos vadios, a poesia verdadeira não se vende, não se promove com reuniões de socialites, não entra em círculos snobs ou em feiras de mau gosto televisivo... 

A poesia dá-se.

Querem a prova do que acabo de dizer?  

 BALADA DUMA HEROÍNA QUE EU INVENTEI - poema de José Gomes  Ferreira

Vais morrer com a saia rota,

sem flores nos cabelos...

— Mas isso que importa

se depois de morta

ate as mãos da terra

hão-de florescê-los?

 

Vais morrer de blusa no fio,

sem laços nas tranças...

— Mas isso que importa

se depois de morta

até as mãos do Frio

penteiam as crianças?

 

Vais morrer espantada na rua,

sem fitas nos caracóis...

— Mas isso que importa

se depois de morta

até as mãos da lua

enfeitam os heróis?

 

Vais morrer a cantar numa esquina,

de sapatos velhos...

— Mas isso que importa

se depois de morta

continuarás a ser a menina

que nunca teve espelhos?

 

Vais morrer com olhos de águia presa

e meias de algodão...

— Mas isso que importa

se depois de morta

a tua beleza

não caberá num caixão.

E há-de rasgar a terra

e romper o chão

como uma primavera

de lágrimas acesa

que os homens atiram, em vão,

para a natureza?


(in Poeta Militante, 1º. Volume, Moraes Editora)


                                                https://www.youtube.com/watch?v=asx4B3hueK4


Dulcineia, Dulcineia,
volte ao que era:
uma plebeia
sem primavera

Volte aos redis,
coberta de chagas
— sem espuma em gomis
nem brilho de adagas.

Volte ao que foi,
pois ainda conserva
um cheirinho a boi,
um cheirinho a erva…

Volte a apanhar pinhas
e bosta para os fornos.
E a tanger cabrinhas
com flores nos cornos.

Volte a andar de gatas
como os outros bichos…
E esqueça as serenatas
aos seus caprichos.

Esqueça o castelo
onde os donzéis
se batiam em duelo
à século XVI…

E volte à aldeia
da sua labuta.

Dulcineia, Dulcineia,
deixe de ser Ideia
e torne-se a carne e a alma
da nova luta.

(de A Morte de D. Quixote, in Poeta Militante / Viagem do Século Vinte em Mim – 1º volume, Moraes editores, 1977 – Círculo de Poesia)

https://www.youtube.com/watch?v=gtp0kdmdRAE



Acordai, homens que dormis

a embalar a dor nos silêncios vis!

Vinde no clamor das almas viris,

arrancar a flor que dorme na raiz!

 

Acordai, raios e tufões

que dormis no ar e nas multidões!

Vinde incendiar de astros e canções

as pedras e o mar, o mundo e os corações…

 

acendei, as almas e de sois

este mar sem cais, nem luz de faróis!

E acordai, depois das lutas finais,

os nossos heróis que dormem nos covais.